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ESTUDO DE CASO DE UMA PACIENTE BORDERLINE Cleiton fronckowiak1 Carla Adriana da Silva Villwock2 RESUMO: A paciente chegou para o atendimento com queixas correspondentes a sintomas neuróticos, porém com o decorrer do atendimento evidenciou-se uma organização borderline de personalidade, com atuações perversas e aspectos paranóides que a impediam de desenvolver-se em sua vida, familiar, social e profissional. Palavras chaves: Psicodinâmica-Borderline-Perversão INTRODUÇÃO O presente artigo aborda a anaestruturação de personalidade borderline e o caráter perverso. Tal problemática se faz válida a partir da grande incidência desse tipo de funcionamento psicodinâmico de personalidade, na prática clínica dos dias de hoje. Para a realização deste trabalho foi realizado um estudo de caso de uma paciente de 30 anos, casada e com um filho que será referida pelo codinome Rosa. Ela buscou atendimento, pois, não estava conseguindo sair de casa sozinha, dependendo sempre de outras pessoas para realizar seus afazeres diários, principalmente para sair na rua. A partir da história clínica de Rosa, será apresentado o entendimento psicodinâmico, do caso, que será utilizada como exemplo para alguns conceitos psicanalíticos a respeito das organizações de personalidade borderline e do caráter perverso. METODOLOGIA Essa pesquisa é de cunho qualitativo, baseado em um estudo de caso. De acordo com Gil (1996), o estudo de caso trata-se de um “estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira que permita o seu amplo e detalhado conhecimento...” (p. 58). O sujeito dessa pesquisa é uma mulher de 30 anos de idade, que buscou atendimento na clínica escola (CESAP). Os instrumentos desse trabalho foram entrevistas não diretivas realizadas durante o tempo em que ela permaneceu em atendimento na CESAP. 1 Autor 2 Orientadora Os dados foram analisados através da técnica de Estudo de Caso (Yin, 2001), a qual possibilita “uma investigação para se preservar as características holísticas e significativas dos eventos da vida real” (YIN, 2001, p. 21). HISTÓRIA CLÍNICA Para a realização do propósito deste trabalho, se faz necessária um relato da história clinica da paciente em questão: Rosa foi criada no interior de um outro estado, junto com setes irmãos. Diz ter tido uma infância difícil, pois seu pai era alcoólatra. Por conta do vício do pai não tinham onde morar, pois ele vendia tudo para comprar bebidas alcoólicas. Segundo ela, quando o pai estava embriagado, abusa sexualmente das irmãs, mas diz que isso não aconteceu com ela, pois sempre foi de falar às coisas que aconteciam para as pessoas. Com o decorrer dos atendimentos falava que não sabia se havia sido abusada pelo pai, pois não lembrava e não queria lembrar. A infância de Rosa foi conturbada, desde o seu inicio, visto que os pais viviam em condições precárias de rua, chegando a serem moradores de rua, junto aos seus sete filhos. Ela relata com pesar que todos os bens da família acabarem se perdendo, devido aos vícios de seu pai. Esse desaparecia por uns tempos, mas quando o seu dinheiro acabava, tornava a sua casa. Em um desses afastamentos do pai, Rosa chegou a ser entregue aos cuidados de outra família, depois que sofreu queimaduras em uma panela. Esta família, lhe deixava “trancada em quarto escuro” (sic). Algum tempo depois, não especificado pela paciente o pai voltou para casa e foi busca-la dizendo que o lugar dos filhos era junto com os pais. No início de sua adolescência, saiu de casa com as irmãs para trabalhar em um circo. Neste local, ela se envolveu em uma confusão com um funcionário. Chamada a sala do patrão, conta que teve um ataque epiléptico, quando se viu pressionada por ele. Diz, que durante o ataque conseguia ouvir tudo o que os outros falavam, mas não conseguia controlar o seu corpo. Até hoje seu braço esquerdo adormece e fica dolorido, quando a paciente esta exposta a situações estressantes. Sendo que a mesma já veio com o braço enfaixado para o atendimento. Durante a sua adolescência a paciente mudou-se para o Rio Grande do Sul, atrás de oportunidades, que não haviam em sua cidade natal. Nesta época acabou se prostituindo, pelo intermédio de uma amiga e neste estabelecimento, conheceu o marido, que freqüentava a boate. Em seu relato refere ter sido estuprada quatro vezes. A primeira vez foi estuprada pelo marido de uma amiga, esta acabou por romper os laços com a paciente, devido ao ocorrido. A segunda vez foi quando saiu com uma amiga e ficou com um