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CCJ0052-WL-B-AMRP-11-Fundamentação do Parecer-01

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TEORIA PRÁTICA DA REDAÇÃO JURÍDICA 
ALDA DA GRAÇA MARQUES VALVERDE 
AULA 11 
Fundamentação do Parecer: técnicas e estratégias argumentativas (2) 
 
Correção da aula 10 
 
PEDIDO DE SUSPENSÃO DE LIMINAR — 
Fornecimento do medicamento Zavesca à 
criança de sete anos com doença 
neurodegenerativa – Impossibilidade dos pais 
de aquisição do medicamento – Alegação de 
ausência de registro do medicamento do 
medicamento no Brasil – Comprovação de 
sucesso no Canadá – Princípio da Dignidade 
Humana – Art. 6º e Art. 196 CRFB – Parecer 
favorável ao fornecimento do medicamento. 
 
Fundamentação 
 
Segundo Madre Teresa de Calcutá, o lugar do homem é 
onde os homens precisam dele. Não se pode viver sem o 
estabelecimento de um vínculo entre os seres que compartilham do 
mesmo planeta. Essa partilha vai além do espaço físico, expande-se 
para a esfera social e cria responsabilidades recíprocas. Não se pode 
negar a vida a uma criança, quando há expectativa de preservação 
dessa vida. 
No caso em análise, observa-se que a necessidade do 
fornecimento do medicamento à criança é inquestionável, porque foi 
acometida por uma doença neurodegenerativa -- Niemann-Pick tipo 
C – cujas consequências são gravíssimas: paralisia dos nervos 
motores oculares, “incorreção” progressiva, envolvimento cognitivo e 
até mesmo a morte prematura. Além disso, conforme especialista em 
neurologia infantil, somente o remédio Zavesca, importado do Canadá, 
poderia interromper o avanço da doença. Por fim, em razão do alto 
custo do medicamento e da comprovada insuficiente renda dos pais, 
impõe-se ao Estado a obrigação de fazer. 
Tal obrigação está expressa de forma objetiva na 
Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 196, ao 
garantir que a administração pública forneça medicamento ao 
necessitado. Ademais, também revela a Magna Carta, como um de 
seus fundamentos, a dignidade da pessoa humana. Observe-se que, 
conforme (SCHREIBER (2011, p. 8), “[...] a espécie humana possui 
uma qualidade própria, que a torna merecedora de uma estima 
(dignus) única e diferenciada.” Assim, tal qualidade, inerente a todo ser 
humano, nos identifica como tal. Ora, se os requisitos fáticos 
comprovam a urgência do fornecimento do remédio e a impossibilidade 
de os pais o adquirirem, o Estado deve tratar de forma digna seus 
cidadãos e curvar-se perante o que determina nossa Constituição. 
Infelizmente, o Estado procura postergar sua obrigação 
recorrendo ao argumento de que o elevado custo do medicamento e a 
incerteza de produzir a cura da doença não justifica direcionar 
recursos que atenderiam à coletividade para uma só pessoa. Não 
reconhece, entretanto, que este vem sendo utilizado no Canadá com 
sucesso, o que afasta o indigitado temor de ausência de registro do 
medicamento na ANVISA. Também não considera que o indivíduo seja 
parte integrante da coletividade e que, ao conceder-lhe um direito a ele 
garantido, estará zelando pelo bem comum. 
Esse direito, tem sido objeto de muitas demandas. No 
entanto, a Súmula Nº 65 do TJRJ buscou garantir ao cidadão o direito à 
saúde, ao fixar a responsabilidade solidária da União, Estados e 
Municípios, conforme dispõem os artigos 6º e 196 da CFRB. Dessa 
forma, é pacífico o entendimento de que o Estado não pode se eximir 
da responsabilidade moral e legal que lhe é atribuída. 
 
