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Gustavo Binenbojm Professor Adjunto de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da UERJ. Doutor e Mestre em Direito Público, UERJ. Master of Laws (LL.M.), Yale Law School (EUA). Professor dos cursos de pós-graduação da Fundação Getulio Vargas (FGV-Rl). Professor da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - EMERJ. Procurador do Estado, advogado e parecerista no Rio de Janeiro. UMA TEORIA DO DIREITO ADMINISTRATIVO Direitos Fundamentais, Democracia e Constitucionalização 2ª Edição Revista e Atualizada RENOVAR Rio de Janeiro • São Paulo • Recife 2008 t'JJ:F1:7f'~A.~ ~ aLl~~ R ... ~r.e~t<:> L J,t~\tc, ;:i1-f0t~ 1 CAPÍTULO I A CRISE DOS PARADIGMAS DO DIREITO ADMINISTRATIVO 1.1. A outra história do direito administrativo: do pecado autoritário original à constituição de uma dogmática a serviço dos donos do poder. Narra a história oficial que o direito administrativo nasceu da subordinação do poder à lei e da correlativa definição de uma pauta de direitos individuais que passavam a vincular a Administração Pública. 2 Essa noção garantística do direito administrativo, que se teria formado a partir do momento em que o poder aceita subme- ter-se ao direito3 e, por via reflexa, aos direitos dos cidadãos, ali- mentou o mito de uma origem milagrosa4 e a elaboração de catego- 2 V., por todos, Caio Tácito, Evolução Histórica do Direito Administrativo, in Temas de Direito Público, vol. !, 1997, p. 2. 3 Neste sentido, Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. l, 1994, p. 148. 4 Textualmente, esta é a expressão utilizada por Prosper Weil para explicar o surgimento do direito administrativo. V. O Direito Administrativo, 1977, p. 7 /1 O: "A própria existência de um direito administrativo é em alguma medida fruto de um milagre. O direito que rege a actividade dos particulares é imposto a estes de fora e o respeito pelos direitos e obrigações que ele comporta encon- tra-se colocado sob a autoridade e a sanção de um poder exterior e superior: o do Estado. Mas causa admiração que o próprio Estado se considere ligado (vincula- do) pelo direito.( ... ) Não esqueçamos, aliás, as lições da história: a conquista do Estado pelo direito é relativatnente recente e não está ainda terminada por toda a parte. ( ... )Fruto de um milagre 1 o direito administrativo só subsiste, de resto, 9 rias jurídicas exorbitantes do direito comum, cuja justificativa teó- rica seria a de melhor atender à consecução do interesse público. 5 A cada ano, repetimo-nos a nós mesmos e a nossos alunos a mesma fábula mistificadora: a de que a certidão de nascimento do direito administrativo foi a Loi de 28 do pluviose do ano VIII, edi- tada em 1800, organizando e limitando extemamente a Administra- ção Pública. 6 Tal lei simbolizaria a superação da estrutura de poder do Antigo Regime, fundada não no direito, mas na vontade doso- berano (quod regi placuit lex est). A mesma lei que organiza a estru- tura da burocracia estatal e define suas funções operaria como ins- trumento de contenção do seu poder, agora subordinado à vontade heterônoma do Poder Legislativo. Dentro da lógica da separação dos poderes, ao Parlamento, como veículo de expressão da vontade geral, caberia o primado na elaboração das normas jurídicas, que não só limitai::iam como preordenariam a atuação dos órgãos administrativos. A Adminis- tração restaria, assim, uma função meramente executiva, de cum- primento mecânico da vontade já manifestada pelo legislador. Sur- ge, destarte, a idéia da legalidade como vinculação positiva à lei: se aos particulares, em prestígio e valorização de sua autonomia públi- ca e privada, é permitido fazer tudo aquilo que não lhes for vedado pela lei, à Administração Pública cabe agir tão-somente de acordo com o que lei prescreve ou faculta. Esta descrição romântica do fenômeno de surgimento do direito administrativo é acolhida por ninguém menos que Caio Tácito. Confira-se sua narrativa: "O episódio central da história administrativa do século XIX é a subordinação do Estado ao regime de legalidade. A lei, como ex- pressão da vontade coletiva, incide tanto sobre os indivíduos como sobre as autoridades públicas. A liberdade administrativa cessa onde principia a vedação legal. O Executivo opera dentro dos limi- tes traçados pelo Legislativo, sob a vigilância do Judiciário. "7 por um prodígio a cada dia renovado. ( ... ) Para que o milagre se realize e se prolongue, devem ser preenchidas diversas condições que dependem da forma do Estado, do prestígio do direito e dos juízes, do espírito do tempo." s Neste sentido, Celso Antônio Bandeira de Melo, Curso de Direito Adminis- trativo, 1999, p. 56/58. 6 Guido Zanobini, Corso di DirittoAmministrativo, 1947, vol. !, p. 33. 7 Caio Tácito, Evolução Histórica do Direito Adrninístrativo, in Te1nas de Direito Público, vol. 1, 1997, p. 2. 10 Tal história seria esclarecedora, e até mesmo louvável, não fos- se falsa. Descendo-se da superfície dos exemplos genéricos às pro- fundezas dos detalhes, verifica-se que a história da origem e do desenvolvimento do direito administrativo é bem outra. E o diabo, como se sabe, está nos detalhes. A associação da gênese do direito administrativo ao advento do Estado de direito e do princípio da separação de poderes na França pós-revolucionária caracteriza erro histórico e reprodução acrítica de um discurso de embotamento da realidade repetido por sucessivas gerações, constituindo aquilo que Paulo Otero denominou ilusão ga- rantística da gênese. 8 O surgimento do direito administrativo, e de suas categorias jurídicas peculiares (supremacia do interesse público, prerrogativas da Administração, discricionariedade, insindicabilida- de do mérito administrativo, dentre outras}, representou antes uma forma de reprodução e sobrevivência das práticas administrativas do Antigo Regime que a sua superação. A juridicização embrionária da Administração Pública não logrou subordiná-la ao direito; ao revés, serviu-lhe apenas de revestimento e aparato retórico para sua perpe- tuação fora da esfera de controle dos cidadãos. O direito administrativo não surgiu da submissão do Estado à vontade heterônoma do legislador. Antes, pelo contrário, a formu- lação de novos princípios gerais e novas regras jurídicas pelo Con- seil d'État, que tornaram viáveis soluções diversas das que resulta- riam da aplicação mecanicista do direito civil aos casos envolvendo a Administração Pública, só foi possível em virtude da postura ati- vista e insubmissa daquele órgão administrativo à vontade do Par- lamento.9 A conhecida origem pretoriana do direito administrati- vo, como construção jurisprudencial (do Conselho de Estado) der- rogatória do direito comum, traz em si esta contradição: a criação de um direito especial da Administração Pública resultou não da vontade geral, expressa pelo Legislativo, mas de decisão autovincu- lativa do próprio Executivo. !O 8 V. Paulo Otero, Legalidade e Administração Pública - O Sentido da Vin- culação Administrativa à Juridicidade, 2003, p. 2 7 L 9 Neste sentido, Pierre Delvolvé, Paradoxes du (ou paradoxes sur le) Principe de Séparation des Autorités Administrative et Judiciaire, in Mélanges René Cha- pus - Droit Administratif, 1992, p. 144. 10 Vale lembrar que o sistema de contencioso administrativo francés sempre reservou ao Poder Executivo a última palavra sobre a competência do Conselho l 1 Vale lembrar que o direito administrativo nasceu e se desenvol- veu em um período marcado pela crença na completude das gran- des codificações escritas, embora não exista, até hoje, uma única compílação geral de suas normas, caracterizadas, ao revés, por sua fragmentação e falta de organização sistemática. 11 Não à toa, à mín- gua de uma sistematização escrita, o direito administrativo francêspermaneceu, até período muito recente, um direito essencialmen- te pretoriano, produto das construções jurisprudenciais do Conse- lho de Estado. 12 Assim, como assinala Paulo Otero, "a idéia clássica de que a Revolução Francesa comportou a instauração do princípio da lega- lidade administrativa, tornando o Executivo subordinado à vontade do Parlamento expressa através da lei, assenta num mito repetido por sucess~vas gerações: a criação do direito administrativo pelo Conseil d'Etat, passando a Administração Pública a pautar-se por normas diferentes daquelas que regulavam a actividade jurídico- privada, não foi um produto da vontade da lei, antes se configura como uma intervenção decisória autovinculativa do Executivo sob proposta do Conseil d'État. "13 Tal circunstância histórica subverte, a um só golpe, os dois pos- tulados básicos do Estado de Direito em sua origem liberal: o prin- cípio da legalidade e o princípio da separação de poderes. De fato, a atribuição da função de legislar sobre direito administrativo a um órgão da jurisdição administrativa, intestino ao Poder Executivo, não se coaduna com as noções clássicas de legalidade como submis- são à vontade geral expressa na lei (Rousseau) e de partilha das funções estatais entre os poderes (Montesquieu). Nenhum cunho garantístico dos direitos individuais se pode esperar de uma Admi- nistração Pública que edita suas próprias normas jurídicas e julga soberanamente seus litígios com os administrados. de Estado, criando-se, por via indireta, uma forma sui generis de o Poder Execu- tivo se substituir ao Poder Legislativo na criação do direito especial da Adminis- tração Pública. Neste sentido, v. Maria da Glória Ferreira Pinto Dias Garcia, Da Justiça Administrativa em Portugal - Sua Origem e Evolução, 1994, p. 315/316. 11 Patrícia Baptista, Transformações do DireitoAdministratiuo, 2003, p. 2. 