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COF Resumos Aulas 6 a 10

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Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 1 
 
Curso Online de Filosofia 
 
OLAVO DE CARVALHO 
 
 
 
 
 
Resumos de Aulas 
 
Vol. II 
 
 
Elaborado por Mário Chainho 
 
 
 
 
 
Índice Pag. 
Aula 06 – 02/05/2009 (Especial Eric Voegelin) 2 
Aula 07 – 16/05/2009 12 
Aula 08 – 23/05/2009 20 
Aula 09 – 06/06/2009 27 
Aula 10 – 13/06/2009 36 
 
 
 
 
 
 
 
Notas: 
1) Este material é para uso exclusivo dos alunos do Curso Online de Filosofia. Estes 
devem sempre recorrer às gravações e transcrições das aulas, como fontes primárias, 
para limitar a propagação dos erros involuntários aqui contidos e colmatar as lacunas. 
2) Os resumos foram escritos em português de Portugal. 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 2 
Aula 06 – 02/05/2009 (Especial Eric Voegelin) 
 
Sinopse: Eric Vogelin procurou responder às questões fundamentais que se 
levantavam no seu tempo. Investigou a natureza dos movimentos de massas, o que o 
levou a iniciar linhas de estudo que não tinham paralelo. A sua metodologia recorria 
apenas a documentos auto-expressivos escritos em linguagem teorética, o que lhe 
permitia descobrir linhas de significado. Voegelin escreveu livros sobre a mente 
americana, a ideia de raça, as “religiões políticas” e um manual sobre a história das 
ideias políticas que foi abandonado, após a elaboração de 8 volumes, por ter 
percebido que não havia continuidade nas doutrinas. Iniciou, então, a sua grande 
obra, Order and History, uma história sobre os modelos de ordem, que era o terreno 
comum que ele tinha detectado nos seus anteriores trabalhos. Examinou primeiro as 
civilizações cosmológicas do oriente, que identificavam a ordem social com a ordem 
cósmica, e extraiam dessa ordem a sua representação existencial. A revelação 
hebraica vai consistir num primeiro salto no ser, que introduz uma dimensão histórica 
e uma existência face a Deus, que é mediada pelo profeta, que começa por colocar 
ordem na sua alma, de acordo com a ordem divina, e depois é obedecido pela 
comunidade, que assim atesta o seu maior ou menor grau de fidelidade à recordação 
da intervenção divina. Um segundo salto no ser ocorreu com o nascimento da filosofia 
na Grécia, onde se vai tentar apreender algo da ordem divina, as leis não escritas, por 
meios noéticos. A revelação hebraica e a filosofia grega vão combinar-se no 
cristianismo mas já ao nível do indivíduo. O modelo de ordem da modernidade, para 
Voegelin, é caracterizado pela perda da existência face a Deus e por um conteúdo 
efectivo dado pelas seitas gnósticas. Voegelin não conseguiu dispor os vários modelos 
de ordem em sequência, como imaginara, pois estes apareciam simultaneamente em 
vários locais e até no mesmo local, e daí ele vai afirmar que a ordem da História é a 
história da ordem. Afasta-se assim definitivamente das concepções simplistas que 
modulam a História como se fosse uma biografia humana e lhe determinam um 
sentido e um fim, como aconteceu com Compte e Marx. Nos movimentos 
revolucionários de massas vão confluir duas linhas, a gnóstica e a messiânica, que 
Voegelin chamava de apocalíptica e não tinha no início considerado. Os movimentos 
messiânicos surgem do escândalo face à corrupção da Igreja, e da descrença da 
possibilidade da ordem poder ser restaurada. Estes movimentos vão manifestar-se na 
reforma protestante, onde irão aparecer alguns elementos característicos das 
ideologias de massas, nomeadamente em Calvino, que vai criar a militância, a 
propaganda e a noção de Estado totalitário, e com Thomas Cramer, um precursor de 
António Gramsci, que criou a estratégia das mudanças graduais. Mais tarde estes 
movimentos infundem-se de gnosticismo e ocultismo e vão aparecer com um carácter 
radicalmente anticristão. Saber como isso aconteceu não podia ter sido feito por Eric 
Voegelin devido ao método por ele usado, já que os acontecimentos deram-se no seio 
de sociedades secretas ou discretas. Esta é uma primeira linha de investigação aberta 
que deve ser respondida. Outra linha de investigação prende-se como Islão e a 
necessidade de elaborar uma filosofia cristã da História. Eric Voegelin não se 
debruçou o suficiente sobre o Islão para perceber que se tratava de uma civilização 
eminentemente histórica, com uma filosofia da História pronta desde o início, algo 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 3 
que ainda falta ao cristianismo. Por último, falta ainda desenvolver uma ciência, não 
nos moldes da ciência moderna, que possa estudar os milagres, pois estes são a 
intervenção de Deus na História e a força de expansão do cristianismo. 
 
Primeiros trabalhos: metodologia e campo de estudos 
Eric Voegelin teve o privilégio de frequentar a Universidade de Viena, nas décadas de 
20 e 30 do século XX, quando esta instituição tinha intelectuais de alto gabarito, que 
lhe ajudaram a definir metodologias e o campo de estudo. Seguindo a boa tradição 
filosófica, as suas áreas de interesse intelectual visaram sempre responder aos maiores 
fenómenos sociais da sua época, obrigando-o a iniciar linhas de estudo que não tinham 
paralelo e a ter que interromper essas linhas para iniciar outras que lhe pudessem dar 
uma maior proximidade à verdade dos acontecimentos. 
Os primeiros trabalhos de Eric Voegelin procuraram definir o campo de estudos das 
ciências sociais e saber se a própria sociedade existia ou se existiam apenas os seus 
elementos. Ele acabou por delimitar o campo da sociologia como aquele que estuda a 
tensão entre o indivíduo e a sociedade. Hans Kelsen e Othmar Span foram duas 
influências contrastantes que marcaram a sua formação e o levaram directamente a 
estas investigações. Hans Kelsen foi o criador da Teoria Pura do Direito, procurando 
responder a uma necessidade de delimitar o direito como ciência autónoma (pura). Ele 
acabou por definir o campo jurídico como contendo apenas a estrutura formal da 
lógica normativa, onde não entravam nem os valores nem as ideias políticas. Já 
Othmar Span, na sociologia, fez um esforço de concepção de uma visão holística da 
sociedade, onde a independência das partes ficaria submetida ao todo. Após o seu 
doutoramento, Eric Voegelin vai para os Estados Unidos, como bolseiro da fundação 
Rockefeller, estudar o caso concreto americano, de onde resulta o livro On the Form of 
the American Mind (segundo o índice das The Collected Works of Eric Voegelin, 
publicação da “University of Missouri Press”, que será aqui utilizado como referência 
bibliográfica). Ele vai supor que existe mesmo uma sociedade americana com uma 
unidade, não apenas o aglomerado de grupos e indivíduos, sem que essa sociedade 
chegue a ser uma substância no sentido aristotélico. 
Eric Voegelin começou aqui a desenvolver uma metodologia de estudo que iria utilizar 
muitas vezes. Por um lado, ele recorreu a uma medida simplificadora em relação às 
suas fontes, recorrendo apenas a documentos auto-expressivos escritos em linguagem 
teorética, ou seja, no caso concreto da mentalidade americana Voegelin vai tentar 
apanhar a sua unidade a partir das interpretações dos próprios agentes históricos 
envolvidos, identificando uma unidade no diálogo e, assim, uma unidade na 
mentalidade. A utilização dos factos brutos tornaria o estudo de uma dimensão 
incomportável, além de não serem documentos auto-expressivos. As obras literárias 
também não são utilizadas por carecerem de linguagem teorética. Eric Voegelin terá 
sido inspirado nesta metodologia, presumivelmente, por Aristóteles quando este diz 
que a dialéctica nunca parte do exame dos factos em bruto mas do exame das opiniões 
dos sábios, ou seja, uma síntese de nível superior é elaborada a partir de sínteses 
parciais. Esta metodologia teve também a influência do historiador Eduard Meyer, 
com quem Voegelin teve contacto em Berlim. Eduard Meyer defendia que aCurso Online de Filosofia – Resumos de aulas 4 
interpretação dos factos históricos tinha de partir da auto-interpretação feita pelos 
agentes, desde que elaborada em linguagem teorética. Este método utilizado por Eric 
Voegelin tem algumas limitações, como veremos, mas permitiu identificar linhas de 
significado pelo constante retorno das mesmas questões ao longo dos séculos, podendo 
mesmo falar-se de uma continuidade ao longo do processo mental. 
Outra parte do método utilizado por Eric Voegelin, já dentro da análise dos 
documentos, teve a influência de Paul Friedlander, especialista em Platão, com quem 
ele tinha mantido contacto em Viena. Friedlander queria tratar da história das pessoas 
reais, que tinham elaborado as concepções filosóficas, retirando da linguagem 
abstracta o fundo de experiência que as tinha desencadeado. 
Motivado pela situação vivida no início da década de 30, Voegelin escreveu dois livros 
sobre a ideia de raça (Race and State e The History of the Race Idea: From Ray to 
Carus). Com a sua metodologia, ele vai descobrir que a doutrina racista deriva da 
cultura iluminista e não podia ter sido constituída sem o conceito biológico de raça. 
Até ao século XVIII o conceito de raça era usado no sentido cultural e religioso. A 
doutrina racista é um longo processo de falsificações que tem um propósito de auto-
identificação ideológico, e nada diz sobre a raça do outro grupo ou do nosso. 
A perseguição que Eric Voegelin sofreu pelos nazis devido aos seus livros sobre raça 
levou-o a se interessar ainda mais pelos fenómenos de massas e, em 1938, ano do seu 
exílio para os Estados Unidos, publicou o livro Political Religions (The Collected 
Works of Eric Voegelin, 5.º volume, em conjunto com os livros The New Science of 
Politics e Science, Politics, and Gnosticism). Voegelin tinha vindo a se interessar por 
autores tomistas e neotomistas, como Hans Urs von Balthazar e Henri de Lubac, que o 
despertaram para as ligações das ideologias de massas às heresias gnósticas. Henri de 
Lubac mostra no livro O Drama do Humanismo Ateu que a figura de Cristo não era 
simplesmente rejeitada por certas escolas de pensamento, o que levaria a uma rejeição, 
mas sim motivo de inveja, o que levaria a querer tomar o seu lugar. A ideia de 
Voegelin no livro Political Religions era mostrar que algumas ideologias políticas 
eram religiões substitutivas. Sendo possível fazer uma analogia, ele percebeu que isso 
não era um princípio explicativo suficiente. 
Depois Voegelin foi contratado para fazer um manual com a história das ideias 
políticas, em três volumes. Mas já ia no oitavo volume quando percebeu que havia 
algo de errado. Uma história deste género pressuponha uma continuidade das ideias 
políticas e das doutrinas, o que não se verificava. Ele percebeu que as próprias 
doutrinas tinham que ser encaradas como documentos auto-expressivos, mas isso iria 
alterar tanto o projecto que ele simplesmente abandonou-o e começou algo novo, a sua 
obra principal, Order and History. 
 