 
 
Objetivos: 
- Incrementar a prática da produção do texto jurídico-argumentativo; 
- Redigir outros tipos de argumento, além dos já desenvolvidos na aula 
anterior; 
- Compreender a necessidade de recorrer a diversas estratégias 
argumentativas a fim de favorecer a persuasão do magistrado. 
Estrutura do conteúdo: 
1. Tipos de Argumento 
1.1. Argumento ad hominem. 
1.2. Argumento de fuga. 
1.3. Argumento a fortiori. 
2. Relação entre os tipos de argumento e as estratégias 
argumentativas 
3. Persuasão e coerência argumentativa. 
Orientações iniciais: 
O sucesso na defesa de uma tese depende de um raciocínio 
fundamentado por meio de uma série associações a serem feitas pelo 
argumentador. A maneira como o operador do direito deve direcionar o 
raciocínio para a tese depende, portanto, de planejamento minucioso do texto e 
seleção apurada de informações. 
Na construção das peças processuais, o prejuízo decorrente da falta de 
organização de um plano textual talvez fique mais evidente, porque a 
persuasão do juiz e o consequente sucesso no pleito dependem desse 
encadeamento (seleção, análise e síntese). 
Para esclarecer como deve ocorrer essa organização do texto jurídico-
argumentativo, sugerimos ler o capítulo 4.2 de Lições de Argumentação 
Jurídica, de FETZNER, Néli Luiza Cavalieri; TAVARES, Nelson ; VALVERDE, 
Alda da Graça. 
 
Para diversificar os tipos de argumento que já foram aprendidos, 
sugerimos alguns outros. 
 
1- Tipos de Argumento 
1.1- Argumento ad hominem 
O argumento ad hominem é uma forte arma retórica, apesar de não possuir 
bases lógicas. 
O ataque à pessoa trata-se de um ataque direto à pessoa contra quem se 
argumenta, colocando em dúvida suas circunstâncias pessoais, seu caráter 
ou sua confiabilidade. 
 
Vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=Z1yOqrD1BTs 
 
Tipos 
Há dois tipos de ataques ad hominem que são mais eficientes: 
 
 Argumento ad hominem abusivo: é o ataque direto à pessoa, 
colocando seu caráter em dúvida e, portanto, a validade de sua argumentação. 
Exemplo: 
“As afirmações de Richard Nixon a respeito da política de relações externas 
em relação à China não são confiáveis pois ele foi forçado a abdicar 
durante o escândalo de Watergate.” 
 
Argumento ad hominem circunstancial: é o ataque que atinge a 
circunstante do adversário em um debate. O fato de se tratar de uma pessoa 
que está sofrendo, no momento, de uma forte raiva pode ser usado para esse 
tipo de ataque. Exemplo: 
A: Foi este o homem que vi roubando aquele carro! 
B: Como pode afirmar isso se estava bêbado, naquela noite? 
 
Outro exemplo, com base no caso concreto exemplificado na aula 10: 
 
A defesa de Anísio sustentou que Teresa era uma mulher exibida, provocante 
que não valorizou sua relação com Anísio, já que o traiu com o melhor amigo 
do casal. Ora, atacar o caráter de alguém que não pode se defender, a fim de 
minimizar o crime praticado por pelo réu é uma técnica imoral que fere os 
princípios da dignidade humana. 
 
Argumento de fuga é o argumento de que se vale o advogado 
para escapar à discussão central, em que seus argumentos provavelmente não 
prevaleceriam. Apela-se, em regra, para a subjetividade. É o argumento, por 
exemplo, que o advogado utiliza quando enaltece o caráter do acusado, 
lembrando tratar-se de pai de família, de pessoa responsável, de réu primário, 
quando há acusação de lesões corporais (ou homicídio culposo) na direção de 
veículo. Perceba que qualquer pessoa “de bem” pode, em algum momento, 
praticar um crime culposo. Se a autoria, a materialidade e a culpabilidade 
desse crime forem inegáveis, resta ao advogado apenas enaltecer suas 
qualidades, a fim de conseguir a fixação de uma pena branda, ou – quem sabe 
– desqualificar o crime a ele imputado. 
Vídeo: 
http://www.youtube.com/watch?v=_SvG2TcZllA&feature=related 
 