12 François Burdeau, Histoire du Drnit Administratif, 1995, p. 19. 13 Paulo Otero, Legalidade e Administração Pública - O Sentido da Vincula- ção AdministratiFa à Juridicidade, 2003, p. 271. 12 Chega-se, assim, à segunda contradição na gênese do direito administrativo: a criação da jurisdição administrativa. Contrarian- do a noção intuitiva de que ninguém é bom juiz de si mesmo, a introdução do contencioso administrativo - e a conseqüente sub- tração dos litígios jurídico-administrativos da alçada do Poder Judi- ciário-, embora alicerçada formalmente na idéia de que "julgar a Administração ainda é administrar" (juger l'administration c'est encare administrer), não teve qualquer conteúdo garantístico, mas antes se baseou na desconfiança dos revolucionários franceses con- tra os tribunais judiciais, pretendendo impedir que o espírito de hostilidade existente nestes últimos contra a Revolução limitasse a ação das autoridades administrativas revolucionárias. 14 A invocação do princípio da separação de poderes foi um sim- ples pretexto, mera figura de retórica, visando a atingir o objetivo de alargar a esfera de liberdade decisória da Administração, tornan- do-a imune a qualquer controle judicial. 15 Aliás, o modelo de con- tencioso em que a Administração julgaria a si própria não repre- sentou qualquer inovação da Revolução Francesa, sendo, ao revés, uma continuidade daquele vigorante no Antigo Regime. 16 Tal como afirmado por Tocqueville, "nesta matéria encontraríamos a fórmu- la; ao Antigo Regime pertence a idéia." 17 A institucionalização de tal modelo, e sua surpreendente iden- tidade com a estrutura de poder das monarquias absolutistas, reve- la o quanto o direito administrativo, em seu nascedouro, era alheio a qualquer propósito garantístico. Ao contrário, seu intuito primei- ro foi o de diminuir as garantias de que os cidadãos disporiam caso pudessem submeter o controle da atividade administrativa a um poder eqüidistante, independente e imparcial - o Poder Judiciá- rio. Como corretamente assinala Vasco Manuel Dias Pereira da Silva, "só, pouco a pouco, é que o Direito Administrativo vai dei- 14 V., sobre o verdadeiro móvel da criação da jurisdição administrativa, André de Laubadere, Jean-Claude Venezia, Yves Gaudemet, Traité de Droit Adminis- tratif, vol. 1, 1990, p. 248. 15 No mesmo sentido, Paulo Otero, Legalidade e Administração Pública - O Sentido da Vinculação Administrativa à Juridicidade, 2003, p. 275. 16 Vasco Manuel Dias Pereira da Silva, Para um Contencioso Administrativo dos Particulares - Esboço de u111a teoria subjectivista da recurso contencioso de anulação, 1989, p. 27. 17 Alexis de Tocqueville, O Antigo Regime e a Revolução, 1989, p. 64. 13 xando de ser o direito dos privilégios especiais da Administração, para se tornar no direito regulador das relações jurídicas adminis- trativas. Milagre, mesmo, é essa sua transformação de 'direito da Administração' em Direito Administrativo." 18 Em reforço ainda maior à idéia, releva destacar que, mesmo no âmbito do Conselho de Estado, desenvolveu-se urna ampla e inten- sa jurisprudência sobre os limites da própria jurisdição administra- tiva, seja excluindo-se certos atos da esfera de reexame - como os atos de governo e os atos de pura administração-, seja limitando- se artificialmente o espectro de fundamentos do recurso conten- cioso, ou ainda pel? desenvolvimento de uma estrita legitimidade processual ativa. 19 E já nesse período que se evidencia, como nítido propósito do contencioso administrativo, a criação de um direito processual administrativo, consagrando inúmeras regras de privilé- gio em favor da Administração. O velho dogma absolutista da ver- ticalidade das relações entre o soberano e seus súditos serviria para justificar, sob o manto da supremacia do interesse público sobre os interesses dos particulares, a quebra de isonomia. E nem se diga que este estatuto especial da Fazenda Pública se limitou historica- mente aos primórdios do século XIX, pois, como registra José Car- los \;'ieira de Andrade, ele chegou até o século XXI.2º E curioso notar como a separação de poderes serviu, contradi- toriamente, a esse processo de imunização decisória dos órgãos do Poder Executivo. O mesmo princípio que justificara a criação do contencioso administrativo, intestino ao Executivo, será invocado para impedir que os órgãos de controle exerçam sobre os outros órgãos da Administração poderes de injunção e substituição, em princípio legítimos e até naturais entre órgãos da mesma estrutura de Poder. Em outras palavras, criou-se no interior da Administra- ção um contencioso que não oferecia ao administrado as mesmas garantias processuais dos tribunais judiciários, mas, estranhamen- te, estava sujeito aos mesmos limites externos de atuação, como se se tratasse do próprio Poder Judiciário. Se algum sentido garantís- 18 Vasco Manuel Dias Pereira da Silva, Em Busca do Acto Administrativo Per- dido, 1998, p. 37. 19 V. Paulo Otero, Legalidade e Administração Pública - O Sentido da Vin- culação Administrativa à Juridicidade, 2003, p. 276. 20 José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa {Lições), 1999, p. 50/51. 14 tico norteou e inspirou o surgimento e o desenvolvimento da dog- mática administrativista, este foi em favor da Administração, e não "d d- 21 dos c1 a aos. Nesse contexto, as categorias básicas do direito administrativo, como a discricionariedade e sua insindicabilidade perante os órgãos contenciosos, a supremacia do interesse público e as prerrogativas jurídicas da Administração, são tributárias deste pecado original consistente no estigma da suspeita de parcialidade de um sistema normativo criado pela Administração Pública em proveito próprio, e que ainda se arroga o poder de dirimir em caráter definitivo, e em causa própria, seus litígios com os administrados. 22 Na melhor tra- dição absolutista, além de propriamente administrar, os donos do poder criamo direito que lhes é aplicável e o aplicam às situações litigiosas com caráter de definitividade. Captando tal evidência, Diogo de Figueiredo Moreira Neto afirma, com propriedade, que os conceitos ligados à preservação da autoridade "assomaram a tal importância estruturante que a litera- tura jurídica do direito administrativo tornou-se praticamente unâ- nime quanto à articulação dogmática da disciplina sobre a idéia central - magistralmente sintetizada por Umberto Allegretti - de que o interesse público é um interesse próprio da pessoa estatal, externo e contraposto aos dos cidadãos". 23 Vale notar que a relutância dos países vinculados ao sistema de common law - seja na sua versão original inglesa, seja na sua versão híbrida norte-americana - em reconhecer autonomia didático- científica ao direito administrativo e o repúdio à adoção da jurisdi- ção administrativa deveram-se à tradição existente, naquelas na- ções, de submissão das relações entre Administração e cidadãos às mesmas regras e aos mesmos juízes que decidiam os litígios entre 21 Maurice Hauriou, em seu Précis Élémentaire de Droit Administratif, 1943, p. 19, afirma que são as prerrogativas especiais da autoridade administrativa que funcionam como causa e medida da independência científica do direito adminis- trativo. Paulo Otero, a seu turno, na obra Direito Administrativo - Relatório, 2001, p. 22 7, afirma que só por manifesta ilusão de ótica ou equívoco se poderá vislumbrar uma gênese garantística no direito administrativo - o direito admi- nistrativo nasce como direito da Administração Pública e não como direito dos administrados. 22 V., neste sentido, João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Dis- curso Legitimador, 1989, p. 137. 23 Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Mutações do Direito Administrativo, 2000, p. 10/11. 15 particulares. Embora também lá tenham existido - e ainda exis- tam - normas que contemplavam imunidades ao poder político (v.g., a idéia da irresponsabilidade civil do Estado expressa na má- xima the king can do no wrong, só superada em meados do século XX), o direito administrativo anglo-saxão não se formou como uma estrutura dogmática munida de categorias a serviço do poder. 24 Cabe aqui fazer o registro deste que é o paradoxo da origem do direito administrativo nos dois grandes sistemas jurídicos do Oci- dente: embora surgido em um país vinculado à tradição romano- germânica, sua elaboração deu-se por construção do juiz adminis- trativo - processo típico do common law; enquanto isso, nos países anglo-saxônicos, o reconhecimento da autonomia do direito admi- nistrativo, já em momento avançado do século XX, ligou-se sobre- tudo à legislação escrita (processo característico do sistema roma- no-germânico). Com efeito, a existência de um direito diferencia- do do direito comum, consagrado por intermédio do sistema de precedentes judiciais (judge-made law), deveria naturalmente re- sultar de decisão soberana do Parlamento.25 Enquanto a tradição do direito público anglo-saxão exigia, corno elemento constitutivo do próprio Estado de direito (rule of law), que indivíduos e entes públicos fossem submetidos às mes- mas leis e aos mesmos juízes ordinários - com a vedação genérica, em princípio, a tratamentos privilegiados para o Poder Público26 -, na tradição continental o direito administrativo é definido, em sua própria natureza, como uma lei essencialmente desigual, que conferia à Administração, como condição para a satisfação do inte- resse geral, posição de supremacia sobre os direitos individuais.27 24 Como se sabe, embora a prática regulatória norte-americana remonte à se- gunda metade do século XIX, o direito administrativo só vem a ser reconhecido nos Estados Unidos como disciplina autônoma muito tempo depois, já no século XX. A rigor, no entanto, não há naqueles países a adoção das mesmas categorias do direito administrativo de tradição continental, sendo antes a disciplina iden- tificada com o complexo normativo regulador editado por agências reguladoras independentes e agências executivas. V., sobre o tema, Breyer, Stewart, Suns- tein and Spitzer, Administrative Law and Regulatory Polic;• - Problems, Text, and Cases, Aspen Law and Business, 2002. 