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SUMÁRIO PARTE I – NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS .................................................................................... 06 2. PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL ............................................................................ 14 3. FONTES DO DIREITO PENAL .................................................................................. 24 4. INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL ............................................................................. 28 4.1. QUEM É O INTÉRPRETE .......................................................................................... 28 4.2. QUE RECURSOS O INTÉRPRETE UTILIZA ................................................................. 29 4.3. A QUE CONCLUSÃO CHEGA O INTÉRPRETE............................................................ 31 4.4. INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA ................................................................................ 33 5. LEI PENAL NO TEMPO ........................................................................................... 34 6. LEI PENAL NO ESPAÇO .......................................................................................... 39 PARTE II – TEORIA GERAL DO CRIME 7. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS .................................................................................... 45 7.1. MODALIDADES DE INFRAÇÃO PENAL ..................................................................... 45 7.2. PRINCIPAIS DIFERENÇAS ENTRE CRIME E CONTRAVENÇÃO PENAL....................... 45 7.3. CONCEITOS DE INFRAÇÃO PENAL .......................................................................... 46 7.4. CONCEITO ANALÍTICO ............................................................................................ 47 8. TIPICIDADE .......................................................................................................... 48 8.1. CONDUTA (1º ELEMENTO DO FATO TÍPICO) .......................................................... 49 8.1.1. Fases da conduta ............................................................................................ 52 A) Dolo .................................................................................................................. 53 B) Culpa ................................................................................................................. 55 C) Preterdolo (preterintenção) ............................................................................ 59 D) Sistema da responsabilidade penal subjetiva ................................................ 60 E) Ação e omissão ................................................................................................. 61 8.2. RESULTADO (2º ELEMENTO DO FATO TÍPICO) ....................................................... 64 8.2.1. Consumação e não consumação .................................................................... 66 8.3. NEXO DE CAUSALIDADE (3º ELEMENTO DO FATO TÍPICO) .................................... 68 8.4. TIPICIDADE (4º ELEMENTO DO FATO TÍPICO) ........................................................ 74 9. ANTIJURIDICIDADE ............................................................................................... 76 9.1. ESTADO DE NECESSIDADE ...................................................................................... 78 9.2. LEGÍTIMA DEFESA ................................................................................................... 82 9.3. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO E ESTRITO CUMPRIMENTO DE DEVER LEGAL ... 86 9.4. OFENDÍCULOS ......................................................................................................... 87 9.5. O ELEMENTO COMUM A TODAS AS JUSTIFICANTES .............................................. 87 9.6. DESCRIMINANTE REAL X DESCRIMINANTE PUTATIVA ........................................... 88 10. CULPABILIDADE.................................................................................................. 89 10.1. CULPABILIDADE COMO JUÍZO DE CENSURA ........................................................ 89 10.2. IMPUTABILIDADE.................................................................................................. 89 10.3. EXIGIBILIDADE DE CONDUTA CONFORME O DIREITO ......................................... 93 10.4. POTENCIAL CONHECIMENTO DO CARÁTER ILÍCITO DO FATO ............................. 96 10.5. RESUMO DAS EXCULPANTES ................................................................................ 98 11. ERRO DE TIPO .................................................................................................... 99 11.1. ERRO DE TIPO COMO GÊNERO ............................................................................. 99 11.2. ERRO DE TIPO ESSENCIAL NA FORMAÇÃO DA VONTADE .................................... 99 11.3. ERRO DE TIPO ACIDENTAL NA FORMAÇÃO DA VONTADE ................................... 99 11.4. ERRO DE TIPO NA EXECUÇÃO ............................................................................. 100 11.5. DESCRIMINANTES PUTATIVAS FÁTICAS ............................................................. 102 PARTE III – TEORIA GERAL DA PENA 12. PENAS .............................................................................................................. 106 12.1. CONCEITO DE PENA ............................................................................................ 106 12.2. ORIGEM ETIMOLÓGICA ...................................................................................... 106 12.3. FUNÇÕES DA PENA ............................................................................................. 106 12.4. PRINCÍPIOS RELATIVOS À PENA .......................................................................... 109 12.5. MODALIDADES DE PENA (PENAS PRINCIPAIS E PENAS SUBSTITUTIVAS) .......... 111 12.5.1. Penas privativas de liberdade (P1)............................................................. 112 12.5.2. Pena de multa (P2) ..................................................................................... 119 12.5.3. Aplicação da P1 e da P2 .............................................................................. 120 A) Critérios de aplicação da P1 .......................................................................... 121 B) Critérios de aplicação da P2 ........................................................................... 137 12.5.4. Fixação do regime inicial de cumprimento da P1 ..................................... 138 12.5.5. Verificação da possibilidade de substituição da P1 .................................. 139 12.5.6. Verificação da possibilidade de “sursis” .................................................... 145 12.5.7. Após verificação da possibilidade de “sursis” ........................................... 149 12.5.8. Efeitos da condenação................................................................................ 150 13. MEDIDAS DE SEGURANÇA ................................................................................ 155 13.1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 155 13.2. FUNÇÕES DA MEDIDA DE SEGURANÇA.............................................................. 157 13.3. MODALIDADES DE MEDIDA DE SEGURANÇA ..................................................... 157 13.4. DESTINATÁRIOS DA MEDIDA DE SEGURANÇA ................................................... 157 13.5. MEDIDA DE SEGURANÇA PROVISÓRIA ............................................................... 159 14. CONCURSO DE CRIMES ..................................................................................... 160 14.1. MODALIDADES DE CONCURSO DE CRIMES ........................................................160 14.2. CONCURSO FORMAL DE CRIMES ....................................................................... 160 14.3. CONCURSO MATERIAL DE CRIMES ..................................................................... 162 14.4. CRIME CONTINUADO ......................................................................................... 162 BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................ 