Civilizações cosmológicas e a representação 
Em Order and History, Voegelin vai elaborar uma história dos modelos de ordem, que 
lhe pareceu ser o terreno comum que tinha aparecido nos seus anteriores trabalhos. 
Estes modelos de ordem foram identificados pelos próprios intervenientes no processo 
histórico e depois utilizados para estruturar a vida humana. As primeiras civilizações 
abordadas foram as do oriente, China, Índia e Egipto, tendo Voegelin saltado por cima 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 5 
das culturas tribais por estas não terem fornecido documentos auto-expressivos como 
era requerido pelo método por ele utilizado. Estas civilizações orientais desenvolveram 
aquilo a que Voegelin chamava de sociedades cosmológicas. Os teóricos destas 
civilizações não defendiam apenas uma aproximação do modelo da sociedade à ordem 
cósmica, eram bem mais radicais e acreditavam que a sua sociedade já fazia parte 
dessa ordem e era um elemento que servia para preservá-la. Rituais não cumpridos 
pelo imperador da China poderiam causar não só desordem social mas cataclismos 
naturais, acreditava-se. Isto introduziu uma visão unitária e fechada do mundo, que 
condenava à inexistência quem não estivesse integrado na sociedade. A existência de 
outras ordens era motivo de crise. As outras ordens eram consideradas ilegítimas e 
representavam o caos. 
No livro The New Science of Politics (The Collected Works of Eric Voegelin, 5.º 
volume) surge a ideia de que a ordem vigente representa o povo. Não se trata de uma 
representação política mas existencial, em que a ordem fornece à sociedade, 
retroactivamente, o critério para distinguir o certo do errado, o verdadeiro do falso. 
Numa civilização cosmológica, onde a verdade como um todo é a ordem social, 
indistinta da ordem cósmica, nada fora dessa ordem pode ser considerado legítimo ou 
verdadeiro e a própria existência de outras ordens era um escândalo e uma ameaça. 
Esta tensão era eliminada quando os impérios, como nos casos do Egipto e de Roma, 
invadiam terrenos vizinhos e absorviam elementos dessas culturas, fazendo rearranjos 
simbólicos entre as ordens parciais, o que permitia manter a ordem global. 
 
A revelação hebraica e a inauguração da dimensão histórica na humanidade 
A revelação hebraica surge numa envolvente hostil dominada por grandes civilizações 
cósmicas que se viam a si mesmas como o centro do mundo, sendo tudo o resto uma 
periferia anormal e provisória. Esta nova ordem constituiu-se pela abertura de alguns 
indivíduos para uma ordem supra-cósmica, transcendente. A sociedade já não era 
ordenada directamente mas através dos profetas, que construíam primeiro a sua ordem 
interna e se tornavam juízes e reordenadores da sociedade. Esta ordem divina era 
superior à ordem cósmica, mas não tinha a estabilidade desta e vivia em permanente 
crise pois dependia da obediência do profeta a Deus e de que a sociedade se deixasse 
guiar pelo profeta. A relação entre Deus e o profeta é subtil. A revelação é gradual e 
pode ser incompreendida, e pode ainda existir infidelidade. A fidelidade do profeta à 
revelação não é uma mera compreensão mental, aquilo tem que se transformar num 
novo modo de existência e ele vai ter de incorporar essa ordem em si pois a revelação 
já não está mais presente, ao contrário da ordem cósmica, com uma presença sempre 
evidente no movimento dos astros e na sequência das estações. A nova ordem era mais 
exigente e subtil, aconteciam muitos percalços e episódios onde se evidenciava a 
tentação de voltar à ordem anterior, que sobrevivia sempre em resquícios. 
Sendo a revelação gradual e o processo de transmissão à sociedade complexo, 
mediado pelo profeta, a nova ordem teve uma implementação gradual. Isto é a 
inauguração da dimensão histórica na humanidade, marcada pela incerteza, pela 
dependência do elo frágil da fidelidade à recordação da revelação e onde o 
esquecimento de Deus é frequente, ao ponto de se tornar em tema recorrente na 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 6 
literatura universal. A nova dimensão inaugurada, segundo Voegelin no Êxodo para o 
Egipto, é a vida na incerteza histórica, onde não há um término pré-determinado e 
apenas umas promessas vagas de Deus a serem cumpridas em data incerta e por meios 
imprevisíveis. 
 
Um novo Salto no Ser com o nascimento da filosofia na Grécia 
Quase ao mesmo tempo que ocorria a revelação hebraica, na Grécia nascia a filosofia, 
constituindo um segundo salto para dentro do ser. Estes saltos são novas dimensões 
para a consciência humana, onde antes apenas existiam vestígios. Os indivíduos das 
civilizações cosmológicas não chegavam ter consciência da sua existência histórica. 
Essa consciência de uma existência histórica apareceu em Israel, e implicava um dever 
em cumprir uma missão, sem garantias de isso ser possível nemo conhecimento dos 
meios a ser utilizados. Sendo a relação da fé muito mais legítima e profunda que a 
confiança total na ordem cosmológica fechada, não podemos dizer que anteriormente 
se vivia no erro total. As civilizações cosmológicas mais importantes duraram milénios 
e não podiam ter se baseado num conhecimento totalmente errado para obter esta 
longevidade. Só recentemente se tentou recuperar este conhecimento a partir dos seus 
próprios termos, com todas as dificuldades inerentes aos trabalhos pioneiros, em 
trabalhos como Temple de l’Homme e Le Miracle Egipcian, de Schwaller de Lubicz e 
Serpent in the Sky, de John Anthony West. Nem todos os elementos da ordem 
cosmológica foram eliminados, mantendo-se na própria cultura cristã na forma de 
ocultismo e esoterismo. O que as novas ordens vieram acrescentar foi uma percepção 
mais fina quando antes as coisas eram nebulosas e vistas de forma simbólica. 
O salto no ser ocorrido no mundo helénico, apesar de ter se dado por meios diferentes, 
teve um teor idêntico ao da revelação hebraica. A filosofia era também uma abertura à 
ordem divina, da qual se tentava descobrir alguma coisa através da razão ou logos. 
Essa ordem evidenciava-se nas leis não escritas, que se encontravam para além da 
ordem social ou cósmica. Um exemplo de uma lei não escrita, retirado da Antígona de 
Sófocles, é que não é decente recusar uma sepultura a um morto, o que se sobrepõe a 
um costume social de repudiar uma pessoa quando ela ter lutou por uma nação 
estrangeira. Inicialmente a razão não significava pensamento lógico, já que a própria 
lógica não havia sido criada. Para Eric Voegelin, a razão é a simples tendência da 
inteligência humana ir em direcção ao fundamento, que é a ordem divina. A lógica 
limita-se a absorver e desenvolver princípios universais provindos da ordem divina, 
que não dependem do próprio cosmos, como o princípio de identidade enunciado por 
Aristóteles. Quando os pré-socráticos tentaram descobrir o elemento fundamental da 
natureza, o que realmente procuravam era um factor transcendente estruturante de todo 
o cosmos. Era uma busca de uma intuição da ordem divina supra-cósmica, mas ainda 
estavam presos à linguagem cósmica porque faziam as primeiras aproximações a uma 
nova dimensão. Tanto no desenvolvimento da filosofia como na construção da lei 
hebraica há a necessidade de desenvolver meios expressivos adequados para a 
comunidade poder compreender e absorver a nova ordem. 
Ambos os saltos no ser têm a sua substância na ordem divina, mas diferem nos meios. 
A revelação hebraica é de ordem neumática, relativa ao espírito que inspira o profeta. 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 7 
A filosofia grega é de ordem noética, puramente cognitiva, mas os primeiros filósofos 
acabam por ter a estatura de profetas devido ao papel que desempenharam e à própria 
inspiração que acabou por ser também divina. Antes destes saltos no ser os homens 
não tinham consciência, eram como bonecos nas mãos de ventríloquos – os deuses 
cósmicos –, como alude Julian Jaynes no livro A origem da consciência na ruptura da 
mente bicameral. A dimensão histórica é uma dialéctica entre ordem e desordem; o 
homem está numa fronteira entre o finito e o infinito; a sua existência é a tensão do 
finito em relação ao infinito, uma tensão que nunca se acalma ou pode ser satisfeita. 
Não existe esta tensão na ordem cosmológica, que é estática e fechada. Os elementos 
de desordem tinham que ser explicados como fazendo parte intrínseca da própria 
ordem e por isso os deuses deles também eram meio demónios. A ideia de que a 
condição humana é a existência numa rede de tensões, a que Platão chamava metaxis, 
é um dos patamares da filosofia, os quais constituem a sua história como se degraus 
fossem que não podiam mais ser ignorados. O mecanicismo introduzido por Newton é 
um retrocesso, que apareceu como a restauração da ordem cósmica, e só no século XX 
o elemento tensional voltou a ser reintroduzido com o indeterminismo e a mecânica 
quântica. Começaram a proliferar os estudos sobre o caos, mas na verdade, nem caos 
nem ordem existem, apenas uma tensão entre ambos. 
Vão fundir-se no cristianismo os dois saltos no ser ocorridos no mundo hebraico e no 
mundo helénico, agora já ao nível da dimensão da vida de cada indivíduo. Cada 
indivíduo em particular, e não apenas a comunidade, vive na tensão histórica perante 
Deus. Existe aqui um nível cognitivo superior nesta descoberta de se ver a si mesma 
como uma civilização histórica, quando as outras ainda permaneciam de algum modo 
presas às concepções cíclicas anteriores. Para além do cristianismo, apenas o 
islamismo tem também esta concepção histórica de si mesmo. 
 
