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ORIGENS ORIENTAIS DA CULTURA CLASSICA

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Origens orientais da cultura clássica: alguns apontamentos
Introdução
Há um ditado semita que proclama que Deus criou as consoantes e facultou ao
homem flexibilizar as palavras pela adição das vogais. No plano histórico, admite-
se que um alfabeto consonantal fenício (semita; oriental) foi adaptado pelos gregos
às necessidades de sua língua, mediante o acréscimo de vogais. Ajustando aquele
ditado de que falamos à realidade da história cultural grega, pode-se dizer que os
gregos receberam do Oriente estruturas e modelos que puderam utilizar e
transformar em seus, mediante a adaptação de contribuições alheias e o acréscimo
de elementos próprios.
Conforme Pedro Paulo Funari,
Por muito tempo, os estudiosos da Grécia consideraram que
as primeiras civilizações gregas nada deviam ao Oriente.
Hoje, esta afirmação é muito questionada, pois muitíssimo
da cultura grega veio das civilizações orientais. As escritas
de lá vieram, assim como divindades e costumes. Já na
própria Antiguidade, Heródoto, o ‘pai da História’, dizia isso,
mas só recentemente suas ideias foram revalorizadas pelos
estudiosos (FUNARI, 2002, p. 16). 
37
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Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Universidade de Brasília (UnB)
Prof. dr. Edrisi Fernandes
____________________
12 Esse nome aparece 598 vezes na “Ilíada”.
13 Esse nome aparece 138 vezes na “Ilíada”.
14 Esse nome aparece 182 vezes na “Ilíada”.
38
Este trabalho se propõe a apontar alguns elementos estruturais e modelares que
os gregos herdaram – ou tomaram – do Oriente, e enfatizar que não se pode
entender sua cultura clássica sem que se considere esse aporte. O conhecimento e
a compreensão das íntimas relações entre o mundo grego e o Oriente Próximo ao
longo da Idade do Bronze, revigoradas no início do Período Arcaico, autoriza-nos
atualmente a ver com desconfiança afirmações como a de que “ainda não foi
possível encontrar qualquer antepassado legítimo” para a civilização que surgiu na
Grécia na Idade do Ferro (desde o século XI a.C.) e que atingiu seu maior esplendor
nos séculos V e IV a.C. (COOK, 1971, p. 21). Neste trabalho, sugerimos que no
Oriente Próximo podem ser encontrados antepassados legítimos para muitos dos
desenvolvimentos que ocorreram na Grécia Antiga, e não apenas na Idade do Ferro,
mas ainda até bem depois dessa era.
A identidade grega
A antiga Grécia é a pátria mítica da cultura ocidental – quando no Ocidente laico
se fala de algo duradouro, sólido e profundo em matéria de pensamento, arte e
ciência, normalmente se utiliza a Grécia como comparação. Os próprios gregos,
contudo, demoraram a desenvolver uma identidade comum, e um estudo de sua
autoimagem muito nos revela sobre uma demorada e complexa evolução da
identidade helênica.
Escrevendo sobre os ancestrais helenófonos mais antigos dos gregos, Lorde William
Taylour observou que 
‘micênios’ [ou ‘micênicos’] é uma designação que não se
encontra nos autores clássicos. Os gregos davam vários
nomes aos seus antepassados mais remotos. Homero refere-
se-lhes indiferentemente como aqueus [Ἀχαιοί/Achaioí]12,
dánaos [Δαναοί/Danaoí]13, argivos [Ἀργεῖοι/Argeĩoi]14. O
que os gregos sabiam acerca dos primeiros tempos da sua
história chegara até eles sob a forma de poemas épicos e
de lendas, frequentemente contraditórias. E assim continuou
até os meados do século XIX [quando se deu a descoberta
da ‘civilização micênica’ por Heinrich Schliemann]
(TAYLOUR, 1970, p. 15).
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____________________
15 Cf. MALKIN, 1998, p. 149. A descendência de Graikós a partir de Tessalo aparece em Estevão de Bizâncio. Outra genealogia
mostra Graikós como neto de Deucalião e Pirra – o primeiro casal pós-diluviano –, ou Pirra e Zeus, por meio de Pandora.
16 Outrossim, conhecidos como Γραικοί; cf. MALKIN, 1998.
17 Essa associação, anterior ao surgimento das pólis gregas, recebeu o nome de ἀμφικτυονία (“liga de vizinhos”).
39
Na Antiguidade, o nome da Grécia foi ligado a Γραικός/Graikós (Greco), filho de
Tessalo15, um mítico rei da Ftía (Φθίης/Phtíês ou Φθία/Phthía), e o nome
Έλλάς/Hellás ou Ἑλλάδα/Helláda (Hélade), em sua mais antiga utilização literária
– em associação ao nome dos Ἓλληνες/Hellênes (helenos)16 –, se refere na “Ilíada”
(II.683-84) à região da Ftía/sul da Tessália, correspondente ao centro-norte da
Grécia, terra de Aquiles. Na “Odisseia” (I.344) a expressão Ἑλλάδα καὶ μέσον
Ἄργος (de Hellás ao Meso-Argos) tem sido interpretada como significando “através
da Grécia toda”, e na “Ilíada” (II.530) aparece a expressão Πανέλληνας
(Panhéllênas), parecendo significar “da Grécia toda”. Hesíodo (1991b, p. 653) utiliza
Έλλάς para referir-se à Grécia.
Para o historiador Arnold Toynbee,
‘Hellás’ parece ter sido originalmente o nome da região em
torno da ‘cabeça’ do Golfo de Mália, na fronteira entre a
Grécia central e a setentrional, que continha o santuário
de Terra [Γαῖα/Gaĩa] e de Apolo em Delfos e o santuário de
Ártemis em Anthela, perto das Termópilas (a estreita
passagem entre o mar e a montanha que era a principal
via da Grécia central para a setentrional e, portanto, para
o grande continente eurasiano com o qual o norte da
Grécia se funde). [O vocábulo] ‘helenos’, significando
‘habitantes de Hellás’, presumivelmente adquiriu seu
sentido mais amplo através de seu uso como um nome
corporativo aplicado à associação dos povos locais, os
anfictiões [Ἀμφικτύονες/Amphictýones] (‘vizinhos’)17, que
administrava os santuários em Delfos e nas Termópilas e
organizavam o festival pítico que a eles estava ligado
(TOYNBEE, 1959, p. 6-7).
Heródoto (Histórias, I.92) (HERÓDOTO, 1985) emprega o vocábulo Έλλάς
estendendo-o às colônias gregas. Helenos tornou-se o nome de todos os gregos,
mas nos tempos míticos os helenos eram os povos que “habitavam o Argos pelásgio
(Πελασγικὸν Ἄργος) e governavam Alos (Ἄλος), Alope (Ἀλόπης) e Trachis
(Τρηχῖς, Τραχῖς), e aqueles que habitavam Phthía (Ftía) e Hellás (na Tessália)
(Ilíada, II.683-85)” (HOMERO, 2008). Os povos dessas regiões, chamados na mesma
passagem da “Ilíada” de mirmidões (Μυρμιδόνες), helenos e aqueus, navegaram
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18 Sobre a sugestão de diferenças entre a fala dos troianos e dos gregos na “Ilíada” cf. Mackie (1996), e a avaliação dessa obra
em Joshua T. Katz (1998).
19 Como é provavelmente o caso dos etíopes liderados por Memnon.
20 Cf. PAGE, 1963, p. 137 e ss.
40
contra Troia sob o comando de Aquiles, filho de Peleu, rei dos mirmidões. O ancestral
epônimo dos helenos foi Heleno, filho seja de Deucalião e Pirra – o casal
sobrevivente do dilúvio universal –, ou de Zeus e Pirra. Os filhos de Heleno – com
a ninfa Orseis – foram Éolo, Doro e Xuto, pai de Aqueu e Ion (Hesíodo, Catálogo das
mulheres, frags. 9 e 10a Oxford Classical Text) (MERKELBACH; WEST, 1990); esses
indivíduos foram os míticos ancestrais dos povos gregos da tradição: eólios, dórios,
aqueus e jônios.
Apesar de que na “Ilíada” “os troianos e os gregos falam todos grego18, dizem
coisas semelhantes, e os deuses [gregos] lutam de ambos os lados” (LEVI, 1996, p.
60), não se deve esquecer de que os troianos eram asiáticos – e os poemas
homéricos (Ilíada, 815-875, II.802-06, IV.433-38) conhecem também os aliados –
certamente incluindo mercenários19 – asiáticos de Troia20 – entre outros, da
Paflagônia, Mísia, Frígia, Meônia (Lídia), Cária e Lícia.
Opinando sobre a percepção atual da realidade pré-homérica da Grécia, Joshua
Katz escreveu:
Não vejo como alguém pode duvidar que um entendimento
completo da ‘Ilíada’ requer um conhecimento tanto de seu
background pré-grego (‘proto-indoeuropeu’) de alguns
milhares de anos antes de Homero e de seu status como
estória e texto na Grécia do oitavo século a.C. e de depois.
Também tenho me tornado cada vez mais convencido que
um entendimentocompleto requer um conhecimento das
reais interações greco-anatólias [anatólicas] na segunda
metade do segundo milênio a.C., isto é, do material histórico
no meio [da ‘Ilíada’], do qual com toda probabilidade
Homero faz uso (KATZ, 2005, p. 4).
A Anatólia é uma das muitas áreas geográfico-culturais do mundo oriental, Oriente
esse que constitui uma extensa região que compreende o continente asiático e uma
pequena parte da África, onde se desenvolveram as primeiras aglomerações urbanas
conhecidas no velho mundo; “o Egito, apesar de ser África, tem sua história muito
mais entremeada com a dos povos da Ásia do que com os da África” (SPROVIERO,
1998). No entanto, o Oriente – fundamentalmente, a Ásia – é também um conceito
ideológico-cultural; trata-se de uma representação que o Ocidente faz de um
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21 Essa etimologia é contestada por Eric Partridge, por exemplo. Ele opina que Europa pode simplesmente derivar do grego eurus,
“largo” (PARTRIDGE, 1969, p. 25).
22 O topônimo Europa aparece pela primeira vez no “Hino Homérico a Apolo” (267-273; 287-293), aludindo ao norte da Grécia,
por oposição ao Peloponeso.
41
“outro” que lhe tem sido estranho desde remota antiguidade, mas que necessita
de um reconhecimento como realidade passível de ser conhecida, e não apenas
antagonizada ou explorada – como de fato tem ocorrido ao longo de séculos.