162 5 PARTE I NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 6 1 - NOÇÕES INTRODUTÓRIAS A disciplina penal, que já recebeu o nome de Direito Penal, Direito Criminal, Direito Protetor dos Criminosos, Direito Sancionador, Direito Repressivo, Direito de Defesa Social, etc., é o ramo do Direito que estuda, basicamente, o seguinte: 1) as infrações penais (que são os crimes e as contravenções); 2) as sanções penais (que são as penas e as medidas de segurança). As infrações penais e as sanções penais representam, por assim dizer, o objeto de estudo (o conteúdo) do Direito Penal. É bem verdade que o Direito Penal não estuda somente as infrações penais e as sanções penais, visto que também estuda outros temas (por exemplo: a aplicação da lei penal no tempo, a aplicação da lei penal no espaço, as fontes jurídico-penais, a interpretação da lei penal, os princípios do Direito Penal, o conflito aparente de normas penais, as imunidades na esfera penal, etc.), mas, sem dúvida, o binômio infração-sanção é o ponto central (o cerne) do Direito Penal. O conjunto de normas jurídicas que definem as infrações penais e cominam as respectivas sanções penais recebe o nome de Direito Penal Objetivo. Falamos em Direito Penal, aqui, no sentido de “norma agendi”, de complexo normativo, de conjunto de normas. E essas normas, vale dizer, integram o Código Penal e as diversas leis penais especiais. Assim, se pudéssemos colocar todas as normas de natureza penal dentro de uma caixa, poderíamos dizer que, dentro dessa caixa, estaria o Direito Penal Objetivo. Daí a explicação de André Estefam1: “(...) entende-se por direito penal objetivo o conjunto de normas (princípios e regras) que se ocupam da definição das infrações penais e da imposição de suas consequências (penas ou medidas de segurança)”. O Direito Penal Objetivo para desempenhar alguma finalidade. É, portanto, um Direito Finalista. Mas, afinal, que finalidade seria essa? Segundo a maioria dos estudiosos, a finalidade do Direito Penal Objetivo é garantir proteção aos bens jurídicos mais importantes para o ser humano. Claudio Langroiva2 afirma que a característica marcante do Direito Penal “está na função de validação ou revalidação de bens jurídicos eleitos pela sociedade frente às diretrizes orientadoras de um Estado Social e Democrático de Direito”. Para termos uma compreensão mais clara do tema, vejamos o quadro a seguir: 1 André Estefam, Direito Penal: Parte Geral, V. 1, 2 ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p.39. 2 Claudio José Langroiva Pereira, Proteção Jurídico-Penal e Direitos Universais – Tipo, Tipicidade e Bem Jurídico Universal, São Paulo: Quartier Latin, 2008, p.48. 7 A ideia de que o Direito Penal tem a função de proteger bens jurídicos é defendida pela maioria dos doutrinadores, mas não por todos. Günther Jakobs3, por exemplo, expoente do chamado Funcionalismo Sistêmico, entende que a função do Direito Penal não é proteger bens jurídicos (mesmo porque a sanção penal atua depois que o bem jurídico já foi violado), mas apenas reafirmar a vigência da norma4. É como se o Direito Penal dissesse para o infrator: “você infringiu a norma, e eu lhe darei uma pena para que não pensem que a norma violada não está em vigor”. De qualquer modo, predomina o entendimento de que o Direito Penal Objetivo protege bens jurídicos5. No entanto, o Direito Penal Objetivo não se ocupa de todos os bens jurídicos que existem, apenas se ocupa dos bens jurídicos mais importantes, ou melhor, dos bens jurídicos que o legislador entende que são os mais importantes (ex.: vida, liberdade, integridade física, honra, patrimônio, etc.). Por essa razão, a doutrina costuma chamar o Direito Penal Objetivo de Direito Fragmentário, já que não todos, mas apenas alguns bens jurídicos (alguns fragmentos), são objeto de proteção do Direito Penal Objetivo. Vamos entender melhor isso. Imaginemos que Lítio traiu sua esposa e matou o mordomo que flagrou o adultério. Podemos perceber que Lítio atentou contra dois bens jurídicos. Primeiro, atentou contra o direito de sua esposa à fidelidade conjugal. Depois, atentou contra o direito do à vida do mordomo. Como são bens jurídicos, recebem proteção do Direito (haverá, afinal, dever de indenizar a esposa e a família do mordomo), mas o bem jurídico relacionado à vida, por estar no rol dos bens jurídicos considerados mais importantes, recebe não só a proteção extrapenal, mas também a proteção penal, pois, além de ter o 3 Alexandre Rocha Almeida de Moraes, Direito Penal do Inimigo: a terceira velocidade do direito penal, Curitiba: Juruá, 2009, p.134. 4 Günther Jakobs apud Rogério Greco, Curso de Direito Penal: Parte Geral, V. I, 15 ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2013, p.3. 5 Rogério Greco, Curso de Direito Penal: Parte Geral, V. I, 15 ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2013, p.4. 8 dever de indenizar, Lítio poderá ser compelido a cumprir pena. O bem jurídico relacionado ao dever de fidelidade, porém, por não integrar o rol dos bens jurídicos considerados mais importantes, goza apenas de proteção extrapenal (no caso, goza da proteção do Direito Civil), não contando com a proteção penal. ATENÇÃO!!! É o legislador quem escolhe, devendo ter como fonte primária de inspiração a Constituição Federal6, quais são os bens jurídicos mais importantes, ou seja, quais são os bens jurídicos que merecem proteção penal. Essa escolha sofre influência de inúmeros fatores e pode, inclusive, sofrer mudança ao longo do tempo. Exemplo disso é o adultério, que até pouco tempo era considerado crime, mas deixou de sê-lo porque o legislador entendeu por bem considerá-lo simples ilícito civil. A doutrina também afirma que o Direito Penal Objetivo, além de fragmentário, é também um Direito Subsidiário. Isso significa que somente se aplica o Direito Penal quando os demais ramos do Direito (Civil, Administrativo, etc.) são insuficientes. Vejamos um exemplo: se alguém sem habilitação dirige um veículo automotor sem apresentar risco no trânsito, infringe uma norma administrativa constante do CTB. Se o mesmo infrator, no entanto, dirige de forma perigosa, apenas a norma administrativa não será suficiente para coibir a conduta, será necessário algo mais forte, mais grave, será necessária uma norma penal. É por isso que dirigir perigosamente sem habilitação não é só uma infração administrativa, mas é também uma infração penal. O Direito Penal, portanto, é chamado a agir quando normas de outra natureza são insuficientes. É nesse sentido que se diz que o Direito Penal Objetivo atua como “ultima ratio”, ou seja, como última razão, como último recurso. O Direito Penal, por assim dizer, é a última arma de que o Estado lança mão. Podemos dizer o seguinte: os demais ramos atuam como se fossem medicamentos; o Direito Penal atua como se fosse uma cirurgia. A intervenção cirúrgica, como se sabe, só se realiza quando a medicação, por si só, é insuficiente. O Direito Penal Objetivo, portanto, é finalista, fragmentário e subsidiário. Além disso, é um Direito Sancionador.É sancionador porque sua força (e o Direito Penal Objetivo é justamente o instrumento mais forte, mais grave, que o Estado utiliza) está justamente no fato de estabelecer sanções graves ao infrator. As sanções penais são graves, atentam em geral contra a liberdade do indivíduo e maculam o nome do infrator (o nome do condenado, afinal, ingressa no rol dos culpados). O Direito Penal Objetivo é sancionador, portanto, porque se vale da aplicação de sanções penais em face de quem realiza determinado tipo de ilícito. 6 Rogério Greco, Curso de Direito Penal: Parte Geral, V. I, 15 ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2013, p.4. 9 Além de finalista, fragmentário, subsidiário e sancionador, o Direito Penal Objetivo é também um Direito Cultural. Por que cultural? Porque suas normas estabelecem um dever-ser, visto que determinam como os seres humanos devem agir (ideal). Diferente seria se determinasse como os seres humanos efetivamente agem (real), caso em que seria um Direito Natural. Agora que sabemos o que é “Direito Penal Objetivo” e quais são as suas características, devemos enfrentar a seguinte questão: o que é Direito Penal Subjetivo? Por Direito Penal Subjetivo se entende o direito que o Estado possui de punir aquele que comete uma infração penal. Em outras palavras: Direito Penal Subjetivo é o direito que tem o Estado de aplicar sanção penal em face de quem viola o Direito Penal Objetivo. Esse direito de punir (em latim: “jus puniendi”) cabe sempre, e exclusivamente, ao Estado. Nunca, em hipótese alguma, o direito de punir pertence à pessoa física vitimada pela infração, nem mesmo nas ocasiões em que a ação penal tem como titular o particular (a chamada ação penal privada, que se procede mediante queixa), pois, aqui, apenas o direito de mover a ação é que se transmite ao particular, e não o direito de punir o infrator. Assim, podemos afirmar sem medo de errar: o Direito Penal Subjetivo pertence exclusivamente ao Estado. É por essa razão que, em toda infração penal, o Estado é considerado vítima, seja direta ou indireta. Assim, por exemplo, o homicídio tem sempre dois tipos de vítima: a pessoa morta (vítima direta) e o Estado (vítima indireta). Ora, é por isso que a disciplina penal pertence ao ramo do Direito Público, e não ao ramo do Direito Privado. Isso porque, diferente do Direito Civil e de outros ramos do Direito Privado, que lidam com interesses predominantemente individuais, o Direito Penal cuida de interesses predominantemente coletivos. Basta ver o seguinte exemplo: se o seu vizinho da esquerda deixa de pagar o seu vizinho da direita, você não se importa, pois são interesses que vinculam apenas os dois; mas se o seu vizinho da direita se irrita com o inadimplemento e mata o seu vizinho da esquerda, certamente você se importa, como também se importam todos que moram na mesma rua, pois um homicídio não ofende somente os envolvidos de modo direto, mas choca toda a coletividade. A conclusão, portanto, não poderia ser outra: o Direito Penal é um ramo do Direito Público. Agora que sabemos distinguir “Direito Penal Objetivo” de “Direito Penal Subjetivo”, devemos abordar mais uma classificação, qual