25 Paul Craig, Administra tive Law, l 999, p. 32. 26 Albert V. Dicey, An Introduction to the Study of the Law of the Constitution, original de 1885, 10' Edição, 1959. 27 M. Letourneur, The Concept of Equity in French Public Law, in R. A. New- 16 As · se compreende a enorme fenda, denunciada por Toc-uevil;~:inda em 1830 e elev.~da a mito po_r Alb:rt Dicey ~-º final q , ]o XIX entre as expenenc1as admm1strat1vas europeta con-do secu , . . tal e anglo-saxônica. Enquanto no mundo europeu contmen-~:ie;ós-revolucionário, o Estado-Administração tor~a-se º.grande rotagonista da produção normativa e da estruturaçao da vida eco- P, ·ca e social privadas na Inglaterra e nos Estados Umdos, ao nomt ' , 1 · , a Administração Pública permaneceu, ate pe o menos o pn-reves, . · po's guerra desempenhando um papel meramente executi- meiro - ' . . , . d" subordinada ao direito comum e sob a v1g1lancrn do Poder Ju 1- vo, ciário.28 No Brasil, o modelo de administração implantado a reboque da colonização de exploração, somado ao patrimonialismo da c~~ºª portuguesa que se tornou nota caract:rística_ da cultu~a _poht~ca brasileira, 29 encontrou no figurino frances do d1re1to admm1strat1vo material farto para se institucionalizar e legitimar. Como se preten- de demonstrar ao longo do texto, as peculiaridades da Admnistra- ção Pública brasileira apenas aguçaram as contradi_ções intrínseca~ que 0 modelo jusadministrativista europeu contmental trazia Jª desde a sua gênese. 1.2. A evolução contraditória do direito administrativo: a dogmática administrativista no divã. A precedente revisão histórica, a respeito das origen_s do di_:eito administrativo europeu continental, não importa, todavta, anuenoa à concepção marxista da história ou a admissão de alguma teoria da conspiração, arquitetada de forma deliberada pelos detento~es_do poder para se subtrair à esfera de controle dos cidadãos. O d1re1to, man (org.), Equity in the Worlds Legal Systems: A Comparative Study, 1973, P· 262/263. 28 Luca Mannori e Bernardo Sordi, ]usticia e Administración, in El Estado Moderno en Europa, Maurizio Fioravanti (org.), 2004, p. 83/84. . . . . 29 Sobre o papel do patrimonial ismo na formação da cultura pohtico-admm1s- trativa brasileira, v. Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, 1995, P· 141/151; Raymundo Faoro, Os Donos do Poder, v. 2, 1989, especialmente o seu último capítulo, intitulado "Viagem Redonda: do patrimonialismo ao estamen- to", p. 729/750. 17 como os homens, vive e se define por suas próprias circunstâncias, jamais se deixando reduzir a móveis únicos e razões unívocas. Assim, se não é mais possível compactuar com a visão românti- ca de um surgimento milagroso e pleno de boas intenções (voltadas permanentemente à proteção da cidadania e ao controle jurídico do poder), tampouco seria lícito advogar que uma monolítica razão maquiavélica (no sentido de uma lógica de preservação do poder) esteve sempre por trás de todo o desenvolvimento do direito admi- nistrativo. Mais correto é pensar a evolução histórica da disciplina como uma sucessão de impulsos contraditórios, 30 produto da ten- são dialética entre a lógica da autoridade e a lógica da liberdade. Se, em sua origem, o direito administrativo se traduzia em uma normatividade marcada pelas idéias de parcialidade e desigualda- de, sua evolução histórica revelou um incremento significativo da- quilo que se poderia chamar de vertente garantística, caracterizada por meios e instrumentos de controle progressivo da atividade ad- ministrativa pelos cidadãos.31 Nada obstante, como se verá a se-guir, essa não foi uma tendência constante, progressiva e unidire- cional, sendo antes combinada com estratégias de fuga à rigidez das formas e às restrições legais à liberdade decisória da Administra- ção. Constituída pelo trabalho desses dois vetores contraditórios, a dogmática administrativista reflete esse caráter ambíguo em inú- meros dos seus institutos e na fragilidade de sua estrutura teórica. Talvez o aspecto mais paradoxal dessa acidentada evolução te- nha sido o que Sebastian Martín-Retortillo identificou como uma fuga do direito constitucional.32 Com efeito, embora criado sob o signo do Estado de direito, para solucionar os conflitos entre auto- ridade (poder) e liberdade (direitos individuais), o direito adminis- trativo experimentou, ao longo de seu percurso histórico, um pro- cesso de descolamento do direito constitucional. A própria descon- tinuidade das constituições, em contraste com a continuidade da burocracia, contribuiu para que o direito administrativo se nutrisse de categorias, institutos, princípios e regras próprios, mantendo-se de certa forma alheio às sucessivas mutações constitucionais. 30 Paulo Otero, Direito Administrativo - Relatório, 2001, p. 229. 31 Paulo Otero, Legalidade e Administração Pública - O Sentido da Vincula- ção Administrativa à Juridicidade, 2003, p. 282. 32 Sebastian Martin-Retortillo Baquer, El Derecho Civil en la Genesis dei De- recho Administratil'o y de sus Instituciones, 1996, p. 215. 18 A · v g uma das categorias básicas do direito administrati-ss1m, · ·, bl d . , multifária noção de interesse pú ico - e ongempre-cons- vo - ª , , d. d h · 1 t . · nal resiste em alguns pa1ses ate os ias e oie comp e a- t1tucW ' , · b. · d E d alheia à ;·uridicização de princ1p10s e o 1et1vos o sta o e mente .. - M -da coletividade, operada pela .Const1tu1ç.ao. esmo em naçoes que dotaram 0 modelo de constituição dirigente - como Portugal e ªB ·1 a doutrina administrativista permaneceu oferecendo as ras1 -, ·s diversas conceituações de interesse público, quase todas sem ma1 d . L . F d 1 uer referência às prescrições e suas respectivas eis un a-qua q d . . 'f· d tal·s No mais das vezes o discurso a autonomia c1enti Ka o men · ' . d · · direito administrativo serviu de pretexto para liberar os a mmrs- tradores públicos da normatividade constitucional. A mesma reflexão pode ser feita em relação à discricionarieda- de administrativa. Durante muito tempo - sem que isso provo- casse maior polêmica - a discricionariedade era definida como uma margem de liberdade decisória dos gestores púb~ico~, sem qualquer remissão ou alusão aos princípios e r~gras const1tuc10na1s. Vale lembrar que a primeira evolução no sentido do controle 1ud1- cial dos atos (ditos) discricionários - com o surgimento de teorias como as do desvio de poder e dos motivos determinantes - partiu de elementos vinculados à lei, e não à Constituição, embora diver- sos Estados europeus à época já tivessem sido constitucionaliza~os. Aliás a discricionariedade administrativa representou, tambem, um movimento contraditório do direito administrativo em relação à própria legalidade, sobretudo a partir de quando esta passa a ser en- tendida como vinculação positiva à lei. De fato, no contexto de uma teoria que pretendia, em essência, a submissão integral da atividade administrativa à vontade do legislador, a discricionariedade pode ser vista como uma insubmissão ou, pelo menos, uma não-submissão. Todavia, contradição mais contundente que a mera existência dos atos discricionários é a constatação de que estes representam a gran- de maioria dos atos administrativos, dada a mutiplicidade de situa- ções que reclamam a atuação do Poder Público. Outro impulso contraditório do direito administrativo é aqui!~ que Maria João Estorninho chamou, inspirada na doutrina alema, de uma fuga para o direito privado (Flucht indas Privatrecht).33 33 Maria João Estorninho, A Fuga para o Direito Privado. Contributo Para o Estudo da Actividade de Direito Privado da Administração Pública, 1996. Sobre 19 Constituído, justamente, por um conjunto de adaptações e recria- ções de institutos do direito civil, o regime jurídico administrativo, desde pelo menos o advento do Estado de bem-estar, passou a fa- zer um curioso caminho de volta. Se o regime administrativo se caracteriza por uma combinação de prerrogativas e restrições, a fuga para o direito privado permite que as administrações centrais (ou diretas) conservem suas prerrogativas, despindo-se das restri- ções por meio da constituição de entidades administrativas com personalidade de direito privado. Mas não só isso. Esta privatização da atividade administrativa tem se dado por variadas formas e em diferentes setores. A emer- gência do gerencialismo procura aplicar técnicas de organização e gestão empresariais privadas à Administração Pública. A idéia de consensualidade tem cada vez mais permeado as relações entre ad- ministrados e Administração. A intervenção direta do Estado na economia tem sido substituída por parcerias com a iniciativa priva- da, pelas quais empresas não-estatais passam a explorar serviços públicos e atividades econômicas antes sujeitas a monopólio esta- tal. O Estado prestador é agora sucedido por um Estado eminente- mente regulador. Assiste-se, assim, à emergência de filhotes híbridos da vetusta dicotomia entre a gestão pública e a gestão privada: a atividade de gestão pública privatizada (regime administrativo flexibilizado) e a atividade de gestão privada publicizada ou administrativizada (regime privado altamente regulado). Essa hibridez de regimes ju- rídicos, caracterizada pela interpenetração entre as esferas pública e privada, representa um dos elementos da crise de identidade do direito administrativo. 