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DEDALUS - Acervo - EACH 23000002626 CRIANDO VALOR PÚBLICO GESTÃO ESTRATÉGICA NO GOVERNO Mark H. Moore Tradução de R G. Vilas-Bfias Castro e Paula Vilas-BÔas Castro Rio de Janeiro - Brasil LtWi & íxpmtòo T PARTE l CONSIDERANDO O VALOR PÚRLICO melhores profissionais reflexivos que conheço, Judy Pmke e Elkn Schall, também me deram encorajamento e conselhos. Como indica a longa gestação do livro, pôr essas ideias no papel não foi tarefa fácil. Em dois momentos críticos, recebi exatamente o apoio de que necessitava da parte de Linda Kaboolian e Aida Donald. E em um momento em que pensei que tudo estava perdido, recebi inestimável assistência editorial de meu primo, Curtis Church. Através do longo processo de escrever e reescrever, fui respaldado de maneira admirável pelos meus assistentes, Fio Chen, Kincade Dunn e Janet Fletcher. Esse foi o cadinho em que foram forjadas as ideias apresentadas neste livro. A todas essas pessoas os meus sinceros e profundos agradecimentos. INTRODUÇÃO O meu colega Graham Allison certa vez explicou por que os livros precisam de introduções. "Bem, você escreveu o livro atirando porções de barro contra a parede. A introdução traça um círculo vermelho em volta das porções de barro, para mostrar que você atingiu o alvo!" Então, eis o escopo desta introdução: apresentar o alvo que eu estava tentando acertar . Também apresento os elementos usados para compor a argumentação e os testes que podem ser utilizados para verificar se acertei no alvo. OBJETIVOS O objetivo deste livro é bem específico: expor uma estrutura de raciocínio prático para orientar gerentes de empresas públicas. O livro apresenta uma resposta geral a pergunta sobre como os gerentes públicos devem pensar c fazer para criar valor público, explorando as circunstâncias particulares nas quais se encontrem. Para alcançar esse objetivo, o l ivro expõe vários tipos diferentes de ideias. Primeiro, estabelece uma filosofia de gestão pública - uma ideia do que nós, cidadãos, devemos esperar dos gerentes públicos, as responsabilídades éticas que assumem ao tomar posse de seus cargos e o que constitui a virtude no exercício de suas funções. Em segundo lugar, o livro estabelece estruturas de diagnósticos, para guiar os gerentes na análise dos cenários em que trabalham e na avaliação do potencial para ação efetiva. Em terceiro lugar, o livro identifica tipos especiais de intervenções que os gerentes podem levar a efeito para explorar o potencial dos seus cenários políticos e organizacionais, a fim de criar valor público. A especificidade do meu propósito indica que há mui ta? coisas importantes que este livro não faz. Por exemplo, não explica por que as organizações do setor público se comportam da maneira como o fazem," ou por que os gerentes se comportam da maneira como o fazem. O livro não explica a conduta das organizações, porque focaliza gerentes, não organizações. Não explica por que os gerentes se comportam do modo como o fazem, porque pormenoriza o que devem pensar e fazer. Ern suma, desenvolvo uma teoria normativa (ao invés de positiva) do comportamento administrativo (ao invés de organizacional}. Mas quem são exatamente os gerentes públicos aos quais o livro se dirige.' Infelizmente, a resposta não é óbvia. As constituições americanas dividem a autoridade pública ao invés de concentrá-la. O resultado é que muitos funcionár ios angar iam inf luência efet iva em açòes governamentais e podem, por conseguinte, teivindicar a condição de gerente público. Os altos executivos eleitos - presidentes, governadores e prefei tos , - por exemplo - podem ser considerados gerentes públ icos . São constitucionalmente responsáveis pela execução das leis e pela utilização dos recursos públicos. Por sua vez, os funcionários que os executivos eleitos designam para chefiar as agências de sua alçada - os chamados gerentes, comissários e diretores - podem ser considerados gerentes públicos. Algumas vezes, esses executivos políticos designam equipes políticas para assumir a responsabilidade da gestão de projetos de execução de políticas específicas.' Até o ponto em que realmente executam políticas, essas equipes podem ser consideradas gerentes públicos. Ou gerentes públicos podem ser os servidores públicos de alto nível que apoiam os executivos políticos e as suas equipes. Alguns trabalham em serviços de administração e gerenciamento, planejando, mantendo e executando sistemas financeiros e de pessoal, que orientam o desempenho das organizações públicas. Outros, com conhecimento 50 l INTRODUÇÃO profundo e subs tant ivo de (e longa experiência com) programas operacionais específicos, ocupam posições de gerência em organizações públicas. Como todos esses funcionários se encaixam no domínio da autoridade pública, todos podem ser qualif icados como gerentes públicos. Para além das margens da autoridade direta (mas compreensivelmeme não menos influentes) encontram-se os funcionários que ocupam posições importantes de supervisão. Por exemplo, embora contrariamente às noções convencionais, os parlamentares e as suas equipes em relevantes comissões de supervisão legislativa podem ser considerados importantes gerentes de empresas públicas. Essa proposição a f igura - sc p a r t i c u l a r m e n t e verdadeira quando comissões legislativas procuram microgerenciar operações do setor público por meio da imposição de restrições específicas aos programas operacionais. Uma espécie d i fe ren te de supervisão advém de juizes que normalmente têm autoridade para assegurar que os direitos ind iv idua is sejam protegidos nas acues governamentais. Com efeito, juizes se envolveram na gestão em alguns casos nos quais gerentes públicos violaram direitos individuais em escolas, prisões, hospitais psiquiátricos ou agências de habitação." Mesmo os que lideram grupos de interesses podem ser considerados gerentes ou empreendedores públicos importantes , já que com frequência iniciam ou fazem parar empresas do setor público.' Por fim, alguns gerentes do setor privado tornam-se gerentes do setor público, porque produzem principalmente para o governo. Na verdade, com a consolidação do movimento pelo aumento de privatizações da produção do setor público, mais e mais "gerentes públicos" trabalharão para o j « 1 2 setor privado . Enquanto muitos funcionários podem ser qualificados como gerentes públicos, somente uns poucos são considerados responsáveis pelo seu desempenho no setor público e possuem autoridade direta sobre recursos públicos. Em geral, esses poucos pertencem ao primeiro grupo de funcionários que descrevi - os eleitos ou designados dirigentes de INTRODUÇÃO l 21 agências do Executivo, junto com os altos funcionários civis que os auxiliam. E sobretudo para esses funcionários - cm todos os níveis de governo - que este livro se dirige mais especificamente. Porém, como me interesso pela gestão pública em geral, bem como no desempenho individual de gerentes, quero incluir os outros também - os supervisores e os lobistas. O que esses outros funcionários esperam ou solicitam dos gerentes públicos, e como pensam a respeito dos seus próprios trabalhos e como os executam, produz efeito importante, tanto no contexto em que atuam os gerentes públicos como no seu êxito em implementar os objetivos. Então, ao mesmo tempo em que me dirijo principalmente àqueles que ocupam posições gerenciais no Executivo ou em agências autónomas, falo também para aqueles que ajudam a definir o contexto da ação gerencial. Note que, concentrando a minba atenção no que os gerentes devem pensar e fazer, não pretendo assumir posição sobre se o melhor caminho para o aperfeiçoamento da atuação do setor público é ou não a melhoria do desempenho gerencial. Assumo que muitos fatores além do comportamento gerencial contribuem para o sucesso das empresas públicas. De fato, é plausível para mim queas ações específicas dos gerentes podem até contar muito pouco para a variação dos resultados obtidos. Também considero ponto pacífico que as es t ru turas e os processos institucionais podem determinar o que os gerentes pensam e in f luenc ia r o que podem fazer. Reconheço que o desempenho administrat ivo pode ser considerado uma variável dependente e as estruturas institucionais a variável independente. Em resumo, não me posiciono sobre se o melhor caminho para melhorar o desempenho do setor público é a "reforma institucional" ou a "gestão aperfeiçoada". Dito isso, quero, no entanto, apresentar duas razoes que me levaram a escrever sobre aperfeiçoamento da gestão e não a respeito de reforma institucional. Em primeiro lugar, a minha posição particular na Harvard's Kennedy School of Government, que me proporcionou uma vantagem comparativa no desenvolvimento de ideias sobre melhoria da gestão. Todos 22 l INTRODUÇÃO os anos, a Kennedy School recebe em suas salas de aula centenas de gerentes públicos que estão na ativa. Esses gerentes estão normalmente ansiosos em conhecer as instituições governamentais em geral, mas estão particularmente famintos por ideias sobre como podem melhorar suas atuações no trabalho. Considerando essa ansiedade c disposição, parecia- me desperdício de talento e de energia, bem como descumprimento das minhas obrigações e afastamento do meu dever, não focalizar atenção no desenvolvimento de ideias que lhes seriam mais valiosas. Em segundo lugar, continuo a crer que melhorar o pensamento e a prática gerenciais é uma via importante para melhorar o desempenho de organizações do setor público. Afinal, a grande reforma institucional não elimina os gerentes; simplesmente redefine as suas posições e responsabilidades. O que os gerentes fazem em suas novas posições influenciará, de forma decisiva e frequente, o quão bcm-sucedidas serão as reformas institucionais. Por exemplo, as ideias como descentralização e "qualidade