Outro exemplo, com base no caso concreto exemplificado na aula 10: 
Note-se que a defesa, objetivando afastar do réu o repúdio da opinião pública a 
respeito do covarde ato praticado, enaltece-o como um homem trabalhador, um 
pai que acompanha o desenvolvimento dos filhos, um marido dedicado. 
Engana-se o causídico que julga obter êxito com esse argumento de fuga, 
porque a sociedade não admite mais que crimes passionais fiquem impunes.Argumento a fortiori (com maior razão) é o argumento que deriva do 
brocardo “quem pode o mais, pode o menos”. Seu objetivo é conseguir uma 
aplicação mais extensiva da lei, para que se aplique à situação fática que, nela, 
não está explícita. Conforme FERRAZ JR. (2001, p. 336), 
[...] 
esse argumento não tem um estatuto lógico, mas 
axiológico. Ele depende da construção de hierarquias 
(o que é mais e o que é menos), que, por sua vez, 
representam uma disposição ordenada de objetos 
conforme critério de valor. 
 
 
Exemplo 1: se a lei exige, dos Promotores de Justiça, que, nas 
Denúncias, discriminem as ações de cada um dos acusados, com mais 
razão deve-se exigir que o Magistrado as individualize na Sentença. 
 
Exemplo 2: 
Se a formação de quadrilha composta por civis é punida conforme o art. 
288 do CP à pena de reclusão de um a três anos, com mais razão e com 
sanção maior devem ser punidas as organizações criminosas formadas 
por agentes públicos, como as conhecidas milícias. 
 
 
Outro exemplo, com base no caso concreto exemplificado na aula 10: 
Ora, se a lesão corporal é ato punível, com mais razão deve sofre 
sanção o crime doloso praticado por Anísio. 
 