34 Por fim, resta uma alusão à problemática das transformações recentes (em países da Europa continental e no Brasil) no modelo de organização administrativa. O surgimento e a proliferação das chamadas autoridades administrativas independentes subverteu a idéia de unidade da Administração Pública, substituindo-a pela no- ção de urna Administração policêntrica. 35 o tema, v. também Giuseppe di Gaspare, II Potere nel Diritto Pubblico, 1992, p. 385; Santiago González-Varas Ibanez, El Derecho Administrativo Privado, 1996. 34 Eduardo Paz Ferreira, Lições de Direito da Economia, 2001, p. 43. 35 Sobre o tema, v. Capítulo VI, infra. 20 O sistema político-administrativo dominante no continente eu- ropeu e no Brasil desde o século XIX concentra no governo (presi- dente ou primeiro-ministro e seu gabinete), enquanto órgão supe- rior da Administração Pública, poderes de intervenção intra-admi- nistrativa sobre o conjunto amplo de órgãos e entidades sob sua chefia, respondendo politicamente perante o parlamento ou dire- tamente ao povo, conforme o sistema de governo, pelas ações e omissões administrativas, na medida em que se encontra habilitado a dirigir, orientar, supervisionar ou controlar as respectivas estrutu- . . 36 ras orgamzat1vas. Esse modelo, que encontra similar no constitucionalismo brasi- leiro, 37 acabou erigindo a unidade administrativa em verdadeiro instrumento do princípio democrático e em fator de legitimação da Administração Pública.38 A responsabilidade política do chefe de governo junto ao povo (em sistemas presidencialistas) ou ao parla- mento (em sistemas parlamentaristas), num regime em que ele é também o chefe supremo da Administração, convolou-se em con- dição necessária da controlabílidade (accountability) social da atuação da burocracia. Pode-se mesmo dizer que este era o contra- ponto democrático da chamada crise da lei e da notável expansão das margens decisórias da Administração na definição das políticas públicas. Tal sistema entra em crise com a importação, para diversos paí- sesda Europa continental e para o Brasil, da figura da independem regulatory agency (agência reguladora independente). Esse tipo de estrutura institucional só se proliferaria na Europa ocidental a par- tir dos anos setenta e oitenta do século XX, sob o influxo dos pro- jetos de govemança comunitária promovidos pela União Européia, com o nome de autoridade administrativa independente, enquanto ao Brasil só chegaria nos anos noventa, a reboque dos processos de privatização e reforma do Estado. 36 Paulo Otero, O Poder de Substituição em Direiro Administrativo: Enqua- dramento Dogmático-Constitucional, vol. II, p. 792. 37 A Constituição brasileira de 1988, em seu art. 84, II, confere ao Presidente da República, com o auxílio dos Ministros de Estado, o poder de direção superior sobre a Administração Pública federal. 38 Sobre as relações entre a unidade da Administração Pública e o princípio democrático, v. Rudolf Mogele, Die Einheit der Verwaltungs ais Rechtsproblem, 1987, p. 545 apud Paulo Otero, Legalidade e Administração Pública - O Sen- tido da Vinculação Administratiua à Juridicidade. 2003, p. 316. 21 As autoridades ou agências independentes quebraram o vínculo de unidade no interior da Administração Pública, eis que a sua ati- vidade passou a situar-se em esfera jurídica externa à da responsa- bilidade política do governo. Caracterizadas por um grau reforçado da autonomia política de seus dirigentes em relação à chefia da Administração central, as autoridades independentes rompem o modelo tradicional de recondução direta de todas as ações adminis- trativas ao governo (decorrente da unidade da Administração). Passa-se, assim, de um desenho piramidal para uma configuração policêntrica. 39 A não-submissão das autoridades independentes à linha hierár- quica da chefia da Administração tem sido normalmente justifica- da pela necessidade de dotar a regulação de alguns setores da eco- nomia e da vida social de maior neutralidade, profissionalismo e qualificação técnica, objetivo que não se conseguiu atingir em um modelo unitário, onde a atividade administrativa acabava por tor- nar-se diretamente responsiva à lógica político-eleitoral. Todavia, ao avanço da tecnocracia sobre espaços tradicionalmente ocupados pela política corresponde um risco de deslegitimação das estrutu- ras estatais de poder. 40 Inobstante suas possíveis justificativas teóricas e pragmáticas, fato é que as autoridades administrativas independentes repre- sentam mais um elemento problemático no acidentado e contradi- tório percurso de evolução do direito administrativo. Tais contradições, construídas e reproduzidas em momentos his- tóricos distintos pelo mundo afora, convergem agora, no Brasil, para um momento de inflexão teórica que se poderia caracterizar como uma crise dos paradigmas do direito administrativo brasileiro. 1.3. Delimitando o objeto da investigação: a crise dos paradigmas do direito administrativo brasileiro. Como se pretendeu demonstrar acima, a crise dos paradigmas do direito administrativo não se constitui apenas do novo, mas exi- be também, em larga medida, alguns vícios de origem. Não obstan- 39 Francesco Caringella, Corso dí Diritto Amnúnistratívo. 2001, vai. I, p. 619 e ss. 40 Sobre o tema, v. Capítulo VI, infra. 22 te, as transformações por que passou o Estado moderno, desde a ascensão do Estado providência até o seu colapso, verificado nas últimas décadas do século XX, assim como a emergência do Estado democrático de direito, agravaram o descompasso entre as velhas categorias e as reais necessidades e expectativas das sociedades contemporâneas em relação à Administração Pública. Captando a evidência, assim Marçal Justen Filho sintetiza a aventada crise: "Ocorre que o instrumental teórico do direito administrativo se reporta ao século XIX. Assim se passa com os conceitos de Estado de Direito, princípio da legalidade, discricionariedade adminis- trativa. A fundamentação filosófica do direito administrativo se relaciona com a disputa entre DUGUIT e HAURIOU, ocorrida nos primeiros decênios do século XX. A organização do aparato administrativo se modela nas concepções napoleônicas1 que tradu- zem uma rígida hierarquia de feição militar. (. .. ) O conteúdo e as interpretações do direito administrativo permanecem vinculados e referidos a uma realidade sociopolítica que há muito deixou de existir. O instrumental do direito administrativo é, na sua essên- cia, o mesmo de um século atrás. "41 Nesta toada, é possível identificar quatro paradigmas clássicos do direito administrativo que fizeram carreira no Brasil e que se encontram em xeque na atualidade, diante de transformações de- correntes da nova configuração do Estado democrático de direito: I) o dito princípio da supremacia do interesse público sobre o in- teresse privado, que serviria de fundamento e fator de legitimação para todo o conjunto de privilégios de natureza material e proces- sual que constituem o cerne do regime jurídico-administrativo; 42 II) a legalidade administrativa como vinculação positiva à lei, tra- duzida numa suposta submissão total do agir administrativo à vontade previamente manifestada pelo Poder Legislativo. Tal pa- radigma costuma ser sintetizado na negação formal de qualquer 41 Marçal Justen Filho, Curso de DíreítoAdmínístratívo, 2005, p. 13. 42 Neste sentido, v. Celso Antônio Bandeira de Melo, O Conteúdo do Regime lurídíco-Adminístratívo e seu Valor Metodológico, Revista de Direito Público, vol. 2, 1967, p. 45/47. 23 vontade autônoma aos órgãos administrativos, que só estariam au- torizados a agir de acordo com o que a lei rigidamente prescreves- se ou facultasse; 43 III) a intangibilidade do mérito administrativo, consistente na in- controlabilidade das escolhas discricionárias da Administração Pú- blica, seja pelos órgãos do contencioso administrativo, seja pelo Poder Judiciário (em países, como o Brasil, que adotam o sistema de jurisdição una), seia pelos cidadãos, através de mecanismos de participação direta na gestão da máquina administrativa; 44 IV) a idéia de um Poder Executivo unitário, fundada em relações de subordinação hierárquica (formal ou política) entre a burocra- cia e os órgãos de cúpula do governo (como os Ministérios e a Presidência da República). Na tradição do constitucionalismo bra- sileiro, a fórmula da Administração unitária é sintetizada, como no atual art. 84, inciso II, da Constituição de 1988, na competência do Chefe do Executivo para exercer a direção superior da Admi- nistração, com o auxílio dos Ministros de Estado. Como agente condutor básico da superação de tais categorias jurídicas, erige-se hodiernamente a idéia de constitucionalização do direito administrativo como alternativa ao déficit teórico apon- tado nos itens anteriores, pela adoção do sistema de direitos funda- mentais e do sistema democrático qual vetores axiológicos - tradu- zidos em princípios e regras constitucionais - a pautar a atuação da Administração Pública. Tais vetores convergem no princípio maior da dignidade da pessoa humana e, (I) ao se situarem acima e para além da lei, (II) vincularem juridicamente o conceito de inte- resse público, (III) estabelecerem balizas principiológicas para o exercício legítimo da discricionariedade administrativa e (IV) ad- 43 Tal formulação clássica é devida, entre nós, a Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 1995, P- 82/83: "Na Administração não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza." V. também, sobre o tema, Luís Roberto Barroso, Disposições Constitu- cionais Transitórias: conceito e classificação. Delegações Legislatiuas: ualidade e extensão. Poder Regulamentar: conteúdo e limites,in O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas, 1993, p. 387. 