total" muitas vezes dependem crucialmente do desempenho de gerentes de nível operacional que de repente são encarregados de novas responsabilidades. Além do rnais, entre as mais importantes "instituições" que necessitam de reforma estão as nossas ideias correntes, e convencionalmente mantidas, acerca do que os gerentes públicos podc-m e devem fazer em nosso benefício, ' Com efeito, se conseguíssemos mudar apenas essa instituição em particular, acho que descobriríamos que muitas instituições atuais podem funcionar melhor. Por esses motivos, então, devemos continuar a concentrar parte de nossa atenção tanto na melhoria da gestão quanto na reforma institucional. Os conselhos deste livro pretendem ser suficientemente genéricos para que possam ser aplicados em uma larga escala Jc situações gerenciais no setor público, e ao mesmo tempo suficientemente específico' de forma que os gerentes precisem apenas de um pequeno salto das ideias aqui apresentadas para as si tuações concretas e pa r t i cu la res que enfrentam. E o que faz este livro ser sobre gestão em geral, e não sobre INTRODUÇÃO l 23 gerenciamento de um tipo especial de agência ou de execução de um tipo especial de função administrativa, ou ainda sobre o tratamento de um tipo especial de problema administrativo. Este livro não pretende ser culturalmente neutro ou independente de contexto histórico. Com efeito, as suas premissas e explicações se fundamentam como parte do contexto do governo americano no último quarto do século XX. Não sou capaz de dizer agora se o livro tem ou terá implicações no modo pelo qual os gerentes devem raciocinar e atuar em outros países ou em outros épocas. Pelo menos até aqui, sou, sobretudo, um estudante da gestão pública do final do século XX. Procuro ajudar principalmente os que praticam este ofício. FONTES E MÉTODOS A prova decisiva da sobremesa se realiza quando a comemos, e não quero atrasar muito mais a refeição. Porém, um comedor prudente pode querer saber algo a respeito dos ingredientes antes da primeira mordida. Para atender a esse pedido razoável, ofereço a seguir uma lista de ingredientes. O livro se baseia na l i teratura relevante para a compreensão do contexto, das finalidades e das técnicas dos executivos do setor público, incluindo, portanto, a literatura de ciência política, de economia, de teoria organizacional, de gestão pública, de direito administrativo e de gerenciamento de negócios. Provavelmente ninguém (com certeza eu não) pode realmente ter esperança de dominar todas essas literaturas diferentes e extrair delas os pontos fundamentais que oferecem para o desenvolvimento de uma teoria normativa da gestão pública. Porém, fui capaz de esquadrinhá-las e aprender o que tinham de mais importante para contribuir com essa tarefa intelectual. A literatura de ciência política revelou muito a respeito das caracte- rísticas dos meios nos quais os gerentes públicos agora trabalham: o contexto político relativo à criação e à implementação da política pública; a natureza c o comportamento das instituições legislativas;18 como se comporta a imprensa e como o seu comportamento influencia 24 l INTRODUÇÃO a conduta do governo;19 e o que motiva e dá forma ao comportamento . . . . , . 20dos principais executivos eleitos. A literatura económica não apenas continha uma teoria implícita definindo o papel do governo na sociedade, mas também propunha alguns métodos importantes para avaliar atividades governamentais, tanto as propostas como as em curso. Além disso, a li tetatura de economia pensa em como donos e supervisores de operações poderiam i J! organizar incentivos para os gerentes que devem agir em seu nome e como negociações complexas podem ser analisadas e realizadas. A literatura de teoria organizacional proporcionou diferentes imagens de organizações, as quais esclareceram por que essas, nos setores público e privado, se conduzem como o fazem." Essa literatura também ajudou a explicar por que as organizações têm dificuldades em adotar e manter inovações e por que os gerentes encontram obstáculos ao procurar melhorar o seu desempenho. A literatura de administração pública proporcionou uma teoria copiosa e bem desenvolvida a respeito de gestão pública em uma democracia." Contribuiu com uma filosofia de gestão pública estimulada pela meta de assegurar o efetivo controle democrático das organizações do setor público e a obtenção tanto de consistência como de eficácia nas iniciativas do setor público/" A literatura de gestão pública apresentou também ferramentas importantes para o campo da gestão pública e as melhores formas de serem utilizadas para produzir eficiência e efetividade. Mais ainda, essa literatura expôs vários estudos importantes sobre o que os gerentes do setor público realmente fazem, ou como as organizações do setor público criam, ou não, consistência em suas ações, ou se adaptam a situações de mudança frequente. A literatura de direito administrativo estabeleceu uma concepção normativa de como se deve chegar às decisões públicas que implicam em uso de recursos públicos, com o fim de assegurar probidade, e ressaltou a contínua importância de garantir a equidade e o procedimento correto na tomada de decisões, assim como eficiência e efetividade. Essa literatura INTRODUÇÃO l 25 também examinou importantes estudos de casos de agências relacionadas com a adjudicação de casos específicos. Por fim, a literatura de administração no setor privado ofereceu algumas diferenças - às vezes competitivas - em relação ao contexto, à filosofia e às ferramentas de gestão e liderança. Centralizou atenção na dinâmica do mercado, em vez de na estabilidade dos mandatos governamentais,34 em como estimular inovação e mudança em novas missões e incumbências, em vez de como elevar a eficiência em operações antigas e rotineiras,35 e no papel da imaginação e do espírito empreendedor, assim como da com- petência técnicae da noção do dever. Das literaturas mencionadas, a mais próxima da nossa tarefa é, logicamente, a de gestão pública. Essa literatura proporciona um rico achado instrumental e um ponto de partida crucial para qualquer esforço no sentido de orientar os executivos do setor público. Assim, eu a utilizei com muita liberalidade. Ao mesmo tempo, dei enfoque especial a duas questões que, embora não estando no cerne da literatura clássica, estão presentes para os executivos públicos na prática. Primeiro, como devem os gerentes lidar com incumbências políticas irregulares e inconsistentes? Segundo, como podem os gerentes experimentar, inovar e reproduzir experiências de sucesso em organizações públicas ern seus cenários sempre em transformação?37 Para enfrentar essas questões, meus colegas da Kennedy School e eu acrescentamos um novo ingrediente à mistura: as experiências opera- cionais de executivos públicos na prática. Fizemos isso de três maneiras diferentes. Primeiro, escrevemos casos mostrando os problemas enfrentados pelos gerentes, as suas avaliações, as intervenções que escolhem e (até onde pudemos) os resultados destas. Na verdade, ao longo da última década, o Programa de Casos da Kennedy School escreveu e publicou mais de seiscentos casos apresentando problemas e intervenções gerenciais, Segundo, todos os anos encontramos nos programas de ensino da Kennedy School - sobretudo em nossos programas de executivos - 26 l INTRODUÇÃO várias centenas de gerentes em exercício. Como lhes ensinamos por meio de discussões interativas de casos, através dos anos aprendemos como eles os analisam e como os enfrentariam, e também como agiram os protagonistas. Isso quer dizer que, com frequência, aprendemos com eles tanto quanto eles aprendem conosco. Como um conceituado colega explicou: "Eles não são apenas estudantes, são também informações, dados e professores!" Terceiro, convidamos renomados profissionais a se unirem aos professores da Kennedy School, assegurando assim um estreito e ininterrupto contato com aqueles cujas realizações indicam que sabem como inventar e explorar oportunidades para criar valor público. Eles, assim como os estudantes de nossos programas, trouxeram as perspectivas e a sabedoria das "melhores práticas" ainda emergentes para nossa explicação e exame. Escrevendo os casos, e ouvindo-os serem discutidos por nossos estudantes e colegas, viemos a compreendê-los: a melhor forma de analisar a situação retratada pelo caso, quais as possíveis intervenções e suas possibilidades de êxito. Repetindo esse processo para muitos casos diferentes, gradualmente aprendemos como fazer generalizações e abstrações dos casos particulares e como sistematizar as nossas gene- ralizações em modelos intelectuais coerentes. São esses modelos que tento registrar neste livro. Preciso reconhecer a existência de mais um ingrediente: o conjunto especial de fatores que atua na Kennedy School como instituição. Pode- se dizer com acerto que a visão de gestão desenvolvida na Kennedy School reflete a nossa própria tradição intelectual, bem como o contexto externo. Mais especificamente, as nossas ideias sobre gestão são moldadas pela ênfase que a escola dá à utilização de instrumentos analíticos especiais, extraídos da economia, de pesquisas operacionais e estatísticas, para analisar o valor substantivo de políticas públicas propostas ou já implementadas. O que é animador no estudo das políticas públicas (como oposto ao INTRODUÇÃO l 27 da gestão pública) é que ele centraliza a atenção nos objetivos, assim como nos instrumentos do governo. O estudo das políticas públicas também enfatiza novas ideias e inovações no governo em vez das rotinas de manutenção das organizações governamentais. O que permite que alguém participe dessas discussões é o seu domínio das difíceis técnicas analíticas que o capacitam a desafiar a política propondo alternativas que aumentem o valor público de empreendimentos governamentais