Temos notícias de que a Mesopotâmia e o Egito apresentam sinais de urbanização
a partir do quarto milênio a.C., enquanto na Grécia os primeiros sinais de
organização social humana surgem a partir do segundo milênio a.C. No mundo
latino, o processo é ainda posterior. Grécia e Roma, as duas civilizações luminares
da cultura ocidental clássica – da Europa –,desenvolveram-se bem mais tardiamente
do que a Ásia. Postula-se que as próprias palavras para Europa e Ásia possam ter
origem asiática; “em monumentos assírios, o contraste ente Asu (a terra do sol
nascente) e Ereb (a terra do sol poente) é frequente” (BEN MENAHEM, 2009, p.
446). Europa (em grego, Εὐρώπη/Eurốpê) teria vindo21 do acádio erebu (fenício
erob), “entrar; pôr-se” - aplicados ao lugar onde o sol entra e se põe (em fenício,
‘ereb = “noite; ocidente”; em hebraico, erev = “noite”) –, enquanto Ἀσία/Asía teria
vindo do acádio asu, “ir-se; surgir” – aplicados ao lugar de onde o sol surge e se
vai. Conforme Sproviero (1998), não são seguras essas etimologias de Ásia e
Europa22, sendo certo, porém, que “o nome Europa está ligado ao mito relacionando
gregos e fenícios. Zeus, em forma de touro, rapta uma mulher fenícia, a bela Europa.
Assim, o nome Europa é nome que vem do Oriente, não se sabe, porém, como”
(SPROVIERO, 1998). 
Pelo menos desde o segundo milênio a.C. o Mediterrâneo Oriental foi atravessado
por uma vasta rede de intercâmbios culturais, com o corredor sírio-palestino servindo
de intermediário entre Chipre e o mundo minóico e micênico a oeste, os impérios
e reinos da Anatólia ao norte, a Mesopotâmia a leste e o Egito ao sul.
Algumas considerações metodológicas
Neste estudo sobre as origens orientais da cultura clássica, tratamos do Oriente
com um recorte que emprega esse nome em relação ao antigo Oriente Próximo,
também chamado de Ásia Ocidental ou Ásia Anterior, e que na Antiguidade
abrangia o Egito, a Arábia, a Síria, a Palestina, a Anatólia (parte mais ocidental
da Ásia Menor), a Mesopotâmia, a Armênia e o Irã. Não passará despercebido o
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23 O grupo das línguas anatólias (ou anatólicas), que compreendia, entre ouros, os idiomas hitita, lídio e os idiomas do ramo lúvio
ou luvita (incluindo o cário e o lício). Acredita-se atualmente que, por volta do século I a.C., esses e outros idiomas do grupo
anatólio (anatólico) estavam extintos, tendo cedido espaço para idiomas como o grego e o aramaico.
42
fato de que neste estudo falaremos muito mais sobre a Anatólia do que sobre
outras regiões do Antigo Oriente Próximo; isso decorre do fato de serem muito
antigas, extensas e profundas – podemos até falar de “viscerais” – as interações
entre a Anatólia e o mundo grego, aqui tomado como paradigmático da cultura
clássica em virtude de sua antiguidade e importância fundamental. Sobre o
mundo grego, quando perguntamos o que o caracteriza, não é fácil chegarmos a
uma resposta concisa e clara, uma vez que a Grécia, como é concebida
atualmente, não existia na Antiguidade. A antiga Grécia não formava uma nação
única, sendo composta por várias comunidades e cidades-Estado que tinham suas
próprias organizações sociais, políticas e econômicas, e uma origem que se perdia
nas brumas do mito.
O conhecimento dos autores clássicos gregos sobre o passado de suas terras de
origem ou viagem é muito lacunar ou fantasioso, e isso coloca em dúvida a
historicidade de quase tudo o que disseram sobre a proto-história do
Mediterrâneo Oriental. A memória das escritas creto-minoicas da Idade do Bronze
havia se perdido; esses autores não demostram qualquer conhecimento sobre o
Império hitita e os Estados que o compunham, e parecem não ter atentado para
o fato de que na Anatólia se falava um grande grupo de línguas aparentadas23,
não gregas (“bárbaras”).
O que hoje chamamos de mundo grego é uma construção da modernidade e foi
se formando muito lentamente. Em virtude dessa formação lenta, a história
grega anterior à Era Comum (a.C.) é dividida em períodos para facilitar a
compreensão do homem contemporâneo, não para reconstruir um passado
inalcançável, mas para que se possa enxergar um sentido naquilo que já não
tem sentido em si mesmo:
Período Pré-homérico:
º Neolítico I (c. 4500-3000 a.C.) 
º Neolítico II (c. 3000-2600 a.C.) – em Creta, principia a civilização minoica, que
controlará várias áreas do futuro mundo grego e que vai aproximadamente
até 1450 a.C.
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24 Alguns autores incluem as eras das civilizações minoica e micênica no Período Arcaico grego, enquanto outros defendem a tese
de que essas civilizações foram tão diferentes das culturas gregas posteriores que devem ser classificadas separadamente. Outros
autores, por sua vez, consideram que o Período Arcaico envolve um “Período das Trevas” que representaria mais propriamente
uma transição – não tão demorada quanto três séculos – do que uma estagnação anterior à ascensão das primeiras cidades-
Estado gregas no século IX a.C., aos poemas épicos de Homero – que existiram oralmente por muito tempo antes de serem
transcritos – e às primeiras instâncias da escrita alfabética grega – que fazem recuar ao século IX a.C. ou mesmo antes.
43
º Antiga Idade do Bronze ou Heládico Antigo (c. 2600-1950 a.C.) – finda com
invasões dos gregos (jônios) na Grécia, substanciais após 2200 a.C.
º Média Idade do Bronze ou Heládico Médio (c. 1950-1580 a.C.) – finda com
novas invasões gregas (aqueus e eólios?).
º Tardia Idade do Bronze (Bronze Recente), Heládico Recente ou Período Micênico
(c. 1580-1100 a.C.) – finda com as últimas invasões gregas (dórias), iniciadas
c. 1200 a.C.
Período Homérico (c. 1100-700 a.C.):
º “Idade das Trevas” (c. 1100-800 a.C.) – corresponde à Antiga Idade do Ferro.
º Período Arcaico (776-480 a.C.)24.
º Período Clássico (480-323 a.C.) – finda com a morte de Alexandre, o Grande.
É necessário evocar aqui o perigo inerente a toda periodização: ela é falha por
natureza e pode induzir a equívocos ou universalizações de características
específicas de um povo ou de uma época, como se isso se aplicasse à totalidade
dos povos e a todos os períodos. Um exemplo dessa universalização é falar sobre
a democracia grega, sem considerar que essa é uma experiência específica de Atenas,
no século V a.C., e que em muitos aspectos – e especialmente em relação ao
conceito de cidadão – se distancia daquilo que seentende hoje por democracia.
A Grécia antes dos gregos
No solo da Península Grega, os restos paleolíticos são muito escassos; no Neolítico
I, contudo, esse solo foi coberto por uma série de edificações rochosas, obra, ao
que parece, de populações oriundas do Oriente Próximo asiático. A transição do
Neolítico I para o Neolítico II é marcada na Grécia pela invasão de povos, cuja
origem não se pode determinar com segurança. O sítio neolítico mais bem
conhecido é o de Dimini, na Tessália, e que corresponde ao Neolítico II. Trata-se de
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25 Cf. ilustração em LEVI, 1996, p. 33, e texto em LEVI, 1996, p. 34. O nome grego do lápis lazuli, κυανός/kyanós (literalmente,
“ciano, azul escuro”, palavra atestada como ku-wa-no/κυανο na escrita “linear B” dos micênicos) relaciona-se ao hitita kuwanna-
, ugarítico iqnu ou iqniu, acadiano uqnû, babilônio tardio qunû (WEST, 1997, p. 13).
44
uma cidade (uma acrópole) fortificada, fato raro para a época. O reduto central
contém um mégaron, ou “grande sala”, o que poderia revelar uma organização
monárquica. Trata-se de uma civilização agrícola, na qual os homens cuidam dos
rebanhos e as mulheres se encarregam da agricultura. Acreditava-se então que a
fecundidade feminina exercia uma grande e benéfica influência sobre a fertilidade
das plantas e, no Neolítico II, em Creta e na Grécia, a divindade soberana era a
Grande Mãe ou Mãe-Terra, representada em estátuas como tendo mamas e quadris
fartos; nas Cíclades, as estatuetas da Grande Mãe por vezes adotam uma
configuração estilizada de violino. Essa divindade tinha a função de assegurar a
fertilidade e a fecundidade do solo, das plantas, dos rebanhos e dos seres humanos.
Na virada do Neolítico II para o a Antiga Idade do Bronze ou Heládico Antigo (c.
2600-1950 a.C.), chegaram à Península Grega novos e numerosos invasores,
provenientes da Anatólia. Esses novos invasores iniciaram uma grande civilização,
que teve como centro mais importante Lerna, na Argólida, cujos pântanos se
tornariam famosos por causa de um dos Trabalhos de Héracles (Hércules). Uma das
contribuições mais sérias dessa civilização foi linguística: a partir do período
Heládico Antigo, montes, rios e cidades gregas receberam nomes que ficaram
registrados, o que permite acompanhar o desenvolvimento e a extensão da
conquista anatólia, que se prolonga pela Macedônia, passando pela Grécia
continental, pelas Cíclades, e atinge a ilha de Creta. O grande marco dessa
civilização foi a introdução do bronze, evidentemente iniciando uma nova era.
No final do Período Neolítico, a população da Ilha de Creta era composta por
agrupamentos heterogêneos que conheciam a agricultura e a pecuária e tinham
iniciado a metalurgia do bronze e a construção de grandes embarcações. A partir
de 2600 a.C. os cretenses construíram povoados portuários, como Cnossos, Festos
(Faísto), Maliá e Cândia, onde comerciavam cereais, vinho, azeite e delicadas peças
de cerâmica ou metal (cobre, bronze, ouro e prata) com os povos da Península
Grega, os egípcios e os povos da Palestina e da Síria – onde tinham acesso até ao
apreciado lápis lazuli, vindo de Faizabad, no distante Afeganistão)25. 
Em 1800 a.C. a civilização cretense dita minoica já havia desenvolvido a arte da
construção de grandes palácios com depósitos monumentais de alimentos, belos
afrescos e arquivos contábeis em escrita pictográfica e, mais tarde, silábica. Os
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____________________
26 Para uma revisão dessas relações cf. WEST, 1997, p. 33-59.
45
cretenses eram politeístas e parecem ter reverenciado deuses animais e humanos.