seja, a que coloca em lados opostos o Direito Penal do Cidadão e o Direito Penal do Inimigo. O Direito Penal do Inimigo é o Direito Penal despido de garantias, destinado aos criminosos que se mostram, a partir de seu comportamento, verdadeiros inimigos do Estado. Trata-se de um Direito Penal de Guerra, que visa a combater os adversários da sociedade. O Direito Penal do Cidadão, por sua vez, 10 é o Direito Penal Garantista, destinado às pessoas que, embora venham a praticar infrações penais, não são consideradas inimigas, pois a criminalidade, para elas, representa conduta pontual, e não sinal de verdadeira renúncia ao pacto social. APROFUNDAMENTO: A classificação “Direito Penal do Inimigo X Direito Penal do Cidadão” foi elaborada pelo jurista alemão Günther Jakobs, com inspiração na Teoria dos Sistemas de Niklas Lhumman e no suporte filosófico de Rousseau, Fichte, Hobbes e Kant. Jakobs falou sobre o assunto, pela primeira vez, em 1985, numa palestra em Frankfurt. Nessa ocasião, Jakobs explicou a classificação, mostrou que tal já vinha se comportando como tendência do Direito alemão da época, e terminou criticando a referida tendência. Em 1999, porém, Jakobs voltou a falar sobre o tema, mas agora defendendo o tratamento diferenciado para os “inimigos”. Mas quem, na visão do professor alemão, poderia ser tratado como “inimigo”? Vejamos: “Criminosos econômicos, terroristas, delinquentes organizados, autores de delitos sexuais e de outras infrações penais perigosas são os indivíduos potencialmente tratados como ‘inimigos’, aqueles que se afastam de modo permanente do Direito e não oferecem garantias cognitivas de que vão continuar fiéis à norma”7. E como, afinal, é tratado o “inimigo”? O Direito Penal do Inimigo é um Direito Penal desprovido de garantias penais e processuais, um Direito Penal descompromissado com o Princípio da Proporcionalidade da Pena, um Direito Penal capaz de punir atos meramente preparatórios, etc. Trata- se, portanto, de um Direito Penal radicalmente diferente do Direito Penal do Cidadão. No Brasil, a esmagadora maioria dos estudiosos se opõe ao Direito Penal do Inimigo, entendendo que se trata de um sistema falho, criticável por não estabelecer critérios seguros de eleição do inimigo. Apesar disso, há quem sustente que, no sistema pátrio, existem alguns pequenos fragmentos de Direito Penal do Inimigo, como é o caso, por exemplo, do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), que estudaremos no momento oportuno. 7 Alexandre Rocha Almeida de Moraes, Direito Penal do Inimigo: A Terceira Velocidade do Direito Penal, Curitiba: Juruá, 2009, p.195. 11 Para que possamos finalizar esta parte introdutória, devemos examinar, ainda, três classificações importantes, a saber: Com relação à classificação 1, devemos entender por Direito Penal Material (ou Substantivo) o conjunto normativo que versa sobre as infrações penais e suas respectivas sanções, coincidindo com o conceito de Direito Penal Objetivo, já analisado anteriormente. Daí Cleber Masson8 afirmar que o Direito Penal Material é “a totalidade de leis penais em vigor”. O Direito Penal Formal (ou Adjetivo), por sua vez, é o conjunto de normas que regulam o procedimento de aplicação do Direito Penal Material. Na verdade, o Direito Penal Formal é um direito procedimental, hoje chamado de Direito Processual Penal. Este regula o procedimento pelo qual se dá a efetiva aplicação do Direito Material. Com intenção didática, utilizemos um exemplo figurativo: se Amerício compra um livro pela internet, o livro é como se fosse o seu direito material. Entretanto, há um procedimento para que o livro lhe seja entregue, e esse procedimento (que disciplina o transporte efetuado pelo correio) é como se fosse o direito processual, ou seja, é o meio procedimental de entrega do direito material a seu titular. O PROBLEMA É QUE: O problema é que, atualmente, não faz mais sentido chamar o Direito Processual Penal de Direito Penal Formal. É que, hoje, a esmagadora maioria dos estudiosos entende que o Direito Processual Penal é uma disciplina autônoma, que goza até mesmo de princípios próprios, não devendo ser tratado como mero capítulo do Direito Penal9. Assim, atualmente, não há que se falar em Direito Penal Material e Direito Penal Formal, mas em Direito Penal e Direito Processual Penal. 8 Cleber Masson, Direito Penal: Parte Geral, V.I, 8 ed., São Paulo: Método, 2014,p.16. 9 Magalhães Noronha, Direito Penal, V.I, 9 ed., São Paulo: Saraiva, 1973, p.10. Direito Penal Material e Direito Penal Formal (1) Direito Penal do Fato e Direito Penal do Autor (3) Direito Penal Comum e Direito Penal Especial (2) 12 No tocante à classificação 2, devemos entender por Direito Penal Comum o conjunto de normas penais que se destinam às pessoas em geral, e não a um grupo específico. Direito Penal Especial, por sua vez, é o conjunto de normas penais que se destinam a um grupo específico de pessoas, de maneira que o próprio órgão julgador é diferenciado. No Brasil, predomina o entendimento de que só há um Direito Penal Especial, qual seja, o Direito Penal Militar, que conta, inclusive, com uma codificação específica (CPM) e com uma Justiça Especializada (Justiça Militar ou Castrense). O restante da legislação penal, portanto, faz parte do Direito Penal Comum. Por fim, devemos abordar a classificação 3. O que devemos entender a respeito dessa última classificação é que o Direito Penal do Fato é aquele que pune o cidadão em razão do que ele faz, e não em razão do que ele é. Assim, ainda que o sujeito seja uma pessoa de má índole, só será punido se vier a cometer uma infração penal. Já o Direito Penal do Autor é aquele que pune o cidadão em razão do que ele é, e não em razão do que ele faz. Assim, o sujeito é punido pelo só fato de ter má índole, independentemente da efetiva prática de uma infração penal. O Código Penal brasileiro segue o Direito Penal do Fato. O cidadão é punido em razão do que faz, não do que é. Entretanto, existem alguns fragmentos (inevitáveis10) de Direito Penal do Autor no Brasil (exemplos: nas circunstâncias judiciais, considera-se a personalidade do agente; nas medidas de segurança, considera-se a periculosidade do agente; etc.). Significa dizer que o Direito Penal brasileiro pune o indivíduo em razão do que ela faz, mas nem por isso despreza as circunstâncias subjetivas envolvidas. Podemos dizer que o Brasil coloca num grande caldeirão o Direito Penal do Fato, temperando-o, porém, com pitadas de Direito Penal do Autor. QUESTÃO: Quanto aos caracteres do Direito Penal, assinale a alternativa correta: (A) O Direito Penal é fragmentário, pois estuda o “dever-ser”, diferentemente das ciências biológicas; (B) O Direito Penal é um ramo do Direito Privado, pois, tal qual o Direito Civil, trata de interesses predominantemente privados; (C) O Direito Penal é finalista e subsidiário; (D) O Direito Penal é cultural, pois trata dos bens jurídicos mais importantes para a sociedade. QUESTÃO: Julgue a sentença abaixo como verdadeira (V) ou falsa (F): (A) O Direito Penal é um ramo do Direito Público ( ). 10 André Estefam, Direito Penal: Parte Geral, V.I, 2 ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p.42. 13 QUESTÃO: O Direito Penal é fragmentário porque: (A) Não cuida de todos os bens jurídicos, mas apenas dos mais importantes para a sociedade; (B) É apenas um dos vários ramos do Direito Privado; (C) Estabelece sanção penal individualizada para cada infração penal; (D) Protege todos os bens jurídicos tutelados pelo ordenamento. QUESTÃO: Diferencie o pensamento de Claus Roxin e de Günther Jakobs no tocante à finalidade do Direito Penal, explicitando, em seguida, a sua opinião acerca do tema. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 14 2 - PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL Para cumprir o seu papel de forma legítima, o Direito Penal deve obedecer a uma série de princípios. Princípio significa base. Os princípios de uma casa, por exemplo, são os seus alicerces. Se um princípio é atingido, o próprio sistema padece. Os princípios, portanto, são premissas éticas extraídas da consciência popular que orientam todo o sistema normativo. São orientações que, sejam ou não reduzidas a normas escritas, estruturam o sistema. Assim, o ordenamento jurídico não deve conter normas que contrariem os princípios. Não é o conjunto de princípios, portanto, que deve se ajustar às normas; são as normas que devem se ajustar aos princípios. Diante disso, cabe a seguinte pergunta: quais são os princípios que orientam o Direito Penal? Quais são, afinal, as bases que devem estruturar o sistema normativo penal? É difícil encontrar unanimidade entre os autores no que tange à lista de princípios penais. Apresentaremos, a seguir, os que constam da maioria dos manuais: 1. Princípio da Reserva Legal 8. Princípio da Culpabilidade 2. Princípio da Anterioridade 9. Princípio da Alteridade 3. Princípio da Taxatividade 10. Princípio da Pessoalidade 4. Princípio da Irretroatividade Maléfica 11. Princípio da Individualização da Pena 5. Princípio da Analogia Benéfica 12. Princípio da Humanidade da Pena 6. Princípio da Intervenção Mínima 13. Princípio do “Ne bis in idem” 7. Princípio da Lesividade 14. Princípio da Proporcionalidade da Pena O Princípio da Reserva Legal11 estabelece que, não havendo lei, não há que se falar em crime, muito menos em pena (“nullum crimen nulla poena sine lege”). Significa que um fato só pode ser considerado infração penal (crime ou contravenção) e só pode ensejar a aplicação de uma sanção penal (pena ou medida de segurança) se houver uma lei prevendo tanto a infração quanto a sanção. 