propostos ou já existentes. Considerando-se essa cultura, não constitui surpresa que a noção de gestão que finalmente desenvolvemos busque entender como se tomam as decisões e se implementam as políticas, em vez de centralizar atenção na manutenção organizacional ou no aperfeiçoamento de sistemas de controle administrativo (que por muito tempo foram o cerne da admi- nistração pública). De fato, por muito tempo a ideia da execução efetiva de políticas públicas específicas (em lugar da bem-sucedida gestão de organizações do sctor público) era tida como assunto principal da administração pública. " Essa concepção de gestão como implementação de políticas definhou aos poucos, uma vez que concentrar atenção na política, e não nas organizações, deixa de fora questões importantes acerca de como as organizações públicas devem ser utilizadas e se desenvolver. Por exemplo, nada foi dito a respeito do problema de como parte dos recursos da organização que não estivesse comprometida com uma nova iniciativa de política deveria ser usada. E essa linha ficou indiferente ao efeito que um novo esforço de implementação política pode ter no desempenho e na posição de uma organização. Portanto, as preocupações que por tanto tempo foram o foco da atenção da área da gestão pública, e que se concentravam na gestão e no desenvolvimento efetivo de organizações do setor público oficiais, tiveram de ser redescobertas e integradas com êxito às preocupações da política pública pelas políticas. A síntese natural dessas duas tradições estaria em conceber as entidades públicas como instrumentos rela- t ivamente flexíveis a serem ut i l izados na consecução de objetivos 28 i INTRODUÇÃO públicos que estão em constante mudança. Os objetivos públicos são consequência tanto das mudanças das aspirações e solicitações políticas como dos instáveis problemas do mundo. Vendo as coisas sob esse prisma, os professores da Kennedy School respondem portanto a dois fa to res : as observações da ciência política sobre os contextos inconsistentes e mutáveis das organizações, e a necessidade óbvia de o governo inovar, uma vez que antes amplia e depois contrai as suas perspectivas. 4 Essa ideia de gestão também se respalda por uma intensa ressonância entre a sua concepção de gestão do setor público e as ideias emergentes a respeito de gestão do setor privado. Assim, pode ter sido culturalmente inevitável que alguém na Kennedy School desenvolvesse uma ideia de "gestão estratégica" no setor publico, que desse muita importância aos resultados, a como responder a cenários e mandatos políticos em mudança e a organizações adaptáveis e flexíveis. E pode ser que tais ideias devam sua consistência ao contexto cul tural e às aspirações organizacionais da Kennedy School, e não ao seu caráter de verdade e à sua utilidade tora do contexto cultural em que se desenvolveram. TESTES Precisamente porque as ideias deste livro emergem de um contexto cultural específico, é importante pensar como podem ser testadas. Em princípio não é difícil inferir o que deve ser o teste: oferecidas aos gerentes como recomendações, as ideias têm de ser testadas na prática pelos gerentes. Essencialmente, espera-se que os gerentes que com- preendem e ut i l izam as ideias mencionadas - para definir as suas funções, diagnosticar as situações e planejar as intervenções - o façam melhor do que os que não usam essas técnicas. No entanto, na prática, é difícil lazer esses testes. Para começar, como definimos o que significa para os gerentes "fazer melhor"? Uma definição de sucesso pode ser o sucesso pessoal dos próprios gerentes: eles são bem-sucedídos, elevam suas reputações pessoais e INTRODUÇÃO crescem na própria carreira. Se um gerente alcançar a reputação de bem- sucedido, essa reputação será uma excelente medida operacional de sucesso gerencial. Entretanto, não podemos garantir que os testes uti l izados para estabelecer reputações indicamcom segurança o verdadeiro desempenho administrativo. Todos nós já vimos gerentes que são habilidosos em fazer brilhar suas reputações muito mais do que em atingir os resultados substantivos que de fato deveriam ser o fundamento dessa reputação. Então, uma segunda definição de sucesso se concentra em os gerentes serem ou não bem-sucedidos na criação de organizações grandes, duráveis e poderosas. ' Essa definição apresenta a vantagem de se focalizar na realização administrativa em vez de na reputação. E parece coerente com a noção comum acerca do que constitui a bem-sucedida l - J •»!*administração no setor privado. Mas uma rápida reflexão (combinada com exemplos conhecidos de criadores de impérios no setor público) indica a inadequação dessa definição quando aplicada a gerentes do setor público. É muito fácil assegurar a sobrevivência de organizações do setor público. O pro- blema, ao contrário, é fazê-las eficientes, reduzir seus custos e torná-las adaptáveis aos cenários políticos em transformação ou às novas tarefas substantivas. É particularmente difícil poder reivindicar os seus recursos quando termina a necessidade que se tem delas. Assim, no setor público, o aumento do poder ou das dimensões de uma organização tanto pode indicar um problema como uma realização. Uma terceira definição de sucesso na gestão pública avalia a eficácia pessoal na obtenção de resultados políticos preferenciais: os gerentes são bem-sucedidos se tem os objetivos políticos de sua preferência adotados e implementados. Essa definição tem a vantagem de premiar o esforço administrativo que, além Já meta de criar ou manter organizações, alcança um propósito substantivo. Mas também aí há falhas. Aspirações particulares que os gerentes desejam são demasiadamente enfatizadas, e de maneira alguma é ponto pacífico que os gerentes públicos devam 3o : INTRODUÇÃO alcançar os seus objetivos políticos preferenciais. De fato, eles estão em suas posições a fim de atuar para a sociedade e não para as suas próprias ideias idiossincráticas sobre de que a sociedade precisa. E óbvio que os gerentes devem assumir posições individuais acerca de relevantes questões políticas. Mas o fato é que o poder e a legitimidade da posição política que adotam depende muito mais do quanto essa posição reflete e acomoda as opiniões de outros em seu contexto político, do que do quanto o gerente prefere essa ou aquela medida. Essa noção de sucesso em que o que é avaliado é a consecução de objetivos políticos próprios deixa aos gerentes muito pouco espaço para aprender o que os outros querem e muita liberdade para que eles dominem o processo com opiniões idiossincráticas a respeito do interesse público. A definição de sucesso que nos sobra identifica o êxito administrativo no setor público com a criação e reorientação dos empreendimentos do setor público, de forma que o valor público aumente tanto no curto como no longo prazo. É a definição que prefiro. Por vezes, isso significa aumentar a eficiência, a efetivídadc ou a j u s t e z a e equidade em determinadas missões já em curso. Em outras ocasiões, significa im- plantar programas que satisfaçam uma aspiração política nova ou que correspondam à existência de uma nova necessidade no cenário de trabalho da organização. Ainda em outras oportunidades, isso significa refazer a missão da organização e ré posiciona-Ia em seu cenário político e de trabalho, de tal maneira que a sua antiga capacidade possa ser usada com mais adequação e efetividade. De vez em quando, isso significa reduzir as exigências que as organizações governamentais fazem junto aos contribuintes e realocando os recursos no momento comprometidos com as organizações para uso alternativo no setor público ou privado. Essa é visivelmente a definição correta de sucesso administrativo: aumentar o valor público produzido por organizações do setor público tanto no curto como no longo prazo. De fato, a ideia de que os gerentes públicos devem criar organizações que produzam valor também encontra eco no critério de sucesso do setor privado. " INTRODUÇÃO : 3i Mas essa definição pode ser operacionaliiada.' Não temos nada semelhante a uma memória de lucros como a do setor privado para avaliar desempenho passado; tampouco podemos usar o valor dos ativos ou mecanismo similar para avaliar o ganho esperado no futuro . Então, embora a definição conceituai de sucesso para gerentes públicos seja evidente, avaliá-lo não o é. Não temos como realizar um teste rigoroso sobre quais práticas gerenciais são melhores do que outras. Para completar, é quase tão difícil definir o que significa "fazer" como o que significa "fazer melhor". Afinal, as ideias aqui aprese ti t a das são destinadas a ajudar os gerentes a pensar no fazet. O verdadeiro fazer, então, tem de ser feito. Muito da efetividade das intervenções gerenciais podem depender tanto de pequenos detalhes da execução como da concepção. Nesse sentido, este livro chega apenas até um ponto do complexo processo de pensar e agir gerenciais. Por firn, não é necessário d i ze r que mudanças no desempenho organizacional raramente podem ser explicadas de forma defini t iva, tomando-se como base intervenções gerenciais específicas. Com frequência, tantos fatores contribuem para o desempenho organi- zacional que não podemos atribuir a intervenções gerenciais específicas qualquer sucesso observado. Com efeito, muitas das ideias sugeridas neste livro focalizam a atenção gerencial na orquestração de forças e pressões que já existem para auxi l iá - la a atingir seus objetivos. Até o ponto em que essa recomendação é aceita e realmente funciona, a diferença entre a influência da ação gerencial, de um lado, e torças externas, de outro, torna-se confusa. Os que se inclinam a achar que a ação gerencial importa muito atribuirão grande perspicácia aos gerentes que se alinham com ou utilizam a seu favor as pressões externas. Os mais célicos com respeito à