Tinham uma religião matriarcal, e a principal divindade era a Grande Mãe,
considerada a criadora de todos os seres vivos. Além da deusa mãe, também
cultuavam animais como o touro e certas árvores sagradas. Nos cultos religiosos,
diversos animais eram ofertados em sacrifício aos deuses. Os cretenses
acreditavam em uma vida depois da morte e, por isso, em tumbas escavadas nas
rochas ou em forma de canastra, enterravam os mortos com numerosos objetos
pessoais e alimentos, artigos considerados necessários para o bem-estar da
pessoa na outra vida.
Os cretenses adotaram uma administração centralizada no rei e baseada no domínio
marítimo (talassocracia), criando o primeiro império comercial marítimo do qual
temos conhecimento. Exímios construtores de embarcações, praticaram um ativo
comércio marítimo com volumosas transações com os povos do Oriente. O trabalho
pesado era exercido por escravos – geralmente estrangeiros – pertencentes aos
proprietários territoriais e aos comerciantes.
A sociedade minoica era predominantemente urbana. Constantes terremotos na
região obrigaram os cretenses à reconstrução frequente de seus povoados. As ruínas
encontradas revelam cidades bem planejadas, com ruas, calçadas, sistemas de
esgoto, lojas de comércio e casas luxuosas. Devido à sua localização, a ilha de Creta
funcionava como ponto de encontro entre a Europa e o Oriente Próximo. Por isso,
o povo cretense desempenhou importante papel na assimilação de elementos
culturais da Antiguidade oriental. Esses elementos, depois de transformados e
desenvolvidos, foram transmitidos em grande parte para a cultura grega; em relação
à religião, por exemplo, Taylour disse que “pode-se falar de uma religião minoico-
micênica. As representações minoicas e micênicas de cenas religiosas são quase
idênticas, e os objetos de culto são os mesmos” (TAYLOUR, 1970, p. 59). Por sua
vez, essa “religião minoico-micênica” guarda estreita relação com as religiões da
Síria e da Palestina26.
A alvorada da Grécia
Nos fins do segundo milênio, entre 2000-1950 a.C., ou seja, no apagar das luzes
da Idade do Bronze Antigo ou Heládico Antigo, a civilização anatólia da Península
Grega praticamente desapareceu, com a irrupção de novos invasores. Dessa feita,
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____________________
27 A tradução portuguesa traz, inadvertidamente, minoica no lugar de mynian.
28 Um navio naufragado na costa da Anatólia no final do século XIV a.C., em Uluburun, permite imaginar que houve importantes
trocas comerciais entre os cananeus pré-fenícios, cipriotas, egípcios e gregos (micênicos) nessa época.
46
eram os gregos que pisavam, pela primeira vez, no solo da futura Grécia. Por volta
de 1450-1400 a.C. os domínios cretenses foram conquistados por um grupo grego,
os aqueus micênicos. A existência comprovada de palácios fortificados denuncia
uma sólida organização monárquica. Com a hegemonia dos micênicos, Creta passou
a ser governada por um regente estabelecido no palácio de Cnossos. Esse palácio
foi incendiado em 1425 a.C., talvez durante uma fracassada rebelião dos nativos
cretenses contra os ocupantes aqueus.
Conforme William Taylour, podemos dizer que
a época micênica (Heládico Médio) marca o começo do
‘milagre’ representado pela Grécia Clássica: pode-se
demonstrar arqueologicamente que existe ‘um prolongamento
cultural’ sem intervalo, uma ‘ininterrupta continuidade’, que
vai de c. 1900 ou 1800 a.C. (data aproximada da passagem
do Heládico Antigo para o Heládico Médio) até o Período
Clássico. No Heládico Médio, aparece na Grécia inteira um
novo tipo de cerâmica, aquela inapropriadamente denominada
‘louça cinzenta mínia27 [= dos Μινύες/Minýes]’ por
Schliemann, e que foi encontrada em considerável abundância
em ‘Troia VI’ (1700-1300 a.C.) (TAYLOUR, 1970, p. 22). 
Taylour sugere uma relação entre micênicos e troianos nessa época. Entre 1400 e
1100 a.C., altura em que os micênicos já haviam absorvido “tudo quanto Creta
tinha para oferecer”, eles se voltaram para outras regiões, principalmente para o
Oriente Próximo (TAYLOUR, 1970, p. 128, 157), e ali especialmente para a região
sírio-palestina, porta para o interior da Anatólia e alhures. O colapsoda civilização
micênica, correspondendo à transição da Idade do Bronze para a Idade do Ferro,
assinala o início da “Idade das Trevas”, que não foi tão obscura como se supõe
(LEVI, 1996, p. 44-49). Apesar de uma importante diminuição do comércio grego
no Mediterrâneo, nos anos de 1025 a 950 a.C. as migrações para o oeste da Ásia
Menor expandiram o mundo grego, e “desde o século IX [a.C.] houve um contato
renovado com o Levante, de que foi pioneira a Eubeia, e que trouxe as joias de ouro
a Lefkandi, na Eubeia, e também à Ática” (LEVI, 1996, p. 45). Uma reaproximação
com os fenícios28, que se instalaram em Rodes e em Creta, e em muitas outras
localidades junto aos gregos – no final do século IX a.C., aparentemente havia
artesãos fenícios residindo na Eubeia, assim como na Ática e em Creta –, viria a
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resultar na assimilação do alfabeto, “entre muitos outros tipos de ensinamento
(διδασκάλια/didaskálía) (Heródoto, Histórias, V.58.1)” (HERÓDOTO, 1985), à cultura
helênica. Acompanhando a alfabetização dos gregos, “a escrita cuneiforme
acadiana, lado a lado com a escrita alfabética aramaica, fenícia e grega, produzem
no oitavo século [a.C.] um continuum de cultura escrita que se estende desde o
Eufrates até a Itália” (BURKERT, 1992, p. 31).
Quem eram os gregos?
Responder a essa pergunta não é tarefa fácil, uma vez que não sabemos ao certo
donde vieram:
Antes da chegada dos gregos ao solo do que se denominou
Hélade ou Grécia (entre o sul do Peloponeso e o Monte
Olimpo), a região era habitada por outros povos.
Estabelecimentos neolíticos existiam desde 4500 a.C.,
fundados por populações originárias ou influenciadas pelo
Oriente Próximo asiático que foram evoluindo e, entre 3000-
2600 a.C., já constituíam organizações monárquicas e
desenvolviam, por meio de instrumentos primitivos, uma
economia agrícola e pastoril (FUNARI, 2002, p. 14). 
Por volta de 3000 a.C., disseminaram-se na Península Grega povoados fortificados
de tribos seminômades de cultura agrária, ancestrais dos pelasgos, provavelmente
vindos da Anatólia:
A invasão de povos vindos da Anatólia trouxe novas técnicas
à região (início da Idade do Bronze), assim como
conhecimentos adquiridos em contatos anteriores com
outros povos, em especial orientais: continuou-se a prática
pastoril e agrícola, agora com a utilização do arado, e o
comércio no Mediterrâneo Oriental ampliou-se. Entre os
anatólios, predominava a organização monárquica forte em
reinos independentes, com a existência de palácios em
algumas cidades mais importantes. Entretanto, no fim do
segundo milênio, entre 2000 e 1950 a.C., a civilização
anatólia da Hélade entra em declínio devido à chegada de
povos que falavam um grego primitivo, aparecendo, pela
primeira vez, os gregos na história daquela região (FUNARI,
2002, p. 14-15).
Por volta do ano 2200 a.C. começa a ocupação da Península Grega por povos indo-
europeus, vindos das planícies euroasiáticas. O Período Micênico da história grega
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29 Os classicistas chamaram de invasão dos dórios ao evento que os mitos gregos que tratam da ocupação do Peloponeso pelos
dórios chamam de Ἐπιστροφὴ τῶν Ἡρακλειδῶ (“retorno dos heráclides”). Por vezes, esse “retorno” é referido por meio de
verbos sugestivos de descer, κατεῖναι/kateinai ou κατέρχεσθαι/katérchesthai. Os estudos linguísticos de John Chadwick (1976)
sugerem que já havia falantes de um “dialeto não padrão” (substandard), aproximado aos posteriores dialetos gregos ocidentais
(dóricos), vivendo – e escrevendo em “linear B” – lado a lado com os micênicos cuja “fala padrão” (standard) se relaciona muito
de perto com dialetos posteriores da Arcádia e de Chipre (cf. tb. MARAZZI, 1982, p. 259-261).
30 Cf. COOK, 1971, p. 75.
31 Só com o fim da “Idade das Trevas” reaparecem as representações figurativas na arte grega. Knud Friis Johansen (1967, p. 36)
acredita que a influência da “Ilíada” sobre a arte grega principia por volta do ano 700 a.C. John Nicholas Coldstream (1968, p.
351) pensa que uma cena da “Ilíada” aparece representada em uma cerâmica do início do século VIII a.C., embora Johansen
(1967, p. 23-25) opine que essa representação não está necessariamente vinculada à “Ilíada” – afinal, não se acredita que a
Guerra de Troia seja uma ficção literária.
48
tem início por volta de 1600 a.C., época em que os jônios são expulsos de parte de
seus domínios pelos gregos aqueus e eólios – estes últimos se instalaram na Beócia
e na Tessália –, encontrando refúgio nas terras da Ática. Entre 1600 e 1200 a.C.
intensificam-se as migrações para a Península Grega de povos pastores que falam
grego, trabalham os metais e utilizam carros de guerra. Esse período pouco
conhecido pode ser reconstituído pela arqueologia com apoio parcial da narrativa
preservada nas obras “Ilíada” e “Odisseia”, atribuídas ao poeta grego Homero.
Os poemas homéricos tiveram um papel essencial na formação da língua grega:
apesar de suas diferenças, os diversos grupos gregos pós-micênicos falavam dialetos
que tinham muitos aspectos em comum, podendo ser vistos como variantes de uma
única língua que podia ser entendida pelos povos das várias regiões que formavam
a Grécia. Uma tradição poética comum veio a se desenvolver. Após a invasão dos
dórios29, que colocou fim à civilização micênica, 
aos novos agregados populacionais [de invasores e antigos
habitantes] devem ter-se reunido, muitas vezes, refugiados
de outros lugares, e essa promiscuidade ajuda a explicar a
considerável uniformidade que se verifica nas artes e ofícios
da Grécia na Antiga Idade do Ferro (COOK, 1971, p. 24). 
Esses povos também tinham crenças religiosas comuns e compartilhavam diversos
valores culturais; assim, festivais religiosos em santuários comuns, espetáculos
teatrais e grandes competições esportivas, por exemplo, conseguiam reunir
pessoas de diferentes lugares da Hélade, como se chama o conjunto dos diversos
povos gregos30.