O gnosticismo como modelo de ordem da modernidade 
Eric Voegelin questionou-se depois sobre o modelo de ordem da modernidade. A 
modernidade caracteriza-se pela perda de uma existência diante de Deus, mas o seu 
conteúdo efectivo, para Voegelin, tinha sido dado pelas seitas gnósticas. Ele achava 
que o modelo de ordem fundado na revelação hebraica e na razão grega era demasiado 
exigente e enervante, dependendo de uma contínua transmissão de geração para 
geração, por meios essencialmente discursivos e onde apenas alguns rituais poderiam 
dar alguma vivência da recordação original. Basta um pequeno enfraquecimento nessa 
transmissão e as pessoas vão logo procurar modos de existência anteriores que lhes 
dêem maiores certezas e estabilidade. Mas isso é impossível porque nem as 
civilizações cósmicas, nem o mundo greco-romano existem mais. O que subsistiu 
desse mundo antigo desaparecido são apenas resíduos, que se misturaram com 
elementos novos e se combinaram em fórmulas saídas da própria Igreja, originando 
comunidades heréticas, onde a principal era a gnóstica. O que há de comum na enorme 
quantidade de teorias gnósticas é a experiência do terror, do caos e da desordem. Esta 
experiência não é atenuada pela fé, pois os gnósticos já não têm a recordação da 
revelação diante deles; perderam a fé. A própria noção do que é a fé mudou totalmente 
de sentido e passou a ser a crença numa doutrina. A doutrina é apenas um elemento 
discursivo que tenta explicar por meios racionais os acontecimentos relatados. A fé 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 8 
significava anteriormente a fidelidade à recordação desses acontecimentos mas, 
originalmente, era a confiança numa presença, que podia ser a presença de Deus 
quando Moisés recebeu as tábuas da lei a Moisés, ou na divindade de Cristo realizando 
milagres. Os milagres foram se repetindo ao longo da História e nem tudo dependeu da 
recordação dos eventos primordiais. Mas quando já não há presença divina nem a sua 
recordação, restava apenas a doutrina que, por ser um discurso, sujeita-se a uma 
dialéctica que faz aparecer a sua negação e dá origem a uma discussão que se afasta 
cada vez mais dos factos originários, que eram os elementos realmente estruturantes da 
ordem. O gnosticismo é uma experiência do caos que tenta ser resolvida pelo domínio 
intelectual completo da situação e daí proclama uma ordem total, que é apenas 
hipotética e o indivíduo acaba por ficar ainda mais desesperado. As variantes do 
gnosticismo que apareceram traduzem este choque entre ordem hipotética e desordem 
real. As variantes “evasionistas” querem apenas sair deste mundo e ir para um mundo 
espiritual onde vigora a ordem e a paz. Mas também surgiram variantes activistas que 
projectam essa ordem ideal no futuro, e daí surge o ímpeto de criar um mundo melhor. 
 
A ordem da História é a história da ordem 
Eric Voegelin imaginou que podia dispor os modelos de ordem ao longo da História 
para que a própria sequência fosse a ordem da História. Mas os vários modelos 
ocorriam em vários lugares e por vezes no mesmo lugar simultaneamente, e daí ele 
formulou a sua sentença final de que a ordem da Históriaé a história da ordem. Nada 
mais existiria que uma sequência de buscas de ordem. Afastou-se assim 
definitivamente das visões simplistas que tentam encontrar um fio condutor na 
História que permitiria conhecer o seu percurso pré-determinado, como no caso de 
Compte, que preconizava uma sequência de três ordens (mítica, metafísica e positiva), 
ou da sequência inevitável apontada por Marx (comunidade primitiva, feudalismo, 
capitalismo e socialismo). Estas filosofias da História são falsas na base porque tentam 
ver desde fora a História como um objecto. Esta ordem que eles projectam na História 
é apenas a ordem por eles concebida, que não passa de um novo capítulo na história da 
ordem que não tem término pré-determinado nem sabemos onde vai dar. 
A História não pode ser vista como a vida de um indivíduo, que tem uma duração 
expectável. A História não tem um fim pré-determinado que possa ser conhecido por 
nós. O impulso de querer conhecer o fim da História não se iniciou com o gnosticismo 
mas nas primeiras gerações de cristãos que interpretaram mal o que S. Paulo quis dizer 
ao afirmar que a vinda do Cristo era iminente. Isso era para ser interpretado em termos 
da história individual de cada um, que iria ser confrontada com o Juízo Final “após” a 
morte. Mas foi entendido como um desígnio colectivo e histórico e, mesmo tendo sido 
reunido um concílio para explicar o assunto, permaneceu sempre a ambiguidade. Por 
outro lado, os saltos no ser ocorridos na Grécia e em Israel transferiram a identificação 
da sociedade, anteriormente com o cosmos, para a alma do profeta. Daí foi um passo 
para ver a História como a vida de um ser humano, porque a comunidade se 
identificava com o profeta. Santo Agostinho tentou colocar ordem nesta confusão ao 
afirmar que não existia uma História mas duas, a História terrestre e a História da 
salvação. A História terrestre não tinha um sentido definido muito menos um término 
pré-estabelecido, ao contrário da História da salvação que terminava com o Juízo 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 9 
Final. A própria Igreja tinha a sua História terrestre, caótica, e a sua História espiritual, 
que só poderia realizar-se na eternidade, já fora da dimensão temporal. Apesar da 
explicação de Agostinho, muitos continuaram a ver a História como a biografia de um 
indivíduo. 
 
A formação dos movimentos de massas modernos 
Os movimentos de massas modernos tiveram origem em duas linhas, a gnóstica e a 
messiânica, a que Voegelin chamava de apocalíptica. Os movimentos messiânicos que 
se iniciaram no século XVI não tinham inspiração gnóstica, não surgiram de um 
desespero mas do escândalo face à decadência e corrupção da Igreja, sobretudo 
quando o papado de deslocou para Avignon. Os líderes messiânicos deixaram de 
acreditar que fosse possível restaurar a ordem a partir do interior da Igreja e decidiram 
fazer o trabalho no lugar do Cristo, como que forçando a sua segunda vinda, impondo 
a ordem a ferro e fogo. 
Nas reformas protestantes surgiram alguns elementos das ideologias de massas. O 
messianismo entrou sobretudo do final do luteranismo, na Suíça, com as reformas de 
Zuínglio e Calvino e, na Inglaterra, com a reforma de Thomas Cramer. Calvino criou a 
noção de um estado totalitário, que tudo controla na sociedade. Para ele não existia 
vida privada e tudo podia ser denunciado na vida pública. Criou também a militância, 
as manifestações, a propaganda e também a noção de actividade política capaz de 
animar um movimento para derrubar um poder e o substituir por outro. A reforma em 
Inglaterra não prometia ser uma ruptura em relação à substância, mas uma disputa de 
poder, onde o rei Henrique VIII se declarou ser chefe da Igreja no seu território mas 
ainda permanecia católico. As ideias mais radicais apareceram depois da sua morte, 
mas surgiram de forma gradual, primeiro com alterações no ritual da missa. Esta 
estratégia das pequenas mudanças, que ao longo do tempo provocam grandes 
alterações sem que as pessoas se apercebessem, mostra que António Gramsci teve um 
percursor em Thomas Cramer. Apenas quando restavam algumas comunidades 
resistentes, a Reforma investiu sobre estas e matou mais de 40 mil pessoas, mais que o 
resultado de quatro séculos de Inquisição. 
No século XVIII as várias reformas já haviam fracassado no objectivo de criar uma 
igreja melhor e a Igreja católica não tinha conseguido restaurar a sua autoridade. Os 
movimentos revolucionários, de origem messiânica, perderam a sua substância cristã e 
caíram no patamar menos diferenciado e que estivesse ao alcance, que era o 
gnosticismo (teoria do professor Olavo). Esta incorporação de ideias gnósticas nos 
movimentos revolucionários não podia ser explicada por Eric Voegelin porque a 
documentação que ele exigia não existia devido à natureza oculta dos movimentos, e é 
algo que ainda está por ser esclarecido. Inicialmente Voegelin só considerou relevante 
o elemento gnóstico, mas mais para o fim da vida perceberia que também existia o 
elemento messiânico, mas não conseguiu esclarecer a relação. Voegelin deixou várias 
linhas abertas para a investigação, pois a sua vida intelectual é um imenso programa de 
estudos para várias gerações. 
 