importância da gestão verão o gerente ser levado por uma onda de pressão externa e alcançar o sucesso sem realmente ter de fazer coisa alguma. Uma vez que é difícil rea l izar um teste rigoroso das ideias aqui apresentadas, sugiro duas maneiras mais simples de experimentar a sua 3? l INTRODUÇÃO plausibilidade e utilidade. Primeiro, as ideias devem ser "fundamentadas", no sentido de que explicitem uma categoria reconhecível de problemas e identifiquem precisamente o que deve ser considerado se queremos resolver o problema do ponto de vista lógico. Esse teste é adequado porque a criação intelectual que está sendo apresentada é uma ideia acerca de como se pode pensar sobre um problema - e não uma proposição empírica a respeito de como uma variável se relaciona com outra. Segundo, as ideias devem ser "úteis", no sentido de que auxiliem os profissionais que realmente enfrentam problemas a prestar atenção ao seu redor, de maneira que sejam alertados para fatos importantes e significativos sobre sua situação presente, que incentive as suas imaginações na busca de soluções para procedimentos e que ofereça alguma orientação rudimentar para diferenciar as ideias melhores das piores. Esse teste é adequado porque está de acordo com a noção de que as ideias devem ser praticadas e devem servir. Até certo ponto submeti as ideias deste livro tanto 3 testes rigorosos como a menos rigorosos. O mais próximo que cheguei do teste rigoroso foi à comparação de gerentes "bem-sucedidos" com "mal-sucedidos" e daí à comparação do que os "bem-sucedidos" parecem pensar e fazer com o que os "mal-sucedidos" parecem pensar e fazer. Apresento tanto gerentes bem-sucedidos como mal-sucedidos, embora a minha teoria leve em conta muito mais casos do que os aqui considerados. As evidências nos mostram com clareza três coisas: (1) a importância crucial de permanecer propositivo; (2) a necessidade de identificar o "gerenciamento político" como uma função capital da gestãono setor público-, (3) a necessidade de refazer as nossas ideias de gerenciamento operacional no sentido de concentrar mais atenção em inovações de vários tipos. Mas, ainda assim, como não fui rigoroso ao extremo nem no desenho da amostra de exemplos nem na coleta de dados, não posso reivindicar o poder que esse grau de rigor poderia proporcionar. Como teste menos rigoroso, recorri como prova ao retrospecto dos gerentes públicos em exercíci que vêm sendo expostos a essas ideias. INTRODUÇÃO l 33 Seus testemunhos têm sido favoráveis e encorajadores. Ainda assim, no final, não creio que tenha provado coisa alguma. O que fiz foi dar nome, para consideração e testes adicionais, a um complexo conjunto de ideias a respeito de como os gerentes públicos devem orientar-se em suas funções, diagnosticando situações e planejando suas intervenções. Os métodos que apresento diferem dos que muitos gerentes púhlicos no momento utilizam e dos modos pelos quais são ensinados e estimulados a raciocinar e a agir. Esta nova abordagem que apresento é plausivelmente melhor adaptada à realidade das situações que os gerentes enfrentam hoje do que as técnicas com as quais contavam no passado. E pode ajudá-los a ser bem-sucedidos em ajudar a sociedade, por meio da preservação de sua atenção, princi- palmenre ern definir e produzir valor público com os recursos que lhes são confiados. Ao menos esta é a minha grande esperança. 34 i INTRODUÇÃO CAPÍTULO l IMAGINAÇÃO GERENC1AL A bibliotecária municipal estava preocupada. Todos os dias, lá pelas três da tarde, dezenas de crianças em idade escolar inundavam os salões de leitura da biblioteca. Pelas cinco horas, as crianças começavam a desaparecer. Às seis, a biblioteca voltava à tranquilidade. Uma verifi- cação informal revelou o que acontecia: a biblioteca estava sendo usada como creche diurna para crianças que ficam sozinhas enquanto os pais não chegam do trabalho. Como a bibliotecária deveria reagir? A BIBLIOTECÁRIA MUNICIPAL E AS CRIANÇAS QUE FICAM SOZINHAS ENQUANTO OS PAIS NÃO CHEGAM DO TRABALHO O seu primeiro impulso foi desencorajar a prática emergente. Atinai, o fluxo perturbava a biblioteca. Os salões de leitura, quietos e espaçosos a maior parte do dia, tornavam-se barulhentos e cheios de gente. Os livros, especialmente os frágeis livros de bolso, eram empilhados desorganizadamente sobre as mesas após uma uti l ização descuidada e depois escorregavam para o chão e se abriam as lombadas. Antes que pudessem sair ao fim do expediente, assistentes cansados enf ren tavam ,1 rearrumação de montanhas de livros nas estantes. O tráfego constante para os banheiros mantinham os serventes ocupados com esforços especiais para mante-los em ordem, limpos e bem equipados. Além de tudo, simplesmente não era trabalho da biblioteca municipal tomar conta daquelas crianças. A tarefa deveria ser feita pelos pais ou talvez por outros atendentes diurnos, certamente não pela biblioteca. Talvez uma carta para o jorna! local, lembrando os cidadãos acerca da utilização correta de uma biblioteca, pusesse as coisas nos devidos lugares. Se isso falhasse, novas regras teriam de ser estabelecidas, restringindo o acesso de crianças à biblioteca. Aí ela teve uma ideia mais empreendedora: talvez as mencionadas crianças servissem para demandar mais fundos do restrito orçamento da cidade para a biblioteca. A bibliotecária poderia argumentar que as novas necessidades, criadas pelas crianças, requeriam recursos adi- cionais. Seria preciso um estafe adicional, para impedir que as crianças perturbassem os outros usuários da biblioteca. Fundos para pagar horas extras seriam necessários para assistentes e serventes limparem a biblioteca ao fim do dia. Talvez até a própria biblioteca tivesse de ser reestruturada para criar salas de leitura para crianças dos cursos primário e secundário básico. Com efeito, agora que pensava nisso, o trabalho de reconstrução poderia ser usado inclusive para justificar nova pintura do interior da biblioteca inteira - um objetivo que a bibliotecária tinha havia muitos anos. Mas tudo isso custa dinheiro e uma revolta estadual contra impostos havia deixado a cidade corn fundos muito limitados. Quando a ideia proibitiva de buscar fundos da comissão de orçamento da cidade veio à tona, a bibliotecária teve uma ideia diferente: talvez um novo programa, para as citadas crianças, pudesse ser financiado pelos pais delas." No entanto, apareceram alguns problemas práticos. Por exemplo, quanto ela deveria cobrar peio serviço.'4 Ela poderia simplesmente registrar os custos associados diretamente com o fornecimento do programa e cobrar um preço que cobrisse esses custos diretos. Mas ela estava insegura quanto aos custos indiretos, como as despesas gerenciais de organização da atividade, a depreciação do prédio e assim por diante. E se incluísse poucos custos indiretos no preço do programa, então o público como um todo estaria, sem saber, subsidiando 36 f Imaginação Gerência! os pais trabalhadores. E se incluísse muitos, a cidade estaria, sem saber, levando vantagem dos pais trabalhadores para ajudar a manter a biblioteca. A bibliotecária também pensou que os cidadãos da cidade e seus representantes poderiam ter opiniões sobre ser ou não apropriado utilizar as instalações da biblioteca para um programa desse tipo e ela não estava segura sobre quais seriam essas opiniões. E se ela criasse um programa com pagamentos por serviços prestados, os moradores da cidade iriam admirar o seu empreendedorismo ou se preocupar com o fato de ela ficar muito independente? Eles achariam que servir a citadas crianças era uma causa de valor ou apenas um pequeno serviço a um grupo restrito e não particularmente merecedor? Era eyidente que ela teria de recorrer à Assembleia Municipal para ser orientada. Considerando as dificuldades de cobrar pelos serviços, a bibliotecária teve ainda outra ideia; talvez o novo serviço pudesse ser "financiado" por meio de esforço voluntário. Talvez os pais das crianças pudessem se organizar para assumir algumas das responsabilidades de supervisão e limpeza após a saída das crianças. Talvez pudessem até ser persuadidos a auxiliar a bibliotecária a fazer as alterações das disposições físicas da biblioteca - para dar conta mais facilmente da nova função e manter uma separação apropriada entre as pessoas mais velhas, que usavam a biblioteca para ler e encontrar-se, e as crianças, que utilizavam a biblio- teca com as mesmas finalidades, porém de maneira mais agitada e barulhenta. O espírito comunitário, evidente nessas atividades, poderia sobrepor-se tanto a preocupações do público sobre a adequação de a biblioteca ser usada para cuidar daquelas crianças como a queixas de recursos públicos serem utilizados para subsidiar interesses relativamente pequenos e não merecedores. Entretanto, a mobilização de uma ação voluntária seria complexa. A bibliotecária não tinha experiência no assunto. Na verdade, todas as medidas que havia considerado até então lhe pareciam difíceis e inusitadas, uma vez que a envolviam em atividade política fora do seu Imaginação Ce ré n ciai âmbito de açào. Fazer uma requisição ao comité orçamentado da cidade ou escrever uma carta ao jornal a respeito do problema eram uma coisa; outra muito diferente era estabelecer um programa de autofinancia- mento e mobilizar um grande grupo de voluntários. E, então, uma última ideia ocorreu-lhe: talvez o problema pudesse ser resolvido encontrando uma solução dentro da própria orga- nização. Um pequeno remanejamento poderia assegurar que haveria um adequado grupo de funcionários para supervisionar as crianças, talvez até para proporcionar programas de desenvol-vimento da le i tura . Talvez algumas coisas pudessem ser reorganizadas na biblioteca, a fim de criar uma sala especial para o programa. Talvez pudessem ser exibidos filmes nessa sala especial de vê: em quando,corno parte do