Nenhum evento ligado à Guerra de Troia aparece nas representações artísticas
anteriores ao século VIII a.C.31, e antes dessa época não se tem notícia de cultos
aos heróis gregos daquela guerra. Os antigos quase universalmente consideravam
que Homero havia composto seus épicos muito pouco tempo depois da Guerra de
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32 Cf.“Somente na Argólida havia pelo menos dez povoações com muralhas de pedra, sete na Ática e três na Beócia” (LEVI,
1996, p. 39).
49
Troia, mas atualmente se acredita que essa guerra teria ocorrido quatro séculos
antes. A partir de algumas características linguísticas das obras homéricas e das
tradições ali abordadas, e que são mais características da zona colonial jônica (costa
ocidental da Anatólia), é muito provável que ele tenha nascido e vivido na região
jônica, apesar de ter se inspirado em tradições mais antigas – Martin West
argumentou convincentemente a favor de que “a fase jônica da tradição [homérica]
foi precedida por uma fase eólia” (WEST, 1988, p. 162), desenvolvida na Tessália e
em Lesbos, por exemplo.
Documentos egípcios registram a fixação dos gregos nos Bálcãs por volta do século
XII a.C. No período retratado nos épicos homéricos, a sociedade grega, de estrutura
patriarcal, estava dividida em genos, espécie de clã cujos membros descendiam de
um antepassado comum e que cultuavam um deus protetor. Os guerreiros
constituíam a classe dominante; pastores, agricultores e artesãos vinham em
seguida. Fortalezas monumentais foram edificadas em Micenas, Tirinto, Pilos, Gia e
Atenas, entre outras localidades32; a civilização cretense foi assimilada; desenvolveu-
se o comércio com a Península Itálica, Sicília e Troia; fundaram-se – ou
refundaram-se – colônias (Mileto, Rodes, Lícia, Panfília, Cilícia, Chipre etc.). 
A Guerra de Troia foi provocada peladisputa entre os gregos micênicos e os troianos
– provavelmente um povo luvita, aparentado aos hititas. Segundo a lenda, o estopim
da guerra foi o rapto de Helena, mulher de Menelau, rei de Amicleia (futura Esparta),
por Páris, príncipe troiano; a causa mais provável do conflito, contudo, parece ter
sido a competição pelas terras do litoral do Mar Negro, ricas em minérios e trigo.
Troia constituiu por um longo período (c. 2000 anos) um posto avançado contra
invasões da Anatólia a partir dos Bálcãs. A Ílios do rei Príamo, na epopeia de
Homero, pode corresponder a um dos estratos – o estrato “h” (1400-1300 a.C.) –
da chamada “Troia VI” (Troia VIh; equivalente à Wilusa ou Truwisa nas fontes hititas;
*Ϝίλιος/Wílios [depois Ἴλιος/Ílios] ou Τροίη ou Troíê em Homero), devastada por
um terremoto – mas que não tardou a ser reconstruída –, enquanto “Troia VII”
(1300-950 a.C.), mais precisamente o estrato “a” dessa cidade, parece ter sido a
cidade capturada e pilhada pelos aqueus (c. 1210-1180 a.C. segundo a arqueologia
moderna; 1184 ou 1183 a.C. segundo Eratóstenes). Alguns restos de armas desse
estrato, assim como a cerâmica feita à mão descoberta ali, são de origem micênica.
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33 Susanne Heinhold-Krahmer (2004) considera que não há prova irrefutável da equivalência entre Wilusa e Tarwisa.
34 René Lebrun opta por uma tradução mais literal, “super-esperma” (LEBRUN, 1980) ou “superfluxo vital” (LEBRUN, 1994, p. 156)). 
35 Leonard Robert (1996) pensou ter encontrado evidências de uma morfologia lúvia em nomes como Delphyna e Diktyna, e de
um sufixo hitita/lúvio em Parnassós (para uma crítica a Palmer cf. J.H.W. Penney (1981).
36 Cf. WEST, 1997, p. 24 e ss.; CHADWICK, 1987; HOOKER, 1980.
50
Gregos e troianos nas fontes orientais hititas?
O topônimo Wilusa é mencionado em vários textos hititas, remontando a primeira
referência ao reino de Tudhaliya I (1420-1400 a.C.), que à época estava em conflito
com o reino de Assuwa, que controlava vários Estados vassalos no oeste, entre os
quais Truwisa (tb. Tarwisa ou Tarúwisa) e Wilusiya33. Essa última palavra significa “terra
de Wilusa” em lúvio, o que tem sido apontado como evidência de que os troianos
falavam lúvio. Outras evidências são nomes pessoais como o de Príamo (grego
Πρίαμος; relacionado ao lúvio Príyamuwa [Paríya-Muwa, “excepcionalmente
corajoso”]34) e o fato de que em 1995, no estrato “b” de Troia VII (“Troia VIIb”), foi
encontrado um selo biconvexo em bronze, provavelmente de c. 1275 a.C., com uma
inscrição em lúvio (HAWKINS; EASTON, 1996), a única inscrição pré-clássica
encontrada em Troia. Apesar de não provar incontestavelmente que o lúvio fosse a
língua oficial ou coloquial em Troia, nem afastar a possibilidade de que mais de uma
língua fosse falada na cidade (BRYCE, 2006, p. 117-121), isso precisa ser balanceado
com argumentos que sugerem que Wilusa encontrava-se na área de influência ou de
domínio da cultura dos lúvios; Palmer35 sugeriu que desde muito cedo – possivelmente
cerca de 2000 a.C. – houve influência lúvia sobre a Grécia, notadamente sobre Creta. 
Widmer argumentou que a palavra micênica ru-wa-ni-jo, atestada em escrita silábica
“linear B”36, refere-se à mesma área conhecida como Luwiya na versão páleo-hitita
cuneiforme das “Leis dos hititas” (WIDMER, 2007). Na metade no segundo milênio
a.C. o idioma lúvio parece ter sido a língua oficial dos reinos de Arzawa, na Anatólia
ocidental, e Kuzzuwatna, no sudoeste anatólio. Esses reinos foram absorvidos pelo
Império hitita e, a partir do século XIV a.C., embora a língua hitita fosse socialmente
predominante nesse Estado, a maioria da população de Hattusa, a capital imperial,
era constituída por falantes da língua lúvia (YAKUBOVICH, 2010). À época do
colapso do Império hitita (c. 1180 a.C.), parece que o rei e a família real eram
bilíngues. Após o colapso, a escrita cuneiforme foi substituída pelos hieróglifos
anatólios, utilizados para escrever em lúvio, a língua dos Estados neo-hititas, que
emergiram no centro e no sudeste da Anatólia (como os reinos de Tabal e
[K]hilakku), bem como no norte da Síria (reinos de Milid/Kammanu e Carchemish),
e que depois foram incorporados ao Império neoassírio (911-608 a.C.).
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37 Aparentemente derivado do lúvio piyama, “dádiva, dom”, e *aradu, “devoto, servidor”, donde talvez derive um significado do
tipo “devoto dadivoso” ou “devotado dom”.
38 Foi postulado que ele seria filho de Piyamakurunta e neto de Uhha-Ziti, rei de Arzawa deposto por Mursili II e o primeiro monarca
aliado de Ahhiyawa (cf. adiante) do qual se tem notícia.
39 E talvez ele mesmo, durante algum tempo, rei de Ahhiyawa [cf. ALPARSLAN, 2005, p. 33-41]. Hans Gustav Güterbock (1990)
havia sugerido antes que o título de “grande rei” atribuído a Tawagalawa, na carta KUB XIV 3, mostra que ele era corregente em
Ahhiyawa ou soberano de outro reino (HOFFNER JR.; DIAMOND, 1997).
51
Em uma versão tardia das “Leis dos hititas”, o nome Luwiya aparece substituído
por Arzawa (BRYCE, 2003, p. 29-31). Na época pós-hitita, a região de Arzawa veio
a ser conhecida como Lídia (assírio Luddu, lídio [reconstituído] *Lūda-, grego
Λυδία/Lydía), sendo que Beekes (2003) mostrou convincentemente que esse nome
deriva de Luwiya, a partir da substituição regular em lídio do y pelo d, formando o
vocábulo intermediário Luw[i]da). Após a campanha de Tudhaliya I, e talvez devido
a ela, o topônimo Assuwa desaparece das fontes hititas, que menciona no seu lugar
os países de Arzawa: Seha, Haballa e Mira. Wilusa parece ter se tornado
independente, e provavelmente não é coincidência que após 1400 a.C. a cidade
(“Troia VIh”) tenha sofrido amplas reformas, inclusive com a construção de uma
muralha com aproximadamente 10 metros da altura. No século XIV a.C. os
soberanos hititas estavam ocupados no Oriente: Tudhaliya II (1390-1370 a.C.)
conquistou a Cilícia; Suppiluliuma I (1344-1322 a.C.) derrotou o reino de Mitanni.
O rei Mursili II (c. 1321-c. 1295 a.C.), no entanto, mostrou-se interessado em relação
ao Ocidente, e em c. 1318, em uma campanha contra Arzawa, saqueou Millawanda
(ou Milawata; possivelmente a ulterior Μίλητος, Mileto) e capturou Apasa
(possivelmente a ulterior Ἔφεσος, Éfeso), a capital de Mira. Uhha-Ziti, o último rei
independente de Arzawa, tentou resistir a Mursili II aliando-se ao povo de
Ahhiyawa/Ahhiya, mas foi derrotado e acabou fugindo para o território destes
(conferir adiante). Os países de Arzawa passaram a ser vassalos do Império hitita.
Tudo indica que Wilusa permaneceu independente nesse período, sendo pouco
provável que seus governantes quisessem intervir no conflito entre o Império hitita
e Arzawa, uma vez que sua cidade foi abalada por um terremoto c. 1300 a.C. A
cidade foi reconstruída, e “Troia VIIa” foi essencialmente a continuação de “Troia
VIh”. Quase imediatamente após a reconstrução, contudo, Wilusa envolveu-se em
uma importante crise internacional. Por volta de 1290 a.C., Piyamaradu37, um
aventureiro de Arzawa, tentou tornar-se rei de Mira – talvez suas pretensões fossem
legítimas38. Ele contava com o apoio de Tawagalawa, irmão do rei39 de Ahhiyawa
(Ahhiya, no registro mais antigo). Atualmente, acredita-se (GARCÍA TRABAZO, 2007,
p. 46; HOFFNER JR.; BECKMAN, 2009, p. 297) que Tawagalawa equivale ao grego
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40 Nome talvez relacionado ao lício Kukun e a Κύκνος/Cýcnos (nome grego para “cisne”), rei de Kolonai na Trôade, considerado
filho de Poseidon (Posídon) (Homerica Cypria Frag 1; Pausânias, Descrição da Grécia, 10.14.1).