44 Maria Sylvia Zanella Oi Pietro, Discricionariedade Administrativa na Cons- tituição de 1988, 1991, p. 93 e ss. 24 mitirem um espaço próprio para as autoridades administrativas independentes no esquema de separação de poderes e na lógica do regime democrático, fazem ruir o arcabouço dogmático do velho direito administrativo. 45 Assim, tem-se que: (i) a Constituição, e não mais a lei, passa a situar-se no cerne da vinculação administrativa à juridicidade; (ii) a definição do que é o interesse público, e de sua propalada supremacia sobre os interesses particulares, deixa de estar ao in- teiro arbítrio do administrador, passando a depender de juízos de ponderação proporcional entre os direitos fundamentais e outros valores e interesses metaindividuais constitucionalmente consa- grados; (iii) a discricionariedade deixa de ser um espaço de livre escolha do administrador para se convolar em um resíduo de legitimida- de,46 a ser preenchido por procedimentos técnicos e jurídicos prescritos pela Constituição e pela lei com vistas à otimização do grau de legitimidade da decisão administrativa. Com o incremen- to da incidência direta dos princípios constitucionais sobre a ativi- dade administrativa e a entrada no Brasil da teoria dos conceitos jurídicos indeterminados, abandona-se a tradicional dicotomia en- tre ato vinculado e ato discricionário, passando-se a um sistema de graus de vinculação à juridicidade; (iv) a noção de um Poder Executivo unitário cede espaço a uma miríade de autoridades administrativas independentes, denomi- nadas entre nós, à moda anglo-saxónica, agências reguladoras in- 45 Neste sentido, Patrícia Ferreira Baptista, Transfonnações do Direito Admi- nistrativo, 2003, p. 129-30: "Da condição de súdito, de mero sujeito subordina- do à Administração, o administrado foi elevado à condição de cidadão. Essa nova posição do indivíduo, amparada no desenvolvimento do discurso dos direitos fundamentais, demandou a alteração do papel tradicional da Administração Pú- blica. Direcionada para o respeito à dignidade da pessoa humana, a Administra- ção, constitucionalizada, vê-se compelida a abandonar o modelo autoritário de gestão da coisa pública para se transformar em um centro de captação e ordena- ção dos múltiplos interesses existentes no substrato social." 46 A expressão é devida a Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Legitimidade e Discricíonariedade - Nouas Reflexões sobre os Limites e Controle da Discricio- nariedade, 2002, p. 33. 25 dependentes, que não se situam na linha hierárquica direta do Pre- sidente da República e dos seus Ministros. A pedra de toque dessa independência (ou autonomia reforçada) das agências reguladoras em relação ao governo é a independência política dos seus dirigen- tes, nomeados por indicação do Chefe do Poder Executivo após aprovação do Poder Legislativo, e investidos em seus cargos a ter- mo fixo, com estabilidade durante o mandato. Isto acarreta a im- possibilidade de sua exoneração ad nutum pelo Presidente - tan- to aquele responsável pela nomeação, como seu eventual sucessor eleito pelo povo. À autonomia reforçada das agências, todavia'. corresponderá um conjunto de controles jurídicos, políticos e so- ciais, de modo a reconduzi-las aos marcos constitucionais do Esta- do democrático de direito. Na tarefa de desconstrução dos velhos paradigmas e proposição de novos, a tessitura constitucional assume papel condutor deter- minante, funcionando como diretriz normativa legitimadora das novas categorias. A premissa básica a ser assumida é a de que as feições jurídicas da Administração Pública - e, a fortiori, a disci- plina instrumental, estrutural e finalística da sua atuação - estão alicerçadas na própria estrutura da Constituição, entendida em sua dimensão material de estatuto básico do sistema de direitos funda- mentais e da democracia. Cumpre, entretanto, antes da apresentação da alvitrada mu- dança dos paradigmas do direito administrativo brasileiro - e para evitar discussões meramente semânticas - esclarecer em que sen- tido a palavra paradigma será empregada ao longo do texto. 1.3.1. A noção de paradigma adotada: um acordo semântico. A palavra de origem grega paradeigma significa modelo ou exemplo. Todavia, o sentido do termo -e dos seus correlatos crise e mudança de paradigma - que acabou vulgarizando-se remonta ao livro clássico de Thomas Kuhn, de 1962, A Estrutura das Revoluções Científicas.47 Considerada uma das mais importantes 47 Thomas Kuhn, A Estrutura das Revoluções Científicas (tradução de Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira), 2005. 26 'b icões à filosofia da ciência, a obra de Kuhn propõe uma -ontfl u , b 1 - . 'f· - d " f ma de conce er a evo uçao c1ent1 ica e uma noçao e para- nova or . d. ma a ela peculiar. ig Se undo Kuhn, a história demonstra a emergência de determi- d fgormas de se conceber a ciência e a realização científica, que na as , d T · firmam como paradigmas por um dado penodo e tempo. ais ~:;adigmas definem o objeto da empreitada ~ientífica, as questões que serão admissíveis, como as p~rg~ntas serao elaboradas .e como as respostas serão interpretadas. E dizer: os paradigmas definem os contornos de um modelo científico e delimitam a lógica que permi- tirá 0 seu aprimoramento e a obtenção de respostas a questões problemáticas. É interessante observar que, sob determinado paradigma, o que se pratica, segundo Kuhn, é a ciência normal, concebida como a investigação interna aos pressupostos da concepção científica vi- gente. É segundo tais pressupostos que são escritos manuais e pre- parados os estudantes para serem membros da comunidade cientí- fica. Em um certo sentido, os paradigmas exercem uma eficácia bloqueadora, subtraindo determinados pressupostos à dúvida, cuja legitimidade é simplesmente aceita como premissa. Ocorre que, nesta investigação interna ao paradigma, algumas perguntas não são satisfatoriamente respondidas, enquanto outras recebem soluções anômalas. A sucessão de anomalias e questões não respondidas pode conduzir a uma crise do paradigma vigente, dando azo ao surgimento de teorias revolucionárias, que propõem a substituição do objeto e da forma como as perguntas devem ser feitas. Em tais momentos de crise, o que se propõe não são formas de aprimoramento ou harmonização do paradigma face a casos pro- blemáticos, mas, ao revés, a própria revisão das premissas daquele modelo científico. Se o paradigma desafiante logra solidificar-se, as perguntas e objetos antigos são abandonados, passando-se a uma nova concepção do que seja fazer ciência. Nestas circunstâncias, portanto, terá havido uma mudança de paradigma. Convém assinalar que Kuhn (físico de formação) não deixa cla- ro se considera tal estrutura evolutiva aplicável às ciências sociais, s~ndo certo, entretanto, que seus exemplos são todos colhidos das ~ ªi_nadas "ciências duras". Independentemente disso, adota-se ciu\~m~,concepção fraca de paradigma, de modo a torná-la apli- Ve ª c1encia do direito. Assim, a tese kuhniana não será propria- 27 mente testada, servindo antes como inspiração para a noção de paradigma jurídico aqui adotada. Neste sentido, pode-se dizer que o discurso jurídico, como de- corrência de seu caráter essencialmente dogmático, elege determi- nadas premissas teóricas, em suas diferentes searas, que são tempo- rariamente subtraídas à dúvida e cuja legitimidade decorre de sua aceitação ampla pela comunidade jurídica. Tais premissas conver- tem-se, desta forma, em verdadeiros paradigmas da ciência do di- reito, sob os quais todo um conjunto de teorias é erigido para expli- car ou solucionar as questões emergentes de sua adoção. Esta seria a produção do direito convencional, de vez que circunscrita aos lindesteóricos estabelecidos no paradigma. Como ensina Tércio Sampaio Ferraz Junior, baseado em lição de Viehweg, o direito (como qualquer fenômeno) comporta análi- se sob pelo menos dois enfoques distintos: o dogmático e o zetético. O e~foque dogmático caracteriza-se por uma limitação teórica, consistente na inegabilidade dos pontos de partida. "Um exemplo de uma premissa deste gênero, no direito contemporâneo, é o prin- cípio da legalidade ( ... ) que obriga o jurista a pensar os problemas comportamentais a partir da lei, conforme à lei, para além da lei mas nunca contra a lei."48 Já o enfoque zetético caracteriza-se pela questionabilidade das premissas ou pontos de partida, o que con- duz a análise, tendencialmente, a problematizações abertas e ilimi- tadas. Assim, durante a vigência de um paradigma, a ciência do direito (assim como suas diversas disciplinas) é concebida a partir de de- terminadas premissas ou pontos de partida, que servem como pos- tulados explicativos de todo o sistema. Enquanto as soluções cons- truídas em consonância com o paradigma permanecem dotadas de certo grau de plausibilidade e aceitação da comunidade jurídica, predomina o enfoque dogmático do direito. Não obstante, há momentos específicos em que, dado o acú- mulo de anomalias não solucionadas dentro do paradigma, surgem teorias subversivas do próprio paradigma, que põem em xeque a sua legitimidade e propõem novas formas de conceber o objeto e a própria metodologia de trabalho da ciência jurídica. O que tradi- 48 Tércio Sampaio Ferraz Junior, lntrndução ao Estudo do Direito - Técnica, Decisão, Dominação, 1994, p. 48. 