programa extracurr icular . Na realidade, quan to mais a bibliotecária pensava a respeito do assunto, tanto mais parecia que cuidar daquelas crianças na biblioteca podia fazer parte da missão atual da organização. Poderia dar à biblio- tecária e aos bibliotecários assistentes uma oportunidade para estimular a leitura e um amor pelos livros que duraria por toda a vida das crianças. Além disso, parecia à bibliotecária que as reivindicações que as crianças e tis puis faziam à biblioteca eram tão procedentes quanto as fei tas pelas muitas outras pessoas que a usavam de modos diferentes: os estudantes de segundo grau que compareciam à noite para completar projetos de pesquisas e trocar ideias uns com os outros, os idosos que durante o dia vinham ler jornais e revistas e falar com os amigos, e até mesmo os "faça você mesmo" que vinham saber como executar o projeto em que tinham embarcado sem um claro plano de ação. Quando a bibliotecária começou a pensar acerca de como a sua organização poderia responder às novas exigências apresentadas por aqueUs cri tmçaí>, ela também começou a ver a organização sob uma nova l u z . ' O seu treinamento profissional e o de seu estafe haviam lhes preparado para ver a biblioteca como um lugar onde livros são guardados e postos á disposição do público. Para cumprir essa função, tinha sido Imaginação Gf renciaJ desenvolvido um elaborado sistema de inventariar os livros e registrar a sua localização. Também tinha sido criado um sistema igualmente elaborado para monitorar quais livros quais cidadãos haviam pedido emprestado e para impor multas aos que ficavam com os livros por tempo muito longo. Essas eram as principais funções da biblioteca e as tarefas com as quais o estafe se identificava perfeitamente. Com o passar do tempo, porém, as funções da biblioteca pareciam aumentar de acordo com as necessidades dos cidadãos e a capacidade da própria biblioteca. Uma vez que essa dispunha de um sistema de inventariar livros, parecia apropriado utilizá-lo para coleções de discos, CDs e também videoteipes. (E claro que o sistema para emprestar vídeos teve de ser um pouco alterado, com o fim de evitar competição com o comércio local.) As instalações nas quais os livros eram guardados tinham sido aumentadas e se Cornado mais auativas para estimular a leitura na biblioteca como também em casa. Calefação era propor- cionada no inverno e ar-condicionado no verão para conforto dos funcionários e dos que desejavam usar a biblioteca. Salinhas de estudo haviam sido construídas para os estudantes. Fizera-se um quarto de crianças com livros e brinquedos para as que acabaram de aprender a andar. Cada vez mais a biblioteca estava sendo usada para concertos de conjuntos amadores de música de câmara, reuniões de sociedades artísticas c também de clubes do livro. Como resultado, a biblioteca t inha se tornado algo mais do que simplesmente um lugar onde se guardavam livros. Era, agora, um tipo de parque usado por muitos cidadãos com propósitos variados. Quem diria que cuidados corn crianças que ficam sozinhas enquanto os pais não chegam do trabalho const i ruir ia uma valiosa função para a biblioteca se a diretora pudesse pensar em um modo de fazé-lo tão económica, eficaz e razoavelmente e com pouca despesa para outras funções da biblioteca sancionadas pela tradição? Imaginação GtrenciJ GERENTES PÚBLICOS E GESTÃO PÚBLICA A bibliotecária municipal é uma gerente pública. O que lhe atribui essa função é um conjunto de bens públicos que foi confiado à sua gestão. Ela é responsável pela utilização desses bens em benefício da cidade e de seus cidadãos. Naturalmente, uma de suas tarefas como gerente é encontrar o mais proveitoso emprego para esses recursos. O seu maior problema é se seria valioso satisfazer as novas reivindicações junto à sua organização no sentido de cuidar de crianças que ficam sozinhas enquanto os pais não chegam do trabalho, e, em caso positivo, como. Uma Doutrina Importante Nos Estados Unidos, os gerentes públicos têm se regido por uma dout r ina tradicional que explica como devem considerar os seus empregos e neies trabalhar. ll Essa doutrina foi criada para limitar a possibilidade de ação de burocratas dedicados aos seus interesses pessoais ou mal orientados, preocupados somente com seu próprio engrandecimento e que se guiam segundo alguma concepção do interesse público idiossincrática ou mal concebida. A doutrina almeja manter os gerentes do setor público rigorosamente sob controle democrático. Nesse conjunto de procedimentos, os propósitos de um empreen-dimento público, como uma biblioteca, são claramente estabelecidos em estatutos emanados de órgãos legislativos ou em declarações (orrnais de políticas assinadas pelas principais autoridades eleitas. Como resultados conquistados arduamente em debates democráticos, esses mandatos formais legitimam os empreendimentos públicos: afirmam, com autori- dade, que os empreendimentos assim estabelecidos correspondem ao interesse público e podem, por conseguinte, reivindicar recursos sociais. Também dão orientação operacional concreta para gerentes, indicando quais objetivos em particular serão levados adiante pelos empreendimentos públicos e que meios em particular podem ser usados. Juntos, os objetivos e os dispositivos do mandato definem as condições de responsabilização dos gerentes. 40 l Imaginação GercnciaJ Espera-se que, de sua parte, os gerentes públicos sejam agentes fiéis desses mandatos. A sua obrigação é executar os objetivos dos mandatos tão eficiente e efetivamente quanto possível. Presume-se que dis- ponham de conhecimentos técnicos substantivos na sua área de trabalho - que estejam a par dos principais programas operacionais que podem ser utilizados para produzir os resultados desejados e que saibam o que constitui qualidade e efetividade em suas ações. Também se es- pera que sejam administrativamente competentes - que sejam hábeis na criação de estruturas organizacionais e esquemas que possam orientar as organizações a atuar eficiente e efetivamente; que sejam responsáveis pelos recursos financeiros e humanos a eles confiados, de maneira que se possa comprovar que recursos públicos não estão sendo roubados, perdidos ou mal empregados. Essa doutrina produz uma atitude mental característica entre gerentes públicos: a atitude menta l de getentes ou burocratas e não de empresários, líderes ou executivos. A sua orientação é para baixo, visando ao controle seguro de operações organizacionais, ao invés de para fora, visando a alcançar resultados valiosos, ou para cima, visando renegociar mandatos de políticas. Em vê: de encarar o seu trabalho como inicio ou facilitação de mudança, os gerentes tendem a vê-lo preservando uma perspectiva institucional no longo prazo em face de caprichos políticos inconstantes. O seu principal objetivo administrativo é aperfeiçoar atuaçôes organizacionais em papéis tradicionais e não procurar inovações que possam mudar o seu papel ou aumentar-lhe o valor para o contexto político. E essa noção de gestão pública que produz a primeira resposta instintiva da bibliotecária para aquelas crianças: um sonoro e burocrático "não", Realmente, considerado através da perspectiva tradicional, a sua obngação é não satisfazer essa nova demanda, mas sim fazer o oposto: o possível para resistir à nova e insólita utilização abusiva da biblioteca pública. Ademais, muitos membros do seu estafe concordariam com essa conclusão, influenciados pelo treinamento profissional do passado, que Imaginação Gertncial tinha por fim considerar bibliotecas segundo padrões específicos. Também o fariam muitos cidadãos que vêem a biblioteca pelas mesmas lentes tradicionais e logo concluiriam que a biblioteca deveria ficar tran- qiiila e não ser usada como ama-seca por pais negligentes. Um Pequeno Questionamento à Doutrina Dominante Porém, o interessante eimportante a respeito dessa bibliotecária é que ela vai além da reação instintiva. A sua segunda reacão - a utilização do problema daquelas crianças para obter financiamento adicional para a biblioteca - reflete uma comum, se bem que às vezes encoberta, condescendência de gerentes públicos. (Com efeito, é precisamente essa condescendência que faz os contribuintes tão determinados em manter os gerentes sob controle estrito.) Refletindo os ventos de mudança que agora sopram no pensamento administrativo dos setores público e privado, a imaginação gerência! da bibliotecária foi além da sua obrigação formal e além do seu emprecn- dedorísmo burocrático. Ao imaginar o que se poderia fazer, ela extrapola as restrições convencionais do seu trabalho. Em vez de encarar como um problema as novas exigências que estão sendo feitas à biblioteca, a bibliotecária as vê como uma oportunidade. Ela percebe que pode haver um certo valor a ser criado, para ao menos alguns cidadãos da cidade, por meio da permissão, ou mesmo do incentivo, ao uso da biblioteca por aquelas crianças. Começa a pensar em como a criação do aludido vator poderia ser financiada, oficializada e realizada. Nesse contexto, a bibliotecária começa a raciocinar da maneira como a sociedade espera que raciocinem os executivos do setor privado. Ela se concentra na questão de os bens e as competências da biblioteca poderem ou não ser utilizados para criar valor adicional para a cidade. Não pressupõe que os recursos são imutavelmente fixos, ou que a missão está estrita e inflexivelmente consolidada ou que a sua organização c capaz de produzir somente o que agora produz. Ao contrário, ela usa a 42 l Imaginação Gerencial imaginação para pensar como poderá reposicionar e adequar a sua organização às novas exigências das citadas crianças. Resumindo, a bibliotecária está raciocinando como um líder ou empresário. Para muitos, tais pensamentos na mente de gerentes públicos geram problemas e deveriam ser desestimulados, particularmente