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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE – JOÃO PAULO LORDELO 1 MANUAL PRÁTICO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE PARTE 1 -‐ TEORIA GERAL E CONTROLE DIFUSO PARTE 2 – CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE PARTE 3 – CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NOS ESTADOS-‐MEMBROS JOÃO PAULO LORDELO 2ª EDIÇÃO -‐ REVISADA 2015 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE – JOÃO PAULO LORDELO 2 JOÃO PAULO LORDELO Graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia (2009), com período sanduíche na Universidade de Santiago de Compostela (ES). Especialista em Direito do Estado (2009). Mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia (2013). Membro do Instituto Baiano de Direito Processual Penal e da Academia Brasileira de Direito Processual Civil. Professor em diversas instituições de ensino superior, pós-‐ graduação e cursos preparatórios para carreiras públicas. Aprovado em concurso para Procurador do Estado (PE), Defensor Público Federal (DPU), Juiz de Direito (BA) e Procurador da República (Ministério Público Federal -‐ 1ª colocação no concurso). Ex-‐Defensor Público Federal (2010-‐2014), é Procurador da República (MPF) na Bahia. Editor do site http://www.joaolordelo.com. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE – JOÃO PAULO LORDELO 3 MANUAL PRÁTICO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ATUALIZADO EM 26/05/2015 PARTE 1 -‐ TEORIA GERAL E CONTROLE DIFUSO – P. 04 PARTE 2 – CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE – P. 42 PARTE 3 – CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NOS ESTADOS-‐MEMBROS – P. 91 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE – JOÃO PAULO LORDELO 4 TEORIA GERAL DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Sumário: 1. Hierarquia entre normas do Ordenamento Jurídico 1.1. Hierarquia dos tratados internacionais 1.2. Hierarquia entre lei complementar a lei ordinária 1.3. Hierarquia entre leis federais, estaduais e municipais 2. Supremacia da Constituição 3. Conceito de inconstitucionalidade 4. Parâmetro ou Norma de referência 4.1. Bloco de Constitucionalidade 4.2. Inconstitucionalidade de normas constitucionais 5. Formas de controle de constitucionalidade 6. Formas de declaração de inconstitucionalidade 6.1. Quanto aos aspectos subjetivo e objetivo (erga omnes e vinculante) 6.2. Quanto ao aspecto temporal (ex tunc) 6.2.1. Modulação dos efeitos da decisão 6.2.1.1. Inconstitucionalidade progressiva (“norma ainda constitucional”) 6.2.1.2. Declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia da nulidade 6.2.1.3. Inconstitucionalidade circunstancial 6.2.1.4. Princípio da proibição do “atalhamento constitucional” ou do “desvio do poder constituinte” 7. Controle difuso 7.1. Cláusula de reserva de plenário ou full bench 7.2. Suspensão da execução pelo Senado Federal 7.3. Parâmetro de controle 7.4. Controle de normas no STF 7.5. Peculiaridades 7.6. Controle incidental feito pelo STJ 1. Hierarquia entre normas do Ordenamento Jurídico A hierarquia normativa, no ordenamento jurídico, pode ser assim representada: No topo da pirâmide estão as normas constitucionais. Quanto a isso, não existe hierarquia entre normas da Constituição, sejam originárias ou derivadas, direitos fundamentais ou não, princípios ou regras. O princípio que afasta a hierarquia entre normas da Constituição é o PRINCÍPIO DA UNIDADE DA CONSTITUIÇÃO. ATENÇÃO: o fato de não existir hierarquia entre normas constitucionais não impede que uma norma feita por emenda seja objeto de controle de constitucionalidade, embora não possam ser objeto de controle as normas originárias. E norma introduzida por emenda pode ser objeto de controle porque a edição de emendas está sujeita a uma série de limitações jurídicas. Assim, a emenda poderá ser objeto de controle se não obedecer às limitações do art. 60 da Constituição Federal, embora não possam sofrer controle de constitucionalidade as normas originárias. Junto com as normas constitucionais estão as normas previstas em tratados internacionais de direitos humanos aprovados por 3/5, em dois turnos, em ambas as casas do Congresso Nacional (art. 5º, §3º da CF). Abaixo, estão as normas de tratados de direitos humanos não aprovados pelo procedimento do art. 5º, §3º da CF, que possuem status supra legal. Abaixo destes, estão as leis, seguidas dos decretos. Normas constitucionais e Tratados do art. 5º, §3º da CF Normas supra legais (Tratados do art. 5º, §2º da CF) Leis (ordinárias, complementares, federais, estaduais, municipais, tratados comuns) Decretos CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE – JOÃO PAULO LORDELO 5 1.1. Hierarquia dos tratados internacionaisInicialmente, o STF entendia que todos os tratados internacionais seriam equivalentes às leis ordinárias, fossem eles de direitos humanos ou não. Com o advento da CF/88 e seu art. 5º, §2º, as divergências foram iniciadas, especialmente após a EC 45, que acrescentou o §3º ao art. 5º. Após um período de divergências doutrinárias acerca da natureza dos tratados internacionais, no final de 2007, no RE 466.343, o Ministro Gilmar Mendes passou a considerar que os tratados internacionais teriam uma tripla hierarquia: 1. Status de emenda constitucional ! Se o tratado internacional for de direitos humanos (requisito material) e for aprovado por 3/5 e dois turnos (requisito formal). Art. 5º, § 3º da CF. Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) 2. Status supralegal ! Se o tratado internacional for de direitos humanos, mas que não tenha sido aprovado por 3/5 e dois turnos (a CF/88 não obriga que os tratados que versem sobre direitos humanos sejam aprovados por 3/5 e dois turnos). Significa que estará acima das leis, mas abaixo da Constituição. Art. 5º, § 2º -‐ Os direitos e garantias [fundamentais] expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. O argumento é de que, se os direitos fundamentais expressos na CF/88 não excluem outros decorrentes de tratados internacionais, esses direitos, ao adentrar no ordenamento, são manifestação desses próprios direitos fundamentais. Esse é o posicionamento do STF (RE 466.343, de 03/12/2008. Pedro Lenza diz que, inicialmente, a tese da supralegalidade só era defendida por Gilmar Mendes, ficando o STF com o entendimento de que também os tratados de direitos humanos, quando não aprovados pelo quorum qualificado do art. 5º, §3º possuem status de lei ordinária. Tudo mudou no final de 2008. 3. Status de lei ordinária ! Se o tratado internacional for comum. Pacto de San José da Costa Rica e a prisão do depositário infiel O Pacto de San José da Costa Rica estabelece que não pode haver prisão civil do depositário infiel; a CF/88, contudo, permite tal prisão. A CF/88 prevalece sobre o Pacto, porque ele tem apenas caráter supralegal. Assim, em tese, seria possível a prisão do depositário infiel. No entanto, o STF não tem admitido a prisão por dívida do depositário infiel, sob o fundamento de que a CF/88 não prevê que haverá prisão civil por dívida, mas que poderá haver. Sendo essa norma de eficácia limitada, depende de regulamentação para ter eficácia, a qual foi dada pelo Decreto 911/69. Como o Pacto, de status supralegal, prevalece sobre o Decreto, impede sua aplicação, razão pela qual não pode haver prisão por depósito infiel (bem como no caso da alienação fiduciária). 1.2. Hierarquia entre lei complementar a lei ordinária O STJ, até pouco tem atrás, entendia que havia hierarquia entre essas duas leis (a lei complementar estaria acima). Hoje, tanto o STF quanto o STJ entendem que NÃO HÁ hierarquia entre lei complementar e lei ordinária, pois elas possuem campos materiais distintos estabelecidos pela Constituição. O que determina a hierarquia é de onde a norma retira seu fundamento de validade e, nesse caso, ambas as normas retiram os seus da Constituição Federal (somente haveria hierarquia se o fundamento de validade das leis ordinárias fossem as leis complementares). A Constituição estabelece as matérias que serão tratadas pela lei complementar e a lei ordinária trata das matérias residuais. O que diferencia a lei complementar da lei ordinária? CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE – JOÃO PAULO LORDELO 6 LEI ORDINÁRIA LEI COMPLEMENTAR Aspecto material Competência residual Competência reservada Aspecto formal Quórum de aprovação: maioria relativa (50% dos presentes) Quórum de aprovação: maioria absoluta A diferenciação quanto ao aspecto formal das leis ordinária e complementar está prevista nos seguintes artigos da Constituição: Art. 69. As leis complementares serão aprovadas por MAIORIA ABSOLUTA. Art. 47. Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas Comissões serão tomadas por MAIORIA DOS VOTOS, presente a maioria absoluta de seus membros. Quórum de VOTAÇÃO Quórum de APROVAÇÃO Lei Ordinária e Lei Complementar: Lei Ordinária: Lei Complementar: Maioria ABSOLUTA (2ª parte do art. 47) Maioria RELATIVA (1ª parte do art. 47) Maioria ABSOLUTA (art. 69) ATENÇÃO: A jurisprudênciado STF é no sentido de que, mesmo não existindo hierarquia entre as leis complementares e ordinárias, uma lei ordinária NÃO pode tratar de matéria de lei complementar porque a matéria de lei complementar é reservada. No entanto, a lei complementar PODE tratar de matéria de lei ordinária sem ser invalida por uma questão de economia legislativa (pois o quórum da lei ordinária teria sido atendido, já que o de aprovação da lei complementar é mais rígido que o da lei ordinária). Apesar de a lei não ser invalidada, ela será apenas formalmente complementar. Materialmente, ela será ordinária. A conseqüência jurídica disso é que essa lei poderá ser revogada posteriormente por uma lei ordinária. 1.3 Competência para solução de conflito entre normas federais, estaduais e municipais Antes da emenda 45, o tribunal competente para julgar conflito entre lei federal e lei local, por meio de Recurso Especial, era do STJ (que, sendo o guardião da lei federal, terminava privilegiando-‐a). Após a emenda 45, essa competência foi corrigida para ser do STF, pois será necessário que o conflito seja resolvido com base na Constituição (já que as competências das leis federais, estaduais e municipais estão previstas na CF). O conflito entre normas federais, estaduais e municipais é dirimido pelo STF, com base na CF. É possível, portanto, controle de constitucionalidade, quando houver conflito entre Lei estadual e Lei federal, por exemplo, por violação a regra de competência da CF. 2. Supremacia da Constituição A supremacia da Constituição pode ser entendida por dois viés, pela supremacia material ou formal. Qual das duas será relevante para o Controle de Constitucionalidade? • SUPREMACIA MATERIAL ! Está relacionada ao conteúdo da Constituição. Ela possui conteúdo superior às demais normas porque contém os fundamentos do Estado e do Direito (ex: Direitos Fundamentais, estrutura do Estado e a organização dos poderes). Toda Constituição tem supremacia material, independentemente de ser rígida ou flexível. • SUPREMACIA FORMAL ! Está relacionada ao processo através do qual a Constituição foi criada, ao seu processo de elaboração e sua forma especial de revisão. Somente possui supremacia formal a Constituição RÍGIDA (cujo processo de alteração seja mais solene que o processo ordinário). Para que a Constituição seja rígida, precisa ter normas escritas. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE – JOÃO PAULO LORDELO 7 A supremacia formal é um atributo específico das constituições rígidas. VERDADE1. Para fins de controle de constitucionalidade, o que importa é a supremacia formal da Constituição. Só haverá controle quando a Constituição for rígida. Se a Constituição for flexível (como no caso da Inglaterra), não há que se falar em controle de constitucionalidade. No caso das constituições flexíveis, o mesmo parlamento que elabora as leis pode alterar o conteúdo da Constituição. Muita gente confunde a supremacia formal e material com a inconstitucionalidade formal e material. Mas, na verdade, a supremacia só indica se haverá ou não controle de constitucionalidade. Uma vez que haja controle de constitucionalidade (pela supremacia formal), ele poder ser feito tanto em relação ao conteúdo das leis (inconstitucionalidade material) quanto em relação à forma de elaboração das leis (inconstitucionalidade formal). Controle de Constitucionalidade X Processo político-‐social (Gilmar Mendes): A Constituição é a ordem jurídica fundamental da coletividade (Konrad Hesse), que contém as linhas básicas do Estado. Ela possui, a um só tempo, rigidez e flexibilidade. É rígida porque suas regras devem observar um procedimento especial de promulgação e revisão. Por outro lado, como não tem pretensão de completude, possui a flexibilidade necessária ao contínuo desenvolvimento, permitindo que seu conteúdo permaneça aberto dentro do tempo. Vale dizer, possui uma perspectiva de legitimidade material (é escrita) e de abertura constitucional (é incompleta). Conciliam-‐se, assim, estabilidade e desenvolvimento (evitando-‐se a dissolução da ordem constitucional e o congelamento da ordem jurídica). É essa conciliação entre legitimidade material e abertura constitucional que permite a compatibilização do controle de constitucionalidade (que pressupõe uma Constituição rígida) com a dinâmica do processo político-‐social. 3. Conceito de inconstitucionalidade Segundo Hans Kelsen, uma Constituição que não dispõe de garantia para a anulação dos atos inconstitucionais não é propriamente obrigatória, razão pela qual a jurisdição constitucional seria decorrência lógica da Constituição em sentido estrito. Inconstitucionalidade é conceito que não se restringe à idéia de incompatibilidade com a Constituição, abrangendo a idéia de sanção: será inconstitucional oato que não incorrer em sanção (nulidade ou anulabilidade) por desconformidade com o ordenamento jurídico. ATENÇÃO: o conceito de inconstitucionalidade não abrange toda desconformidade com a Constituição, mas apenas a que decorrer de atos ou omissões dos Poderes Públicos. Nas palavras de Gilmar Mendes, a violação da ordem constitucional por entes privados, embora relevantes do prisma do direito constitucional, não se equipararia à ofensa perpetrada pelos órgãos públicos, destinatários primários de seus comandos normativos. Questão: de onde surgiu a idéia de controle de constitucionalidade? Qual o contexto histórico? O caso “Marbury v. Madison foi a primeira decisão na qual a Suprema Corte (americana) afirmou seu poder de exercer o controle de constitucionalidade, negando aplicação a leis que, de acordo com sua interpretação, fossem inconstitucionais. [...] foi a decisão que inaugurou o controle de constitucionalidade no constitucionalismo moderno, deixando assentado o princípio da supremacia da Constituição, da subordinação a ele de todos os Poderes estatais e da competência do Judiciário como seu intérprete final, podendo invalidar os atos que lhe contravenham”. 3.1. Sistemas de inconstitucionalidade (natureza jurídica da norma inconstitucional) Quanto à natureza jurídica das normas inconstitucionais há 3 correntes: 1ª Corrente, uma norma inconstitucional é norma inexistente. 1 Assim, a Constituição inglesa não tem supremacia formal. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE – JOÃO PAULO LORDELO 8 2ª Corrente, adotada pelo STF e nos EUA, a lei inconstitucional é um ato nulo, padecendo de vício de origem (insanável). “Se uma lei inconstitucional pudesse reger dada situação e produzir efeitos regulares e válidos, isso representaria a negativa de vigência da Constituição naquele mesmo período, em relação àquela matéria” (BARROSO). 3ª Corrente, defendida por Hans Kelsen (adotada no sistema autríaco), entende que uma lei inconstitucional é um ato apenas anulável. Isso porque a lei deve ter obrigatoriedade, não podendo as pessoas alegar sua nulidade para não cumpri-‐la. Para Kelsen, o controle de constitucionalidade consistia em uma atividade legislativa negativa, devendo a norma permanecer válida até que a corte viesse a pronunciar a sua inconstitucionalidade. Tal entendimento não prevaleceu na doutrina e nem nos ordenamentos positivos, exceto na Áustria. Atente: apesar de o Brasil ter adotado, ao lado do sistema difuso (EUA), o controle concentrado de constitucionalidade (de origem austríaca), adotou, quanto à natureza jurídica da norma inconstitucional, a teoria da nulidade, afastando-‐se a tese austríaca da anulabilidade. Assim, existem dois sistemas básicos de inconstitucionalidade: a teoria da “nulidade absoluta da norma declarada inconstitucional” e a teoria da “anulabilidade da norma inconstitucional”. Sistema norte-‐americano da NULIDADE (Marshall) Sistema austríaco da ANULABILIDADE (Kelsen) Lei inconstitucional é ato NULO (invalidação ab initio) Lei inconstitucional é ato ANULÁVEL (a lei produz efeitos até sua anulação) A decisão de inconstitucionalidade é declaratória A decisão de inconstitucionalidade é constitutiva O vício é aferido no campo da validade O vício é aferido no campo da eficácia A decisão de inconstitucionalidade é ex tunc (não pode sofrer modulação porque a lei jamais produziu