11 O Princípio da Reserva Legal é também chamado de Princípio da Legalidade. Entretanto, precisamos entender que não se trata de uma simples legalidade, como a prevista no art.5º, II, da CF, mas de uma legalidade estrita, já que a infração penal depende de previsão estabelecida por lei em sentido estrito. 15 Imaginemos, então, o seguinte exemplo: Berílio grita gol do Corinthians no meio da torcida do Palmeiras. Esse fato seria, porventura, uma infração penal e poderia receber uma sanção penal? A resposta é “não”, pois não há nenhuma lei estabelecendo que “gritar gol do Corinthians no meio da torcida do Palmeiras” constitui infração penal, muito menos cominando sanção penal. Dizemos, nesse caso, que o fato é atípico, pois não está tipificado (descrito) na lei como infração penal. Interessa dizer, ainda, que a “lei” de que estamos falando não é um ato normativo qualquer. Um Decreto Legislativo, uma Medida Provisória, uma Resolução, por exemplo, não podem criar tipos penais, embora também sejam atos normativos. A lei de que estamos tratando, portanto, é a lei em sentido estrito (Lei Ordinária ou Lei Complementar)12. Atualmente,quase todos os países observam o Princípio da Reserva Legal. Na América, o princípio aparece em todos os Códigos Penais. CURIOSIDADE: Alguns países ainda não seguem o Princípio da Reserva Legal. O Código Penal da Rússia, por exemplo, considera crime toda ação socialmente perigosa. O Código Penal da Dinamarca, em seu artigo 1º, estabelece que “cai sob a sanção da lei penal o ato cujo caráter delituoso é previsto pela lei dinamarquesa ou uma ação assimilável a tal ato”. E no Brasil, existe alguma exceção ao Princípio da Reserva Legal? Parece que sim. Confira-se o disposto na Lei n. 6001/73 (Estatuto do Índio): “Será tolerada a aplicação, pelos grupos tribais, de acordo com as instituições próprias, de sanções penais ou disciplinares contra os seus membros, desde que não revistam caráter cruel ou infamante, proibida em qualquer caso a pena de morte”. O segundo princípio é o Princípio da Anterioridade, considerado decorrência do Princípio da Reserva Legal (“Nullum crimen nulla poena sine lege praevia”). De acordo com esse princípio, não basta que exista lei definindo o fato como infração penal, sendo necessário que a lei já esteja em vigor quando da prática da infração13, id est, seja anterior (prévia) em relação ao fato. 12 Parte da doutrina entende que a norma de natureza constitucional também pode criar infrações penais e cominar penas. 13 Considera-se praticada a infração no momento da ação ou da omissão, ainda que outro seja o momento do resultado (Teoria da Atividade). 16 O terceiro princípio é o Princípio da Taxatividade (Princípio do Mandato Certeza ou Princípio da Determinação), também considerado decorrência do Princípio da Reserva Legal (“Nullum crimen nulla poena sine lege certa”). Para esse princípio, a lei que define infrações penais e comina sanções penais deve ser taxativa, isto é, deve ser clara, objetiva, precisa, extreme de dúvidas. A lei penal que gera incerteza não presta, é inconstitucional. Basta lembrarmos, como exemplo de lei carente de taxatividade, a lei penal alemã de 1935, que definia como infração passível de pena o comportamento que atentasse contra o são sentimento do povo. Ora, o que vem a ser “são sentimento do povo”? A expressão é vaga, imprecisa, nebulosa. É expressão que não pode constar de uma norma penal. O quarto princípio é o Princípio da Irretroatividade da Lei Penal Maléfica (ou Princípio da Retroatividade Benéfica). Esse princípio, seguindo a mesma linha do Princípio da Anterioridade, estabelece que a lei surgida após o cometimento do fato só pode ser aplicada ao agente se lhe trouxer benefício, ou seja, se de algum modo for favorável ao acusado. Por exemplo: em janeiro de 2010, Rubídio pratica um crime cuja pena é de 02 (dois) anos de reclusão, mas em abril de 2010, a lei é alterada e a pena passa a ser de 01 (um) ano de reclusão. Nesse caso, pelo fato de ser a lei posterior mais benéfica para o agente, é ela que deverá ser aplicada. Cumpre esclarecer que, no ordenamento jurídico brasileiro, existe uma importante exceção ao Princípio da Retroação Benéfica. Trata-se da lei que passa a vigorar a partir da autorrevogação da lei excepcional ou temporária, conforme dispõe o art.3º do Código Penal. Tal exceção, porém, será comentada com mais profundidade no momento oportuno. O quinto princípio é o Princípio da Analogia Benéfica (ou Princípio da Analogia “in bonam partem”). Para que possamos entender esse princípio, precisamos compreender, primeiramente, o que é analogia. Então, vejamos: Caso A Análogo ao caso B Regulado pela lei X Caso B Análogo ao caso A Não regulado por lei Analogia: aplicação da lei X ao caso B. Um exemplo pode nos ajudar a entender o quadro acima. Vamos imaginar que o CP estabeleça que é crime vestir a camisa do Atlético Mineiro14, mas não faça menção à camisa de qualquer outro clube. De repente, alguém é preso por vestir a camisa do Botafogo, que é muito parecida com a do Atlético Mineiro. Ora, seria possível, nesse caso, aplicar pena ao agente em razão de serem semelhantes os fatos? A resposta é “não”, inadmissível que é a analogia maléfica. 14 Seria inadmissível uma figura criminosa como essa, pela absoluta ausência de lesividade da conduta. O exemplo, no entanto, tem a finalidade didática de fazer o leitor compreender o que é “analogia”. 17 Em benefício do acusado, por outro lado, a analogia seria possível? Sim, em benefício sim. Trata-se da chamada analogia “in bonam partem”, que pode e deve ser realizada no âmbito criminal. Assim, podemos sumular: em matéria penal, admite-se o emprego de analogia apenas em benefício do acusado, jamais em seu prejuízo. O sexto princípio é o Princípio da Intervenção Mínima (ou Princípio da Subsidiariedade). Esse princípio estabelece que o Direito Penal só pode interferir na vida social em último caso, como recurso derradeiro (“ultima ratio”), isto é, quando os demais ramos (Direito Civil, Direito Administrativo, etc.), por si sós, são insuficientes15. Por exemplo: se alguém deixa de pagar a mensalidade da escola, o problema é resolvido por meio de execução cível ou por meio do sistema de penas do Direito Criminal? É óbvio que se resolve o problema na esfera cível, sendo esta suficiente. Transformar o simples inadimplemento em infração penal seria ferir o Princípio da Intervenção Mínima, já que tal princípio determina que o Direito Penal deve se reservar aos casos mais graves, às situações extremas. A ideia é de que o Direito Penal é um mal necessário, e por ser um mal, quanto menos Direito Penal melhor. Eis o centro do Princípio da Intervenção Mínima, eis o cerne do chamado minimalismo penal. No entanto, há quem sustente, colocando-se numa posição mais radical, que o Direito Penal é um mal desnecessário, razão pela qual não deveria sequer existir. Essa é a ideia defendida pelo Programa Abolicionista. Os abolicionistas, portanto, dentre os quais ocupa posição de destaque o holandês Louk Hulsman, não querem apenas um Direito Penal Mínimo, querem, na verdade, o fim do Direito Penal. O mundo atual, no entanto, caracterizado por uma sociedade de risco, tem caminhado na contramão da Intervenção Mínima e, principalmente, na contramão do Abolicionismo Penal. O Direito Penal tem sofrido, na verdade, uma grande expansão, já que tenta acudir às novas formas de criminalidade que surgem diariamente. Assim, em vez de se reduzir, o Direito Penal tem se ampliado, abrangendo condutas que sequer deveriam ser abrangidas. Trata-se do chamado Expancionismo do Direito Penal. O sétimo princípio é o Princípio da Lesividade (ou Princípio da Ofensividade). Esse princípio estabelece que só pode ser considerado infração penal o fato que possui, no mínimo, potencial de lesar, de ofender um determinado bem jurídico. Em outras palavras, o fato que não gera sequer risco de lesão constitui um indiferente penal. Por exemplo: Tecnécio tenta derrubar o Cristo Redentor com golpes de travesseiro. Por acaso Tecnécio deve ser punido penalmente? Não, a “tentativa de dano”, nesse caso, não chegou a causar risco ao bem atacado (a integridade do monumento não foi sequer ameaçada), pelo 15 Rogério Greco, Curso de Direito Penal: Parte Geral, V. I, 15 ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2013, p.47. 18 que se deve aplicar a regra do art.17 do CP, reconhecendo-se o chamado crime impossível, com a consequente absolvição do agente. Alguns autores costumam citar como princípio autônomo o chamado Princípio da Insignificância (ou Princípio da Bagatela). A verdade, porém, é que o referido princípio nada mais é do que desdobramento do Princípio da Lesividade.