rapaz. Como a sua queria dormir, com o amigo desse rapaz, ela foi até a casa deles, chegando lá, foi obrigada a ter relações com o rapaz com quem estava na boate. Na terceira vez o filho da dona da boate, parou o carro durante uma viagem e a levou para o mato. Finalmente, foi estuprada por um homem que a pegou a beira de uma estrada e abusou dela no mato. Essa parece ter sido o caso que teve um maior impacto na paciente. Ela não sabe se a sua filha, é do estuprador ou do marido. Tem medo de ter HIV, embora já tenha realizado exames que desmentiram tal suspeita. Já se submeteu a um processo terapêutico, que segundo ela, lhe fez muito bem porque parou de bater na filha e melhorou o seu relacionamento com o marido. Nos últimos meses, tem se envolvido em conflitos com uma irmã, que culminavam em agressões físicas. Também se envolveu em conflitos com um rapaz envolvido com o trafico de drogas, que lhe roubou alguns objetos de valor. Teme que ele venha a e se vingar. COMPREENSÃO PSICODINÂMICA A partir da história clínica levantada acima, será realizada uma breve revisão de conceitos relevantes para a discussão do caso. Buscou-se tal investigação a partir dos postulados de Bergeret (1998), Kernberg (1995) e outros relacionando-os ao presente caso, buscando assim um melhor entendimento do funcionamento psicodinâmico da paciente, bem como a facilitação do entendimento de alguns aspectos da teria psicanalítica, a respeito dos pacientes Borderline. Cabe ressaltar que as organizações de personalidade borderline, são caracterizadas por um padrão de relacionamento emocional intenso, porém confuso e desorganizado. A instabilidade das emoções se apresenta por flutuações rápidas e variações no estado de humor de um momento para outro sem justificativa real. Esses pacientes reconhecem sua labilidade emocional, mas para tentar encobri-la justificam-nas geralmente com argumentos implausíveis. Seu comportamento impulsivo freqüentemente é autodestrutivo. Estes pacientes não possuem claramente uma identidade de si mesmos, como um projeto de vida ou uma escala de valores duradoura, até mesmo quanto à própria sexualidade. A instabilidade é tão intensa que acaba incomodando o próprio paciente que em dados momentos rejeita a si mesmo, por isso a insatisfação pessoal é constante (DSM-IV TRtm, 2002). Os freqüentes relatos que Rosa fazia a respeito de seus primeiros anos de vida, nos quais faltavam as mínimas condições de vida, visto que não tinham o que comer, as freqüentes doenças, as agressões do pai e até mesmo a falta de uma moradia, apontam para possíveis dificuldades no desenvolvimento do ego da paciente. Para Bergeret (1998), o ego nos estados limítrofes, superou sem frustrações nem fixações demasiado grandes o momento em que as relações iniciais e precoces muito más com a mãe que poderiam operar uma organização psicótica. O ego continua seu caminho rumo ao Édipo, porém tal situação não pode ser abordada em condições normais, devido a uma sedução, que neste caso parece ter sido real. Os pais de Rosa pareciamser incrementadores da dependência da filha, visto que mesmo hoje ela permanece indiferenciada da mãe, mantendo com a mesma uma relação anaclítica, de dependência ao mesmo tempo em que desvaloriza a mãe, ou as pessoas que assumem o papel de cuidadores em sua vida, pois sente raiva por ter essa dependência. Por sua vez, seu pai era exigente e ameaçador, gerava intolerância, incertezas e contradições, e assim os limites não ficaram claros para a paciente. Seu superego é fraco, não consegue ser estruturante. Conseqüentemente as atuações aumentam, a ponto da paciente ter agredido a irmão, com o seu DVD, sendo que o próprio DVD havia sido roubado, possivelmente devido a sentimentos de inveja negados pela paciente. A paciente apresenta uma falha na simbolização, por isso recorre a esse tipo de atuação, tem uma falta de confiança básica e dificuldades com a idade pré-edípica e sexual, possivelmente vinculadas, ao pai abusador. Isso culmina em uma necessidade por parte da paciente de compreensão, respeito, afeição e apoio, que tanto lhe faltaram durante a sua infância (BERGERET, 1998). Durante este período o ego incipiente de Rosa não estava preparado para viver uma relação triangular e genital com os seus objetos, pois não podia se apoiar no amor do mãe, que tantas vezes lhe foi negligente, para superar seus sentimentos hostis em relação ao pai. Pai que seduzia e agredia as irmãs da paciente, portanto ela foi vítima de uma sedução real, que a impediu de elaborar o complexo de