efeitos que demandem manutenção) A decisão de inconstitucionalidade é ex nunc ou pro futuro (em caso de modulação dos efeitos da decisão) No direito moderno, o rigor das duas teorias foi flexibilizado. O sistema austríaco passou a admitir a atribuição de efeitos retroativos à decisão anulatória da norma inconstitucional. O sistema norte-‐americado, por sua vez, passou a admitir a modulação dos efeitos da decisão declaratória de inconstitucionalidade. O direito brasileiro adota o sistema norte-‐americano de nulidade absoluta da lei inconstitucional, mas mitiga o princípio da nulidade com outros princípios constitucionais: segurança jurídica e boa-‐fé. Assim, a doutrina da ineficácia ab initio da lei inconstitucional não pode ser entendida em termos absolutos, pois que os efeitos DE FATO que a norma produziu não podem ser suprimidos, sumariamente, por simples obra de um decreto judiciário. Mitigações do sistema norte-‐americano da nulidade no Brasil: a) No controle concentrado de constitucionalidade ! Aplicação da técnica da modulação dos efeitos da decisão por previsão legal art. 27 da lei 9.868/99. Art. 27 da lei 9.868/99. Ao declarar a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou deexcepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. b) No controle difuso de constitucionalidade ! Aplicação da modulação dos efeitos nas decisões de controle difuso por ponderação de valores, sem previsão legal, por questões de segurança jurídica, interesse social e boa-‐fé. Ex: ação civil pública ajuizada pelo MP/SP pedindo a declaração incidental da inconstitucionalidade da lei que aumentava o número de vereadores e devolução dos subsídios indevidamente pagos. O STF, entendendo que “a declaração de nulidade com os ordinários efeitos ex tunc da composição da Câmara representaria um verdadeiro caos quanto à validade, não apenas em parte, das eleições já realizadas, mas dos atos legislativos praticados por esse órgão sob o manto presuntivo da legitimidade”, entendeu que sua decisão só se aplicada para as eleições futuras. STF – RE 197.917/SP; Pleno; j. 06/06/2002. 4. Parâmetro ou Norma de referência (para o controle de constitucionalidade) CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE – JOÃO PAULO LORDELO 9 Parâmetro é a norma com status constitucional com base na qual deve será realizado o controle de constitucionalidade. É a NORMA DE REFERÊNCIA. Toda a Constituição Federal de 1988 serve como parâmetro, inclusive os princípios implícitos constitucionais (ex: princípio da proporcionalidade), exceto o preâmbulo. É possível fazer controle de constitucionalidade com base em princípio constitucional implícito. A CF/88 é dividida em três partes: Preâmbulo, Parte Permanente (art. 1º ao art. 250) e o ADCT. De todas estas partes, a única que não serve de parâmetro para o controle é o Preâmbulo, porque não tem caráter normativo; não é considerado norma jurídica pelo STF2. A parte permanente diz respeito aos princípios expressos e implícitos, podendo ambos servir de parâmetro. Os princípios implícitos no texto da Constituição também servem como parâmetro para o controle, sejam da Parte Permanente, sejam do ADCT. Os tratados internacionais de direitos humanos aprovados por 3/5 em dois turnos de votação também servem como parâmetro, pois possuem status de norma constitucional. Como já dito, o que importa é a rigidez do ato (forma prevista no art. 5º, §3º) e não o conteúdo constitucional (pois é a supremacia formal que possibilita o controle de constitucionalidade). 4.1. Bloco de Constitucionalidade Essa expressão foi criada por Louis Favoreu, para se referir a todas as normas do ordenamento jurídico francês que têm status constitucionais. Na França, possuem status constitucional: a Constituição de 1958 (atual), o preâmbulo da Constituição de 1947 (a anterior) e a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, bem como outras normas. O STF tem utilizado a expressão “bloco de constitucionalidade” para se referir à NORMA DE REFERÊNCIA. O termo pode ser interpretado de forma estrita ou ampla, não havendo consenso na doutrina: " Sentido estrito: Canotilho se refere a bloco de constitucionalidade em sentido estrito. Segundo ele, fariam parte do bloco apenas as normas que servem de parâmetro para o controle de constitucionalidade. " Sentido amplo: Normas constitucionais + Preâmbulo + Normas infraconstitucionais reconduzíveis à Constituição. Normas infraconstitucionais reconduzíveis à Constituição são as fundamentais ao exercício de direitos constitucionais. EXEMPLO: A concretização do direito social (aberto), necessária à sua densificação, mesmo sendo feita por norma infraconstitucional, faria parte do bloco de constitucionalidade em sentido amplo, submetendo-‐se à vedação do retrocesso, para aqueles que compreendem o bloco de constitucionalidade em sentido amplo. 4.2. Inconstitucionalidade de normas constitucionais O controle de constitucionalidade contempla o próprio direito de revisão reconhecido ao Poder Constituinte Derivado. Esse poder de revisão é limitado pelas cláusulas pétreas (forma federativa de Estado; voto direto, periódico, secreto e universal; separação dos Poderes; direitos e garantias individuais – art. 60, §4º da CF) que impedem a “efetivação de um suicídio do Estado de Direito Democrático sob a forma de legalidade”3. A inconstitucionalidade de normas constitucionais decorre da afronta ao processo de reforma da Constituição e das cláusulas pétreas. 2 O STF decidiu isso quando julgou a ADI proposta contra o preâmbulo da Constituição do Acre, que não reproduzia a menção a Deus,existente na Constituição Federal. 3 Nesse sentido se pronunciou o Tribunal Constitucional alemão, asseverando que o constituinte não dispõe de poderes para suspender ou suprimir a Constituição. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE – JOÃO PAULO LORDELO 10 4.2.1 Limites imanentes ao poder constituinte originário O constitucionalismo moderno se caracteriza pelo esforço de positivar o direito natural (direitos inatos, princípios superiores ou prévios). A consolidação desses postulados em Constituições ocorreu por meio dos direitos fundamentais. Assim, as idéias jusnaturalistas eram a base da Constituição americana de 1787. Segundo Gilmar Mendes, em um primeiro momento, o direito constitucional norte-‐americano pautava-‐se na idéia de que tanto o Poder Legislativo quanto o Poder Judiciário estavam, independentemente de restrições constitucionais expressas, limitados a VALORAR os princípios eternos naturais ligados à noção de JUSTIÇA, competindo-‐lhes apenas REVELAR essa concepção. Assim, era constitucional o que fosse justo e inconstitucional o injusto. Embora a teoria das limitações implícitas tenha se desenvolvido bastante nos EUA e se reconheça a base naturalista dos direitos fundamentais, a sua aplicação ao poder constituinte não teve grande acolhida na jurisprudência americana. Segundo Loewenstein, a idéia de uma limitação imposta ao legislador constituinte é estranha ao pensamento jurídico americano. Ao revés, a Alemanha pós-‐guerra admite o controle da reforma constitucional e reconhece a existência de princípios supra-‐positivos cuja observância se afigura obrigatória para o próprio constituinte. A Corte alemã reconheceu, ademais, a sua competência para aferir a compatibilidade do direito positivo com os postulados do direito suprapositivo4. 5. Formas de controle de constitucionalidade a) Quanto ao tipo de conduta do Poder Público, a inconstitucionalidade pode ser por: Obs.: Quando trata da conduta do Poder Público, está se referindo ao objeto de controle (e não ao parâmetro). • AÇÃO # Pressupõe uma conduta positiva do legislador que não se compatibiliza com os princípios e normas constitucionalmente consagrados. Ex: quando o poder público cria uma lei inconstitucional. • OMISSÃO # Decorre de uma lacuna inconstitucional, ou seja, do descumprimento da obrigação constitucional de legislar na regulamentação de normas constitucionais de eficácia limitada. Essa omissão resulta tanto de comandos explícitos da CF como de decisões fundamentais no processo de interpretação. Há uma conduta negativa do Poder Público que deixa de agir quando deveria. Atente: A simples inércia por parte do legislador não significa que esteja diante de uma omissão inconstitucional. Esta omissão se configura com o descumprimento de um mandamento constitucional no sentido de que atue positivamente, criando uma norma legal5. Ex: Exclusão de benefício incompatível com o princípio da isonomia (concedendo benefícios a determinados segmentos ou grupos sem contemplar outros que se encontram em condições idênticas). Essa exclusão pode ser concludente (se a lei concede benefícios apenas a determinado grupo) ou explícita (se a lei geral que outorga determinados benefícios a certo grupo exclui sua aplicação a outros). Em relação às normas programáticas, em regra não será possível falar em omissão inconstitucional, salvo, por certo, se a inércia inviabilizar providências ou prestações correspondentes ao mínimo existencial. A CF/88 concebeu dois remédios jurídicos diversos para enfrentar o problema: " Mandado de injunção, para a tutela incidental e in concreto de direitos subjetivos constitucionais devido à ausência de norma reguladora; " Ação direta de inconstitucionalidade por omissão (AIO -‐ art. 103, §2º), para o controle por via principal e em tese das omissões normativas (controle concentrado-‐abstrato). 4 Conforme pontua Gilmar Mendes, essa afirmação não passava, porém, de um obter dictum, que jamais assumiu relevância jurídica. 5 Para haver uma omissão inconstitucional, é necessário que a norma da Constituição determine que o Poder Público faça algo e ele não faça. Ex: direito de greve dos servidores públicos – a CF assegura o direito, mas define que ele deve ser exercido na forma da lei, sendo uma norma dirigida ao Poder Público. Assim, se o Poder Público não elabora a lei, há uma omissão inconstitucional. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE – JOÃO PAULO LORDELO 11 A omissão pode ser total ou parcial: o Omissão Total ! A omissão total ou absoluta está configurada quando o legislador, tendo o dever jurídico de atuar, abstenha-‐se inteiramente de fazê-‐lo, deixandoum vazio normativo no tema. Neste caso, três são as possibilidades de atuação judicial: i. Reconhecer auto-‐aplicabilidade da norma constitucional e fazê-‐la incidir diretamente: Existem precedentes no STF, para casos em que há desnecessidade de criação de ato normativo. Geralmente, dá-‐se prazo ao órgão para que supra a lacuna. ii. Apenas declarar a existência da omissão, constituindo em mora o órgão omisso: É a prática jurisprudencial mais comum (declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade). iii. Criar a norma para o caso concreto: É a opção menos comum, embora mais efetiva (e que tem tomado força). O tribunal supre a lacuna com base no art. 4º da LICC, utilização a analogia, costumes, princípios gerais do direito. o Omissão Parcial ! A omissão parcial possui duas espécies: omissão parcial relativa ou omissão parcial propriamente dita: a) Omissão parcial relativa: A lei exclui do seu âmbito de incidência determinada categoria que nele deveria estar abrigada, privando-‐a de um benefício. Há, aqui, violação ao princípio da isonomia. Também são 3 as possibilidades de atuação judicial: i. Declaração de inconstitucionalidade por ação da lei que fere a isonomia # Embora haja alguns precedentes, gera o inconveniente de