41 Em luvita, há registro do nome Pariziti, em que Pâri- pode significar “primeiro” (cf. o hitita pari- e o lício B priye) + ziti, “homem”.
René Lebrun traduz Pariziti como “super-homem” (surhomme) (LEBRUN, 1980) e, nessa mesmatrilha, Erich Neu propôs que Pari-ziti
significa “extremamente másculo” (überaus mannhaft). (NEU, Erich, 1995-1996).
42 Segundo Oliver Gurney (2002, p. 133-141), essa atribuição é aceita por Carol G. Thomas e Craig Conant (2005, p. 34).
43 Segundo a maioria dos autores, como Ferdinand Sommer, 1975.
52
arcaico (reconstituído) ἘτεϜοκλεϜειος/*Etewokleweios (“verdadeiramente glorioso”),
depois ἘτεϜοκλέϜῆς/*Etewokléwês, mais conhecido em sua forma clássica,
Ἐτεοκλῆς /Eteoclễs (Eteoclés, nome de um mítico rei de Tebas [filho de Édipo,
conferir adiante] e de um príncipe de Orcômeno, na Beócia). Ahhiyawa, por sua vez,
corresponderia ao grego arcaico ἈχαεϜα/Achaewa (posteriormente Άχαία/Achaía),
referindo-se aos gregos aqueus (Ἀχαιοί) residentes na costa da Anatólia e na
Península Grega (BECKMAN; BRYCE; CLINE, 2011). 
Entre as cidades vassalas de Ahhiyawa estava Millawanda, a partir de onde
Tawagalawa deu apoio a Piyamaradu. Este, para alcançar seus intentos, além de
atacar Lazpa (possivelmente a ulterior Λέσβος/Lesbos) e Seha, resolveu ir contra
Wilusa, confrontando o rei Kukkunni40 e depois forçando o sucessor deste, o rei
Alaksandu (talvez o Ἀλέξανδρος/Aléxandros [nome alternativo de Πάρις/Páris,
equivalente ao luvita Pariya ou Priya]41 da “Ilíada”) a buscar a ajuda dos hititas. O
rei destes, provavelmente Muwatalli II42 (1295-1272 a.C.) ou Hattusili II43 (c. 1267-
1237 a.C.), determinou que o rei de Seha, Manapa-Tarhunta, apoiasse Wilusa, mas
ele foi derrotado por Piyamaradu. Exércitos hititas marcharam para o oeste apoiados
por tropas lúvias (provavelmente de Kupanta-Kurunta, rei de Mira), e Wilusa foi
incorporado como Estado vassalo. Um tratado de paz foi concluído antes de 1272
a.C., existindo do mesmo seis cópias. O deus troiano Appaliunas (equivalente ao
grego homérico/ático/jônico Ἀπόλλων/Apollo) foi evocado como um dos fiadores
do tratado.
Supõe-se que Ahhiyawa, além do apoio moral, ofereceu ajuda militar a Piyamaradu,
uma vez que na “Carta de Tawagalawa” o imperador dos hititas refere-se a um
conflito armado entre si e o rei de Ahhiyawa, uma guerra que havia chegado ao
fim por meio de um acordo. Isso deu ao soberano hitita confiança para escrever ao
seu “irmão”, o rei de Ahhiyawa, propondo uma solução pacífica para o “caso
Piyamaradu”. Já se cogitou que o conflito entre Ahhiyawa e os hititas constitui um
dos núcleos das histórias sobre a Guerra de Troia, mas não existe prova documental
de nenhum ataque de Ahhiyawa a Wilusa.
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44 Nome talvez equivalente ao grego Ϝἒλυμος/Wélymos (depois Ἔλυμος/Élymos), Élimo, nome de um troiano filho de Anquises,
irmão de Eryx, e meio-irmão de Eneias (Eneas).
45 Relacionado ao grego Οἰδίπους/Oidípous (Édipo; no mito grego, pai de Eteoclés).
46 Nos registros dos faraós Merneptah (c. 1236-1223 a.C.) e Ramsés III (c. 1186-1155 a.C.). (Cf. STUBBINGS, 1975, p. 338-358 cf.
p. 339; BARNETT, 1975, p. 359-378, cf. p. 366-67; MARGALITH, 1994, p. 72-75).
47 Em uma nota anterior, indicamos que atualmente existem críticas à hipótese de uma “invasão dos dórios”.
53
Independentemente da historicidade e do resultado da Guerra de Troia, não
podemos negar que esse evento – ou conjunto de eventos correlatos, epicamente
agrupados em um conflito singular – representou um momento nevrálgico de
grandes convulsões políticas que ocorreram na Anatólia. Existem evidências de que
entre 1250 e 1230 a.C. o rei de Wilusa, Walmu44, foi destronado por um parente
de Piyamaradu, talvez Atpa45, genro de Piyamaradu e governante de Millawanda.
O soberano hitita, Hattusili III (c. 1267-1237) ou Tudhaliya IV (c. 1237-1209), pediu
ao rei de Mira, Tarkasnawa, que ajudasse Walmu, mas não se sabe o que ocorreu
depois – essa é a última informação histórica que se pode vincular a “Troia VIIa”.
As evidências arqueológicas, contudo, mostram que por volta de 1200 a.C. a cidade
foi saqueada, e os responsáveis por isso podem ter sido os aqueus. Atualmente,
existe uma tendência para que a destruição de “Troia VIIa” seja vista dentro do
quadro de um período de sublevações disseminadas no Mediterrâneo Oriental no
primeiro quarto do século XII a.C., a “era dos povos do mar”, entre os quais
aparecem uns akawasha, akaiwasha (também akayawasa), ou ekwesh (ekwes), que
acredita-se ser o nome egípcio para os aqueus46.
Em ondas sucessivas após a época da Guerra de Troia, novas hordas de
conquistadores apossaram-se de territórios antes pertencentes às culturas minoica
e micênica, sem que possamos falar de clara assimilação ou de continuidade de
tradições. Não obstante a vitória dos aqueus sobre os troianos, 
o mundo micênico desapareceu no século XI a.C.,
gradativamente, sem que se saiba o que ocorreu. Os
palácios deixaram de ser usados, assim como a escrita, até
que uma nova civilização, sem palácios, viesse a surgir.
Segundo a interpretação tradicional, teria sido a invasão dos
dórios47, no fim do segundo milênio, que teria feito
submergir a Grécia aqueia a partir de 1200 a.C., entre os
séculos XII e XI (FUNARI, 2002, p. 18). 
A formação das pólis gregas resultou, entre outros fatores, de migrações dos dórios,
beócios e tessálios (1200 a.C. em diante), povos que deslocaram os aqueus. No
século XI a.C. verificaram-se dois importantes movimentos migratórios, de dórios
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para sul, em direção ao Peloponeso – onde introduziram a metalurgia do ferro e a
cerâmica com decoração geométrica –, e de jônios, para o sudoeste da Anatólia.
Com a introdução da metalurgia do ferro na Grécia, inicia-se aquela civilização que
os arqueólogos chamaram de helênica, em distinção à civilização heládica da Idade
do Bronze.
A gestação da Grécia Clássica
Conforme Florenzano, “o conjunto de traços que se articularam para compor o que
conhecemos como Grécia Clássica começou a se desenvolver a partir do século X”
(FLORENZANO, 1986, p. 9). Com o colapso da civilização micênica, 
numerosos aqueus se refugiaram na costa da Ásia Menor
onde se instalaram seguidos por alguns dórios. Lá, aos pés
do platô de Anatólia, no desembocar das grandes rotas que
levavam ao centro do Oriente Próximo, formou-se então a
Grécia da Ásia, onde sobreviveram certos traços da civilização
creto-micênica, que, no contato com o Oriente, desenvolveu-
se ainda mais: os gregos da Ásia, em suas relações com os
mesopotâmicos e os egípcios, enriqueceram-se com os
conhecimentos tecnológicos dessas duas civilizações mais
antigas e sofisticadas (FUNARI, 2002, p. 19). 
No mundo grego ocidental, os núcleos urbanos construídos em torno das fortalezas
micênicas se transformaram em comunidades político-religiosas autônomas. Ática,
Argos, Atenas, Esparta, Tebas, Mileto e Corinto estabeleceram relações comerciais
entre si e por todo o Mediterrâneo. Em torno de 1000 a.C., o intercâmbio comercial
transformou-se em um processo de colonização e de escravização de outros povos: 
Durante os séculos que se seguiram às invasões dórias,
nascia lentamente, sobretudo na Grécia da Ásia – da
mistura de contribuições creto-micênicas, indo-europeias e
orientais –, a civilização grega propriamente dita, chamada
clássica. Ela não surgiu como um milagre e sim como
herdeira dos avanços e conhecimentos aprendidos e
adaptados de outras civilizações. Caracterizou-se por uma
unidade cultural básica ao mesmo tempo em que
apresentava variações de acordo com as origens do
elemento humano que a compunha, as regiões, as
paisagens e as influências estrangeiras recebidas. O retorno
da escrita só se deu mais tarde, no século IX a.C., com a
adoção do alfabeto (inventado no Oriente, pelos fenícios,
para facilitar-lhes o comércio) o que permitiu que os gregos
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48 Wooley acreditou que foi a partir de Al-Mina que os gregos importaram o alfabeto.
49 Escavações conduzidaspor Paul Courbin em Râs al-Bassit, ao sul de Al-Mina, levaram-no a acreditar que Posídeion ficava ali.
55
naquela época pudessem escrever com muito mais
facilidade do que no tempo do uso dos ideogramas (Este é
mais um exemplo da capacidade dinâmica dos gregos.
Novamente, os gregos adaptavam algo oriental. Já se pode
perceber que os gregos puderam ser geniais também graças
à sua abertura para as contribuições de outros povos e
culturas) (FUNARI, 2002, p. 20).