 
Incluindo esses argumentos no texto já apresentado: 
A sociedade brasileira sofre com a violência cotidiana em diversos 
níveis e não tolera mais essa prática. Certamente, a violência é o pior recurso 
para a solução de qualquer tipo de conflito. Uma pessoa sensata pondera, 
dialoga ou se afasta de situações que podem desencadear embates violentos. 
Não foi essa a opção de Anísio: deu vazão a sua ira e matou sua mulher. 
Anísio cometeu um crime doloso inaceitável, repudiado com 
veemência pela sociedade, porque desferiu três facadas certeiras no peito de 
sua companheira, e também porque agiu covardemente contra uma pessoa 
desarmada e fisicamente mais fraca. Além disso, ele já estava desconfiado do 
caso extraconjugal da mulher, o que afastaria a hipótese de privação de 
sentidos. 
A Constituição é muito clara quando diz que a vida é um bem 
inviolável. Uma sociedade democrática defende esse direito e recorre a todos 
os meios disponíveis para que a vida seja sempre preservada e para que 
qualquer atentado a esse direito seja severamente punido. No caso em 
questão, Teresa foi atacada de maneira covarde e violenta, porque não 
dispunha de meios para ao menos tentar preservar sua vida. Portanto, o réu 
desrespeitou a Constituição Brasileira e incorreu no crime de homicídio doloso 
previsto no artigo 121 do Código Penal Brasileiro. 
Por outro lado, embora se possa alegar que Teresa tenha 
desrespeitado Anísio, traindo-o com outro homem em sua própria casa, havia 
formas razoáveis de resolver o conflito. Eis o que nos separa dos criminosos. 
Ademais, não se nega o fato de que o flagrante de uma traição provocar uma 
intensa dor, porém o ato extremo de assassinar a companheira, por sua 
desproporção, não pode ser aceito como uma resposta cabível ao conflito 
amoroso. 
Acrescente-se que a defesa de Anísio sustentou que Teresa era uma 
mulher exibida, provocante que não valorizou sua relação com Anísio, já que o 
traiu com o melhor amigo do casal. Ora, atacar o caráter de alguém que não 
pode se defender, a fim de minimizar o crime praticado por pelo réu é uma 
técnica imoral que fere os princípios da dignidade humana. 
Como se não bastasse isso, a defesa, objetivando afastar do réu o 
repúdio da opinião pública a respeito do covarde ato praticado, enaltece-o 
como um homem trabalhador, um pai que acompanha o desenvolvimento dos 
filhos, um marido dedicado. Engana-se o causídico que julga obter êxito com 
esse argumento de fuga, porque a sociedade não admite mais que crimes 
passionais fiquem impunes. 
Importantíssimo registrar que a necropsia concluiu que as três facadas 
que atingiram de forma brutal a vítima, foram profundas, perfuraram artérias e o 
coração; consequentemente, provocaram sua morte em poucos segundos. O 
laudo comprova a determinação de Anísio, não apenas de castigar a pessoa 
que o preteriu -- ato que certamente já configuraria crime de lesão corporal--, 
mas principalmente de provocar sua morte, eliminando a vida da mulher que 
insanamente dissera amar. Ora, se a lesão corporal é ato punível, com mais 
razão deve sofre sanção o crime doloso praticado por Anísio. 
Não resta dúvida que, dificilmente, alguém negaria ser incapaz de 
utilizar qualquer meio para defender alguém que ama. Em casos de um 
assalto, por exemplo, uma mãe está perfeitamente disposta a matar o 
assaltante para defender a vida de seu filho. Para fugir de uma perseguição, o 
motorista de um carro é plenamente capaz de causar um acidente para evitar 
que algo de mal aconteça aos caronas que conduz. O que há de comum 
nestes e em tantos outros casos de que se tem notícia é que existe um 
sentimento de amor ou bem querer que impede que uma pessoa dimensione 
racionalmente as consequências do ato que pratica em favor da proteção de 
alguém. Como, então, Anísio pode dizer que matou por amor? Amava, sim, a si 
mesmo, já que não suportou o amor próprio ferido. Aceitar sua conduta 
desmedida seria instituir a pena de morte para a traição amorosa 
 
 
 
QUESTÃO 
Leia o caso concreto seguinte e produza a ementa e a fundamentação 
do Parecer. Utilize, além dos argumentos sugeridos na aula anterior, os que 
são trabalhados neste encontro. 
Texto 
Adriana Menezes ajuizou ação de revisão de alimentos em face de seu 
ex-marido André Menezes. O objetivo era aumentar o valor da pensão de R$ 6 
mil para quase R$ 12 mil. A alimentada já recebia os alimentos há vinte anos. 
O argumento foi de decréscimo no padrão de vida. A mulher relatou que era 
obrigada a recusar convites para idas ao teatro e restaurantes, teve de 
dispensar o caseiro, demorava para fazer reparos na casa, não trocava mais o 
carro e que, nos últimos dois anos, tinha feito apenas uma viagem ao exterior. 
Já o ex-marido, André Menezes, por sua vez, reconveio[2], pedindo a 
exoneração da obrigação de prestar os alimentos ou a redução de seu valor 
porque a ex-mulher tinha condições financeiras suficientes para seu sustento. 
André Menezes constituiu nova família, mas, desde então, nunca 
reclamou de continuar a pagar a pensão para a ex-mulher. Executivo da 
Petrobrás, recebe mensalmente quase R$ 30 mil, mas sustenta que isso não 
dá à sua ex-mulher o direito de explorá-lo, até porque ele tem condições de se 
sustentar sozinha, repetiu. 
Demonstrou que ela é formada em dois cursos superiores 
(Biomedicina e Psicologia), trabalha como psicóloga em clínica própria, é 
professora universitária, tem dois imóveis e aplicação financeira. Inconformado, 
ainda declarou que sua ex-mulher teve aumento patrimonial desde a 
separação, ocorrida há vinte anos.

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