universalizar situação desvantajosa. ii. Declaração de inconstitucionalidade por omissão parcial da lei, dando-‐se ciência ao órgão legislador para tomar as providências necessárias # Já foi acolhida no Brasil, em sede de ADI, mas sem fixação de prazo para o legislador. iii. Extensão do benefício à categoria excluída # Enfrenta dificuldades, em razão do princípio da separação de poderes. A posição comum da jurisprudência é a rejeição de pedidos dessa natureza, com base na Súmula 339 do STF: “não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia”. O STF, contudo, já abriu controvertida exceção à sua própria jurisprudência, no AgRg em AI 211.422-‐ PI, estendendo aos servidores públicos civis reajuste que havia dado apenas aos militares. b) Omissão parcial propriamente dita: O legislador atua sem afetar o princípio da isonomia, mas de modo insuficiente ou deficiente relativamente à obrigação que lhe era imposta. No julgamento da ADI 1.458, entendeu o STF: “[...] A procedência da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, importando em reconhecimento judicial do estado de inércia do Poder Público, confere ao Supremo Tribunal Federal, unicamente, o poder de cientificar o legislador inadimplente, para que este adote as medidas necessárias à concretização do texto constitucional. -‐ Não assiste ao Supremo Tribunal Federal, contudo, em face dos próprios limites fixados pela Carta Política em tema de inconstitucionalidade por omissão (CF, art. 103, § 2º), a prerrogativa de expedir provimentos normativos com o objetivo de suprir a inatividade do órgão legislativo inadimplente”. b) Quanto à norma constitucional ofendida ou à origem do defeito que macula o ato questionado, a inconstitucionalidade pode ser: • FORMAL ou NOMODINÂMICA # Ocorre quando a lei possui algum vício de forma, independentemente de seu conteúdo. Assim, funda-‐se na violação de procedimento previsto para a criação de uma lei. A inconstitucionalidade formal pode ser: o Subjetiva ou Orgânica ! A inconstitucionalidade decorre do desatendido de norma que estabelece formalidade quanto à COMPETÊNCIA, ou seja, quanto ao sujeito competente para praticar o ato. Ex: lei municipal que discipline o uso do cinto de segurança, já que se trata de competência da União CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE – JOÃO PAULO LORDELO 12 (orgânica); deputado que inicia projeto de lei tencionando modificar o efetivo das Forças Armadas, de iniciativa privativa do Presidente da República (subjetiva)6. OBS: Sanção de projeto eivado com inconstitucionalidade formal subjetiva O STF entende que a sanção aposta pelo Chefe do Poder Executivo a projetos eivados pela usurpação de iniciativa reservada (sua) não possui eficácia convalidatória. A falta de iniciativa é vício de origem e, portanto, insanável pela sanção daquele que possuía a competência reservada. O STF, inclusive, cancelou a súmula 5, que dizia o contrário. José Afonso da Silva defende o contrário por entender que a regra da reserva de iniciativa é imperativa no que tange a subordinar a formação da lei à vontade exclusiva do titular da iniciativa, mas que essa vontade pode atuar em dois momentos, ou no da iniciativa ou no da sanção. o Objetiva ! A inconstitucionalidade decorre de violação de norma constitucional que estabelece um PROCEDIMENTO, uma formalidade com relação ao processo de elaboração. Ex: lei complementar aprovada com quórum menor que a maioria dos membros é inconstitucional formal objetivamente(art. 69 da CF). Ex: a emenda de redação pode existir na Casa revisora, mas desde que não signifique substancial modificação do texto aprovado na Casa iniciadora. Se isso ocorrer, terá de voltar para análise de outra Casa. o Por violação a pressupostos objetivos do ato normativo ! A violação/falta dos pressupostos, requisitos externos e anteriores ao procedimento legislativo, também gera inconstitucionalidade. Ex.: verificação dos requisitos de relevância e urgência quando da edição de medida provisória; observância dos requisitos do art. 18, §4º para a criação de Município. Art. 18, § 4º da CF. A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-‐se-‐ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei. Pode o Poder Judiciário analisar esses pressupostos constitucionais? O Poder Judiciário só pode analisar os pressupostos constitucionais da Medida Provisória quando a inconstitucionalidade for flagrante e objetiva (termos utilizados pelo STF). Isso é raro. • MATERIAL ou NOMOESTÁTICA (de conteúdo, substancial ou doutrinária) # Quando a norma inconstitucionalidade vicia o próprio conteúdo ou o aspecto substantivo do ato, originando-‐se de um conflito com regras ou princípios estabelecidos na CF ou do desvio ou excesso de Poder Legislativo (deve-‐ se analisar a adequação, necessidade e proporcionalidade do ato). Ex: lei que viole o princípio da igualdade; lei discriminatória. Obs.1: o controle material de constitucionalidade pode ter como parâmetro todas as categorias de norma constitucionais: de organização, definidores de direitos e programáticas. Obs.2: uma lei pode ser, ao mesmo tempo, inconstitucional formal e materialmente. Nestes casos, se a inconstitucionalidade for evidente ou manifesta, temos o que o STF chama de inconstitucionalidade chapada, enlouquecida, desvairada. Ensina BARROSO: “O reconhecimento da inconstitucionalidade de um ato normativo, seja em decorrência de desvio formal ou material, produz a mesma consequência jurídica: a invalidade da norma [...]