A partir do século VIII a.C., as informações de que dispomos sobre os gregos
começam a ser mais seguras. Após a “Idade das Trevas”, os gregos estavam em
expansão pelo Mediterrâneo, estabelecendo colônias nas costas do Mar de
Mármara e do Mar Negro (o Ponto Euxino), na Frígia, na Lídia e na Cária (regiões
da Anatólia), na costa egípcia (Naucratis, junto à comunidade autóctone de
Pamarat), na Sicília e no sul da Itália (a Magna Grécia), e no sul da Gália. Por volta
de 825 a.C., data contestada por alguns, na desembocadura do rio Orontes – no
norte da Síria, antigamente o principal rio do Oriente mediterrâneo –, estabelece-
se o centro comercial batizado de Al-Mina (em árabe, “o porto”), uma povoação
mista de gregos eubeus, cipriotras e fenícios; talvez trate-se da localidade chamada
de Ποσίδειον/Posídeion (tb. Ποσίδαιον/Posídaion) por Leonard Wooley48 e Diodoro
Sículo (Biblioteca Histórica, 19.79.6), ou a Ποταμοὶ Καρῶν/Potamoí Karôn de Diodoro
Sículo e Elio Marinoni (1973-74)49, e que desempenhou um importante papel nas
rotas comerciais com a Panfília, a Cilícia, as cidades assírias do norte da
Mesopotâmia e Urartu (Ararat). Na costa sírio-palestina, em algum momento do
século VIII a.C., um importante empório comercial grego se estabeleceu junto à
povoação fenícia e cipriota da localidade atualmente conhecida como Tell Sukas.
A partir de 750 a.C., acentua-se a expansão grega, resultado do crescimento da
população, da expansão do comércio, das disputas internas e das guerras entre as
pólis. Na arte, o estilo geométrico, característico da “Idade das Trevas”, entrou em
sua fase final por volta de 750 a.C. Desde cerca de 800 a.C. até cerca de 600 a.C.,
novos temas e novas técnicas de origem oriental começaram a influenciar de forma
decisiva a cultura grega. Os reflexos desse período, conhecido como Fase
Orientalizante – que coincide em parte com o início do Período Arcaico –, fizeram-
se sentir nos anos seguintes sobretudo nas diversas formas de expressão artística,
em templos, esculturas, estatuetas votivas, vasos, joias, moedas e outros objetos
em que os artistas da época mostraram sua habilidade e excelência.
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50 Também chamada de mitaniana (de Mitanni).
56
A Época Orientalizante da Grécia Antiga
Os contatos estabelecidos pelos gregos em sua expansão a partir do século VIII a.C.
introduziram na Grécia novos materiais e técnicas que permitiram o desenvolvimento
da arquitetura, da escultura e da cerâmica. No Oriente Próximo, os gregos estiveram
em contato – sendo esse contato complexo e, por vezes, indireto – com a rica herança
de 2 mil anos da Mesopotâmia – e notadamente do Império neoassírio (911-612
a.C.) –, principalmente por intermédio do Império hitita tardio (1200-700 a.C.), no
sudeste da Anatólia, em sua fase final. A mitologia e a arte figurativa que podem ser
percebidas em Homero e em Hesíodo têm paralelos na cultura hitita, como foi
convincentemente mostrado por Burkert (1992, 2004), que considera o Período
Orientalizante não apenas como uma fase arqueológica, mas como uma época em
que toda a cultura grega recebeu significativas contribuições orientais, como, por
exemplo, novas técnicas (de execução musical, de cálculo e de edificações, para
mencionar apenas algumas), novas formas artísticas, novas ideias e práticas
religiosas, novas instituições sociais e políticas, e novas formas de comportamento.
Durante esse período, modelos orientais aparecem em itens de uso corriqueiro, em
objetos preciosos, em armas de guerra, em frisos, relevos, colunas – inclusive as
cariátides – e outros elementos arquiteturais, o que levou Hans Erich Stier a afirmar
que “tendo em vista esse estado de coisas, não se deve considerar desviante
(abwegig) perguntar sobre o que [...] houve na Grécia arcaica que não se originou
(herstammte) a partir do Oriente” (STIER, 1950, p. 227).
Em relação à poesia grega, foi observado que os versos de Homero e parte das longas
narrativas teogônicas de Hesíodo têm paralelos na poesia narrativa sumério-acadiana,
hurriana50-hitita e ugarítica. Conforme Martin West, “dificilmente seria exagero dizer
que o retrato inteiro dos deuses na ‘Ilíada’ é oriental” (WEST, 1988, p. 169). West
supõe também que poetas bilíngues, estabelecidos na Grécia a partir do século X a.C.
e que teriam “aprendido a compor poesia épica à maneira grega [...], poetas educados
no Levante e que subsequentemente se tornaram helenizados e praticaram [suas
artes] na Grécia”, podem ter propiciado aos gregos influências do “Épico de
Gilgamesh”, do “Enuma Elish” e do “Atrahasis” (WEST, 1988, p. 171; 1997). Parece
que nessa mesma época trabalhadores de metais e joalheiros do Levante, bem como
“videntes, curandeiros, sacerdotes e carismáticos” estavam vivendo lado a lado com
pupilos e clientes gregos na Ática e em Creta (WEST, 1988, p. 171-72).
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A arte figurativa e decorativa grega dos séculos VIII e VII a.C. acompanha o estilo
e a iconografia hitita. Artefatos produzidos pela civilização de Urartu (860-580 a.C.),
fortemente influenciados por padrões assírios e hititas tardios, foram encontrados
em cidades gregas e etruscas. Conforme Furio Durando (2005, p. 111), “a Grécia,
primeira realidade politicamente evoluída e culturalmente bem definida na hora de
sofrer a influência levantina”, soube apropriar-se rapidamente e de forma incisiva
“do patrimônio ideológico, cultural e formal vindo do leste”. Conforme Martin West, 
a rota [dessa influência] está agora moderadamente clara.
Foi desde as praias da Síria e da Cilícia através de Chipre e
de Rodes ou de Creta, e não para os jônios da Ásia Menor,
que estavam atrás em contatos com o Oriente, mas em
direção à Ática e, acima de tudo, como sabemos hoje, à
Eubeia [‘a área na qual a linguagem épica adquiriu sua
forma definitiva e normativa’] (WEST, 1988, p. 166). 
West diz ainda que “a partir do século X [a.C.] artefatos orientais – assírios, sírio-
palestinos, egípcios, cipriotas – estavam chegando na Eubeia, e a cerâmica eubeia
estava chegando a Chipre” (WEST, 1988, p. 170).
No final da “Idade das Trevas”, a retomada da navegação permitiu aos gregos
canalizar seu aumento demográfico para a fundação de colônias, como vimos
anteriormente. Nessa ocasião, as pólis (cidades gregas) encontravam-se animadas por
uma inusitada atividade comercial, concentrada em torno da ágora. A partir de então,
a ágora substitui a primitiva instituição do palácio-fortaleza como centro da vida
urbana. Ao longo do século VIII a.C. a expansão colonial colocou os gregos em contato
com outros povos. Foram pioneiros nessa empreitada os gregos asiáticos e os eubeus
de Cálcis e da Erétria, rapidamente seguidos por coríntios, megáricos e aqueus. O
Mediterrâneo logo se converteu em uma espécie de “lago” interior, disputado com
os fenícios, que nessa época estavam a serviço de seus suseranos neoassírios. 
Os contatos com o Oriente, esporádicos no princípio e corriqueiros depois, faziam
chegar à Grécia, desde meados do século VIII a.C., materiais novos tais como
tecidos, marfins, manufaturados orientais – principalmente em metal – e técnicas
artesanais diferentes. Conforme Durando, as mercadorias orientais de excepcional
mérito artístico
eram exibidas como mostra de prestígio econômico e de
poder, porque é fato que essas mercadorias chegavam como
presentes que selavam alianças comerciaisentre aristocratas
ocidentais que tinham o controle de importantes recursos
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primários (sobretudo metais) e os distantes sócios orientais
ou gregos dos quais adquiriam produtos acabados
(DURANDO, 2005, p. 110-11). 
Às primeiras navegações fenícias os gregos parecem dever seus conhecimentos
marítimos, além da importação do alfabeto. Este último permitiu aos gregos retomar
o emprego da escritura, marginalizado e depois esquecido após a queda dos
palácios micênicos. Dos fenícios e de outros povos semitas os gregos assimilaram
também dezenas de palavras, além dos nomes das letras do alfabeto: 
elas incluem os nomes de animais, insetos, peixes, plantas e
produtos de plantas, minerais, vasos e outros recipientes,
tecidos e vestimentas, muitos outros produtos manufaturados,
comidas preparadas, termos usados no comércio e nos cultos
religiosos […]. Muitas dessas palavras já estão atestadas (seja
diretamente ou indiretamente, através de formas derivadas,
nomes próprios etc.), nas tabuletas em ‘linear B’. […] Dúzias
de palavras adicionais aparecem depois do século V [a.C.]
(WEST, 1997, p. 14).
Com a empreitada colonial e a chegada de diferentes influências do Oriente – que
afetou as cidades gregas em variados graus –, teve início um processo de
regionalização muito característico, formando-se então as distintas culturas do
Período Orientalizante e também do Alto Período Arcaico. Creta é uma das primeiras
áreas a receber esse influxo, desde o segundo quarto do século VIII a.C., por meio
de marfins, tecidos e artefatos, e técnicas de metalurgia. Uma série de escudos
votivos encontrados no santuário de Zeus na Gruta de Ida seguem modelos
orientais, sobretudo procedentes da Assíria. Trata-se de escudos ornamentais (não
funcionais), confeccionados com finíssimas lâminas de bronze. Em Corinto, onde a
influência do estilo geométrico ático foi forte, mas não avassalador e persistente
tal como em Atenas – terra de velhas aristocracias conservadoras e ciosamente
defensoras de suas tradições e privilégios –, a chegada de motivos ornamentais
orientalizantes provocou uma revolução artística a partir do Período Protocoríntio,
entre 750 e 640 a.C. Corinto manteve um alto prestígio artístico, manifestado
sobretudo por meio de sua refinada cerâmica, muito valorizada nos mercados da
época em todo o Mediterrâneo. 
O nascimento da escultura grega de grande porte “é fruto também da relação com
o Oriente, da qual deriva o gosto pelas imagens imponentes, rígidas e em canônica
posição frontal” (DURANDO, 2005, p. 112). As primeiras influências orientais na
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51 As figuras “dedálicas” quase sempre mostram mulheres completamente vestidas – disfarçando as formas – e homens seminus
de aspecto estereotipado: cabelos em cachos ou em tranças, cabeça achatada, rosto triangular, olhos e nariz proeminentes, corpo
alongado e cilíndrico, com tronco de forma triangular e cintura bem marcada, postura frontal e braços geralmente ao lado do corpo. 