É que, pelo Princípio da Insignificância, não se pune o agente se o seu comportamento gerou uma lesão tão pequena a ponto de ser absolutamente irrelevante (por exemplo: Rutênio furta um clips da faculdade). Ora, a lesão por demais pequena equivale à ausência de lesão e, por isso, deve ser penalmente desconsiderada. O oitavo princípio é o Princípio da Culpabilidade. Esse princípio tem duas dimensões. Em primeiro lugar, estabelece que não se pode falar em infração penal se o indivíduo atuou sem dolo e sem culpa (“Nullum crimen sine culpa”). Por exemplo: Cádmio cobra uma falta em direção ao gol, e o goleiro, ao encaixar a bola, sofre uma parada cardíaca, devido à força do chute. Ora, nesse caso, Cádmio não pode responder por crime, pois não teve dolo de matar o goleiro, nem teve culpa na produção do resultado, já que atuou em conformidade com as regras do esporte. Em segundo lugar, o princípio em tela estabelece que não se pode aplicar pena se o indivíduo atuou sem culpabilidade, ou seja, sem imputabilidade, potencial conhecimento da ilicitude ou exigibilidade de conduta diversa, elementos que estudaremos mais à frente. O nono princípio é o Princípio da Alteridade (ou Princípio da Transcedentalidade). Esse princípio estabelece que não há infração penal se a lesão causada atinge exclusivamente a própria pessoa que pratica o comportamento. Assim, por mais imoral que possa ser a conduta, não constituirá infração penal se não prejudicar “o outro”. Por exemplo: a prostituição e a tentativa de suicídio não são infrações penais, pois não lesam senão o próprio autor da conduta (se é que lesam). Da mesma forma, a autolesão só configura infração penal quando tem por objetivo enganar alguém com vistas à obtenção de vantagem econômica, como na hipótese de se pretender indenização ou benefícios previdenciários. O décimo princípio é o Princípio da Intransmissibilidade da Pena (ou Princípio da Pessoalidade). Segundo esse princípio, a pena não pode passar da pessoa do condenado, ou seja, a pena só pode ser aplicada ao sujeito ativo da infração penal (autor ou partícipe). Assim, não se pode prender o pai do criminoso em razão de crime cometido por seu filho. Interessante que, na história do Brasil, nem sempre se observou o referido princípio: os descendentes de Tiradentes, por exemplo, foram punidos pelas infrações atribuídas ao mártir. O décimo primeiro princípio é o Princípio da Individualização da Pena. O processo de individualização da pena se dá em três etapas. A primeira etapa é a 19 individualização legislativa, momento em que o legislador estabelece uma pena específica para cada infração penal (não poderia o legislador, por exemplo, cominar a mesma pena para todos os crimes previstos no CP). A segunda etapa é a individualização judicial, momento em que o Juiz fixa a pena levando em conta, inclusive, aspectos pessoais do condenado (não poderia o juiz, por exemplo, fixar a mesma pena para todos que praticam determinado tipo de infração, pois, dentre eles, uns são primários e outros reincidentes, uns possuem conduta social favorável e outros apresentam histórico social inadequado, e assim por diante). A terceira e última etapa diz respeito à individualização executória, momento em que o cumprimento da pena tem de ser individualizado (a separação entre presos e presas, entre reincidentes e primários, entre condenados por crime sexual e apenados pela prática de outros delitos, são apenas alguns exemplos de individualização executória). O décimo segundo princípio é o Princípio da Humanidade da Pena. De acordo com esse princípio, a pena deve ser aplicada com absoluto respeito à dignidade da pessoa humana. Isso significa que o apenado, por pior que tenha sido o crime por ele cometido, deve ser tratado como ser humano, pelo que são vedadas a pena de morte, a pena de caráter perpétuo, a pena cruel, a pena desumana, a pena degradante, a pena de trabalho forçado, etc. INTERESSANTE!!! A pena de morte, proibida como regra, é permitida na hipótese de guerra externa (ex.: soldado brasileiro que, em guerra contra outro país, trai sua pátria, fica sujeito à pena de morte por fuzilamento). Fora dessa exceção, não há pena de morte no Brasil, embora tenha havido, como pena comumente aplicada, na história do Direito Penal brasileiro. A pena de prisão perpétua também é proibida. Daí por que a pena privativa de liberdade não pode ser cumprida além do limite de 30 (trinta) anos. Isso não significa que o Juiz é impedido de aplicar, na sentença, pena superior a esse limite, mesmo porque os benefícios da execução da pena (ex.: progressão de regime) são calculados com base na pena aplicada pelo Juiz, a qual pode ultrapassar em muito esse limite de 30 (trinta) anos. O que não se admite, no Brasil, é que o sujeito cumpra, por uma só condenação, mais de 30 (trinta) anos de prisão, conforme estabelece o art.75 do CP. 20 O décimo terceiro princípio é o Princípio do “Ne bis in idem”. Esse princípio estabelece que ninguém pode ser punido mais de uma vez pelo mesmo fato ou circunstância. Por exemplo: se alguém pratica um homicídio por motivo torpe, não pode responder por homicídio qualificado com a agravante do art.61, II, do CP. A mesma circunstância (motivo torpe) não pode ser considerada duas vezes na aplicação da pena, ou seja, o motivo torpe (que deverá ser valorado como qualificadora) não poderá também ser valorado como agravante. Nas infrações penais, porém, que não têm o motivo torpe como qualificadora, aí sim o motivo torpe será valorado como agravante. Não se admite, isso sim, que o motivo torpe seja valorado, ao mesmo tempo, como qualificadora e agravante. O décimo quarto e último princípio é o Princípio da Proporcionalidade da Pena. Segundo esse princípio, a pena tem de ser proporcional à gravidade do fato e à personalidade do agente. Por exemplo: não poderia a pena do crime de homicídio ser inferior à pena do crime de lesão corporal leve. Da mesma forma, não poderia a pena do reincidente ser inferior à pena do primário. Alguns autores citam, ainda, o Princípio da Fragmentariedade e o Princípio da Adequação Social. Ora, a fragmentariedade, como vimos, não é princípio, mas característica do Direito Penal. Já o Princípio da Adequação Social estabelece que não há se falar em infração penal se o comportamento se encontra adequado socialmente, isto é, se o comportamento é aceito e até visto com bons olhos pela sociedade (por exemplo: a mãe não pode responder por crime de lesões corporais ao furar a orelha de sua filha para colocação de brincos, pois tal comportamento é admitido pela sociedade, que não vislumbra mal algum nessa prática)16. Agora que conhecemos os princípios penais, podemos dizer que o Estado precisa respeitar todos esses princípios, pois orientam o sistema penal, conferindo-lhe racionalidade. A ofensa a qualquer um desses princípios – e vários deles se encontram previstos expressamente no art.5º da Carta Magna – atinge diretamente o sistema penal, causando um indesejável abalo na ordem jurídica. Ao aplicar o Direito Penal no caso concreto, portanto, o Juiz deve atentar, primeiramente, para os princípios em jogo, tomando o cuidado de preservá-los, a fim de que o Direito não se transforme em ferramenta de arbitrariedade. A propósito, Luigi Ferrajoli, importante estudioso italiano, afirma que, para não ser um Direito Penal arbitrário e abusivo, o Direito Penal precisa se submeter a um Sistema de Garantias (SG)17. Para tanto, deve obedecer a 10 axiomas, a seguir listados: 16 De acordo com a LINDB, somente a lei pode revogar a lei. Assim, a aceitação social e a eventual prática de um costume pode afastar a aplicação da lei penal? A resposta é controvertida.Parte da doutrina admite o costume abolicionista, mas a grande maioria da comunidade jurídica não o admite. É por isso que o Princípio da Adequação Social, no Brasil, ainda sofre restrição. 17 Luigi Ferrajoli, Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal, 3 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.91. 21 1) “Nulla poena sine crimine” (Não há pena sem crime) Ex.: Um Estado que aplica sanção penal a indivíduos que não cometeram infração penal, não tem um Direito Penal Garantista, mas um Direito Penal Arbitrário. 2) “Nullum crimen sine lege” (Não há crime sem lei) Ex.: Um Estado que considera infração penal uma conduta não prevista em lei, não tem um Direito Penal Garantista, mas um Direito Penal Arbitrário. 3) “Nulla lex sine necessitate” (Não há lei sem necessidade) Ex.: Um Estado cujas leis incriminam condutas que não necessitam de proteção penal (ex.: incriminação do uso de boné), não tem um Direito Penal Garantista, mas um Direito Penal Arbitrário. 4) “Nulla necessitas sine injuria” (Não há necessidade sem lesão) Ex.: Um Estado cujas leis incriminam condutas não ofensivas a terceiros (ex.: prostituição), não tem um Direito Penal Garantista, mas um Direito Penal Arbitrário. 5) “Nulla injuria sine actione” (Não há lesão sem ação) Ex.: Um Estado que considera haver lesão sem que o agente tenha praticado uma ação ou uma omissão (ex.: o indivíduo tem pensamentos maldosos, mas não chega a pô-los em prática), não tem um Direito Penal Garantista, mas um Direito Penal Arbitrário. 6) “Nulla actio sine culpa” (Não há ação sem culpa) Ex.: Um Estado que pune o agente que realizou uma conduta sem dolo ou culpa (ex.: o jogador chutou a bola em direção ao gol e, sem que ninguém pudesse prever, o goleiro morreu de infarto), não tem um Direito Penal Garantista, mas um Direito Penal Arbitrário. 