se, como no caso em foco, o gerente é um funcionário público profissional e não um execut ivo e le i to ou nomeado." Os cidadãos têm uma ideia par t icu larmente negativa das iniciat ivas dos burocratas , porque suspeitam que os íuncionários públicos servem a si mesmos ou procedem de acordo com as próprias ideias idiossincrâsicas a respeito do interesse público." Os cidadãos também são sensíveis ao fato de que a admi- nistração pública separa os burocratas, isolando-os da responsabilidade pública dircta. Como, por meio de eleição, os funcionários públicos elei tos ou nomeados podem ser responsabil izados, os cidadãos geralmente lhes concedem maior liberdade para iniciar novos empre- endimentos públicos. Contudo, os cidadãos consideram negativamente até mesmo as iniciativas dos Íuncionários eleitos ou nomeados, porque o empreendedorismo destes f requentemente parece voltado para a conquista de voros por meio da satisfação de interesses particulares e não para a busca e produção de algo que tenha valor público/ Até o ponto em que são procedentes, essas observações ressaltam um fato social óbvio, mas frequentemente negligenciado: a sociedade tem expectativas muito diferentes para os seus gerentes públicos e os seus gerentes privados. Somos inclinados a considerar a imaginação e a iniciativa entre tis executivos (não eleitos) do setor público como peri- gosas e contrárias ao interesse público, ao passo que percebemos exatamente as mesmas qualidades entre executivos do setor privado como não apenas toleráveis, mas desejáveis para o bem-estar económico da sociedade. Sem dúvida, existem mui tas razões para essas expectativas an- tagónicas. Como os mecanismos políticos que fiscalizam as empresas públicas são certamente mais vulneráveis à influência gerencial e aos Imaginação Gerencial l subterfúgios do que os mecanismos financeiros que fiscalizam as empresas privadas, os gerentes públicos podem ter de ser observados mais de perto do que os gerentes do setor privado. Como as decisões dos gerentes públicos se aplicam a todos os cidadãos, suas iniciativas devem ser supervisionadas muito mais de perto do que as decisões dos gestores do setor privado, cujas decisões se tomam em benefício somente de uns poucos indivíduos específicos (não obrigados). Como os resul- tados de decisões gerenciais são mais subjettvos e (com frequência) aparecem mais lentamente no setor público do que no privado, é mais difícil para o setor público responsabilizar seus gerentes a posteriori por seu desempenho. E assim por diante. Mas essas expectativas diferentes têm uma consequência importante que não vem sendo bem reconhecida ou considerada. Desestímulando raciocínios como os que a bibliotecária está tendo, e as ações que poderiam advir de suas reflexões, a sociedade recusa ao setor público o ingrediente fundamental que o setor privado se vale para permanecer alerta, dinâmico e criador de valor: isto é, a adaptabilidade e eficiência em empregar a imaginação das pessoas chamadas gerentes, com o fim de combinar, de um lado, o que estas percebem como demandas públicas e, de outro, o acesso a recursos e o controle da capacidade operacional para a produção de valor. E bem verdade que a sociedade pode estar se beneficiando da imaginação de gerentes públicos que sofreram muito tempo essas restrições e encontraram meios de contorná-las para proveito da coletividade.' Mas o fato é que a sociedade não mereceu o benefício: não organizou suas relações com os gerentes públicos de forma a exigir, esperar, recompensar ou valorizar tais esforços. Então, é inevitável que a sociedade receba essas contribuições menos do que se poderia, caso se organizasse para esperá-las, exigi-las ou simplesmente permiti-las. 44, . Imaginação Gerência! Gestão Estratégica no Setor Público Há um modo diferente e mais útil de se considerar o papel dos gerentes públicos: mais próximo (porém de maneira alguma idêntico) da imagem que a sociedade tem dos gerentes do setor privado. Sob esse prisma, os gerentes públicos são vistos como exploradores que, com outros, tratam de descobrir, definir e produzir valor público. Em vez de simplesmente inventar os meios para alcançar os objetivos estabelecidos, os gerentes públicos se tornam agentes importantes para auxiliar a descobrir e definir o que seria proveitoso fazer. Em vez de serem responsáveis apenas para garantir continuidade, os gerentes públicos se tornam importantes inovadores, mudando o que faiem, as organizações públicas e a forma como o fazem. Em resumo, nessa visão, os gestores públicos se tomam estrategistas, mais do que técnicos. Se preocupam, para /ora, corn o valor do que estão produzindo, como também para baixo, com a eficácia e com a adequação de seus instrumentos. Utilizam a política na qual a organização está imersa para ajudar a definir valor público e a organizar como as organizações podem operar. Em vez de uma harmonia estável que lhes permitisse aperfeiçoar o trabalho em curso, antecipam um mundo de conflitos políticos e tecnologias mutáveis que lhes exigem reestruturar com frequência as organizações. Em um mundo assim, as conjecturas da bibliotecária sobre como usar a biblioteca para satisfazer as necessidades das crianças seriam consideradas um recurso potencialmente valioso e não como pensamentos perigosos de urn burocrata construtor de castelos. Evidentemente, o motivo principal para preocupação com essa visão alternativa é que ela ameaça precisamente o que a concepção con- servadora visava a evitar - isto é, a dominação do processo político democrático por burocratas voltados para os próprios interesses pessoais ou mal orientados. Porém, a visão tradicional apresenta o problema de não cumprir com o compromisso de proteger o processo político contra influências burocráticas, alcrn da já mencionada supressão de algumas contribuições potencialmente úteis de gerentes públicos.Imaginação Gerencial l 45 -O.ICLI questionamentos tão logo se desenvolveu, segundo os quais uma distinção rigorosa entre política e administração era tanto teórica como praticamente impossível. " Na teoria, a visão ortodoxa desestimulava os burocratas a uti l izar muita imaginação acerca dos legítimos propósitos governamentais c os impedia de assumir qualquer responsabilidade pela sua definição. Na prática, as doutrinas não impediam que os gerentes públicos não eleitos fizessem tanto um como outro- Funcionários públicos com muitos recursos, e com agendas próprias, encontravam habitualmente modo» implícitos de moldar as concepções governamentais de interesse público. Ademais, o caráter não ostensivo da sua influência tornou-se particularmente pernicioso, porque frustrou a confiabiiidade e transformou os envolvidos em corruptos cínicos. Uma abordagem alternativa para controlar a influência dos gerentes públicos seria reconhecer a sua utilidade potencial, como também a sua inevitabilidade, e prover canais formalizados pelos quais ideias gerenciais sobre oportunidades para criar valor público poderiam ser corri.1 tamente apresentadas. Também seria importante ensinar os gerentes públicos como procurar e definir valor público de maneira mais adequada e efetiva do que agora o fazem. Taís esforços ajudariam a sociedade a fazer da necessidade uma vantagem. Permitiriam à sociedade usuf ru i r o benefício da experiência e imaginação dos gerentes públicos sem ter de ceder às suas concepções personalistas de interesse público. E é essa a parte do trabalho que ainda não foi feita. Debilitamos para sempre as doutrinas tradicionais de gestão pública, mas ainda não criamos com o cuidado merecido uma ideia alternativa sobre como os gerentes públicos devem pensar e atuar. UMA ABORDAGEM AITERNATIVA PARA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Eis o objetivo básico deste livro: elaborar uma concepção sobre como os gerentes públicos, a exemplo da bibliotecária, poderiam ser mais úteis 46 l Imaginação Gcrencial à sociedade buscando e explorando oportunidades para criar valor público. Essa elaboração está de acordo com o juízo de que a sociedade precisa estar sempre em busca de inovações imaginativas (e habilidades técnicas correspondentes) que gerem valor, seja por meio dos executivos públicos como dos gerentes do setor privado. Para desenvolver essa concepção, procedo do seguinte modo. No Capítulo 2, discuto a finalidade do trabalho gerência! no setor público. Defendo a ideia de que os gerentes devem procurar "produzir valor público". Já que se trata de um conceito abstrato, ofereço algumas ideias a propósito de como os gerentes devem considerar o valor público nas empresas que dirigem. Como seria previsível, essa não é uma tarefa simples. Há muitos critérios diferentes para aferir valor público, e nenhum é por si só satisfatório. Por exemplo, tanto a teoria democrática como a sua prática concentram atenção no grau de satisfação que supervisores eleitos têm com relação ao desempenho da organização. Alternativamente, usando as técnicas de avaliação de programas, um gerente pode determinar se, e quão eficazmente, a organização alcançou os seus propósitos subs- tantivos (autorizados politicamente por mandatos, mas definidos analiticamente). Ou, usando as técnicas de análise custo-benefício, poderíamos calcular quanto ganharam os beneficiários individuais do empreendimento com relação ao preço que tiveram de pagar os que o apoiaram. ' Finalmente, valendo-nos de algumas analogias informais com a administração do setor privado, e enquadrando-nos no atual entusiasmo com respeito ao "governo orientado para o usuário" , poderíamos calcular o valor da organização medindo a satisfação dos que interagiram com a entidade na qualidade de clientes ou usuários. De fato, cada um desses padrões pode ajudar os gerentes (e o resto de nós, cidadãos) a determinar o valor de empresas públicas. Mas os padrões diferentes não são