52 Por outro lado, na sala real de Cnossos há um trono ladeado por grifos.
59
escultura grega vieram da Mesopotâmia ou da Síria, prenunciando o estilo
“dedálico”51. Após 650 a.C., a influência egípcia passou a aparecer cada vez mais,
culminando nas famosas estátuas, em tamanho natural, de rapazes nus (grego,
κοῦροι/koũroi) e de moças vestidas (grego, κόραι/kórai), usadas em monumentos
funerários e nos templos. Provavelmente também veio do Egito a inspiração para a
construção de templos monumentais, ornados com colunas – que depois evoluíram
segundo os padrões chamados de dórico, eólio e jônico –, relevos e enormes estátuas
representando deuses, heróis e seus mitos. Também na arquitetura, o revestimento
das estruturas de madeira com elementos decorativos de terracota policromada
(DURANDO, 2005, p. 113) revela conexões com o Oriente.
Ao longo do século VII a.C. os objetos importados do Oriente cedem lugar a versões
localmente reelaboradas, com a mistura de elementos orientais (por exemplo, felinos
rugentes, em cenas de caça ou heraldicamente rampantes) e autóctones. Embora
já registrada na arte micênica, a representação do grifo (animal fantástico, metade
águia, metade leão) foi reintroduzida a partir do Oriente52 como motivo ornamental.
Do mesmo modo, outros seres míticos voltaram a ser representados na arte grega:
górgonas, centauros, esfinges (leões alados com cabeça feminina), quimeras (leões
com cauda em forma de serpente, às vezes alados e, posteriormente, com uma
cabeça caprina como corcova no dorso), harpias (pássaros com cabeça feminina) e
sereias. A esses temas unem-se outros, entre os quais discos alados e as primeiras
representações de cenas mitológicas, quase todas derivadas das epopeias; no
Período Geométrico aparecem eventualmente cenas que podem ser interpretadas,
embora sem segurança, como de temática mitológica. Outros temas característicos
do Período Orientalizante pertencem ao reino vegetal, tais como árvores da vida,
palmeiras, flores de lótus e muitas outras, ou dizem respeito à anatomia, como
posturas e atitudes particulares, como aquelas de homens em luta contra animais,
ou formas específicas de representação da musculatura. Entre as armas, o elmo
com crista e o escudo com “umbigo” central são considerados importes orientais
(WEST, 1997, p. 11).
Além da abundância de temas, dentro da influência orientalizante devemos
distinguir diversos estilos. Aos traços próprios do estilo assírio, com extensões nas
civilizações de Urartu e dos hititas, devemos acrescentar os estilos fenício e
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egipcizante. As distintas procedências dos materiais trazidos pelos comerciantes e
mesmo a importação de artesãos estrangeiros, com seus variados repertórios
iconográficos, assim como seus característicos estilos, foram responsáveis pela
diversidade regional do Período Orientalizante na Grécia.
A Época Arcaica
Graças aos contatos comerciais cada vez mais intensos entre os gregos e as prósperas
comunidades da Sírio-Palestina, da Mesopotâmia e do Egito, a crescente
prosperidade das cidades gregas logo se fez notar nas transformações do Período
Arcaico (de 776, data da primeira Olimpíada, a 480 a.C.), durante muito tempo
considerado como mero prelúdio do Período Clássico, mas que contemporaneamente
é avaliado como uma fase de intensa atividade intelectual, política e artística, durante
a qual ocorreram conquistas decisivas para a consolidação da cultura grega. 
Na fase de grandes transformações do Alto Arcaísmo, acompanhada por abundante
produção artística, originam-se diversas escolas de arte: a dedálica (difundida nos
territórios gregos a partir de Creta), a cicládica (responsável pela introdução da
escultura monumental na Grécia, por meio de seus contatos com o Egito), a jônica
(dos gregos da costa ocidental da Anatólia) e a ática (centrada em Atenas, capital
da arte grega a partir de meados de 600 a.C.). Os efeitos mais notáveis da influência
oriental na arte grega podem ser observados na cerâmica, particularmente nos
vasos produzidos em Corinto, onde se desenvolveu a técnica “de figuras negras”.
Essa inovação atingiu o apogeu em Atenas, entre 600 e 480 a.C., mas começou a
ser suplantada por volta de 530 a.C. por uma nova técnica, a “de figuras
vermelhas”, criada em Atenas.
A uniformidade quase geral do Período Arcaico, com diferenças regionais não muito
pronunciadas, plasma-se em uma língua praticamente similar, deuses comuns –
embora com atributos locais –, e importantes atividades compartilhadas, entre as
quais se destacam os Jogos Olímpicos – os de 776 a.C. são os primeiros com nomes
de vencedores conhecidos – ou a peregrinação a afamados santuários mais ou
menos internacionais, tendo à frente Delfos e seus oráculos. No século VI a.C., 
a supremacia culturale artística levantina no Ocidente se
esgota, ‘fossilizada’ em modelos que não tiveram fortuna
[...] A Grécia se transforma rapidamente na realidade
dominante no plano cultural: de fato, no século VI a.C. os
gregos rivalizam com a competência fenícia no plano
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53 Cf. P. Kyle McCarter Jr. (1975).
61
econômico e comercial e superam a relativa sujeição artística
nos enfrentamentos com o Levante [...]. A partir desse
momento, a cultura grega se transforma no elemento de
referência de todo o mundo ocidental: seu êxito se deve à
capacidade de fazer evoluir constantemente as formas
expressivas – num diálogo interno e com o exterior não
grego – na teoria e na prática, no abstrato da projetualidade
e na concreção das próprias criações cotidianas (DURANDO,
2005, p. 114).
Surgem a democracia e a filosofia
Nos fins do século VII a.C., ocorreu nas cidades-Estado gregas uma importante
alteração política: o regime monárquico foi abandonado, sendo substituído por uma
forma rústica de democracia, cujo governo era a expressão da vontade da maioria
dos homens livres. Nessas cidades-Estado, ocorreram outras mudanças na vida das
suas populações que permitiram e estimularam novas maneiras de pensar: o
desenvolvimento de uma economia mercantil baseada em um vigoroso comércio
marítimo; a adoção e difusão da escrita53 (c. metade do século VIII a.C.), a partir da
Fenícia – herdada do príncipe fenício Cadmo (Histórias, V.58.1, II.145.4), irmão de
Europa e fundador de Tebas –, e da moeda (século VI), a partir da Lídia; o contato
com outras culturas; e um arraigado sentimento de individualidade nascido da
própria independência administrativa e legislativa de cada cidade. Tudo isso se
conjugou para que ocorresse uma gradual ruptura com os modos tradicionais de
conceber e pensar o Cosmos, o que conduziu ao aparecimento da filosofia.
Influências orientais sobre a filosofia nascente
Não obstante ser largamente aceito na atualidade que a filosofia começou entre
os gregos, as circunstâncias desse surgimento não são simples de explicitar.
Apesar de haver consenso sobre o local e a data de origem da filosofia grega –
as colônias gregas da Jônia, na Ásia Menor, no final do século VII e início do
século VI a.C. –, esse foi um processo complexo, que tem sido objeto de muita
discussão. Temos, por um lado, aqueles que sustentam a origem oriental da
filosofia; do outro lado, temos a tese do “milagre grego”, que defende a total
originalidade dos gregos.
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54 ATHENAEUS, 1854, v. 3, p. 998.
62
Pensadores gregos como Heródoto, Platão e Aristóteles admitiram alguma
continuidade entre a sabedoria oriental e a filosofia grega. Nas “Vidas e doutrinas
dos filósofos ilustres”, obra do século III d.C., época em que o Oriente, no imaginário
dos cidadãos romanos helenófonos, consistia principalmente no Império iraniano
– então sob a dinastia sassânida –, Diogenes Laertius (1972) relata o exemplo de
vários gregos dos quais diz a tradição que visitaram os “magos” iranianos em busca
de sabedoria: Pitágoras (VIII.3), Demócrito (IX.35) e Pirro (IX.61); Platão, que teria
pretendido visitar os magos, teria sido impedido de fazê-lo por causa da guerra na
Ásia (III.7). Robert Strassler deixou claro que 
Foi largamente através do contato com a Pérsia que os
gregos se familiarizaram com conhecimento acumulado do
antigo Egito, da Mesopotâmia ou mesmo da Índia, de modo
que não é acidental que a maior parte dos primeiros
filósofos, poetas e historiadores gregos vieram de cidades
da Ásia Menor que tinham caído sob governo lídio e depois
persa (STRASSLER, 1998, p. 597-98).
Por seu turno, Arnoldo Momigliano opinou que: 
A súbita elevação do tempo à posição de um deus
primordial em Ferécides, a identificação do fogo com a
justiça em Heráclito, a colocação por Anaximandro das
estrelas mais perto da Terra do que da lua – essas e
outras ideias imediatamente chamam à mente teorias
que aprendemos a considerar como zoroastrianas, ou
de qualquer forma persas, ou pelo menos orientais
(MOMIGLIANO, 1975, p. 127).
Heródoto afirmou que, antes de haver dominado a Lídia – que surgiu como um reino
neo-hitita após o colapso do Império hitita no século XII a.C. – em 546 a.C., os persas
nada possuíam de bom e de fino. A Lídia situava-se no oeste da Ásia Menor e
limitava-se ao norte pela Mísia, a oeste pelo Mar Egeu, ao sul pela Cária e a leste
pela Frígia. Os lídios beneficiaram-se de um legado multicultural acumulado durante
milênios pelas civilizações mais antigas do Oriente Próximo e que era recebido por
meio da antiga rota que ligava Babilônia, Ptéria e Sárdis (ou Sardes, capital da Lídia).
A civilização lídia conservou muitos aspectos orientais (AYMARD; AUBOYER, 1960,
p. 197). Talvez, os maiores herdeiros da civilização hitita, os lídios desempenharam
o papel de transmissores ao Ocidente de um rico patrimônio do qual os próprios
hititas já se haviam beneficiado. Segundo Ateneu (XIV, 625e [XIV.21])54, o rei Pélops
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55 Talvez originalmente o rei de Tantális, na Anatólia, na região junto ao Monte Sipylus (cf. PERROT; CHIPIEZ, 2007, p. 15, 20, 62).
Algumas genealogias apontam Tântalo como filho de Tmolo, rei da Lídia.
56 O geógrafo e historiador grego Ateneu (final do século II-início do século III) tratou da grande diversidade de instrumentos
musicais que a Grécia recebeu de culturas asiáticas (Deipnosophistae, IV, 174f-176a Loeb, [IV.76-78] (ATHENAEUS, 1854, v. 1, p.
279-81); XIV, 625e Loeb, [XIV.21] (ATHENAEUS, 1854, v. 3, p. 998). A mais antiga das artes instrumentais gregas, a técnica de
execução do aulós (αυλός; uma espécie de flauta com semelhanças com a clarineta e o oboé), foi uma invenção frígia (Plutarco,
De Musica, 1133 f). A designação das harmonias gregas faz alusão a uma tradição musical regional, sobretudo proveniente da Ásia
Menor (cf. as harmonias lídia, frígia e jônia).