28 · nalmente era aceito como premissa passa ao centro do debate cto t'ifi"co travando-se uma batalha teórica entre desafiantes e de- c1en ' , . safiados. Nestas circunstâncias, predomina o enfoque zetet1co do direito: trata-se de um momento de crise de paradigmas. A investigação aqui desenvolvida pretende demonstrar que o direito administrativo brasileiro encontra-se em um momento de crise de paradigmas, que se caracteriza, precisamente, pelo descré- dito de suas antigas premissas teóricas e pela emergência de novas. A consolidação de novos paradigmas depende, todavia, do seu grau de plausibilidade e de sua capacidade de gerar consensos, com al- guma pretensão de estabilidade, no seio da comunidade científica. Esta a pretensão maior deste trabalho. Passa-se, a seguir, a uma exposição sucinta das circunstâncias que caracterizam a crise de cada uma das quatro grandes premissas teóricas, identificadas como antigos paradigmas do dlfe1to admi- nistrativo brasileiro, bem como das novas premissas que as desa- fiam na atualidade, compondo o mosaico dos novos paradigmas da disciplina no Brasil. A Mudança de Paradigmas Proposta 1.3.2. Da supremacia do interesse público ao dever de proporciona· !idade. Tornou-se clássica, na literatura administrativista brasileira, a definição de Celso Antônio Bandeira de Mello para o dito princípio da supremacia do interesse público sobre os interesses particula- res: "Trata-se de verdadeiro axioma reconhecível no moderno Direito Público. Proclama a superioridade do interesse da coletividade, firmando a prevalência dele sobre o particular, como con4ição até mesmo, da sobrevivência e asseguramento deste último. E pressu- posto de uma ordem social estáuel, em que todos e cada um possam • "d d d n49 sentir-se garanti os e resguar a os. 49 Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 2003, p. 60. 29 Segundo a concepção dominante, o interesse público seria o "interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da sociedade. "5º Trata-se, como se vê, de uma concepção unitária de interesse público, que abarcaria, em seu bojo, tanto uma dimensão individual como coletiva, numa aproximação com a própria noção de bem comum. Daí a proclamação de sua suprema- cia apriorística sobre interesses meramente particulares e a sua função central no regime jurídico administrativo, como fundamen- to das prerrogativas formais e materiais da Administração Pública em sua relação com os administrados. 51 Tributária de concepções organicistas antigas e modernas, a idéia da existência de um interesse público inconfundível com os interesses pessoais dos integrantes de uma sociedade política e su- perior a eles não resiste à emergência do constitucionalismo e à consagração dos direitos fundamentais e da democracia como fun- damentos de legitimidade e elementos estruturantes do Estado de- mocrático de direito. Também a noção de um princípio jurídico que preconize a pre- valência a priori de interesses da coletividade sobre os interesses individuais revela-se absolutamente incompatível com a idéia da Constituição como sistema aberto de princípios, articulados não por uma lógica hierárquica estática, mas sim por urna lógica de ponderação proporcional, necessariamente contextualizada, que "demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção". 52 Consoante a lição clássica de Robert Alexy, princípios jurídicos encerram mandados de otimização, no sentido de comandos nor- mativos que apontam para uma finalidade ou estado de coisas a ser alcançado, mas que admitem concretização em graus de acordo 50 Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 2003, p. 53. 51 No mesmo sentido, dentre vários outros, Hely Lopes Meirelles, Direito Ad- ministrativo Brasileiro, 2001, p. 43, afirmando que "sempre que entrarem em conflito o direito do indivíduo e o interesse da comunidade, há de prevalecer este, uma vez que o objetivo primacial da Administração é o bem comum." 52 Humberto Bergmann Ávila, Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 2004, p. 70. 30 com as circunstâncias fáticas e jurídicas. 53 Ao contrário das regras, que são normas binárias, aplicadas segundo a lógica do "tudo ou nada"54 , os princípios têm uma dimensão de peso, sendo aplicados em maior ou menor grau, conforme juízos de ponderação formula- dos, tendo em conta outros princípios concorrentes e eventuais limitações materiais à sua concretização. Um primeiro problema teórico identificado em relação ao prin- cípio da supremacia do interesse público encontra-se na adoção, pela maior parte da doutrina brasileira, de uma concepção unitária de interesse público, como premissa, e na afirmação, em seguida, de um princípio de supremacia do público (coletivo) sobre o parti- cular (individual), que pressupõe, a fortiori, a sua dissociabilidade. Afinal, que sentido há na norma de prevalência se um interesse não é mais que uma dimensão do outro? De outro lado, uma norma de prevalência apriorística não es- clarece a questão mais importante da dicotomia público/privado ou coletivo/individual: qual a justa medida da cedência recíproca que deve existir entre interesses individuais e interesses coletivos em um Estado democrático de direito? O reconhecimento da centralidade do sistema de direitos fun- damentais instituído pela Constituição e a estrutura pluralista e maleável dos princípios constitucionais inviabiliza a determinação a priori de uma regra de supremacia absoluta dos interesses coleti- vos sobre os interesses individuais ou dos interesses públicos sobre interesses privados. A fluidez conceituai inerente à noção de inte- resse público,55 aliada à natural dificuldade em sopesar quando o atendimento do interesse público reside na própria preservação dos direitos fundamentais (e não na sua limitação em prol de algum interesse contraposto da coletividade), impõe à Administração Pú- blica o dever jurídico de ponderar os interesses em jogo, buscandoa sua concretização até um grau máximo de otimização. Assim, sempre que a própria Constituição ou a lei (desde que incidindo constitucionalmente) não houver esgotado os juízos pos- 53 Robert Alexy, Teoria de los Derechos Fundamentales, 1993, p. 86. 54 Ronald Dworkin, Taking Rights Seriously, 1998, p. 24. 55 Como afirma Eros Roberto Grau, a questão da definição do interesse públi- co prossegue como a grande questão do direito administrativo. Eros Roberto Grau, O Direito Posto e o Direito Pressuposto, 2000, p. 25. 31 síveis de ponderação entre interesses públicos e privados, caberá à Administração lançar mão da ponderação de todos os interesses e atores envolvidos na questão, buscando a sua máxima realizacão. 56 De modo análogo às Cortes Constitucionais, a Administraçã~ Pú- blica deve buscar utilizar-se da ponderação, guiada pelo princípio da proporcionalidade, para superar as regras estáticas de preferên- cia, atuando circunstancial e estrategicamente com vistas à formu- lação de standards de decisão. Tais standards permitem a flexibi- lização das decisões administrativas de acordo com as peculiarida- des do caso concreto, mas evitam o mal reverso, que é a acentuada incerteza jurídica provocada por juízos de ponderação produzidos sempre caso a caso. A técnica da ponderação encontra aplicação recente tanto nos países que adotam o sistema de common law57, como do sistema continental europeu58, qual forma de controle da discricionarieda- de administrativa e de racionalização dos processos de definição do interesse público prevalente. Nesse processo, os juízos de pon- deração deverão ser guiados pelo postulado da proporcionali- dade. 59 Não obstante, mais do que uma mera técnica de decisão judicial ou administrativa, a ponderação erige-se hodiernamente em verda- 56 Odete Medauar, O Direito Administrativo em Evolução, 1992, p. 183; Di- reito Administrativo Moderno, 1998, p. 141. 57 V. Paul Craig, Administrative Law, 1999, p. 644; Denis J. Galligan, Discre- tionary Powers: a legal study of official discretion, 1986, p. 330 e ss. 58 V. André de Laubadere, Le Controle Jurisdicionnel du Pouvoir Discretion- naire dans la Jurisprudence Recente du Conseil d'État Français, ín Mélanges Of/erts à Marcel Waline: Le luge et le Droit Public (obra coletiva), 1974, p. 546/547. 59 V., por todos, Humberto Bergmann Ávila, Repensando o "Princípio da su- premacia do interesse público sobre o particular", in O Direito Público em Tem- pos de Crise -Estudos em Homenagem a Ruy Ruben Ruschel, 1999, p. 99/127; Teoria dos Princípios - da denifição à aplicação dos princípios jurídicos, 2004, p. 112/127. Ver também Gustavo Binenbojm, Da Supremacia do Interesse Pú- blico ao Dever de Proporcionalidade: um Novo Paradigma para o Direito Admi- nistrativo, Revista de Direito Administrativo nº 239, p. 1/31; Daniel Sarmento, Interesses Públicos vs. Interesses Privados na Perspectiva da Teoria e da Filosofia Constitucional, in Interesses Públicos vs. Interesses Privados - Desconstruindo o Princípio de Supremacia do Interesse Público (coordenador: Daniel Sarmento), 2005, p. 23/116. 32 deiro princípio formal do direiw (e~ por eviden~e.' também do di- ·to administrativo J e de leg1timaçao dos pnnc1p1os fundandes do ~\ado democrático de direito. Daí se dizer que o Estado democrá- tico de direito é um Estado de Ponderação (Abwagungsstaat~.60 Neste sentido, a ponderação proporcional passa a ser entendida mo medida otimizadora de todos os princípios, bens e interesses co d 1 1 . , , onsiderados desde a Constituição, passan o pe as eis, ate os m-~eis de maior concretude decisória, realizados pelo Judiciário e pela Administração Pública. Assin;, a~ relaç_ões de prevalência entr_e interesses privados e interesses pubhcos nao comportam determi- nação a priori e em caráter abstrato, senão que devem ser busc~das no sistema constitucional e nas leis constitucionais, dentro do Jogo de ponderações proporcionais envolvendo direitos fundamentais e metas coletivas da sociedade. Cuida-se, em suma, de uma constitucionalizaçao do conceito de interesse público, que fere de morte a idéia de supremacia como um princípio jurídico ou um postulado normativo que afirme pe- remptoriamente a preponderância do coletivo sobre o individual ou do público sobre o particular. Qualquer juízo de prevalência deve ser sempre reconduzido ao sistema constitucional, que passa a constituir o núcleo concreto e real da atividade administrativa. 