necessariamente compatíveis entre si, e cada um desses métodos tem suas próprias deficiências. Apesar das dificuldades, observações importantes podem ser feitas no Imaginação Gerência! sentido de orientar os gerentes públicos. A não menos importante delas é ressaltar que sempre vale a pena fazer perguntas. De fato, questionar continuamente o valor de empresas públicas é uma das providências que pode ajudar os gerentes a se tornarem propositivos e criativos no exercí- cio de suas funções para o nosso benefício coletivo. Uma vez que os gerentes públicos têm de atuar com alguma teoria do valor público, o Capítulo 3 desenvolve um método prático para perceber o valor em circunstâncias específicas. O método adapta o conceito de estratégia corporativa do setor privado às circunstâncias especiais do setor público. Alego que uma concepção útil de valor público pode ser levada em consideração por gerentes públicos se estes integrarem: (1) avaliações substantivas do que seria valioso e efetivo; (2) um diagnóstico de expectativas políticas; e (3) cálculos imparciais do que é operacionalmente possível. Em resumo, percebendo o valor público, os gerentes têm de achar um modo de integrar políticas, conteúdo e gestão. Um tripé estratégico pode ajudar-nos a conceber o argumento básico. A imagem focaliza atenção gerencial em três importantes perguntas a que os gerentes precisam responder para testar se é apropriada sua noção do objetívo organizacional: se este tem valor público, se goza de apoio político e legal, e se é factível administrativa e operacionalmente. O tripé também serve de dispositivo para lembrar os gerentes das funções e tarefas fundamentais que terão de executar para definir e realizar a sua visão- Especificamente, o tripé realça três aspectos diferentes do trabalho: (1) avaliar o valor do objetivo considerado; (2) gerenciar para cima, para a política, com o fim de investir o objetivo de legitimidade e apoio; e (3) gerenciar para baixo, para melhorar a capacidade da organização a fim de alcançar os objetivos almejados. Esses aspectos, por sua vez, são o foco dos capítulos subsequentes deste livro. Os capítulos 4 e 5 analisam a função e as técnicas da gestão pública - a parte da gestão estratégica que trata de gerenciamento ascendente em direção à política. No Capítulo 4, explico por que o gerenciamento político é parte importante do trabalho de um gerente público e como imaginação Gerencial diagnosticar cenários políticos. Os gerentes precisam mobilizar apoio e recursos para as organizações que lideram enquanto angariam o auxílio de outros, além dos seus limites organizacionais, que podem ajudá-los a alcançar os resultados substantivos pelos quais se lhes atr ibui responsabilidade. No Capítulo 5, caracterizo cinco abordagens diferentes às tarefas de gerenciamento político, incluindo advocacia empreendedora,4 gestão de desenvolvimento de políticas públicas, negociação, deliberação e liderança públicas, e marketing do setor público.16 Como a função de gerenciamento político, é a parte do trabalho gerencial mais ameaçadora para os valores democráticos, atribuo atenção especial à questão do que é correto e efetivo. Os capítulos 6 e 7 tratam das partes da gestão estratégica que se ocupam da gestão para baixo, referente à organização. O Capítulo 6 apresenta uma estrutura a ser utilizada na análise dos "produtos" produzidos por organizações do setor público, do processo de produção que a organização está empregando e de como os sistemas adminis- trativos da organização estão dando forma e dirigindo esse processo. Uma vez que o conceito de gestão estratégica pressupõe ambiente político e de trabalho em constante mudança, ressalto as técnicas que os gestores usam para modernizar e estimular a modernização contínua nas organizações. Nessa linha, o Capítulo 7 examina as técnicas que os gerentes usam para introduzir inovações estrategicamente impor- tantes em suas organizações.Finalmente, no Capítulo 8 volto às questões apresentadas no primeiro capítulo: a saber, que tipo de moralidade ou temperamento queremos que os gerentes públicos tenham de forma que eles sejam bem-sucedidos tanto do ponto de vista da eficiência quanto da democracia? Defendo a ideia de que os gerentes públicos devem assumir compromissos éticos e estabelecer padrões psicológicos para serem bem-sucedidos (ou se tornarem mais virtuosos) como gestores públicos, Antes, porém, de tratarmos de técnica e no final de virtude, devemos considerar o assunto crucial do valor público, o tópico do próximo capítulo. Imaginação Gerencial l 49 CAPÍTULO 2 DEFININDO O VALOR PÚBLICO No dia em que foi designado, o diretor da saúde pública dirigiu através da cidade e, por toda a parte, viú-sinais de negligência pública e privada. Latas de lixo estavam agora transbordando por terem sido deixadas muito tempo no meio-fio, caixas enormes e cheias de lixo, que sequer chegaram a ser levadas para o meio-fio, estavam escondidas nos becos, latas vazias estavam rodeadas de lixo derramado durante o esvaziamento e, nas partes mais pobres da cidade, ratos se agitavam entre as latas. Talvez por ter sido designado há pouco tempo, o diretor da saúde pública tinha um sentimento muito forte de responsabilidade pública - ou do seu dever "perante a sociedade". Todos os anos a cidade gastava muito para manter as atividades da sua organização. Nesta, centenas de empregados ganhavam salário e faziam carreira, e dezenas de ca- minhões eram guardados, mantidos e deslocados sob a sua supervisão. O mais importante é que milhões de pessoas contavam com a orga- nização para manter a cidade limpa e saudável. Enquanto dirigia pela cidade, ele observou com contentamento a sua organização trabalhando. Caminhões enormes, pintados em cores que os identificavam, roncavam, seguidos por agentes sanitários que viravam baldes de lixo nas bocas bem abertas dos veículos. Máquinas de limpar rua rodavam ao longo das sarjetas após a passagem dos caminhões de reboque, que removiam carros estacionados ilegalmente. Um varredor de rua apareceu, como por acaso, com uma vassoura e um recipiente de detritos, esvaziando as latas que tinham sido colocadas para acon- dicionar o lixo coletivo. Mesmo assim, ele não conseguiu deixar de pensar no faio de que a sua organização podia fazer mais. Como diretor de saúde recentemente designado, ele queria fazer diferença. Queria que a organização tivesse urn impacto nas condições que via ao seu redor. Queria criar valor para os cidadãos da cidade. Mas como;* A questão parecia par t i cu la rmente urgente, já que o prefeito recentemente eleito pedira-lhe para definir os objetivos de sua gestão no Departamento de Saúde Pública. Como parte daquele plano estra- tégico, o prefeito queria saber se era aconselhável a privarização de algumas ou de todas as ações do departamento. O OBJETIVO DO TRABALHO GERENCIAL O diretor da saúde pública é um gerente público. A pergunta é: trabalhando com quê? Qual o objetivo do trabalho? Sabemos qual o objetivo do trabalho gerencial no setor privado: gerar lucros para os acionistas da empresa." Além disso, conhecemos os modos pelos quais aquela meta pode ser alcançada: produzindo produtos (ou serviços) que podem ser vendidos a clientes por preços que criam receitas acima dos custos de produção. E sabemos como as realizações gerenciais podem ser avaliadas: por meio de medições financeiras de lucros, perdas e alterações nos preços das ações da empresa. Se os gerentes privados podem conceber e fabricar produtos que geram lucros, e se as empresas que eles dirigem o fazem por um período de tempo, podemos dizer que esses gerentes criaram valor. No setor público, o objetivo geral do trabalho gerencial não é tão claro; o que os gerentes precisam fazer para produzir valor c muito mais ambíguo; e como avaliar se o valor foi criado é ainda mais difícil. Mas para desenvolver uma teoria a respeito de como os gerentes devem agir, temos de resolver esses problemas básicos. Sem saber o propósito do trabalho dos gerentes, não podemos determinar se a atuação gerencial é boa ou ruim. Afinal, a gestão públ ica é um empreendimento tanto técnico como normativo. r 54 l CONSIDERANDO O VALOR PÚB1JCO Para começar, proponho uma ideia simples: o objetivo do trabalho gerencial no setor público é criar valor público, assim como o objetivo do trabalho gerencial no setor privado é criar valor privado. Essa ideia simples é frequentemente recebida com indignação - às vezes até com raiva. Uma sociedade liberal como a nossa tende a considerar o governo como "setor improdutivo" e, de acordo com esta noção, o governo não pode criar valor. No melhor dos casos, o governo é um mal necessário: uma espécie de árbitro que estabelece as regras dentro das quais uma sociedade civil e uma economia de mercado podem operar com sucesso, ou então uma instituição que preenche os vazios do capitalismo de mercado livre. Apesar de tais atividades serem eventualmente necessárias, dificilmente podem ser encaradas como atividades que levam à produção de valor. O Governo como Setor Produtor de Valor Mas essa noção nega uma realidade que os gerentes públicos vivem diariamente. Da sua perspectiva, é o governo, atuando por meio dos gerentes, que protege o país contra inimigos estrangeiros, mantém as ruas seguras e limpas, educa as crianças e isola o cidadão de muitos desastres produzidos pelo homem ou pela natureza, desastres que empobreceram as gerações anteriores. Para os gerentes públicos, é óbvio que o governo cria valor para a sociedade. Esse é todo o sentido do seu trabalho. E claro que esse ponto de vista não é inteiramente satisfatório, pois leva em conta somente os benefícios da atividade governamental e não os seus custos. Na verdade, os gerentes públicos não podem produzir os resultados desejados sem utilizar recursos que também teriam valor se usados de outras formas. Para