. Há uma única situação em que o caráter formal 6 Ou, como denomina Pedro Lenza, inconstitucionalidade formal propriamente dita subjetiva – ele a coloca como um espécie de inconstitucionalidade formal propriamente dita junto com a objetiva. Para o autor as inconstitucionalidades formais se distinguiriam da seguinte forma: a) inconstitucionalidade formal orgânica; b) inconstitucionalidade formal propriamente dita – que se subdividiria em fundada em vício subjetivo (na fase de iniciativa) e vício objetivo (nas fases posteriores à iniciativa) – ; c) inconstitucionalidade formal por violação a pressupostos objetivos do ato normativo. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE – JOÃO PAULO LORDELO 13 ou material da inconstitucionalidade acarretará efeitos diversos: quando a incompatibilidade se der entre uma nova Constituição – ou emenda – e norma constitucional preexistente. Neste caso, sendo a inconstitucionalidade de natureza material, a norma não poderá subsistir. As normas anteriores, incompatíveis com o novo tratamento constitucional da matéria, ficam automaticamente revogadas (é minoritária, no direito brasileiro, a corrente que sustenta que a hipótese seria de inconstitucionalidade, passível de declaração em ADI). Não é o que ocorre, porém, quando a incompatibilidade entre a lei anterior e a norma constitucional nova é de natureza formal, vale dizer: quando a inovação introduzida apenas mudou regra de competência ou a espécie normativa apta a tratar da matéria. Nesse caso, a norma preexistente, se materialmente compatível com a CF, é recepcionada, passando apenas a se submeter ad futurum à nova disciplina”. Ex.: na maior parte dos Estados da Federação, o código da organização judiciária era editado por via de Resolução do TJ. Com a CF/88, passou a ser exigida lei para tratar da matéria. Os códigos existentes continuaram todos em vigor, válidos e eficazes, mas qualquer modificação passou a depender igualmente de lei. • POR VÍCIO DE DECORO PARLAMENTAR # Pedro Lenza aponta essa última forma de inconstitucionalidade, embora ainda não haja qualquer decisão nesse sentido, entendendo que se aplica à discussão da constitucionalidade das emendas constitucionais editadas por meio do sistema do mensalão, diante da mácula ao voto e à representatividade popular. Essa tese não deve ser cobrada em concursos. Inconstitucionalidade por excesso de poder Em síntese,o excesso de poder legislativo ocorre quando a norma criada se afasta abusivamente dos fins constitucionais e/ou declarados, o que pode ser corrigido por aplicação judicial do princípio da proporcionalidade (censura à adequação e necessidade do ato legislativo)7. O excesso de poder como manifestação de inconstitucionalidade configura censura judicial no âmbito da discricionariedade legislativa. Não se analisa o mérito (conveniência) do ato legislativo, mas apenas sua legitimidade8. “As questões mais difíceis relacionadas com o controlo da constitucionalidade [...] dizem respeito a estes vícios de mérito [refere-‐se ao excesso de poder legislativo como vício substancial da lei] e não aos vícios clássicos materiais e formais” (CANOTILHO). c) Quanto à extensão, a inconstitucionalidade pode ser: • TOTAL # Pode ser total a inconstitucionalidade da lei, de artigo, de alínea. Normalmente, a inconstitucionalidade total de lei decorre de inconstitucionalidade formal (dificilmente haverá uma lei cujo conteúdo conseguirá ser completamente incompatível com a Constitucional, pois sua aprovação depende de controle prévio). • PARCIAL # É a inconstitucionalidade que incide apenas sobre uma palavra ou expressão, desde que não altere o restante do sentido (senão estar-‐se-‐ia criando uma nova lei, dando um sentido completamente diferente à lei criada pelo legislador), em expressão do princípio da parcelaridade. Não confundir a inconstitucionalidade parcial com o veto parcial O veto parcial somente abrange “texto integral de artigo, parágrafo, inciso ou alínea” (art. 66 §2º da CF). Já a declaração parcial de inconstitucional pode incidir sobre apenas uma palavra isolada ou uma expressão. Art. 66, § 2º -‐ O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea. d) Quanto ao momento, a inconstitucionalidade pode ser: 7 Exemplos apontados pela doutrina de excesso de poder: violação ao princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso. 8 Reconhece-‐se ao legislador o poder de conformação dentro dos limites estabelecidos pela CF. Dentro desses limites, o legislador tem ampla discricionariedade. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE – JOÃO PAULO LORDELO 14 • ORIGINÁRIA # A inconstitucionalidade existe desde quando a lei foi criada (o objeto surge após o parâmetro). Ex: A lei criada em 1990, com base na Constituição de 1988. • SUPERVENIENTE # O objeto que originariamente era constitucional torna-‐se inconstitucional em razão da superveniente mudança de parâmetro (porque mudou a Constituição ou porque houve emenda). É pacífico que a inconstitucionalidade superveniente é sempre material: refere-‐se à contradição da lei aos princípios e normas materiais da Constituição e não às regras formais ou processuais do tempo de sua elaboração. EXCEÇÃO: haverá inconstitucionalidade formal superveniente no caso de competência superveniente do órgão legiferante (competência que era dos Estados/municípios e passa para a União – pois não é possível a “federalização” da legislação local). Para Gilmar Mendes (acompanhado pela doutrina e jurisprudência), há de se reconhecer eficácia derrogatória à norma constitucional que tornou de competência legislativa federal matéria anteriormente afeta ao âmbito estadual ou municipal. Por outro lado, se havia legislação federal e a matéria passou à esfera de competência estadual ou municipal, o complexo normativo promulgado pela União subsiste estadualizado ou municipalizado, até que se proceda à sua derrogação por lei estadual ou municipal. É o que parece autorizar o princípio da continuidade do ordenamento