Édipo, constituindo-se em um trauma afetivo precoce. Esse primeiro trauma afetivo precoce desempenhará o papel de primeiro desorganizador da evolução do sujeito. Encontraremos, pois, essa evolução fixada, de inicio, e as vezes por muito tempo, em uma pseudolatência mais precoce e durável que a latência normal, depois aquilo que deveria ser uma trabalho afetivo na adolescência, com suas possibilidades de mutações, transformações e intensos investimentos afetivos, recolocando em jogo e em questão tanto os inícios de genitalidade quanto todas (ou falhas) pré-genitais (BERGERET, 1998 pág 120). As primeiras lembranças de Rosa a respeito desses abusos dizem respeito aos seus quatro anos de idade, diz não ter sido abusada pelo pai, porque era muito madura para a sua idade, tal como acontece na pseudo-latência, descrita por Bergeret (1998). Este bloqueio no desenvolvimento da maturidade afetiva do ego, no momento em que este ainda não esta diferenciado sexualmente, constitui aquilo que Bergeret (1998) chama de tronco comum dos estados limítrofes. A manutenção desse estado é custosa ao ego de Rosa, que necessita colocar jogo onerosos contra-investimentos e formações reativas com o intuito de manter-se afastado das estruturas psicóticas, já superadas e das neuróticas, infelizmente não alcançada pela evolução pulsional e adaptativa (BERGERET, 1998). Alias seu quadro clínico apresenta oscilações que vão desde aspectos paranoides, que a paciente apresenta em relação ao seu amigo e aos abusadores, até sintomas conversivos, como seu braço que perde os movimentos, próprios das estruturas neuróticas. Essa pluralidade sintomática é possível graças a fragilidade do seu superego, que não pode se estruturar, pois a paciente permaneceu fixada antes da resolução da conflitiva edípica e opra sob o primado pré-genital. Ele aparece de forma persecutória, pois após suas atuações perversas a paciente, apresenta sintomas hipocondríacos dizendo que acha que tem aids. Na verdade todos esses movimentos pareciam servir ao propósito de encobrir uma ansiedade depressiva subjacente, um possível medo de perder os objetos com os quais mantém relações anaclíticas e dos quais depende. Embora sinta raiva dessa dependência, um afastamento desses objetos implica no surgimento de sentimentos depressivos que a paciente não suporta, bem como a castração frente a qual a paciente não encontra recursos para enfrentar. Afim de fugir de tais sentimentos de castração, ansiedade da qual Rosa sente horror, ela encontra saídas um tanto peculiares. Para Bergeret (1998) existe um trajeto que parte da linhagem anaclítico-narcisista do tronco comum dos estados limítrofes em direção à linhagem psicótica, um estado caracterial que repousa sobre um modo de organização do tipo perverso. Esses “perversos polimorfos” correspondem ao “caráter perverso”. A parte principal de sua satisfação é deslocada sobre um prazer preliminar, sobre uma pulsão parcial e sobre um objeto parcial. É difícil separar a estimulação prévia da satisfação terminal. Prazer e tensão permanecem mais ou menos confundidos; não existe neles a queda de tensão correspondente à total satisfação do desejo (BERGERET, 1998 pág 188) Rosa diz ter um “imã para estupradores”, na verdade, isso pode ser entendido como movimentos de sedução, tais como o que a paciente realizava na relação transferencial com o terapeuta. Sendo estuprada a paciente foge de possíveis sentimentos de culpa que poderiam ser experimentados nessas relações sexuais, pois nega seus desejos em relações aos abusadores. Quando a paciente é abusada ela desloca uma pulsão parcial, que aparece ligada a um objeto parcial, mal. Essa posição na qual a paciente se relaciona com eles, só acontecer, devido aos resquícios de sua sexualidade perverso polimorfa que não puderam ser integradas sob primado da genitalidade, uma vez que ela não conseguiu passar pelo Édipo. Nessas relações que Rosa tem com os abusadores, prazer e tensão aparecem misturados, ela acaba repetindo as relações que tinha com o pai, apesar da paciente não lembrar, o que é esperado em tal situação, de ter sido abusada pelo pai, pode-se inferir que a este respeito, haviam desejos incestuosos dela em relação ao pai. O perverso, também sofre da amnésia infantil, que aparece como uma cicatriz provocada pelas pressões contra a sexualidade (SIMIRGEL, 1991). Assim ela revive esses traumas, que a desorganizaram durante a sua infância, com os seus abusadores. Essas agressões psíquicas foram sofridas por Rosa em um momento chave de seu desenvolvimento