manter as ruas limpas, proteger os carentes das devastações da pobreza, da ignorância e do desemprego, e até para coletar impostos que a sociedade concorda que são devidos, os gerentes públicos precisam ter dinheiro para comprar equipamentos, remunerar funcionários e proporcionar benefícios legais aos clientes. O dinheiro que usam é levantado através do poder coercitivo da tributação. Fica Definindo o Valor Público l 55 perdido para outras utilizações - principalmente o consumo privado. A perda precisa ser examinada em relação aos supostos benefícios das empresas públicas. Além disso, os gerentes públicos com frequência utilizam outro recurso que não o dinheiro para alcançar as suas metas: empregam a autoridade estatal para compelir os indivíduos a contribuírem diretamente para a realização de determinados objetivos públicos.6 Para ajudar na manu- tenção da limpeza das cidades, são aplicadas multas aos que sujam as ruas, beneficiários da previdência social são por vezes obrigados a procurar emprego; e todo cidadão sente o peso da obrigação de pagar impostos para ajudar a sociedade a atingir seus objetivos coletivos. Os recursos requeridos pelos gerentes públicos são concedidos com relutância em uma sociedade que louva o consumo privado mais do que a execução de objetivos coletivos, que valoriza muito a liberdade individual e que vê o empreendedorismo individual como um instru- mento de desenvolvimento social e económico muito mais poderoso do que o esforço governamental. Logo, não basta afirmar que os gerentes públicos criam resultados que têm valor; eles precisam ser capazes de mostrar que os resultados conseguidos valem o preço pago por eles - a restrição à liberdade individual e o consumo privado (que poderia se realizar com o dinheiro pago em imposto, por exemplo). Só então os gerentes podem ter certeza de que valor público foi criado, O Mercado Político: "Nós, os Cidadãos" como um Consumidor ColetivoMas para quem se deve fazer a demonstração? E como alguém pode saber se essa demonstração é convincente? -, - No setor privado, essas perguntas fundamentais são respondidas quando os consumidores usam o seu dinheiro, ganho com dificuldade, na compra de um produto e quando o preço pago excede os custos de fabricação do que é vendido. Com esses fatos pode-se presumir o valor gerado na iniciativa privada. Se os indivíduos não valorizam os produtos ou o serviço o suficiente para pagar por eles, não os comprarão; e se não são comprados, não serão produzidos. No entanto, no setor público o dinheiro utilizado para financiar empreendimentos públicos não é proveniente das escolhas individuais e voluntárias dos consumidores. O dinheiro vem de empresas públicas que o adquiriram por meio do poder coercitivo da tributação, É pre- cisamente esse fato que cria o problema de avaliar as atividades do governo (pelo menos a partir de um determinado ponto de vista). O problema {desse ponto de vista) é que o uso do poder coercitivo do Estado enfraquece a noção de "soberania do consumidor" - o elo crucial entre as avaliações de valor individuais, de um lado, e, do outro, o controle do que será produzido, elo que proporciona justificação normativa para as empresas do setor privado. A coerção anula a oportunidade de os indivíduos expressarem as suas preferências individuais e de assim controlarem o que deve ser produzido. Uma vez que as pessoas não escolhem individualmente comprar ou contribuir para atividades governamentais, não podemos estar certos de que elas desejam o que o governo supre. E se não podemos estar certos de que os indivíduos querem o que o governo produz, então, pelo menos por meio de um reconhecimento simples, não podemos estar certos de que o governo esteja produzindo algum valor. No entanto, essa explicação ignora que os recursos disponíveis para os gerentes do setor público constituem-se por meio de um processo de opção voluntária - a saber, o processo de governo representativo. Na verdade, a opção individual e voluntária não controla o sistema. Mas as instituições e os processos da democracia representativa criam o melhor que podem as condições para que os indivíduos possam voluntariamente reunir-se e decidir o que gostariam de alcançar coletivamente, sem sacrificar os seus desejos individuais. É o único meio que sabemos sobre como criar um "nós" a partir de um conjunto de indivíduos livres. O "nós", por sua vez, pode decidir o que é causa comum, levantar recursos e organizar-se para atingir metas - todas as atividades empregadas na 56 l CONSIDERANDO O VALOR PÚBLICO Definindo o Valor Público l formulação das políticas e na implementação das funções associadas com o governo. De fato, é o reconhecimento explícito do poder político em estabelecer propósitos coletivos normacivamente coercitivos que torna os mandatos parlamentares e políticos fundamentais para as concepções tradicionais de gestão pública. Os mandatos orientam a produção do setor público porque eles são a tradução das aspirações coletivas. Estas, por sua vez, pelo menos se puderem ser executadas de acordo com os termos do mandato, criam o pressuposto do valor público assim como os me- canismos do mercado criam o pressuposto do valor de mercado. Assim sendo, devemos avaliar os esforços dos gerentes do setor público não no mercado económico dos consumidores individuais, mas no mercado político dos cidadãos e das decisões coletivas das instituições da democracia representativa. Demonstrando exatamente o que foi dito anteriormente, o diretor da saúde pública preparou um projeto para apresentar ao prefeito recém- eleíto. Assim, ele tenta informar os representantes públicos sobre o que a organização que ele dirige está fazendo para atender às aspirações públicas. Assim que o seu projeto for apresentado, ele se tornará responsável pela tomada das providências que levarão ao atendimento das metas e resultados que ele propôs. Também se recebe com frequência com ceticismo a afirmação de que os gerentes públicos podem assumir que valor público foi criado se eles tiverem passado pela prova do mercado político, pois, infelizmente, todos nos tornamos conscientes da insensatez e corrupção que podem per tu rba r as deliberações e opções das instituições democráticas representativas. No entanto, os gerentes públicos em exercício não têm escolha, senão confiar (pelo menos até certo grau) no poder normativo das preferências que emergem dos processos representativos. As opções fornecem a justificativa para a ação gerência! no setor público. Como os gerentes públicos gastam recursos públicos nas empresas que chefiam, necessi- 58 i CONSIDERANDO O VALOR PÚBLICO tam, mesmo se têm dúvidas, atuar como se existisse um "nós" coerente e normativamente coercitivo. De outro modo, os seus empreendimentos não teriam nenhum fundamento. DIFERENTES PADRÕES DE RECONHECIMENTO DO VALOR PÚBLICO Reconciliar a tensão entre o desejo de políticas democráticas deter- minando o que vale a pena produzir no setor público e o reconhecimento de que a política na democracia é vulnerável à corrupção tem sido o desafio para os que tentam oferecer uma teoria da gestão pública em uma democracia. Os conceitos utilizados como padrões para definir ohjetivos gerenciais foram mudando ao longo do tempo. Alcançando Objetlvos Mandatários de Fornia Eficiente e Efetiva A concepção predominante na maior parte de nossa história recente tem sido a de que os gerentes públicos devem trabalhar para alcançar as metas e os objetivos definidos pelo legislativo da fornia mais eficiente e efetiva que eles possam. ' Assim, o trabalho do Jiretor dj saúde pública é limpar as ruas tão eficiente e efetivamente quanto possível. E bem fácil concordar com essa concepção. Porém, a reflexão revela uma característica importante desse padrão comum, que é com f r e - quência negligenciada ou considerada fato consumado: a saber, o padrão estabelece a preeminência dos processos políticos - sobretudo legislativos - na determinação do que o setor público deve produzir de forma a gerar valor. Aos que valorizam a política como meio de cr iar uma vontade coletiva, e que vêem a política democrática como a melhor resposta que temos para o problema de reconciliar interesses individuais e coletivos, quitse não surpreende que ao processn político seja permitido determinar o que va le a pena produzir com recursos públicos. ' Nenhum outro procedimento corresponderia aos princípios da democracia. Mas. para aqueles que desconfiam Já integridade ou da utilidade dos n,-fmindooValorP<il>lico l 59 processos políticos, a ideia de que o valor público seja definido politicamente é um pouco difícil de engolir. Eles viram muitos casos de corrupção para confiar nos processos políticos determinando valor publico. No mínimo, esses críticos querem garantias de que o processo político tem princípios e que aceita os limites inerentes da ação gover- n^mental ou que satisfaz padrões mínimos de equidade e competência n,^s deliberações produzidas pelos mandatos.1 Como alternativa, prefeririam meios mais objetivos de assegurar a criação de valor nas empresas do setor público e uma instância que fosse capaz de confrontar os processos políticos com essas informações objetívas. Competência Politicamente Neutra virada do século XX, Woodrow Wilson ofereceu uma solução: ar a política da administração e aperfeiçoar cada atividade em sua ria área. Assim, esperava-se que os gerentes públicos estivessem recebendo dos políticos políticas bem definidas, desenhadas e coerentes. Já que as políticas são resultado de intensas e árduas negociações e Processos políticos, teriam urna espécie de isenção moral proporcionada Pe[a política democrática efetiva. ^ vista dessa realização da política, os gerentes públicos poderiam com segurança voltar a sua atenção para encontrar o meio mais eficiente e
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