63
(Πέλοψ), filho de Tântalo (Τάνταλος), rei da Lídia e da Frígia55, partiu para a Grécia
vindo da Ásia Menor com vários compatriotas. Pai de Atreu, o mítico fundador da
dinastia dos átridas em Micenas, Pélops teria colonizado a região que viria a ser
nomeada, após ele, de Peloponeso (a “ilha de Pélops”), e seus companheiros, ainda
segundo Ateneu, teriam sido os responsáveis pela introdução do “modo frígio” na
música grega.
A penetração dos gregos no reino lídio – atraídos certamente pela abundância do
ouro, da prata e de outros metais, bem como pela fertilidade do solo – fez com que
eles aproveitassem também seu rico legado cultural. Assim, os gregos tomaram
mais do que os tesouros materiais: a Lídia, bem próxima das cidades gregas da
Ásia, foi certamente um dos caminhos, possivelmente o principal, pelo qual os
gregos entraram em contato com o Oriente não mediterrâneo. Ideias e práticas
religiosas, temas míticos, técnicas artesanais e artísticas, observações pré-científicas:
foi certamente vultosa a soma dos seus empréstimos. Conforme Aymard e Auboyer
(1960, p. 198), o acaso não é suficiente para explicar o avanço que a Jônia –
associada e durante um longo período submetida a Sárdis – obteve sobre as outras
províncias do mundo grego de então: nenhuma outra encontrou tão grandes
facilidades para tirar proveito das experiências dos lídios.
Os gregos extraíram de um terreno inesgotável toda espécie de noções que
renovaram sua religião, seu comércio, sua indústria, sua arte, e lhes permitiram
transformar em ciência a tradição recebida. A música lídia, por exemplo, causou
uma profunda impressão nos gregos, que deixaram o testemunho de um modo
musical lídio e outro mixolídio – e Estrabão (Geografia, X, 3, 817) afirmava que “toda
a música nasceu na Ásia56 ou na Trácia”. Sem a intermediação lídia, não se imagina
como oscálculos dos astrólogos e astrônomos, e os mapas dos geógrafos
babilônicos teriam sido transmitidos à escola de Mileto. Ainda na Lídia, os gregos
tiveram bastante tempo para observar e avaliar o despotismo das monarquias
bárbaras, um exercício político instrutivo e que ofereceu modelos aos tiranos, mas
que também fez os cidadãos sentirem sua superioridade de homens livres.
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57 Solino (Polyhistor, 11.8) mencionou que Βριτόμαρτις/Britómartis era um nome cretense nativo para Ártemis, sugerindo que esse
nome significa virgo dulcis (“doce virgem”), e Hesíquio apontou a equivalência entre o grego cretense βριτύ [βρίτος] e o ático
γλυκύ[ς], “doce”. Alguns linguistas têm mostrado a relação entre βριτύ/γλυκύ e o hitita miliddu- ou mlitu-, “[doce] como o mel”
[milid/milit = “mel”; miliddu-, maliddu = “honeyed, (honey)sweet”] (cf. PUHVEL, 2004, p.155). O sufixo mártis, por sua vez, tem sido
relacionado com o assírio mārtu, “filha, garota” (feminino de māru). Britómartis também era conhecida como Δίκτυννα/Díktynna,
“senhora das redes”, um nome que Leonard R. Palmer acredita ser de origem lúvia, a partir de Dikte – nome de uma montanha
em Creta (o Monte Diktu ou Monte Diktiano, que se pensa equivaler a ja-di-ki-tu [IO Za 2.1-2] ou [j]a-di-ki-te-te [PK Za 12] em “linear
A” cretense), bem como de uma montanha na Trôade, perto de Skepsis – acrescido de unna – que deriva do sufixo étnico unni ou
wanni e significa “aquela de Dikte”. Palmer também observou que o título lúvio asha-saras(-mes), “(Minha) Senhora”, corresponde
ao nome (j)a-sa-sa-ra(-me), encontrado em “linear A”. Essas conexões parecem corroborar a ideia de influências do Oriente Próximo
sobre Creta (PALMER, 1996, p. 13).
58 Partindo da substituição usual em lídio do y pelo d. Essa forma pode estar mais aproximada ao grego eólico Ἄπλουν/Aploun
ou ao arcado-cipriota Ἀπείλων/Apeílôn.
59 Cf. BEEKES, 2003; BROWN, 2004. 
60 Conforme Taylour, “o culto estático de Dioniso [...] teve origem na Frígia e na Lídia” (TAYLOUR 1970, p. 63).
61 Cf. GARCÍA TRABAZO, 2007, p. 58-60.
64
Infelizmente quase nada sabemos sobre a mitologia dos lídios, e seus rituais e
sua literatura se perderam, na ausência de monumentos ou descobertas
arqueológicas com inscrições de extensão significativa; alguns mitos envolvendo
a Lídia, contudo, sobreviveram no domínio da mitologia grega. Arqueólogos e
historiadores das religiões têm revelado que Ártemis (em lídio, Artimu)57 e Apolo
(em lídio, Pldans, a partir de uma forma mais antiga *[A]plyans)58 tem fortes
componentes anatólios59, e Cibele (grego Κυβέλη/Kybélê ou Κυβήβη/Kybếbê;
frígio [Matar-]Kubileya [ou Kubeleya]; lídio Kuvava; lúvio Kubaba) e Dioniso/Baco
(lídio Baki) chegaram à Grécia a partir da Anatólia60; George Thompson (1965)
chegou a sugerir que os micênicos vieram da Ásia Central. Para os gregos,
Tântalo foi um governante primordial da Lídia, e Niobe sua orgulhosa filha. O
marido desta, Anfião, vinculou os assuntos de Tebas à Lídia e, por meio de Pélops,
a linhagem de Tântalo, seu pai, veio a fazer parte dos mitos de fundação da
segunda dinastia de Micenas.
A origem da filosofia no Oriente grego
A filosofia surgiu nos séculos VII a VI a.C. nas cidades gregas situadas na Jônia,
região da costa ocidental da Anatólia. Especulando sobre as propriedades dos
elementos naturais a partir de uma analogia com as “forças” cósmicas e os
“poderes” divinos61, a filosofia começou sendo uma interpretação dessacralizada
dos mitos cosmogônicos difundidos pelas culturas de então, não apenas de mitos
gregos, mas dos mitos de todas as culturas que influenciavam a Ásia Menor.
Segundo Platão e Aristóteles, os mitos foram a matéria inicial de reflexão dos
filósofos. Eles se tornaram um lastro comum da religião e da filosofia, revelando
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que a pretensa separação entre esses dois modos de interpretação da
realidade não é tão nítida como aparentemente se julga. Da mesma forma, a
evolução dos mitos orientais para a racionalidade ocidental é um artefato
acadêmico, e Walter Burkert recorda-nos que “certamente devemos ter em
mente que as culturas orientais não representam apenas o estágio pré-
racional, mítico, deixando para os gregos a marcha inteira do mito até o logos”
(BURKERT, 2004, p. 66).
Estudos conduzidos no século XX promoveram uma revalorização das culturas
mesopotâmica e egípcia, e uma reavaliação de suas contribuições para a ciência e
a filosofia nascentes. Conforme o conceituado historiador da filosofia Rodolfo
Mondolfo (1971), esses estudos reconheceram a existência nas culturas orientais,
junto à técnica dirigida a fins práticos utilitários, por vezes também um interesse
científico desinteressado, uma tendência à generalidade e um encaminhamento à
racionalidade. Junto a esse início da pesquisa científica, admite-se também, dentro
da especulação religiosa, a existência e a formação de conceitos – em grande parte,
envolvidos na roupagem do mito – de fácil transmissão e capazes de
desenvolvimentos filosóficos. Nas religiões que existiam nessa época, Mondolfo
afirma que é possível determinar alguns conceitos principais, que seriam facilmente
apreensíveis pelos primeiros filósofos: 
1. A ideia de uma unidade universal, afirmada entre egípcios e mesopotâmicos,
sob a forma de certa unidade divina: os vários deuses estavam subordinados
à figura de um deus tutelar, do qual tudo derivava e para o qual tudo convergia.
2. A concepção da cosmogonia como passagem da unidade primordial caótica e
indistinta à ordem e à distinção na natureza.
3. O entendimento da cosmogonia segundo três modos essenciais: 
a) uma potência intrínseca à matéria – como a Tiamat babilônica – criou o
cosmos desde o caos inicial; 
b) uma potência exterior à matéria – como Aton Ra na cosmogonia egípcia de
Heliópolis – atuou sobre ela, conferindo-lhe a forma atual; 
c) um confronto entre potências opostas – Seth e Hórus no Egito, Tiamat e Marduk
na Babilônia, Ahura-Mazdâ e Angra-Mainyu no Irã –, personificando caos e
ordem, trevas e luz, ódio e amor, morte e vida etc., resultou no cosmos
(ordenamento).
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4. A ideia de uma conexão universal, uma espécie de “simpatia” (afeição comum)
que une todos os seres da natureza.
5. A noção de uma lei ou necessidade que a todos governa, e a concepção dessa
lei como um retorno cíclico universal que se completa no “grande ano cósmico”,
com uma volta periódica de todas as coisas àquilo que haviam sido.
6. A ideia de um dualismo entre corpo (mortal) e alma (imortal), e a preocupação
com o além-túmulo e o julgamento dos mortos, relacionada ao desenvolvimento
das exigências éticas da justiça e da pureza moral: a imortalidade da alma estava
condicionada pelo modo como fora vivida a vida mortal. 
A esses conceitos protofilosóficos principais, podemos acrescentar mais um, a partir
de García Trabazo: a ideia de que cada coisa ou ser está permeado ou movido,
desde seus elementos principiais, por “poderes” que atuam, mesmo que não sejam
vistos. Esses “poderes” tanto determinam as propriedades individuais das coisas
ou seres, quanto configuram suas relações em todos os níveis da existência (GARCÍA
TRABAZO, 2007, p. 58-59).
A emergência da filosofia ocorreu em uma época em que as religiões, desde a Grécia
até a China, atravessavam uma fase de grandes mudanças, assistindo-se ao
aparecimento de movimentos reformadores que conduziram à criação de novas
religiões. Nesses movimentos, não é incomum um processo de abstração das
concepções religiosas: os deuses ou espíritos tornam-se princípios ou ideias
abstratas e assumem uma vocação cada vez mais universal, em detrimento de suas
raízes étnicas ou nacionais.
Autores como Karl Jaspers (1953), Benjamin Schwartz (1975), Shmuel Noah
Eisenstadt (1980-1992) e Karen Armstrong

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