afetivo, assim ela permaneceu fixada sob o primado do pré-genital evoluindo, para um “caráter perverso” (BERGERET, 1998). Essas atuações sexuais evidenciam a conexão metapsicológica entre os estados limítrofes e a psicose, pois tratam-se de loucuras sexualmente expressas. Essa expressão bizarra da conduta sexual serve como uma defesa que protege o self de um colapso psicótico potencial. Assim a paciente obtém um precário êxito no manejo de circunstancias evolutivas virtualmente aniquiladoras da existência individual (SIMIRGEL, 1991). Kernberg (1995) descreve três critérios estruturais, difusão de identidade, operações defensivas primitivas e o teste de realidade, para o diagnóstico das organizações borderline, nos quais Rosa parece se encaixar. Quanto a difusão de identidade a paciente descreve sentimentos de vazio crônico, se percebe com uma pessoa piedosa, que ajuda os outros, ao mesmo em que se revela agressiva sendo que essa contradição se estende a sua visão do marido, irmãs e amigos. Não conseguia se mostrar por inteira até que decidiu pelo final do tratamento. Durante o atendimento Rosa defendia-se de suas ansiedades depressivas através de mecanismos de defesas arcaicos tais como: Clivagem: Descrevia sua atual cidade totalmente boa, que oferece condições, oportunidades e assistência. Por outro lado sua cidade natal, era descrita pela paciente como totalmente ruim, desvalorizando os mesmos aspectos que aparecem idealizados em outro local. Identificação projetiva: Colocava sentimentos seus no terapeuta, que se identificava com os mesmos. Sentiamedo do terapeuta, visto por ela como um abusador em potencial, transferindo assim para a sessão terapêutica a relação que tinha com o pai em sua infância, sentindo assim medo de vir para a terapia e necessitando de um acompanhante para chegar a mesma. A este aspecto, podemos inferir as dificuldades despertadas pela transferência negativa que a paciente fazia em relação ao terapeuta, uma vez que os homens que haviam passado por sua vida eram agressores, abusadores e hostis. Negação: Negava aspectos ruins de sua atual cidade, bem como de si mesma, tal como sentimentos de inveja, que nutria em relação a irmã, bem como outros aspectos agressivos, que demonstrava em relação a família. Onipotência e desvalorização: Dizia-se uma pessoa muito boa, que só se preocupava em ajudar os outros, que acabavam sendo “mau agradecidos” com a paciente, que por sua vez, desvalorizava essas pessoas, colocando-se em um patamar de superioridade frente a elas. A paciente mantinha a capacidade de teste da realidade, embora precisasse de um objeto anaclítico para testa-la. Muitas vezes a paciente dizia que às vezes era como se ela e a mãe fossem a mesma pessoa, que era como se ela senti-se o que o que mãe sente. CONCLUSÃO A partir deste breve trabalho parece ter sido possível, compreender um pouco mais a problemática dos pacientes Borderline em seu sofrimento. Pode-se observar, que Rosa apresenta uma pluralidade de sintomas que vão desde aspectos paranóides, passando por atuações perversas até sintomas ditos, neuróticos tais como fobias e conversões, que mascararam a organização limítrofe subjacente. Foi possível perceber também que os mecanismos de defesas utilizados pela paciente são muito primitivos, que não são suficientes para proteger Rosa de sua ansiedade, predominantemente depressiva. Isto acaba resultando em um grande sofrimento que se manifesta através da referida pluralidade de sintomas. A teoria de Kemberg (1995) e Bergeret (1998) encontra aqui um respaldo, na pratica com os pacientes Borderlines demonstrando assim a necessidade de pesquisas a respeito desses tipo de pacientes, tendo em vista o ano em que fizeram seus postulados e a validade que encontram na pratica diária da psicoterapia psicodinâmica. Referências Bibliográficas BERGERET , J: A personalidade Normal e Patológica. Porto alegre: Artmed, 1998. DSM-IV-TRtm – Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Trad. Cláudia Dornelles; 4 ed. ver. Porto Alegre: Artmed, 2002. GIL, Antonio Carlos. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. 3.ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 1996. KERNBERG, Otto. Transtornos Graves de Personalidade. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995 YIN, Robert K. Estudo de Caso: Planejamento e Métodos. 2.ed. Porto Alegre: Bookman, 2001. SIMIRGEL, Janine Chassegut. Ética e Estética da Perversão. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.
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