61 Deste modo, a emergência de um modelo de ponderação, como critério de racionalidade do direito (e do próprio Estado democrá- tico de direito J, servirá de instrumento para demonstrar a inconsis- tência da idéia de um princípio jurídico (ou um postulado norma- tivo aplicativo J que preconize a supremacia abstrata e a priori do coletivo sobre o individual ou do público sobre o privado. 60 Walter Leisner, Der Abwiigungsstaat. Verhiiltnismãssigkeit ais Gerechtig- keit7, 1997, apud Ricardo Lobo Torres, A Legitimação dos Direitos Humanos e os Princípios da Ponderação e da Razoabilidade, in Ricardo Lobo Torres (org.), Legitimação dos Direitos Humanos, Renovar, 2002, p. 425/426. 61 Marçal Justen Filho, Curso de Direito Administrativo, 2005, p. 14. Afirma o autor, de forma contundente: "A supremacia da Constituição não pode ser mero elemento do discurso político. Deve constituir o núcleo concreto e real da atividade administrativa. Isso equivale a rejeitar o enfoque tradicional, que invia- biliza o controle das atividades administrativas por meio de soluções opacas e destituídas de transparência, tais como 1díscricionaríedade admínistrativa 11 1 conveniência e oportunidade' e 'interesse público'. Essas fórmulas não devem ser definitivamente suprimidas, mas sua extensão e importância têm de ser restrin- gidas à dimensão constitucional e den1ocrática." 33 1.3.3. Da legalidade como vinculação positiva à lei ao princípio da juridicidade administrativa. No seu monumental livro O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário, publicado ainda em 1941, Miguel Seabra Fa- gundes apresentou a definição de função administrativa até hoje repetida nos bancos universitários brasileiros: "administrar é apli- car a lei de ofício" .62 Tal concepção corresponde à visão tradicional da legalidade administrativa como uma vinculação positiva à lei. Não custa relembrá-la, tal como enunciada por Hely Lopes Meirel- les: "Na Administração não há liberdade nem vontade pessoal. En- quanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. "63 O ofício administrativo, todavia, não se reduz - e, como visto lin~as atrás, jamais se reduziu - à mera aplicação mecanicista da lei. J 4 A própria origem pretoriana e autovinculativa do direito admi- nistrativo por obra do Conselho de Estado francês, e os amplos espa- ços discricionários deixados pela lei para serem preenchidos pelo ad- ministrador, já comprometeriam, a rigor, essa noção de que a Admi- nistração não age por vontade própria, senão que se limita a cumprir a vontade previamente manifestada pelo legislador. Em verdade, mesmo a atividade de interpretação da lei, já o dizia Kelsen, compor- ta sempre uma margem autônoma de criação, daí se poder afirmar que mesmo os ditos regulamentos de execução expressam também algum conteúdo volitivo da Administração Pública. 62 Miguel Seabra Fagundes, O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário, 7ª edição (atualizada por Gustavo Binenbojm), 2005, p. 3. 63 Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 1995, p. 82/83. 64 Cumpre anotar, todavia, com Antônio Carlos Cintra do Amaral, que a con- ceituação da função administrativa, por Seabra Fagundes, como aplicação da lei de ofício, teve por objetivo distingui-la da função jurisdicional,e não simples- mente limitar a função administrativa a uma atuação mecânica. Antônio Carlos Cintra do Amaral, Validade e Invalidade do Ato Administrativo, Revista Diálogo Jurídico, v. 1, nº 8, novembro de 2000, p. 3. Disponível na internet em http://www.direitopublico.com.br (acesso em 10.10.2003). 34 Assim, na aguda percepção de Almiro do Couto e Silva, "a no- cão de que a Administração Pública é meramente aplicadora das Íeis é tão anacrônica e ultrapassada quanto a de que o direito seria apenas um limite para o administrador. Por certo, não prescinde a Administração Pública de uma autorização legal para agir, mas, no exercício de competência legalmente definida, têm os agentes pú- blicos, se visualizado o Estado em termos globais, um dilatado cam- po de liberdade para desempenhar a função formadora, que é hoje universalmente reconhecida ao Poder Público. "65 Ademais, é fato notório que a segunda metade do século XX assistiu a um processo de desprestígio crescente do legislador e de erosão da lei formal66 - a chamada crise da lei - caracterizado pelo desprestígio e descrédito da lei como expressão da vontade geral, pela sua politização crescente ao sabor dos sucessivos gover- nos, pela crise da representação, pelo incremento progressivo da atividade normativa do Poder Executivo e pela proliferação das agências reguladoras independentes. Com efeito, o surgimento do Estado providência criou para a Administração Pública uma série de novas atribuições que não se encontravam expressamente pre- vistas nas leis. Ademais, o aumento significativo do grau de com- plexidade das relações econômicas e sociais que vieram a deman- dar a pronta intervenção e ordenação do Estado passaram a não mais caber dentro da lentidão e generalidade do processo legislati- vo formal. Cada vez mais, portanto, como assinala García de Enterría, a Administração não se apresenta como uma simples instância de execução de normas heterônomas, mas é, ao invés, em maior ou menor medida, fonte de normas autônomas. 67 Tais normas, dado o seu volume numérico e importância prática, acabam sobrepujando a tradicional proeminência da lei. A proliferação das agências regu- ladoras nos Estados Unidos desde o New Deal, por exemplo, e sua espetacular produção normativa na regulação dos mais diversos 65 Almiro do Couto e Silva, Poder Discricionário no Direito Administrativo Brasileiro, Revista de Direito Administrativo nº 179/180, p. 53. 66 Neste sentido, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, O Princípio da Legalida- de, Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, vol. 10, 1977, p. 16. 67 Eduardo García de Enterría & Tomás-Ramón Fernández, Curso de Derecho Administrativo, vol. 1, 1999, p. 428. 35 campos econômicos e soC1a1s, ensejam a afirmação de que "vive- mos em um Estado administrativo".68 Pretende-se enfrentar o fenômeno da deslegalização ou delegi- ficação, recentemente importado da Espanha e da Itália para o Bra- sil. 69 Além da análise da sua legitimidade constitucional e da busca de um enquadramento do poder normativo das autoridades admi- nistrativas no país, examinar-se-ão os riscos de neofeudalização normativa70 do Estado democrático de direito e de colonização do espaço público por tais órgãos tecno-burocráticos. 71 A tais riscos, criados pelo enfraquecimento da lei formal e pela multiplicação dos ordenamentos administrativos setoriais72, pro- põe-se como resposta a constitucionalização do direito administra- tivo. Deve ser a Constituição, seus princípios e especialmente seu sistema de direitos fundamentais, o elo de unidade a costurar todo o arcabouço normativo que compõe o regime jurídico administrati- vo. A superação do paradigma da legalidade administrativa só pode dar-se com a substituição da lei pela Constituição como cerne da vinculação administrativa à juridicidade. Tal postura científica assenta na superação do dogma da im- prescindibilidade da lei para mediar a relação entre a Constituição e a Administração Pública. Com efeito, em vez de a eficácia opera- tiva das normas constitucionais - especialmente as instituidoras de princípios e definidoras de direitos fundamentais - depender 68 A afirmação, feita para enfatizar a importância cada vez maior dos regula- mentos e decisões editados por agências, é de Jerry Mashaw na sua obra Greed, Chaos & Governance: Using Public Choice to Improve Public Law, 1997, p. 106. 69 Na Espanha, v., por todos, Eduardo García de Enterría & Tomás-Ramón Fernández, Curso de Derecho Administrativo, vol. 1, p. 270/272. Na Itália, v. Gianmario Demuro, La Delegificazione: Modelli e Casi, 1995, p. 24 e Giuseppe de Vergottini, A Delegificação e a sua Incidência no Sistema de Fontes do Direito, in Estudos em Homenagem a Manoel Gonçalves Ferreira Filho, 1999, p. 163 e ss. No Brasil, v. por todos, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Direito Regulatório, 2003, p. 123/128 70 A expressão é de Paulo Otero, Legalidade e Administração Pública - O Sentido da Vinculação Administrativa à Juridicidade, 2003, p. 162. 71 A expressão é de Jürgen Habermas, Direito e Democracia entre Faticidade e Validade, lº vol., 1997, p. 167. 72 Sobre o tema, v. Alexandre Santos de Aragão, Ordenamentos Setoriais e as Agências Reguladoras, in Direito Político, Revista da Associação dos Procurado- res do Novo Estado do Rio de Janeiro (coord. Diogo de Figueiredo Moreira Neto}, 2000. 36 - sempre de lei para vincular o administrador, tem-se hoje a Consti- tuição como fundamento primeiro do agir administrativo. Tal como afirma Canotilho, "a reserva vertical da lei foi substituída por uma reserva vertical da Constituição."73 Verifica-se, assim, o surgimento de uma verdadeira Constitui- ção administrativa, que, por um processo de_autodeterminaç~o constitucional, se emancipou da lei na sua relaçao com a Adm1ms- tração Pública, passando a consagrar princípios e regras que, sem dependência da interpositio legislatoris, vinculam direta e imedia- tamente as autoridades administrativas. 