 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 10 
A continuação dos estudos de Eric Voegelin 
Das várias linhas de investigação que Eric Voegelin deixou em aberto, a que tem 
primazia será saber como foi que os movimentos messiânicos absorveram o 
gnosticismo e se tornaram anticristãos. No século XVIII ocorreu uma infusão de 
gnosticismo e ocultismo nos movimentos messiânicos e no século seguinte esses 
movimentos já eram radicalmente anticristãos. Para descobrir como isso ocorreu não é 
possível seguir o método de Eric Voegelin porque não existem análises teóricas dos 
próprios agentes do processo. Pelo contrário, eles não tinham qualquer interesse em 
explicar as ocorrências pois estas deram-se no seio de sociedades secretas ou discretas. 
Apenas se assiste ao resultado final mas não se sabe onde está o agente. Para 
interpretar este tipo de situações é necessário utilizar métodos mais próximos da 
psicopatologia do que da análise histórica cultural ou ideológica. 
Uma segunda questão por esclarecer prende-se com o Islão, que Eric Voegelin não 
chegou a tomar em conta como sendo também uma civilização histórica com uma 
existência diante de Deus. Para ele apenas a civilização ocidental tinha atingido esse 
patamar de consciência. Depois da descoberta da visão da eternidade, o mundo 
cosmológico passa a ser o inferno, onde o indivíduo está à mercê dos demónios. A 
realidade humana é muito melhor expressa pela tensão entre História e Eternidade, 
onde a incerteza é contrabalançada pela caridade e pela fé, a fidelidade a uma 
recordação, que não dá o plano dos acontecimentos mas indica o próximo passo a 
seguir. Mas o Islão veio trazer também uma existência diante de Deus e é 
eminentemente uma civilização histórica, que engloba Jesus Cristo e as revelações 
anteriores, culminando no Juízo Final. O ingresso do indivíduo no Islão é progressivo, 
há uma imitação da vida do profeta que recebeu a revelação ao longo de 28 anos. A 
islamização da pessoa é feita com o auxílio de duas narrativas, a do Corão e a da vida 
do profeta, que consta em 40 mil ahadith. Esta islamização progressiva mas total do 
indivíduo seria idêntica ao que prevê a história do Islão, onde no culminar do Juízo 
Final já não restariam processos de vida por islamizar. Então, o Islão tem este 
elemento totalitário, de regulação completa da sociedade, característico das 
civilizações cosmológicas, com a diferença de o encarar como um processo dinâmico. 
Eric Voegelin percebeu que a incapacidade da Igreja em formular uma filosofia da 
História levou a que os movimentos de massas tomassem a iniciativa e fossem 
incorporados na sociedade. Mas quando asideologias de massas pareciam dominar o 
mundo, o Islão apareceu na disputa, restando saber quem levará a melhor. Para o Islão, 
os movimentos de massas são um dos aspectos da decomposição do ocidente. 
Efectivamente, esses movimentos são apenas efectivos na destruição da civilização e 
não têm qualquer força organizativa, e quem pode aproveitar os destroços é o Islão, 
que tem os meios para isso porque desenvolveu uma filosofia da História. 
Uma terceira lacuna nos estudos de Eric Voegelin é a ausência de Deus como 
personagem histórica. O seu método apenas podia examinar as aberturas para Ele, mas 
não ver Deus como agente. Para isso era necessário ver não as aberturas do homem 
para Deus mas as intervenções directas de Deus na História através dos milagres. Eric 
Voegelin trabalhou no cenário das ciências físicas e estas não podem estudar os 
milagres. A ciência moderna só lida com fenómenos recortados segundo uma hipótese 
prévia. Para resultar, só pode estudar os fenómenos que efectivamente são regidos pela 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 11 
uniformidade posta como hipótese, o que implica que ela só possa estudar aspectos e 
não fenómenos concretos. Mas no fenómeno miraculoso confluem factores 
heterogéneos inseparáveis. O milagre é eminentemente concreto, não pode ser 
enquadrado dentro de nenhuma das classificações admitidas pela ciência. 
Inevitavelmente, o método determina o alcance do que se pode estudar, algo que 
Voegelin criticava mas acabou por cair na mesma limitação. Ele não chegou a colocar 
em cima da mesa o problema da existência objectiva de Deus, também por influência 
de William James, quando este dizia que o sujeito e o objecto não existiam 
separadamente e se auto-constituem e distinguem no próprio processo da relação. 
Então considera-se que Deus é apenas é um objecto alcançado no salto no ser, por 
meios neumáticos ou noéticos e apenas se terá em conta aquilo que os homens 
apreenderam sobre Deus. Voegelin definiu a quaternidade da ordem do real como 
Deus, o homem, o mundo e a sociedade. O Mundo, a sociedade e o homem são, na 
perspectiva da revelação cristã, apenas a criação, finitos e irrisórios face a Deus. Esta 
quaternidade só existe na escala da História humana, sendo um cenário que exclui uma 
multidão de fenómenos que nós sabemos ser reais, a começar pelos milagres. Voegelin 
chegou à limitação natural do método, mas quando percebeu isso estava velho demais 
para continuar, mas não fez como Kant, que caiu na idolatria do método e definia o 
objecto de acordo com o método. 
A expansão islâmica não se baseia na intervenção divina, como no cristianismo, mas 
na acção política e social, usando os meios mais banais, frequentemente desonestos, e 
com grande investimento de dinheiro, tudo baseado numa grande auto-consciência 
colectiva numa forma de existência histórica diante de Deus. Já a civilização cristã não 
poderá ignorar a acção divina ou irá cai na fé metastática, que é uma expectativa, meio 
messiânica, meio gnóstica, de poder transformar totalmente a sociedade mediante um 
acto de fé. Esta expectativa é característica das ideologias de massas e vai contra a 
estrutura da realidade, que pode apenas ser transfigurada por Deus e não pela fé. Deus 
pode nos salvar mesmo se não tivermos fé, como aconteceu com S. Paulo, mas é uma 
heresia pensar que Deus pode agir em nosso lugar e não connosco. 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 12 
Aula 07 – 16/05/2009 
 
Sinopse: O ser humano vive num sistema de virtualidades e estaria reduzido a um 
estado de quase inconsciência se a sua existência estivesse limitada aos estímulos 
sensoriais. A rede de virtualidades desenvolve-se através da linguagem, que permite 
que coisas que não estão mais presentes se possam efectivar. Mas o crescimento da 
linguagem pode não acompanhar o desenvolvimento do mundo virtual e a pessoa cria 
uma auto-imagem muito simplista. O descompasso entre a linguagem e experiência 
devia ser colmatado pela educação, que começaria por fornecer os meios de 
expressão linguísticos. Nesse âmbito iremos começar por imitar os grandes escritores 
de língua portuguesa para absorver os seus recursos linguísticos e aprender a 
modular o nosso tom expressivo. A passagem da literatura para a filosofia, entrando 
no reino da dialéctica, faz-se através da retórica, que medeia toda a sociedade 
humana. Por isso a filosofia é uma actividade para pessoas maduras, cidadãos 
habituados a fazer escolhas e com poder de persuasão baseado no conhecimentos dos 
valores que é suposto os outros possuírem. Só podemos conhecer o possível através da 
imaginação. Uma forma de exercitar esta capacidade é assistir a ficção dramática, 
que é tomada como realidade fazendo a suspensão da descrença, ou pela ficção 
simbólica, assistida como um sonho, onde histórias aparentemente impossíveis 
exprimem possibilidades reais. Mas muita da ficção moderna paralisa a imaginação, 
que é usada apenas para colorir hipóteses racionais realmente impossíveis. A 
modernidade faz um culto de um realismo imediato que separa a vocação dos deveres. 
Contudo, os ideais só podem ser realizados por quem cumpre as suas obrigações e 
ame o seu trabalho. A filosofia é uma técnica e uma tradição, e ambas se desenvolvem 
por mútua realização. A filosofia deve ser estudada por problemas e no início existe 
uma tarefa bibliográfica para apurar o status quaestionis. O milenarismo, apesar de 
ter sido proibido por Cristo e desautorizado por Santo Agostinho, incorporou-se 
fortemente na mentalidade ocidental e deu a fórmula da inversão do tempo presente 
nas ideologias de massas, por partir do erro de conceber a História como um objecto 
que pode ser visto desde de fora e análogo à história de um indivíduo. 
 
A vivência num sistema de virtualidades 
O seminário de filosofia é uma comunidade dita virtual. Em geral, quando dizemos 
que algo é virtual estamos a fazer um comentário pejorativo. Virtual vem do latim 
virtus, que significa potência, ou seja, algo que não está efectivado. Mas um mundo 
concebido apenas segundo o que está efectivamente presente ficaria drasticamente 
reduzido. Estaríamos como um doente que saiu do coma, sem qualquer memória, 
apenas com os estímulos sensoriais físicos, o que seria um estado de quase 
inconsciência, abaixo da consciência de um cão ou um gato porque estes animais se 
orientam num mundo virtual, como uma certa recordação do passado e expectativa de 
futuro. A biografia ou a personalidade de uma pessoa, tomadas como um todo, apenas 
existem virtualmente, não há nenhum lugar físico onde residam. O reconhecimento 
que fazemos de algo efectiva-se na memória e não está presente fisicamente. O código 
penal rege as relações entre as pessoas, mas é apenas um cenário hipotético que não 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 13 
está efectivado. Mas existe toda uma série de regras de conduta que nem escritas estão 
mas usamo-las para orientação, contamos com elas, criamos expectativas e fazemos 
avaliações tendo-as por base. 
O ser humano vive, então, num sistema de virtualidades e não num universo físico, 
que é apenas uma componente minoritária. A existência humana, composta de 
alegrias, tristezas e expectativas não está presente fisicamente, é virtual, e os indícios 
físicos podem significar coisas distintas para diferentes pessoas. O que realmente nos 
orienta é uma rede virtual de sinais do passado e expectativas do futuro e estas coisas, 
mais a nossa história e a pressão do meio, oprimem-nos muito mais que os obstáculos 
físicos. Por isso, uma visão do mundo centrada no mundo físico é falsa. O real é uma 
rede imensa de possibilidades anunciadas por sinais ou símbolos a que chamamos de 
virtual. 
 