jurídico. Em síntese: " A competência antes era da União e passou a ser dos Estados/DF ou Municípios # A antiga norma federal permanece vigente, estadualizada ou municipalizada, até que se proceda à sua prorrogação por lei estadual ou municipal " A competência antes era dos Estados/DF ou Municípios e passou a ser da União # Neste caso, as normas estaduais/municipais são revogadas. Em suma: " Inconstitucionalidade formal superveniente ! Não existe, no direito brasileiro, inconstitucionalidade formal superveniente: a lei anterior subsistirá validamente e passará a ter status da espécie normativa reservada pela nova norma constitucional para aquela matéria. " Inconstitucionalidade material superveniente ! Resolve-‐se em revogação da norma anterior, consoante orientação consolidada no STF. ATENÇÃO: No Brasil, não usamos a expressão “inconstitucionalidade superveniente”. Esse fenômeno é chamado de NÃO-‐RECEPÇÃO ou REVOGAÇÃO (expressão utilizada pelo STF e em concursos). Isso vale tanto para o caso deuma nova Constituição como para o caso de norma incompatível com a posterior emenda constitucional. Há autores que entendem que a incompatibilidade de uma norma legal com um preceito constitucional superveniente traduz valoração negativa da ordem jurídica, devendo, por isso, ser caracterizada como inconstitucionalidade, e não simples revogação. As normas de recepção vigentes no ordenamento brasileiro, contudo, ensejam o entendimento de que a colisão de normas não deve ser considerada em face do princípio da supremacia da Constituição, mas sim tendo em vista a força derrogatória da lex posterior. Destarte, os juízes e tribunais ordinários não estão compelidos a submeter ao STF as questões atinentes à compatibilidade entre o direito anterior e a Constituição, uma vez que não haverá qualquer risco à autoridade do legislador constitucional. Qualquer juiz pode, ao analisar o caso concreto, deixar de aplicar uma norma não-‐ recepcionada. Segundo Gilmar Mendes, a não-‐aplicação de norma em razão de sua não-‐recepção é matéria alheia ao juízo de constitucionalidade, de simples aplicação do direito. O STF entende que a questão da constitucionalidade somente se põe quando se cuida de lei posterior à Constituição. O Min. Sepúlveda Pertence é contrário a esse entendimento, mas é o que prevalece. OBS: Segundo o entendimento do STF, definido incidentalmente (na análise de uma preliminar de não-‐conhecimento), uma norma pré-‐constitucional, ao se incorporar a um CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE – JOÃO PAULO LORDELO 15 diploma pós-‐constitucional, que a poderia alterar, transforma-‐se em norma pós-‐ constitucional, de modo a admitir o controle abstrato de constitucionalidade9. O STF também já decidiu que a Corte pode reexaminar incidentalmente, em controle abstrato, a revogação ou não-‐recepção do direito anterior. Esse tema, porém, perdeu relevância diante da lei 9.982/99 que, ao regulamentar a ADPF, admitiu o exame direto de legitimidade do direito pré-‐constitucional em face da norma constitucional superveniente.. Afigura-‐se possível, ainda, a caracterização da inconstitucionalidade superveniente como decorrência da mudança de significado do parâmetro normativo constitucional ou do próprio ato legislativo submetido a controle. Nesses casos, além de um eventual processo de inconstitucionalização, pode-‐se ter a própria declaração de inconstitucionalidade de lei anteriormente considerada constitucional. No caso da inconstitucionalidade superveniente decorrente de alteração da interpretação, haverá a necessidade de se discutir os efeitos da decisão, sendo insuficiente, na opinião de Gilmar Mendes, a técnica da simples declaração de nulidade. e) Quanto ao prisma de apuração, a inconstitucionalidade pode ser: • ANTECEDENTE ou DIRETA # Ocorre uma violação direta da Constituição quando o ato objeto de controle encontra fundamento de validade primário nela. A ADI só será admitida quanto a inconstitucionalidade for direta. • INDIRETA # Se entre o objeto e a CF houver um ato interposto, a inconstitucionalidade será indireta. Neste caso, o objeto é ato normativo secundário. Convém lembrar que a Constituição é fundamento de validade indireto dos atos normativos secundários. Ensina BARROSO: “será indireta quando o ato, antes de contrastar com a Constituição, conflita com uma lei. O regulamento de execução que desborda dos limites da lei, por exemplo, conquanto importe em violação do princípio constitucional da legalidade, terá antes violado a lei que pretendeu regulamentar, configurando uma ilegalidade previamente à sua inconstitucionalidade. Por tal razão, a jurisprudência não admite controle de constitucionalidade de atos normativos secundários (inaptos a criar direito novo), de que são espécies, além do regulamento, as resoluções, instruções normativas e portarias, dentre outros” 10. o Conseqüente/Inconstitucionalidade por arrastamento, atração ou conseqüente de preceitos não impugnados ! Neste caso, a inconstitucionalidade do objeto é uma conseqüência da inconstitucionalidade do ato que ele regulamenta. Quando normas legais guardarem interconexão entre si, guardando vínculo de dependência jurídica, a declaração de inconstitucionalidade de uma delas gera a inconstitucionalidade das demais. Na própria decisão da ADI o STF define quais normas 9 Exemplo: ADI 3619 proposta contra artigos do ato 1/2005 do Regimento Interno da Assembléia Legislativa de São Paulo que reproduziam normas originariamente veiculadas em na Resolução n. 576/70. 10 ADI-‐AgR 2398 / DF -‐ DISTRITO FEDERAL. Julgamento: 25/06/2007, Órgão Julgador: Tribunal Pleno. EMENTA: INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Portaria nº
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