7) “Nulla culpa sine juditio” (Não há culpa sem juízo) Ex.: Um Estado que reconhece alguém culpado e aplica pena sem ter havido uma decisão judicial fundamentada e transitada em julgado, não tem um Direito Penal Garantista, mas um Direito Penal Arbitrário. 22 8) “Nullum judicium sine accusatione” (Não há juízo sem acusação) Ex.: Um Estado que condena indivíduos sem que tenham sido acusados (ex.: o Juiz condena o indivíduo que sequer foi denunciado pelo Ministério Público), não tem um Direito Penal Garantista, mas um Direito Penal Arbitrário. 9) “Nulla accusatio sine probatione” (Não há acusação sem prova) Ex.: Um Estado que admite acusações sem o mínimo de prova (ex.: o Ministério Público denuncia por auto-aborto uma mulher que sequer ficou grávida), não tem um Direito Penal Garantista, mas um Direito Penal Arbitrário. 10) “Nulla probatio sine defensione” (Não há prova sem defesa) Ex.: Um Estado que admite como provada uma acusação e condena indivíduos sem que este tenha tido oportunidade de defesa, não tem um Direito Penal Garantista, mas um Direito Penal Arbitrário. Como podemos observar, alguns dos princípios vistos também constituem axiomas do Garantismo Penal. É o caso do Princípio da Reserva Legal (axiomas 1 e 2), dos Princípios da Intervenção Mínima (axioma 3) e da Lesividade (axioma 4), bem como do Princípio da Culpabilidade (axioma 5). É importante entender que todos esses princípios e axiomas existem para que o Direito Penal não seja uma ferramenta de opressão, um instrumento de poder usado pelos mais fortes contra os mais fracos. O Direito Penal, que é um mal necessário, deve ser aplicado com muita cautela, com extremo cuidado. QUESTÃO: Quanto aos princípios do Direito Penal, assinale a alternativa correta: (A) O Princípio da Individualização da pena significa que não pode haver mais de um réu no mesmo processo; (B) O Princípio do “Ne bis in Idem” informa que o reincidente deve ter sua pena dobrada; (C) O Princípio da Ofensividade estabelece que não há crime sem resultado jurídico; (D) O Princípio da Humanidade das Penas proíbe a aplicação de pena de morte, mas não veda a aplicação de pena de caráter perpétuo. 23 QUESTÃO: Cite e explique um dos dez axiomas do Garantismo Penal: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 24 3 - FONTES DO DIREITO PENAL Fonte é o lugar de onde nascem as águas, é a nascente d’água. Fonte jurídica, por semelhança, é a nascente do Direito. De onde nasce o Direito Penal? Nasce da União, que elabora as leis penais. A União, portanto, e somente ela, é a fonte material (substancial ou de produção) do Direito Penal. Os Estados-Membros, porém, excepcionalmente, podem legislar sobre Direito Penal, desde que autorizados por Lei Complementar da União e desde que seja para legislar sobre assunto de interesse local (Direito Penal Local). É o que dispõe o art.22, p.ú., da CF. Uma vez nascido o Direito Penal, onde podemos encontrá-lo? Podemos encontrá-lo na lei, nos costumes e nos princípios gerais do direito. Estas são, portanto, as fontes formais do Direito Penal (fontes de conhecimento ou de cognição). É a partir dessas fontes que podemos conhecer o Direito Penal18. A lei é a fonte formal direta (ou imediata). Para conhecermos o Direito Penal, precisamos consultar a lei. É a lei penal que descreve as infrações penais e comina as respectivas sanções (leis penais incriminadoras), que permite condutas (leis penais permissivas), que fornece definições (leis penais explicativas, supletivas ou complementares). Os costumes e os princípios gerais do direito são fontes formais indiretas (ou mediatas). Temos que consultar os costumes para bem conhecermos certas expressões utilizadas pela lei (os costumes, portanto, servem como material de interpretação penal). É a partir dos costumes, por exemplo, que podemos saber o que significam as expressões “ato obsceno”, “repouso noturno”, etc. Segundo entendimento amplamente majoritário, os costumes não têm força de invalidar a aplicação da lei penal, ou seja, não revogam a lei, já que somente a lei tem o poder de revogação (art.2º, “caput”, da LINDB). Imaginemos que se torne um costume em São Paulo surrar o jovem que completa 12 (doze) anos para que se torne um varão valente. Ora, esse costume (“contra legem”) não terá força para afastar a incidência da lei penal, a qual poderá, a qualquer momento, ser devidamente aplicada. Em outras palavras: não é porque muitas pessoas praticam determinado comportamento, que esse comportamento se coloca fora do alcance do Direito Penal. O costume abolicionista, portanto, não tem sido aceito no Brasil. 18 Rogério Greco, Curso de Direito Penal: Parte Geral, V. I, 15 ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2013, p.14. 25 CUIDADO!!!: Os costumes não revogam a lei, mas podem incentivar alterações legislativas. Em outras palavras, só a lei pode revogar a lei, mas os costumes podem propiciar a criação de uma lei que revogue a lei que já se encontra defasada.Quanto aos princípios gerais do Direito, temos que consultá-los para bem entendermos a direção que a lei deve tomar (os princípios gerais do Direito, portanto, servem como material regulador do sistema penal). É a partir dos princípios gerais do Direito, por exemplo, mais especificamente do Princípio da Adequação Social, que não se pune a mãe que fura a orelha da filha para lhe colocar brincos. Ora, o princípio, nesse caso, está servindo para regular o sistema penal. Aliás, a aplicação de um princípio geral do direito pode até mesmo afastar a aplicação de certos dispositivos legais que contrariem o sistema. Note-se, por exemplo, que o art.155, §4º, I, do CP qualifica a conduta de quem, para furtar um toca CD, quebra o vidro do veículo, mas o Princípio da Proporcionalidade da Pena pode ser invocado para afastar a referida qualificadora, já que a conduta de quem quebra o vidro do veículo para subtrair o próprio veículo (fato mais grave) não contém qualificadora. Tudo que acabamos de ver sobre fontes do Direito Penal se encaixa no que podemos chamar de classificação tradicional (ou clássica) das fontes jurídico- penais. Tradicionalmente, portanto, as fontes do Direito Penal são apenas essas que já vimos. Alguns poucos doutrinadores, na verdade, acrescentam, ainda, a doutrina e a jurisprudência. Atualmente, no entanto, a classificação das fontes jurídico-penais é sensivelmente diversa. Na classificação moderna, as fontes do Direito Penal são as seguintes: Fonte Material Fontes Formais Diretas Fontes Formais Indiretas Fontes Informais 1)União; 2)Estado-membro (Direito Penal Local). 1)Lei; 2)Constituição Federal; 3)Tratado internacional sobre direitos humanos; 4)Ato que completa a norma penal em branco; 5)Jurisprudência; 6)Princípio geral do direito. 1)Doutrina. 1)Costume. Como podemos observar, a fonte material do Direito Penal continua sendo a União (e excepcionalmente o Estado-Membro, no que tange ao Direito Penal Local). Nesse ponto, não há divergência entre as classificações tradicional e moderna. 26 No tocante às fontes formais diretas, por outro lado, a mudança é considerável. A lei, obviamente, continua sendo considerada fonte formal direta (e, aliás, continua sendo a única fonte capaz de criar infrações penais e cominar sanções penais). A classificação moderna, porém, acrescenta mais cinco fontes, que, apesar de não poderem criar infrações penais nem cominar sanções penais, atingem de forma direta a cognição do Direito Penal. A primeira dessas fontes acrescidas é a Constituição Federal, que exerce o importante papel de estabelecer mandados mínimos de criminalização. Mandados mínimos de criminalização: O que são mandados mínimos de criminalização? São limites impostos pela Constituição Federal ao legislador penal. Um exemplo de mandado mínimo se encontra na imprescritibilidade do crime de racismo. É a lei penal que pode tipificar a conduta racista e estabelecer a respectiva sanção penal, mas o legislador não pode estabelecer, visto que impedido pelo CF, prazo de prescrição para o racismo. Outro exemplo de mandado mínimo de criminalização diz respeito à inafiançabilidade dos crimes hediondos e equiparados. Tais crimes são previstos pela lei, mas o legislador penal não pode permitir a liberdade provisória mediante fiança quando o crime imputado é hediondo ou assemelhado, pois a CF vedou essa concessão. Os tratados internacionais sobre direitos humanos, na classificação moderna, também são considerados fontes formais diretas do Direito Penal. Não podem criar infrações penais nem cominar penas, mas servem, principalmente, como cartilha de garantias penais e processuais, cabendo frisar que, quando aprovados no Brasil por meio do qualificado processo de aprovação das emendas à Constituição, adquirem status constitucional. Na classificação moderna, também são fontes formais diretas os atos administrativos que complementam as chamadas normas penais em branco heterogêneas19. A Portaria da ANVISA, por exemplo, que arrola as drogas consideradas ilícitas, é um ato administrativo que também contribui para o conhecimento do Direito Penal. 