A construção do mundo virtual e a imitação dos grandes escritores 
O crescimento do ser humano caracteriza-se por uma passagem gradual do actual parao virtual. De início o bebé vive quase só em função do que está manifesto, mas aos 
poucos começa a entrar no universo do possível. A rede de virtualidades abre-se 
através da linguagem, que permite efectivar coisas que não estão mais presentes. 
Podemos assim contar a nossa história pois fizemos uma conquista do passado e da 
própria memória. Mas a linguagem pode não conseguir acompanhar o crescimento do 
mundo virtual e o indivíduo não conseguirá raciocinar sobre a sua experiência porque 
lhe faltam os símbolos adequados. A educação deveria servir para corrigir este 
descompasso entre linguagem e experiência, porque se ele não é suprimido a pessoa 
vai banalizar-se e criar uma auto-imagem demasiado simplista e afastada da realidade. 
Mesmo a mente mais simplória é enormemente complexa porque tem uma história e 
uma memória, e descrevê-la é um enorme desafio mesmo para grandes escritores. 
A educação devia começar por fornecer, em primeiro lugar, os meios de expressão, 
sobretudo os linguísticos. O importante é saber usar a linguagem e não tomá-la como 
objecto de estudo, porque assim estaremos logo a separá-la de nós. Iremos adquirir os 
instrumentos expressivos tomando posse das obras literárias da mesma forma que as 
crianças aprendem a falar, ou seja, pela imitação. Os escritores exprimiram algo que 
tinham em memória ou imaginaram, ou então o que estão sentido. Os instrumentos que 
utilizaram também podem ser utilizados por nós para situações análogas. Fazendo esta 
apreensão, vamos começar a modelar o tom conforme as necessidades. Em termos 
práticos, devemos começar a imitação por um só escritor e ler o maior número de 
obras dele. Faremos uma imitação servil, não vamos querer obter logo originalidade, 
que é uma conquista e não uma obrigação. Os males da imitação serão corrigidos pela 
própria imitação, já que ao ir mudando de autor vão começar a aparecer tantas 
influências que já teremos uma linguagem própria. Podemos começar por um autor 
com uma técnica simples, como Graciliano Ramos, mas há outros que utilizam todas 
as palavras da língua, como Camilo Castelo Branco ou Aquilino Ribeiro. A ideia é 
acumular recursos sem ganhar vícios. Há várias qualidades que podemos obter, como a 
sobriedade, mas algumas delas são incompatíveis entre si e isso implica uma escolha. 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 14 
Devemos ler os diários de Herberto Sales onde ele foi apontando as coisas que 
aprendia sobre a arte de escrever. 
Uma lista de autores fundamentais, em língua portuguesa, inclui, entre os poetas 
portugueses, Camões, Bocage, Antero de Quental, Fernando Pessoa e Mário de Sá 
Carneiro. Na literatura histórica são imprescindíveis Alexandre Herculano e Oliveira 
Martins. Na ficção temos Eça de Queirós, Camilo Castelo Branco, Aquilino Ribeiro, 
Ferreira de Castro, Vergílio Ferreira e Lobo Antunes. Poetas brasileiros: Gonçalves 
Dias, Cruz de Sousa, Manuel Bandeira, Carlos Drumond de Andrade, Jorge de Lima, 
Murilo Mendes e Bruno Tolentino. Ficção brasileira: Machado de Assis, Roberto 
Pompeia (livro Ateneu), José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Marques Rebelo, José 
Geraldo Vieira e Herberto Sales. Devemos procurar ler o máximo de cada um. Lima 
Barreto serve para entender o Brasil mas não para aprender a escrever. Guimarães 
Rosa é para esquecer, artificioso, bobo, apesar do talento, criou vício de linguagem a 
muita gente. 
Devemos ainda ter conhecimentos de outras línguas. O inglês é fundamental porque os 
americanos traduziram tudo. O francês, o espanhol e o italiano também nos ajudarão a 
melhorar o português numa segunda fase. O latim tem uma importância própria para a 
filosofia, e permite-nos também ler os discursos de Cícero, que são imperdíveis. 
 
A transição da literatura para a filosofia 
A filosofia é uma busca da verdade partindo da expressão e só depois passa à reflexão. 
Vai utilizar todos os recursos expressivos da literatura e mais alguns que esta 
desconhece, e vai levá-los muito mais além até os tornar quase numa ciência. Não é 
coincidência que o primeiro filósofo, Sócrates, apenas se expressasse oralmente e o 
segundo, Platão, fosse um poeta. Até chegar à perfeição científica de Aristóteles foi 
necessário um certo trajecto, que será refeito aqui no curso. A literatura propriamente 
dita não procura explicar o que está exprimindo, o que é tarefa da filosofia e das 
ciências teoréticas. A passagem da literatura para a filosofia não é directa e dá-se 
através da retórica. Segundo a teoria dos quatro discursos, a expressão directa da 
experiência é dada pela poética, o primeiro andar, que conta aquilo que podia ter 
acontecido. A poética é uma contemplação das possibilidades de escolha, reais ou 
hipotéticas, mas não há tomada de posição. Mas na vida é necessário fazer escolhas, e 
para isso temos de nos persuadir a nós mesmos e, muitas vezes, outros também. Aí 
estamos no segundo andar, a retórica. A dialéctica só é possível depois de feitas muitas 
escolhas e percebido as contradições entre elas, pois ela é a confrontação ente os 
vários discursos retóricos. 
A sequência dos quatro discursos segue o percurso natural da educação humana. 
Primeiro aprendemos a imaginar o mundo e conquistamos uma linguagem que possa 
exprimir a nossa experiência real. Depois entramos na esfera da moralidade, das 
escolhas pessoais, onde surge o problema do certo e do errado, do preferível e do 
preterível, do melhor e do pior, não justificados em termos abstractos e universais mas 
usados como legitimação das próprias acções e escolhas. E só depois de ter aprendido 
a usar a linguagem como instrumento para influenciar as outras pessoas é que 
podemos reflectir. A reflexão filosófica só pode surgir depois da conquista do poder 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 15 
inerente à retórica, o poder de nos justificarmos com base nos valores que acreditamos 
que os outros possuem. Antes de chegarmos à filosofia temos de conseguir fazer 
alguma mediação dentro da sociedade, o que implica entrar nas escolhas pessoais, no 
poder, na propaganda, na influência, na política. Por isso a filosofia não é uma 
actividade para crianças mas apenas para quem já pode agir como cidadão. 
 
O conhecimento do possível 
Só através da imaginação podemos conhecer o possível. Essa representação não tem 
que ser exacta e pode ser condensada em símbolos que formam uma história 
aparentemente impossível mas que expressa possibilidades reais. Na literatura vai 
ainda ocorrer uma compactação de experiências que normalmente se encontram 
separadas. A imaginação trata ainda da experiência concreta, quer ela recorra à 
memória ou seja elaborada em conjunção com a auto-consciência e, como num sonho, 
poderá expressar compactamente coisas que estão muito afastadas entre si mas cuja 
junção faz sentido. A capacidade expressiva não será assim perdida quando se trata de 
um filme dramático, que se sente como sendo real pela suspensão da descrença, ou 
num filme como O senhor dos anéis, que se assiste como um sonho. 
Mas muita ficção moderna é elaborada em cima de hipóteses realmente impossíveis, 
como o exterminador que vem do futuro, as pessoas que trocam de corpo ou a quase 
omnipotência do super-homem. A imaginação vai ficar paralisada com hipóteses 
idiotas. Há aqui um problema de coerência imaginativa. As hipóteses impossíveis não 
entram no enredo como elementos oníricos mas como premissas logicamente 
inventadas. A razão construtiva consegue criar hipóteses que vão muito além do que 
aquilo que a imaginação pode conceber. A imaginação vai apenas colorir com imagens 
hipóteses racionais que já se afastaram da realidade. Já não se trata do conhecimento 
do possível mas de uma simples transição entre hipóteses idiotas que nos emburrece. 
Devemos desconfiar dos produtos imaginativos que estão logicamente muito 
estruturados. Na imaginação e na linguagem onírica edos mitos existe uma contínua 
transformação dos símbolos. Mas numa ficção como o super-homem há uma regra 
imutável, não é um produto do imaginário humano mas um jogo disfarçado com 
imagens. 
 
O culto modernista do realismo imediato 
Citando o poeta Jorge de Lima, a propósito do movimento modernista brasileiro: 
 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 16 
Devemos recordar a influência do grande Graça Aranha, que foi o maior 
animador do movimento. Ele pretendia impor normas filosóficas à 
revolução com a sua estética da vida. Pretendia que o homem brasileiro 
atingisse a unidade vencendo a natureza que o esmagava. Era chavão 
repetir: “No Brasil só o homem é pequeno dentro da colossalidade da 
Natureza”. Aconselhava o reformador que o homem vencesse o terror, o 
medo metafísico, a compreensão subjectiva impregnada de supostos 
atrasos que a deturpavam. Aconteceu, porém, o contrário. Os 
modernistas brasileiros compreenderam que, ao invés do que 
aconselhava Graça Aranha, o homem devia se entregar às suas 
tendências naturais, às suas pretendidas deficiências, identificar-se com 
a exuberância da sua natureza, à sua metafísica mesmo que saturada de 
superstições, a essa amalgama de inferioridades. 
 