74 A Constituição, assim, deixa de ser mero programa político genérico à espera de concreti- zação pelo legislador e passa a ser vista como norma diretamente habilitadora da competência administrativa e como critério ime- diato de fundamentação e legitimação da decisão administrativa. Talvez o mais importante aspecto dessa constítucionalização do direito administrativo seja a ligação direta da Administração aos princípios constitucionais, vistos estes como núcleos de condensa- ção de valores.75 A nova principiologia constitucional, que tem exercido influência decisiva sobre outros ramos do direito, passa também a ocupar posição central na constituição de um direito administrativo democrático e comprometido com a realização dos direitos do homem. Como assinala Santamaria Pastor, as bases pro- fundas do direito administrativo são de corte inequivocamente au- toritário; até que fosse atraído para a zona de irradiação do direito constitucional, manteve-se ele alheio aos valores democráticos e humanistas que permeiam o direito público contemporâneo. 76 A idéia de jurídicidade administrativa, elaborada a partir da interpretação dos princípios e regras constitucionais, passa, destar- te, a englobar o campo da legalidade administrativa, como um de seus princípios internos, mas não mais altaneiro e soberano como outrora. Isso significa que a atividade administrativa continua a rea- lizar-se, via de regra, (i} segundo a lei, quando esta for constitucio- 73 J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2002, p. 836. 74 Paulo Otero, Legalidade e Administração Pública - O Sentido da Vincula- ção Administrativa à Juridicidade, 2003, p. 735. 75 J.J. Gomes Canotilho & Vital Moreira, Fundamentos da Constituiçao, 1991, p. 49. 76 Santamaria Pastor, Princípios de Derecho Administrativo, 2000,p. 88. 37 nal (atividade secundum legem), (ii) mas pode encontrar funda- mento direto na Constituição, independente ou para além da lei (atividade praeter legem), ou, eventualmente, (iii) legitimar-se pe- rante o direito, ainda que contra a lei, porém com fulcro numa ponderação da legalidade com outros princípios constitucionais (atividade contra legem, mas com fundamento numa otimizada aplicação da Constituição). Toda a sistematização dos poderes e deveres da Administração Pública passa a ser traçada a partir dos lineamentos constitucionais pertinentes, com especial ênfase no sistema de direitos fundamen- tais e nas normas estruturantes do regime democrático, à vista de sua posição axiológica central e fundante no contexto do Estado democrático de direito. A filtragem constitucional do direito admi- nistrativo ocorrerá, assim, pela superação do dogma da onipotência da lei administrativa e sua substituição por referências diretas a princípios expressa ou implicitamente consagrados no ordenamen- to constitucional. 77 Em tempos de deslegalização e proliferação de autoridades administrativas, sobreleva a importância dos princí- pios e regras constitucionais na densificação do ambiente decisório do administrador78 e amenização dos riscos próprios da normaliza- ção burocrática. 79 1.3.4. Da dicotomia ato vinculado versus ato discricionário à teoria dos graus de vinculação à juridicidade. O terceiro velho paradigma do direito administrativo brasileiro que se encontra em vias de ser superado é o da discricionaríedade 77 Na Alemanha, por exemplo, o comedimento da Lei Fundamental de Bonn, de 1949, no trato de questões relativas à Administração Pública não impediu que a jurisprudência e a doutrina reconhecessem a existência implícita, no bojo da- quela Carta, de princípios reitores do direito administrativo, tais como o princí- pio da proporcionalidade, o princípio da ponderação de interesses e o princípio da proteção da confiança. Neste sentido, v. Hartmut Maurer, Elementos de Di- reito Administrativo Alemão (tradução Luís Afonso Heck), 2000, p. 65/84; Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, 1997, p. 602/606. 78 Oscar Vilhena Vieira, A Constituição e sua Reserva de Justiça: Um ensaio sobre os limites materiais ao poder de reforma, 1999, p. 20/21. 79 Eduardo García de Enterría & Tomás-Ramón Fernández, Curso de Derecho Administrativo, vol. !, p. 82. 38 rno espaço de livre decisão do administrador, decorrente da rígi- d~ dicotomia entre atos vinculados e atos discricionários. Simbóli- ca e historicamente relevante é a caracterização dessa dicotomia por Hely Lopes Meirelles: " (atos vinculados são aqueles para os quais) a lei estabelece os re- quisitos e condições de sua realização, deixando os preceitos legais para o órgão nenhuma liberdade de decisão, (enquanto que atos discricionários são os que) a Administração pode praticar com li- berdade de escolha do seu conteúdo, de seu destinatário, de sua conveniência, de sua oportunidade e do modo de sua realização. "80 As transformações recentes sofridas pelo direito administrativo tornam imperiosa uma revisão da noção de discricionariedade ad- ministrativa. Com efeito, pretende-se caracterizar a discricionarie- dade, essencialmente, como um espaço carecedor de legitimação. Isto é, um campo não de escolhas puramente subjetivas, mas de fundamentação dos atos e políticas públicas adotados, dentro dos parâmetros jurídicos estabelecidos pela Constituição e pela lei. A emergência da noção de juridicidade administrativa, com a vinculação direta da Administração à Constituição, não mais per- mite falar, tecnicamente, numa autêntica dicotomia entre atos vin- culados e atos discricionários, mas, isto sim, em diferentes graus de vinculação dos atos administrativos à juridicidade.81 A discriciona- riedade não é, destarte, nem uma liberdade decisória externa ao direito, nem um campo imune ao controle jurisdicional. Ao maior ou menor grau de vinculação do administrador à juridicidade cor- responderá, via de regra, maior ou menor grau de controlabilidade judicial dos seus atos. Não obstante, a definição da densidade do controle não segue uma lógica puramente normativa (que se res- trinja à análise dos enunciados normativos incidentes ao caso), mas deve atentar também para os procedimentos adotados pela Admi- nistração e para as competências e responsabilidades dos órgãos de- 80 Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 1995, p. 143. 81 Neste sentido, Georges Vedei, Droit Administratif, p. 318/319: "L'admi- nistration ne se trouve jamais dans une situation de pur pouvoir discrétionnaire ou de pure compétence liée. II n'y a jamais pure compétence liée ( ... ) Mais surtout, il n'y a jamais pur pouvoir discrétionnaire." 39 cisórios, compondo a pauta para um critério que se poderia intitu- lar jurídico-funcionalmente adequado. Como explica Andreas Krell, de forma magistralmente clara, o enfoque jurídico-funcional (funktionell-rechtlíche Betrachtungs- weise) parte da premissa de que o princípio da separação de pode- res deve ser entendido, hodiernamente, como uma divisão de fun- ções especializadas, o que enfatiza a necessidade de controle, fisca- lização e coordenação recíprocos entre os diferentes órgãos do Es- tado democrático de direito. Assim, as diversas figuras que carac- terizam os diferentes graus de vinculação à juridicidade (vincula- ção plena, conceito jurídico indeterminado, margem de aprecia- ção, opções discricionárias, redução da discricionariedade a zero) nada mais são do que os códigos dogmáticos para uma delimitação jurídico-funcional dos âmbitos próprios da Administração e dos ór- gãos jurisdicionais. 82 Portanto, ao invés de uma predefinição estática a respeito da controlabilidade judicial dos atos administrativos (como em cate- gorias binárias, do tipo ato vinculado versus ato discricionário), im- põe-se o estabelecimento de critérios de uma dinâmica distributi- va "funcionalmente adequada" de tarefas e responsabilidades entre Administração e Judiciário, que leve em conta não apenas a progra- mação normativa do ato a ser praticado (estrutura dos enunciados normativos constitucionais, legais ou regulamentares incidentes ao caso), como também a "específica idoneidade (de cada um dos Poderes) em virtude da sua estrutura orgânica, legitimação demo- crática, meios e procedimentos de atuação, preparação técnica etc., para decidir sobre a propriedade e a intensidade da revisão jurisdicional de decisões administrativas, sobretudo das mais com- plexas e técnicas. "83 Com efeito, naqueles campos em que, por sua alta complexida- de técnica e dinâmica específica, falecem parâmetros objetivos 82 Andreas J. Krell, Discricionariedade Administrativa e Proteção Ambiental: o controle dos conceitos jurídicos indeterminados e a competência dos órgãos am- bientais. Um Estudo Comparativo, 2004, p. 45 e ss.; no mesmo sentido, Mariano Bacigalupo, La Discrecionalidad Administrativa (estructura normativa, contrai judicial y limites constitucionales de su atribución), 1997, p. 62 e 142 e ss. 83 Andreas J. K.rell, Discricionariedade Administrativa e Proteção Ambiental: o controle dos conceítos jurídicos indeterminados e a competência dos órgãos am- bientais. Um Estudo Comparativo, 2004, p. 46. 40 ... ara uma atuação segura do Poder Judiciário, a intensidade do con- p ' d ·1 N . trole devera ser ten enc1a mente menor. estes casos, a expertise e a experiência dos órgãos e entidades da Administração em deter- minada matéria poderão ser decisivas na definição da espessura do controle. Há ainda situações em que, pelas circunstâncias específi- cas de sua configuração, a decisão final deve estar preferencialmen- te a cargo do Poder Executivo, seja por seu lastro (direto ou media- to) de legitimação democrática, seja em deferência
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