19 Norma penal em branco é a norma que depende de complementação. Por exemplo: o art.236 do CP prevê o crime de contrair casamento induzindo alguém em erro essencial, mas não arrola as hipóteses de erro essencial, as quais são listadas pelo art. 1.557 do CC. O referido dispositivo do Código Civil, nesse caso, complementa a norma penal em branco do art.236 do CP. Quando o complemento é feito por um ato normativo de mesma hierarquia do CP, a norma penal em branco é chamada de homogênea (é o caso do art.236 do CP, complementado pelo art. 1.557 do CC). Quando, porém, o complemento é feito por um ato normativo de hierarquia inferior, a norma penal em branco se chama heterogênea (é o caso do art.33 da Lei de Drogas, complementado por uma Portaria da ANVISA). 27 Modernamente, a jurisprudência também é considerada fonte formal direta do Direito Penal. Basta ver, por exemplo, a determinante influência jurisprudencial na compreensão do crime continuado (art.71 do CP). É, afinal, a jurisprudência que, analisando a identidade temporal (“mesma circunstância de tempo”), fixa o limite máximo de 30 (trinta) dias entre uma ação e outra. O mesmo se pode afirmar em relação aos princípios gerais do Direito. Ora, colocar a lei como fonte direta e os princípios como fontes indiretas é como rebaixar os princípios a patamar inferior ao da lei, o que é inadmissível. Os princípios são, na classificação moderna, fontes formais diretas do Direito Penal. Não raramente, as decisões judiciais passam por cima do frio texto da lei, e acertam nesse ponto, para darem aplicação concreta a um princípio geral. Como exemplo, podemos trazer à lembrança o Princípio da Proporcionalidade da Pena, que já foi invocado, em decisão proferida pelo STJ, para afastar a qualificadora do furto de Toca CD mediante quebra do vidro do veículo. A doutrina, por sua vez, é considerada fonte formal indireta. A “communis opinio doctorum” contribui, de modo indireto, para o conhecimento do Direito Penal. Na doutrina clássica, alguns poucos autores já a incluíam na lista de fontes formais. Nesse ponto, portanto, não houve mudança. Com relação aos costumes, por fim, a classificação moderna os reconhece como fontes, porém como fontes informais do Direito Penal. QUESTÃO: Quanto às fontes do Direito Penal, é correto afirmar que: (A) A lei é a única fonte material do Direito Penal; (B) A União é fonte material do Direito Penal e pode, por lei complementar, autorizar os Estados-membros a legislarem sobre Direito Penal Local; (C) Os costumes não são fontes do Direito Penal, pois só a lei pode revogar a lei, sendo inadmissível o costume abolicionista; (D) Os princípios gerais do Direito são fontes materiais do Direito Penal. QUESTÃO: Julgue as sentenças abaixo como verdadeiras (V) ou falsas (F): A) Os Municípios podem legislar sobre Direito Penal ( ); B) A lei é fonte formal direta do Direito Penal ( ); C) Na classificação moderna, a CF é fonte do Direito Penal ( ); D) Os princípios gerais do Direito não são fontes jurídicas ( ); E) Não se admite, no Brasil, o chamado Direito Penal Local ( ); F) As fonte materiais são chamadas de fontes de cognição ( ); G) A lei é fonte de produção do Direito Penal ( ); H) Direito Penal Local é o Direito Penal Municipal ( ); I) A única fonte do Direito Penal é a lei ( ). 28 4 - INTERPRETAÇÃO DAS LEIS PENAIS Interpretar significa extrair o significado do texto. Sempre que existe um texto, é necessário interpretar. Não existe texto que dispenseinterpretação (não há clareza suficiente que dispense interpretação, sendo equivocada a expressão “in claris cessat interpretatio”)20, pois a interpretação é necessária até mesmo para que a clareza do texto seja identificada. Para que se possa falar em interpretação, portanto, deve haver um texto para ser interpretado. Por isso, o emprego de analogia (ou integração analógica) não é interpretação, mas integração de lacuna. A analogia funciona assim: Caso A Análogo ao caso B Regulado pela lei X Caso B Análogo ao caso A Não regulado por lei Analogia: aplicação da lei X ao caso B. Obs.: em matéria penal, só é possível analogia “in bonam partem”. Exemplo: o art.128, II, do CP, diz que não se pune o aborto praticado em caso de gravidez resultante de estupro. O que fazer quando a gravidez resulta de violação sexual mediante fraude? É simples: são condutas semelhantes e, por isso, não se deve punir aquele que pratica aborto no caso de violação sexual mediante fraude, pois se trata de analogia benéfica para o réu. Empregar analogia significa suprir uma lacuna da lei, solucionar o problema da falta de regulamentação legal. Interpretar, ao contrário, é extrair o significado de um texto que existe. O ato de interpretar precisa seguir, evidentemente, alguns critérios, deve seguir uma lógica, uma direção. É a hermenêutica jurídica que estuda esses critérios, essa lógica, essa direção. Hermenêutica, portanto, é o nome que se dá à Ciência da Interpretação21. No estudo da interpretação das leis penais, interessa tratar de três questões: 1) quem é o intérprete?; 2) que recursos o intérprete utiliza?; e 3) a que conclusão chega o intérprete? 4.1. QUEM É O INTÉRPRETE? O significado de um texto da lei penal pode ser exposto pela própria lei. Os intérpretes, aqui, são os próprios elaboradores do texto legal (legisladores). Trata-se da chamada interpretação autêntica (ou legislativa). 20 Rogério Greco, Curso de Direito Penal: Parte Geral, V. I, 15 ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2013, p.33. 21 André Estefam, Direito Penal: Parte Geral, V.I, 2 ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p.81. 29 Exemplos: arts. 327 e 150, §4º, ambos do CP. No art.327 do CP, o próprio legislador interpreta o que significa “funcionário público”. No art.150, §4º, do CP, o próprio legislador interpreta o que significa “casa”. O significado do texto legal, porém, pode ser exposto pelos julgadores, os quais, todos os dias, são chamados a interpretar a lei no caso concreto. Aqui, portanto, os intérpretes são os magistrados. Trata-se da chamada interpretação jurisprudencial (ou judicial). Exemplos: art.155, §2º, e art.208, ambos do CP. No art.155, §2º, do CP, a jurisprudência interpreta “coisa de pequeno valor” como sendo a coisa que não excede o salário mínimo vigente no país. No art.208 do CP, a jurisprudência interpreta “objeto de culto” como a coisa com significado religioso, conceito que não abrange, por exemplo, os bancos da igreja. O significado do texto legal pode ser, ainda, exposto pelos doutrinadores. Os intérpretes, aqui, são os formulados de doutrina. Trata-se da chamada interpretação doutrinária (ou “communis opinio doctorum”). Exemplos: art.18, II, art.22 e art.28, I, todos do CP. No art.18, II, do CP, a doutrina interpreta “imprudência” e “negligência” assim: imprudência é uma ação descuidada, e a negligência é uma omissão descuidada. No art.22 do CP, a doutrina interpreta “coação irresistível” como sendo a coação moral (a pressão psicológica), e não a coação física (a pressão corporal). No art.28, I, do CP, a doutrina interpreta “emoção” e “paixão” da seguinte forma: emoção é um sentimento momentâneo, e a paixão é um sentimento permanente. Em resumo, podemos afirmar que, no tocante ao sujeito que interpreta a lei, a interpretação se classifica do seguinte modo: a) interpretação legislativa; b) interpretação jurisprudencial; e c) interpretação doutrinária. 4.2. QUE RECURSOS O INTÉRPRETE UTILIZA? O intérprete deve buscar o significado da lei penal, primeiramente, a partir de seu conhecimento gramatical, que compreende regras de pontuação, de concordância verbal e nominal, de regência verbal, de ortografia, etc. Trata-se da chamada interpretação gramatical (ou literal). 30 Exemplo: art.138 do CP. No art.138 do CP, basta uma interpretação literal para se excluir do âmbito da calúnia a hipótese em que o sujeito imputa a uma pessoa a prática de um crime que esta realmente cometeu. Basta, afinal, atentar para o significado gramatical do advérbio “falsamente”. O intérprete, porém, pode não encontrar o significado da lei penal apenas com o recurso gramatical. Por vezes, apenas o recurso gramatical é insuficiente para fazer o exegeta compreender a mensagem do texto. Deverá, nesse caso, lançar mão de outros recursos, passando da interpretação gramatical para a interpretação lógica (ou teleológica). Nessa segunda etapa, realiza-se a análise de alguns fatores que ajudarão o intérprete a descobrir o real significado do texto. Esses fatores são os seguintes: a) contexto histórico; b) organização textual; c) sistemática legal; d) Direito Comparado; e) Direito extrapenal; f) conceitos extrajurídicos; etc. Exemplo 1: art.28 da Lei 11.343/2006 No art.28, só se pode entender que se trata de “crime” porque a rubrica do capítulo se refere a crimes. Exemplo 2: art.141, III, do CP. No art.141, III, do CP, a expressão “várias pessoas” é interpretada sistematicamente como sendo “três ou mais”, pois, se fossem “duas ou mais” o legislador teria usado a fórmula utilizada no art.155, §4º, IV, do CP, e se fossem “quatro ou mais”, teria usado a fórmula utilizada no art.288 do CP. Exemplo 3: art.236 do CP No art.236 do CP, a única forma de entender o que significa “erro essencial” é recorrer ao Código Civil. Exemplo 4: art.26 do CP No art.26 do CP, a única forma de entender o que significa “doença mental” é recorrer à Psicologia. A interpretação gramatical, portanto, é o primeiro passo que o intérprete precisa dar no transcorrer do trabalho exegético. A interpretação teleológica é o segundo passo, que deve ser dado sempre que a interpretação literal se mostra insuficiente. Não são poucos os dispositivos legais carentes de interpretação teleológica. Quase sempre, aliás, é necessário que o exegeta ultrapasse os limites da literalidade do texto. 