O ser humano ficará em isolamento total se ficar apegado ao mundo sensorial directo, 
ao telúrico, pois isso o colocará numa impotência completa face à natureza. A força 
humana reúne-se no mundo virtual, a começar pela linguagem. O livro Cangaceiros, 
de José Lins do Rego, mostra o nascimento da civilização através da linguagem. 
Aqueles dados do mundo físico recebidos pelos sentidos não têm qualquer unidade, 
que só é obtida no mundo virtual mediante a transferência efectuada pela linguagem. É 
preciso fazer um certo sacrifício do mundo sensorial, do carnaval, do sensualismo 
imediato. Não significa eliminar estas coisas mas enquadrá-las num cenário mais 
alargado onde vão adquirir a justa proporção. Se passarmos de um sensualismo 
imediato para um sensualismo virtual estamos subindo na camada de personalidade, 
abrindo-nos para critérios superiores de integração da personalidade que nos colocam 
na rota de objectivos mais elevados e abrangentes. O culto modernista prestado a um 
realismo imediato, dos instintos, é para alguém que permaneceu na segunda camada. 
Nenhum instinto manifesta-se em contínuo, e uma vida neles baseada revela uma 
ausência de personalidade. 
A realidade do ser humano é um trajecto em direcção ao ideal, mas as pessoas são 
pressionadas a ignorar que as suas vidas decorrem num mundo virtual. A linguagem 
fica orientada apenas para a experiência física e as pessoas ficam com uma forma 
diminuída de existência onde acham natural fracassar. A atitude face ao trabalho 
desliga o mundo das necessidades do mundo dos sonhos. A necessidade de trabalhar é 
vista como a imposição de um mundo mau; o dever e a vocação são opostos 
inconciliáveis e a justiça é ser alimentado por outros. Esta é uma temática presente no 
livro O feijão e o sonho, de Orígenes Lessa. Há aqui uma moralidade invertida, que se 
recusa a ver o trabalho como um dever moral e que, feito com amor, nos dará energia 
para a vida intelectual. Há que modificar a relação entre o ideal e o real. Quem tem 
uma carreira baseada na fraude e na exploração do próximo não tem direito a ter um 
ideal. Conquista-se esse direito cumprindo as nossas obrigações, em primeiro lugar 
vendo-as como um dever de bondade para com os outros. A cruz é também um 
símbolo para a estrutura da realidade. A noção de um plano de vida está condicionada 
à existência de uma cruz a carregar; esse plano não é necessário no paraíso. Mas para 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 17 
conceber esse plano temos de ter uma correcta visão moral, que não se compadece 
com o desprezo pelo trabalho e pela realidade. 
 
A tarefa bibliográfica e a tradição filosófica 
O artigo “Quem é filósofo e quem não é”, publicado no Diário do Comércio 
(disponibilizado em http://www.olavodecarvalho.org/semana/090507dc.html) lida com 
a tarefa de elaborar uma bibliografia essencial, e foi escrito a pensar nos alunos do 
COF. Não devemos receber uma lista de livros, temos de ser nós a elaborar uma, e esta 
tarefa vai criar em nós uma capacidade quase instintiva de discernimento acerca dos 
autores realmente valiosos. Isto terá que ser feito por tentativa e erro, socorrendo-nos 
de tudo que esteja ao nosso alcance, dicionários e enciclopédias de filosofia, incluindo 
muita coisa valiosa da Internet. Se ao fim de 2, 3 anos conseguirmos elaborar uma lista 
crítica de livros sobre uma data área da filosofia, mesmo sem ter lido livro algum, já 
saberíamos mais do que alguém que tivesse passado o tempo a ler os livros. Um novo 
campo de estudos deve ser para nós como um território inexplorado que tem que ser 
cartografado e, para isso, devemos adquirir uma paixão pela informação, pela sua 
ordenação e classificação. O padre Stanislavs Ladusãns utilizava o seguinte método, 
que demonstrava o poder da dialéctica: para um novo problema filosófico ele 
começava a análise segundo os métodos e perspectivas dos vários filósofos que o 
tinham abordado. Seguindo uma direcção cronológica, simplesmente assumia a 
postura de um discípulo fiel de cada filósofo, sem ainda entrar numa postura crítica. 
As dificuldades e polémicas apareciam por si mesmas, e eram depois ordenadas, 
analisadas e, no final, articuladas para produzir a melhor solução considerando os 
elementos mais sólidos apresentados. Esta era uma forma de chegar ao status 
quaestionis, baseada na emulação do pensamento dos filósofos passados. 
Esta prática fazia chegar à conclusão de que a filosofia é uma tradição e uma prática, 
e que o domínio da técnica ocorre pela absorção da tradição e esta, por sua vez, é 
absorvida pela prática da técnica. Tradição vem de traditio, com o significado de 
“trazer”, “entregar”, e a tradição filosofia significa revivificar os filósofos passados e 
as experiências interiores que os motivaram, o que se afasta definitivamente da 
aquisição de informação filosófica, que é uma busca de erudição que encerra os 
filósofos passados como se fossem peças de museu. O culto da opinião própria leva 
muitas pessoas a repudiarem a entrada nesta tradição, por medo de serem 
influenciadas. Mas é próprio da dialéctica fazer esta integração para que as várias 
influências se melhorem. Mesmo as piores coisas ajudam-nos a chegar longe por nos 
alertarem para os erros naturais que obstaculizam a progressão da inteligência. 
A partir daqui obtemos um critério para julgar outros filósofos. Devemos verificar se 
eles conseguiram incorporar mentalmente o percurso dos filósofos do passado. 
Obtemos também uma orientação para os estudos filosóficos. Estes devem ser regidos 
por problemas e não abordando os autores. E os problemas escolhidos têm de ter real 
interesse e importância para nós, mas não devemos estranhar se a formulação do 
problema se alterar, o que é normal no decurso da pesquisa. Em seguida vamos 
procurar os textos clássicos que abordaram o problema, e vamos lê-los por ordem 
cronológica procurando reconstruir mentalmente a história daquela discussão. As 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 18 
lacunas devem ser preenchidas com uma nova pesquisa bibliográfica até termos obtido 
um desenvolvimento histórico contínuo o suficiente. Antes de montarmos a discussão 
numa ordem lógica temos de classificar as opiniões segundo os pontos de 
concordância e discordância, sem nos iludirmos com discordâncias de pormenor que 
podem ocultar um profundo acordo relativo às categorias essenciais em discussão. 
Quando a discussão é montada logicamente, ela irá aparecer como uma única hipótese, 
que poderá conter ainda muitas contradições internas e perguntas por responder. Só 
daqui em diante podemos dar a nossa própria contribuição para oesclarecimento do 
problema, se tal for possível. 
 
O milenarismo 
Jesus Cristo proibiu formalmente a especulação sobre as datas dos planos de Deus para 
o futuro (Actos dos Apóstolos, Cap. I, versículo 7). A expectativa milenarista, de mil 
anos de paz com a vinda de Cristo, é uma especulação à volta destas coisas. Santo 
Agostinho iniciou uma filosofia cristã da História que pretendia encerrar esta questão. 
Para ele havia apenas duas formas de entender as profecias do Apocalipse e o símbolo 
mil. Podia relacionar-se com o destino espiritual da história da Igreja e o seu governo 
no mundo. Esse milénio já haveria começado, e desde o século IV de Agostinho até 
1400 a Igreja espalhou por toda a parte o senso da imortalidade da alma, o senso da 
sacralidade da pessoa humana, a caridade, inventou os hospitais, os orfanatos, as 
escolas, aboliu a escravidão; pelo que esta interpretação será válida. Uma segunda 
interpretação, que não é incompatível com a primeira, via o milénio, o símbolo mil, 
como totalidade, nem seria um número mas a designação de algo fechado. 
A salvação das almas é a tarefa da Igreja e para isso de nada servem expectativas 
milenaristas, nunca existiu uma sentença papal baseada no milenarismo. Especular 
sobre o fim da História implica simular uma posição existencial situada na eternidade, 
que permite ver a História e Deus como objectos na nossa mente, quando eles só 
podem ser concebidos como participação. Deus só pode ser concebido como força 
agente em nós. Mesmo uma pessoa só pode ser conhecida como uma virtualidade, com 
as suas potencialidades, tensões, e não como objecto. Só podemos conhecer uma coisa 
de acordo com o seu modo real de existência, e isto nada tem a ver com cepticismo. A 
ignorância do fim dos tempos é parte da nossa constituição, e o cristianismo realçou 
muitas vezes esta incerteza constitutiva. Mas depois de Agostinho a Igreja abandonou 
a filosofia da História, talvez por ele ter uma visão muito realista que não via sentido 
na História fora do cristianismo. Mas a Igreja também abandonou os estudos sobre a 
filosofia da natureza e as suas forças ocultas, sobre alquimia e astrologia, e estas coisas 
passaram a ser monopólio das sociedades secretas com todo o tipo de disparates 
associados. 
As especulações milenaristas continuaram e trouxeram um elemento essencial da 
mentalidade revolucionária, que foi a inversão do tempo. O milenarismo entrou 
violentamente na mentalidade ocidental e todos nós temos algo desta concepção. Ela 
tem o erro fundamental de conceber a História da humanidade como se fosse a de um 
indivíduo. Mas, ao contrário da vida do indivíduo, a História não tem um fim 
expectável nem uma unidade, é composta de narrativas de sociedades sem contacto 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 19 
entre si. Apenas existe unidade histórica perante a eternidade ou na cabeça dos 
historiadores. À medida que os vários historiadores vão tentando captar alguma ordem 
na História, a sucessão desses esforços é a única ordem da História, e por isso Eric 
Voegelin dirá que a ordem da História é a história da ordem. Fora disto existe a ordem 
divina, que pode ser conhecida miticamente através da visão dada pela revelação, mas 
o mito é compactado, confuso e pode não nos esclarecer. 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 20 
Aula 08 – 23/05/2009 
 
Sinopse: Esta aula sintetiza as aulas anteriores e traça algumas linhas para o curso e 
para a restante vida intelectual. Existe uma série de blocos a serem desenvolvidos na 
vida intelectual, de acordo com o espírito do COF e tendo em conta o estado actual da 
sociedade. Esses blocos são independentes mas terão de ser trabalhados em paralelo 
e articulados. A própria filosofia é o modelo da vida intelectual, na senda de 
Sertillanges, onde as indicações práticas são emanadas da visão unificada dos 
princípios mais gerais. A vida intelectual consiste em vencer as dificuldades e os 
empecilhos com que nos defrontamos, que não devem ser vistos como meros acidentes 
de percurso mas componentes essenciais. O primeiro bloco trata do Adestramento do 
Imaginário, baseado no longo convívio com a literatura de ficção, o romance, a 
poesia, o teatro e o cinema. Apenas através da imaginação podemos conhecer pessoas 
diferentes de nós e que viveram em contextos diferentes. O segundo bloco é o 
Adestramento Linguístico e terá de ser articulado com o anterior. Compreender e 
saber utilizar a linguagem, juntamente com a imaginação, são condições necessárias 
para retirar o fundo de experiência que se encontra por detrás da linguagem 
filosófica. Quando entramos no terceiro bloco, o Adestramento da Auto-consciência, 
procuramos dar um sentido ao nosso trabalho intelectual. O senso do ideal é um 
elemento unificante que dá à nossa consciência um padrão que permite absorver cada 
situação real da vida à sua luz. No quarto bloco entramos na tarefa de pesquisa 
erudita, que segue de perto, em técnicas e métodos, a investigação histórica. No 
quinto bloco entramos, finalmente, na técnica filosófica propriamente dita, que se 
sustenta nos quatro blocos anteriores. Na técnica filosófica partimos da opinião dos 
sábios, como dizia Aristóteles, e vamos também incluir o conhecimento por presença. 
A razão hipotética é um tipo especial de imaginação, que foi formalizada e petrificada 
para permitir a repetição exacta. A crítica literária é a primeira disciplina filosófica e 
permite criar um consenso sobre as obras com real valor, enquadrando-as 
culturalmente e historicamente. Respeitar todas as opiniões é desrespeitar a verdade. 
 
O Adestramento do Imaginário 
Só através da imaginação podemos compreender pessoas diferentes de nós, que terão 
sempre um ponto de contacto connosco mesmo tendo vivido em épocas passadas ou 
em contextos totalmente diferentes e mesmo que sejam personagens de ficção, como 
Antígona, Ulisses ou Hamlet, já que não existe o totalmente heterogéneo. Na nossa 
vida cotidiana só podemos compreender o próximo através da imaginação, e se não 
fizermos o exercício de nos colocarmos na situação do outro, a base do amor ao 
próximo, iremos julgá-lo baseados num qualquer estereótipo. O adestramento do 
imaginário é feito pela longa convivência com a literatura de ficção, a poesia, o 
romance, o teatro e o cinema. Tudo isto é por nós fruído como um sonho acordado 
dirigido que permite nos identificarmos com aquelas personagens retratadas. Mais 
tarde, com a incorporação de novos dramas, conflitos, tensões, situações, estaremos 
habilitados a criar as nossas próprias personagens e situações, mesmo que estas fiquem 
apenas no nosso imaginário e não sejamos capazes de as transpor para o papel. 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 21 
Também a experiência é importante para a filosofia mas ela nos compromete e vai 
pesar no nosso futuro. Não é possível experimentar “de tudo” apenas para aumentar o 
nosso arsenal experiencial sem assumir as devidas responsabilidades. 
Para conhecer alguém com inteligibilidade é necessário enquadrar a pessoa num 
padrão geral e abstracto. Mas o ajustamento ao caso concreto que a pessoa configura 
só pode ser feito através da imaginação. Esse ajustamento imaginário é facilitado se já 
tivermos uma galeria suficiente de personagens e situações dramáticas que se possam 
combinar para formar uma imagem da pessoa real. A boa ficção isola eventos 
pertinentes e intensifica-os para ganhar nitidez. Mas na vida real existe uma 
pluralidade de dramas desconexos. Como os problemas aparecem todos mesclados, 
torna-se quase impossível às pessoas dar inteligibilidade ao seu sofrimento. O 
sofrimento só pode ganhar sentido se integrado num projecto biográfico. É preciso 
ganhar discernimento com o adestramento do imaginário para, retroactivamente, 
articular as situações vividas com os nossos objectivos mais elevados.Neste 
adestramento as obras de literatura têm que ser vistas como documentos da vida 
humana, depoimentos e não textos que vamos logo analisar. Essa análise faz parte da 
vida intelectual mas ficará para mais tarde. O adestramento do imaginário pode ainda 
prosseguir com o estudo da psicologia, tendo em vista a compreensão dos seres 
humanos reais e não como disciplina teorética. 
Os livros de filosofia não devem ser lidos como teses das quais devemos concordar ou 
discordar. A primeira tarefa a realizar é a reconstituição do drama cognitivo e humano 
ali presente. Antes de vermos estes livros como verdadeiros ou falsos, a proclamar ou 
a impugnar, temos de os perceber como expressões de uma busca humana. A fase 
crítica não pode chegar antes de termos revivido experiências análogas às vividas 
pelos autores que lemos. Nos livros de filosofia há o drama humano, que é o primeiro 
a ser entendido, as respostas a outros filósofos, por exemplo, e existem os dramas 
puramente cognitivos que advêm da luta contra a opacidade dos factos e dos 
fenómenos. Não são estes dramas sangrentos como certos dramas que ocorrem nas 
relações entre as pessoas, mas a longo prazo são determinantes para a humanidade. 
 
Adestramento Linguístico 
Juntamente e articulado com o adestramento do imaginário, terá de ser desenvolvido 
um segundo bloco respeitante ao adestramento linguístico, mais concretamente, sobre 
a compreensão e utilização da linguagem. A obra literária veicula a experiência 
concreta, segundo Benedetto Croce, e terá de ser esse o nosso foco e não entrar logo na 
linguagem abstracta da filosofia e das ciências. Às experiências intelectuais 
correspondem experiências existenciais concretas que temos de refazer 
imaginariamente para saber realmente do que se está a falar. Se recorrermos a um 
dicionário filosófico teremos acesso apenas a definições de termos, atitudes ou 
correntes esquematizados, que não correspondem à realidade dos dramas intelectuais 
que foram vivenciados longamente. A mera evocação do conceito abstracto não 
permite evocar esse drama, mas se nos atermos a isso faremos como a criança que usa 
a imitação de palavras sem perceber o contexto. Precisamos de lastro imaginário e 
linguístico para retirar a situação existencial efectiva da linguagem filosófica. Por isso 
o adestramento da linguagem tem de vir junto ao adestramento do imaginário. 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 22 
 