31 4.3. A QUE CONCLUSÃO CHEGA O INTÉRPRETE? Depois de empregar os mais variados recursos de interpretação, o exegeta pode chegar a três possíveis conclusões. Vejamos: 1ª Conclusão: a lei penal está dizendo exatamente o que queria ter dito. Fala-se, neste caso, em interpretação declarativa (ou declaratória). 2ª Conclusão: a lei penal está dizendo menos do que queria ter dito (“lex minus dixit quam voluit”). Fala-se, neste caso, em interpretação extensiva. 3ª Conclusão: a lei penal está dizendo mais do que queria ter dito (“lex plus dixit quam voluit”). Fala-se, neste caso, em interpretação restritiva. Com relação à primeira conclusão, devemos entender que o intérprete, ao final de seu trabalho interpretativo, apenas declara o significado da lei, sem ampliar nem restringir o alcance do texto, já que o significado da lei, nesse caso, corresponde precisamente ao sentido pretendido pelo legislador. É como se o intérprete dissesse: “esta lei diz exatamente o que quer dizer, razão pela qual não preciso estender nem restringir seu alcance”. No tocante à segunda conclusão, devemos entender que o intérprete, após finalizar seu trabalho de interpretação, amplia o significado do texto legal, por perceber que a lei disse menos do que gostaria de ter dito. O intérpreteestica o âmbito de abrangência da lei por entender que a intenção da lei não foi correspondida pela literalidade do texto. É como se o intérprete dissesse: “esta lei disse menos do que queria ter dito, razão pela qual amplio o seu alcance, para que abranja também as situações que pretendeu abranger”. Relativamente à terceira conclusão, por fim, devemos compreender que o exegeta, após interpretar a lei, restringe o significado do texto legal, por entender que a lei disse mais do que gostaria de ter dito. O intérprete reduz o âmbito de abrangência da lei por perceber que a intenção da lei não foi correspondida pela literalidade do texto. É como se o intérprete dissesse: “esta lei disse mais do que queria ter dito, razão pela qual restrinjo o seu alcance, para que somente as situações que pretendeu abranger”. Exemplo de interpretação declarativa: Ao interpretar o art.155 do CP, o exegeta declara exatamente o que o legislador pretendeu dizer: “quem subtrai coisa própria não pratica furto”. Exemplo de interpretação restritiva: Ao interpretar o art.213 do CP, o exegeta restringe o significado da palavra “alguém”, que não engloba qualquer pessoa, mas apenas pessoa não vulnerável, já que, em se 32 tratando de vítima vulnerável, o crime é outro (art.217-A, CP). Pode-se perceber que a intenção do legislador sempre foi tratar apenas da vítima não vulnerável, mas acabou dizendo mais do que queria. Exemplo de interpretação extensiva: Ao interpretar o art.123 do CP, o exegeta estende o significado do termo “filho” para abranger também a filha. Pode-se perceber que a intenção do legislador sempre foi englobar o produto da concepção, pouco importando o sexo, mas acabou dizendo menos do que queria. Com relação à interpretação extensiva, alguém poderia fazer o seguinte questionamento: intepretação extensiva não é a mesma coisa que analogia? Não, interpretação extensiva não se confunde com analogia. A analogia é feita quando um determinado caso não é regulado por lei (nem explícita nem implicitamente), seja porque houve um cochilo do legislador (a hipótese não regulada acabou esquecida), seja porque houve intenção do legislador (a hipótese não regulada foi lembrada, porém deixada sem regulamentação de propósito). Como só de pode falar em infração penal e sanção penal quando existente prévia previsão legal (Princípio da Reserva Legal), não se pode fazer analogia em prejuízo do acusado. Se o fato não encontra regulamentação legal, o autor desse fato não pode ser responsabilizado criminalmente. Daí o Direito Penal admitir tão-somente o emprego da analogia em benefício do acusado (analogia “in bonam partem”). A interpretação extensiva, por sua vez, é feita quando um determinado caso, por imprecisão redacional, apenas não está regulado pela lei de forma explícita, sendo certo que, implicitamente, a regulação existe. Imaginemos, por exemplo, que um pai diga para o filho: “você está de castigo, e não poderá sair por esta porta até que eu permita!”. Ora, acaso o filho poderia sair pela janela? Não, é óbvio que não. O pai apenas não foi preciso na sua ordem, mas o seu comando logicamente era para que o filho não saísse de casa. Em outras palavras, a interpretação extensiva tem o condão de trazer à luz o que está subentendido na lei, serve para superar a falta de precisão do legislador. Assim sendo, diferentemente do que ocorre com a analogia, não se pode falar em violação ao Princípio da Reserva Legal quando a interpretação extensiva prejudica o acusado, pois a interpretação serve apenas para revelar o significado da lei, significado que, muitas vezes, se encontra escondido por detrás de um texto que não condiz com o seu real alcance. Em outras palavras: a analogia só é admissível no Direito Penal quando beneficia o réu; a interpretação extensiva é admissível no Direito Penal quer beneficie quer prejudique o acusado22. 22 Rogério Greco esclarece, no entanto, que existe uma corrente, defendida por Nélson Hungria, que pondera que a dúvida, em matéria de interpretação, também deve ser resolvida em benefício do réu (Rogério Greco, Curso de Direito Penal: Parte Geral, V. I, 15 ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2013, p.4). 33 4.4. INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA (ou “intra legem”) Existem leis penais que descrevem, apenas com o intuito de exemplificar, casos específicos (fórmula casuística) e, por meio de uma determinada expressão (fórmula genérica), se permitem aplicar a qualquer situação semelhante aos exemplos casuísticos por ela fornecidos. A interpretação analógica, então, é a interpretação feita para descobrir se uma determinada situação se encaixa ou não na fórmula genérica. Exemplo: art.121, §2º, I, do CP. O art.121, §2º, I, do CP, traz uma fórmula casuística (“mediante paga ou promessa de recompensa”) e uma fórmula genérica (“ou outro motivo torpe”). Deve-se interpretar que todas as situações torpes como a paga ou promessa de recompensa estão abrangidas pelo dispositivo. É por isso que matar o pai para ficar a herança, por exemplo, é considerado homicídio qualificado pelo motivo torpe. A interpretação analógica não se confunde com a analogia (ou integração analógica). A grande diferença está no fato de que, na interpretação analógica, a situação se encontra regulada pela lei à medida que a lei a alcança através de uma fórmula genérica, ao passo que, na analogia, a situação não se encontra regulada pela lei (há uma lacuna, portanto). QUESTÃO: Sobre a analogia em matéria penal, assinale a alternativa correta: (A) Não se admite em hipótese alguma, visto que o Princípio da Reserva Legal não comporta exceção; (B) Não se confunde com integração analógica; (C) Diferentemente da interpretação analógica, só se admite quando prejudica o acusado; (D) Distingue-se da interpretação extensiva e da interpretação analógica, sendo chamada de integração analógica. QUESTÃO: Julgue a sentença abaixo como verdadeira (V) ou falsa (F): Em matéria de interpretação da lei penal, vigora o Princípio do “In dubio pro reo” ( ). 34 5 - LEI PENAL NO TEMPO O CP estabelece, em seu art.4º, que se considera praticada a infração penal no momento da ação ou da omissão (Teoria da Atividade). A data da infração, portanto, não é a data do resultado, mas a data da conduta. Por exemplo: um homicídio com veneno (venefício) considera-se praticado não no dia em que a vítima morre (data da consumação delitiva), mas no dia em que o veneno lhe é ministrado (data da ação). Com relação à lei que deve ser aplicada ao autor de uma infração penal, o Brasil adotou a regra do “tempus regit actum”. Isso significa que se aplica a lei penal vigente ao tempo do cometimento da infração penal, ou seja, aplica-se a lei vigente ao tempo da ação ou da omissão. Vigência da lei: Lei vigente é a lei que já entrou em vigor. A lei entra em vigor: 1) na data de sua publicação ou 2) em data posterior à sua publicação. É a própria lei que estabelece quando será o início de sua vigência. Quando a lei entra em vigor em data posterior à sua publicação (2), há um período que medeia entre a publicação e a entrada em vigor da lei. Esse período é chamado de “vacatio legis”. Se a lei nada diz sobre o início de sua vigência, haverá uma “vacatio legis” de 45 (quarenta e cinco) dias. O processo legislativo compreende as seguintes fases: 1) fase da iniciativa (o projeto de lei é apresentado às Casas Legislativas); 2) fase da deliberação (o projeto é discutido e votado); 3) fase da sanção (o projeto de lei é aprovado); 4) fase da promulgação
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