O Adestramento da Auto-consciência e o Senso do Ideal 
A nossa tarefa intelectual tem que ter uma real importância para nós. Mas para 
determinar isso a nossa vida tem que ter uma unidade, que só pode existir mediante a 
adquirição de sentido. Ao desenvolver um senso do ideal, o que remete para o 
Exercício do Necrológio, temos um padrão para a nossa auto-consciência que permite 
que a nossa vida se torne numa sucessão de esforços que têm o objectivo de dar 
sentido à miríade de coisas que nos chegam desconexas. Não podemos achar que a 
nossa vida, daí em diante, passou a ser como um mito onde tudo decorre da 
providência divina. As coisas continuarão a chegar-nos sem ligação entre elas e é o 
nosso trajecto que será unificado na medida em que damos sentido às coisas e 
reaproveitamos os obstáculos como instrumentos para desenvolver em nós certas 
qualidades e habilidades necessárias para realizar a nossa vocação. Deixamos uma 
posição onde encarávamos o mundo como estando contra nós ou sendo indiferente à 
nossa existência, para outra posição em que nos vemos como uma tensão entre a 
circunstância e a idealidade para a qual devemos tender. Ortega y Gasset 
complementou a frase “Eu sou eu e a minha circunstância”, afirmando depois que “A 
reabsorção da circunstância é o destino concreto do homem”. No mesmo sentido, 
Goethe dizia que o talento se desenvolvia na solidão mas o carácter na agitação do 
mundo. As dificuldades e os obstáculos devem ser encarados com o máximo de boa 
vontade, seguindo o exemplo de Leon Bloy, pois assim iremos fortalecer o nosso 
carácter e dar conteúdo humano ao nosso trabalho intelectual. Não nos podemos 
preservar da nossa própria experiência ou a boa vida irá tornar-se num elemento 
corruptor. A falta de densidade humana não pode ser compensada por uma grande 
abrangência dos estudos. 
Algumas ideias em voga são um empecilho para a unificação da auto-consciência, 
como achar que o “eu” não existe ou que temos uma multiplicidade de “eus” que 
aparecem consoante o papel social que estamos desempenhando. Raul Seixas dizia que 
“Eu sou a metamorfose ambulante”, e isto descreve a realidade da condição humana, 
em que uma personagem se forma através da sucessão contínua de transformações. O 
“eu” real só pode ser descrito num drama, e não de forma estática num quadro ou 
numa escultura. Mas se esse “eu” não existisse também não poderíamos contar a nossa 
biografia. Mesmo sendo a nossa personalidade constituída por uma data de 
fragmentos, ela também tem um elemento unificante, sem o qual não seria possível 
fazer a transição entre os vários papéis. Alguém que tenta realizar algo está fazendo 
um esforço para unir a sua consciência. 
Este terceiro bloco será aqui denominado de adestramento da auto-consciência, que 
remete para a compreensão de cada situação real vista à luz de um senso do ideal. As 
principais dificuldades surgem dos nossos antagonismos internos. É preciso um 
cuidado especial com a formação de uma auto-imagem, que acaba por ser o oposto do 
auto-conhecimento. Formamos a nossa auto-imagem a partir de supostos defeitos e 
qualidades nossos, que surgem de um discurso interior de defesa e acusação. Mas 
trata-se de uma armadilha porque não revela efectivamente o que somos. A nossa 
consciência não tem uma forma determinada e só existe na tensão entre um senso do 
ideal perseguido e os recursos que nos são fornecidos. Nós somos apenas um operante 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 23 
sem forma, um foco de luz que ilumina o que está obscuro à nossa volta e no nosso 
interior. Apenas o observador omnisciente nos conhece verdadeiramente e tudo o que 
podemos dizer sobre nós são auto-imagens provisórias e, na melhor das hipóteses, 
apenas parcialmente verdadeiras. Desistir da auto-imagem e atermo-nos apenas a um 
núcleo de auto-consciência pode nos desorientar por momentos e nos criar uma 
sensação de falta de identidade, mas isso é provisório. Temos de chegar a uma fase 
onde não seremos mais um retrato mas uma acção, seremos uma auto-criação 
permanente que se substitui a uma auto-contemplação passiva e viciosa. 
O Necrológio, antes de ser uma auto-imagem, é o antagónico dela. É um projecto para 
o qual temos de achar os meios para o realizar, e à medida que o vamos concretizando 
vai deixando de ser uma meta para passar a ser um dever. Queremos ter uma auto-
imagem porque desejamos expressar na perfeição o mundo dos nossos pensamentos. 
Mas a extinção e o desaparecimento fazem parte da natureza das coisas temporais, o 
que permite nos libertarmos de uns pensamentos para dar espaço a outros melhores. 
Mas aquilo que desaparece da escala temporal não vai para o mundo do não-ser, não 
pode tornar-se num nada, porque o nada nunca foi nada. Tudo o que alguma vez 
existiu não se perde na escala da eternidade, onde tudo é eterno e Deus pode colocar 
em nós o conhecimento perdido as vezes que quiser. É esta a memória espiritual a que 
se refere Platão quando fala da anamnese. Só quando começamos a perceber a 
permanência da eternidade por detrás da impermanência é que teremos um terreno 
firme, como dizia S. Paulo apóstolo, n’Ele nos movemos, vivemos e somos. 
A visão da individualidade fechada, do ego cartesiano, serve para paralisar a 
inteligência. Quando acreditamos que tudo é um estado subjectivo nosso, incluindo 
pensamentos e percepções elementares, passamos a dar substância a essa 
subjectividade e negamos aexistência de algo fora dela. O eu subjectivo na verdade 
não existe, limita-se a ser uma sucessão de estados impermanentes, mas se o 
considerarmos como um recipiente fechado, ele deixa de conseguir fazer a ponte entre 
os nossos estados interiores e o mundo exterior, que é a outra sucessão de 
impermanências. Penso, logo existo, tem implícita, como a primeira e fundadora 
certeza das restantes, a existência do próprio ser cognoscente. Mas a própria 
formulação da frase implica a utilização de uma linguagem que veio de fora, ou seja, a 
afirmação da nossa existência não pode ser uma certeza fundadora mas já necessita da 
certeza da existência do mundo exterior. Só que a frase é dita para sugerir o contrário. 
O ser com verdadeira substância só existe na escala eterna, quando já adquiriu a sua 
forma fechada, e na escala temporal tudo é precário e impermanente. Mas também não 
pode existir uma impermanência absoluta, que reduziria as coisas a nada, pelo que as 
coisas no mundo temporal estão num estado intermédio, são semi-naturezas, semi-
substâncias em permanente estado de fluxo que só adquirem a verdadeira 
substancialidade vistas desde a eternidade. Ao invés de nos encerrarmos sobre o nosso 
eu subjectivo, o nosso processo de auto-construção consiste em nos darmos e 
prestarmos atenção a coisas incomparavelmente mais importantes que nós, e depois 
podemos passar a personificar esses valores para outras pessoas, não por os termos em 
nós mas por abrirmos a porta para eles. Muita gente não quer ver essas portas abertas e 
irá odiar o nosso exemplo. Ninguém foi mais odiado que Cristo. Mas isso é uma 
posição alienada que está contra a estrutura da realidade e não podemos temer as 
reacções de pessoas como essas. 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 24 
 
A tarefa de pesquisa 
Apenas quando chegamos ao quarto bloco, relativo às ferramentas de pesquisa erudita, 
o ensino moderno vai dedicar alguma atenção, se bem que deficitária. Devemos nos 
documentar sobre as questões que nos interessam. A investigação filosófica segue de 
perto a investigação histórica, partilhando técnicas e métodos. Um livro sugerido 
quanto a isto é The Modern Researcher, de Jacques Barzun, mas como devemos 
adequar a investigação ao país e momento vivido, devemos também considerar os 
livros de José Honório Rodrigues, Teoria da História do Brasil e Pesquisa Histórica 
no Brasil. Depois de reunir o máximo de documentação possível há que interpretar 
esse material e relacioná-lo, seguindo na linha do historiador da filosofia ou das ideias. 
Para saber mais sobre como trabalhar estes assuntos devemos ler a apostila “Problemas 
de métodos nas ciências sociais”. 
O artigo “Quem é filósofo e quem não é”, publicado no Diário do Comércio 
(disponibilizado em http://www.olavodecarvalho.org/semana/090507dc.html), 
aconselha que, em primeiro lugar, se faça uma pergunta que nos desperte real 
interesse. Segue-se depois uma tarefa bibliográfica e depois todo aquele material será 
montado como se fosse uma teoria única, ou seja, a partir da história do problema é 
composta a sua estrutura. Normalmente os livros fazem uma apresentação sistemática 
que não revela a investigação histórica que esteve por detrás. Este processo está 
ilustrado de forma magistral no livro de Joseph Marechal, Le Point de Départ de la 
Métaphysique. Neste livro é colocado de início o problema da afirmação metafísica e 
depois é visto como este problema foi evoluindo ao longo do tempo nos pontos que 
interessavam ao autor. Na filosofia não é seguida a investigação histórica estritamente, 
que avalia todos os problemas. Há uma criação de foco na escolha de pontos 
considerados essenciais. 
 
A técnica filosófica e o conhecimento por presença 
Apenas no 5.º bloco vamos chegar à técnica filosófica propriamente dita. O 5.º bloco é 
suportado pelos blocos anteriores, como se fosse o tampo da mesa suportado pelos 4 
pés, que representam os outros blocos. Existe uma ponte com o bloco anterior, relativo 
à tarefa documental, que é efectuado pelo livro de Joseph Marechal já referido, onde é 
seguida a ordem da pesquisa. Um filósofo merecedor de atenção é aquele que coloca 
problemas que são mortalmente sérios para si e envolve toda a sua experiência para 
recriar o drama passado pelos outros filósofos que fizeram esforços no mesmo sentido. 
A linguagem que ele utiliza terá de mostrar todo o seu arsenal memorativo e 
imaginário, onde reside a substância da vida intelectual. Isto os distingue daqueles que 
usam esquemas verbais e intelectuais com uma certa habilidade mas apenas na base da 
imitação. 
A técnica filosófica sintetiza uma série de esforços, que deve ser vista como um drama 
a se desenrolar em nós e não como fenómeno histórico, desenvolvidos com vista a 
lançar alguma luz sobre certos problemas. Todos os filósofos seguiram a sugestão de 
Aristóteles de que se devia partir das opiniões dos sábios, que eram opiniões 
qualificadas que já tinham resolvido os problemas elementares. Quando entrarmos na 
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas 25 
técnica filosófica iremos usar dois livros, Manual de Metodologia Dialéctica, de Louis 
Lavelle (a ser traduzido e disponibilizado no COF) e Logique de la Philosophie, de 
Eric Weil. 
Na técnica filosófica será incluído o conhecimento por presença, algo negligenciado 
na história da filosofia mas cujas elaborações científicas das últimas décadas tornaram 
possível desde que se começou a estudar a comunicação não verbal, a ressonância 
mórfica descrita por Rupert Sheldrake, juntando ainda a obra de António Damásio, se 
bem que sofrendo de alguma confusão de terminologia. A nossa orientação no mundo 
depende de muito mais conhecimento que aquele que sabemos que sabemos. O 
conhecimento por presença está sempre presente e preenche os espaços vazios. Ele 
advém do aparato de percepção que nasceu connosco, trazendo a marca da perfeição 
divina; todas as crianças sabem que vivem no mesmo mundo sem terem disso sido 
informadas. Esse conhecimento permite que nos orientemos sem qualquer problema 
no mundo da mutação e da permanência, e sabemos instintivamente o que há de 
aparente e real tanto na mutação como na aparência. Mas quando tentamos transferir 
este mundo da percepção para o mundo da razão, apenas uma pequena fracção do que 
sabemos é comunicável. Os filósofos pré-socráticos tinham a mesma experiência do 
mundo, mas Heraclito realçava o fluxo de mutações, enquanto Parménides achava que 
existia um ser absoluto e imutável por detrás das mutações, e Zenão de Eleia, com os 
seus famosos paradoxos, punha em dúvida a própria realidade do movimento e da 
transformação. Eles sabiam que viviam no mesmo mundo e não em mundos diferentes, 
viam o mesmo mundo mas expressavam-no de forma diferente porque a razão é muito 
limitada em comparação com o mundo da percepção. O que nós conhecemos deles 
resume-se apenas àquilo que eles conseguiram transmitir e não o que eles 
efectivamente sabiam. O conhecimento por presença está por baixo do efectivamente 
percebido, estando mesmo por baixo do inconsciente, que só pode ter origem na 
memória ou em algum processo interno, que é a própria presença no real, pressuposto 
de tudo. O esforço filosófico consiste em transferir uma pequena parcela da riqueza 
infinita da percepção real para o mundo da razão, onde as coisas são humanamente 
comunicáveis e podem ser discutidas. 
A crítica moderna do conhecimento, iniciada por Hume, seguido por Kant, criou a 
ideia de que tudo o que não era absorvido pelos sentidos era criação mental, existindo 
assim o mundo natural e o da criação cultural. Como suposta prova disto temos as 
diferentes imagens do mundo presentes em culturas diferentes. Estas imagens são 
realmente diferentes mas isto não implica que a percepção do mundo também 
acompanhe estas diferenças. Aquilo que as civilizações passadas nos deixaram

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