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cap 3 Fernando Cardim

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A TEORIA QUANTITATIVA
DA MOEDA
INTRODUÇÃO
Este capítulo analisa as teorias de demanda por moeda em sua versão clássica, mais co-
nhecida como teoria quantitativa da moeda. Em realidade, tal teoria já havia sido formula-
da por vários autores no decorrer dos séculos XVIII e XIX, e esteve por detrás de vários
debates ocorridos na Inglaterra, como, por exemplo, na famosa controvérsia bullionista
que envolveu o Relatório da Comissão do Ouro em 1810. Contudo, foi na elaboração do
economista americano Irving Fisher, em 1911, através das equações de troca, que a teoria
quantitativa ficou conhecida e popularizada. Também o debate que veio resultar na Lei
Bancária de 1844, na Inglaterra, entre as chamadas Escolas do Meio Circulante, Bancária
e de Bancos Livres, no qual estava em discussão a administração monetária do Banco da
Inglaterra, foi permeado pela teoria quantitativa. Este capítulo analisa ainda os desenvol-
vimentos teóricos realizados pelo economista sueco Knut Wicksell (1851-1926), que de-
senvolveu uma teoria monetária, ainda que dentro da tradição da teoria quantitativa
clássica, mas mais sofisticada do que esta. Wicksell realizou uma análise das operações de
uma economia dotada de um sistema bancário, em que os bancos tinham um papel impor-
tante no processo cumulativo que ele viria a desenvolver. Em particular, identificou na
taxa de juros o elo entre o setor real e o setor monetário na economia.
O capítulo está dividido em seis seções. Na Seção 3.1 mostram-se, resumidamente, os
antecedentes e primórdios da teoria quantitativa, contextualizando-a no debate monetário
ocorrido nos séculos XVIII e, principalmente, XIX. Na Seção 3.2, analisa-se a teoria
quantitativa da moeda em sua forma mais conhecida: a versão de transação de Fisher. Na
Seção 3.3 focaliza-se a abordagem de saldos de caixa, proposta por economistas de Cam-
bridge, de particular importância, já que foi considerada por Milton Friedman como a pri-
meira elaboração de uma teoria de demanda por moeda. A Seção 3.4 explora os traços co-
muns às duas tradições de teoria quantitativa. A Seção 3.5, em seguida, explora a visão de
Wicksell e sua abordagem do chamado processo cumulativo. A Seção 3.6 debate se a in-
clusão de Wicksell no campo quantitativista é realmente adequada.
CAPÍTULO
3
3.1. OS PRIMÓRDIOS DA TEORIA QUANTITATIVA:
O DEBATE MONETÁRIO NOS SÉCULOS XVIII E XIX
Em seu livro Critical Essays in Monetary Theory, o conhecido economista inglês John Hicks mostrou
que, desde seus primórdios, o desenvolvimento da teoria monetária esteve relacionado à necessidade de
definição de diretrizes políticas para aplicação no mundo real. O debate sobre assuntos monetários era
voltado principalmente para as dificuldades sentidas pelas autoridades responsáveis pelo controle da
moeda, que tentavam seguir uma rota segura entre pressões inflacionárias e deflacionárias. Em particu-
lar, na Inglaterra, no início do século XIX, o perigo da inflação estaria associado fundamentalmente à
possibilidade de emissão excessiva de papel-moeda. De fato, os melhores trabalhos de teoria monetária
foram, via de regra, diretamente inspirados por episódios específicos vividos por cada autor, especial-
mente aqueles derivados de desarranjos monetários.
Até as primeiras décadas do século XX, quando a preeminência no desenvolvimento da teoria eco-
nômica deslocou-se para os Estados Unidos, o principal berço da teoria monetária foi a Inglaterra. A
moderna teoria monetária britânica surge da controvérsia gerada pelas tentativas de suprimento das ne-
cessidades anormais de emissão de moeda e de criação de crédito, geradas pelas prolongadas guerras
contra a França, no final do século XVIII e no princípio do século XIX. Em particular, os problemas
monetários emergiram quando as notas de papel, especialmente as notas dos bancos, começaram a
competir com a moeda metálica como meio de troca, levantando as restrições técnicas que mantinham a
oferta de moeda limitada. A ruptura ocorreria a partir de 1797, quando o Banco da Inglaterra cortou o
vínculo automático entre suas notas e os metais preciosos, que eram em princípio conversíveis, suspen-
dendo assim os pagamentos em espécie (metal).
O debate iria ganhar vigor ao longo da primeira década do século XIX, quando, em várias ocasiões,
o valor cambial da libra, em termos de ouro, deteriorou-se. Foi então que se buscou, pela primeira vez,
uma explicação monetária para as flutuações na taxa de câmbio. O debate iria resultar no Relatório da
Comissão do Ouro (Bullion Committee’s Report) de 1810, e continuaria até a Inglaterra retornar à con-
versibilidade e ao padrão-ouro formal, a partir de 1844. O que estava em jogo na controvérsia bullionis-
ta,1 como ficou conhecido o debate gerado ao redor do Relatório da Comissão de Ouro, era uma expli-
cação para a depreciação da libra.
Os bullionistas atribuíam a elevação no preço do ouro em barra a uma emissão excessiva de pa-
pel-crédito (notas bancárias), devida à má administração monetária do Banco da Inglaterra, enquanto
que os antibullionistas encontravam uma explicação circunstancial nos efeitos das maciças despesas
externas efetuadas pelo governo inglês devido às guerras, acompanhadas pela desaceleração das expor-
tações na primeira década do século XIX. Como para os bullionistas a principal causa da depreciação
da libra em termos de ouro era a política inflacionária do Banco da Inglaterra, ao emitir demasiadamen-
te papel-moeda, a única maneira de restaurar a estabilidade monetária seria impor ao Banco uma restri-
ção de resgatar suas notas em ouro, ou seja, um retorno à conversibilidade e ao vínculo entre notas ban-
cárias e metais preciosos.
A posição bullionista era assumida por Thornton, Ricardo, Horner e Malthus, entre outros, sendo
assim majoritária entre os principais economistas da época, enquanto que o ponto de vista oposto foi
defendido pelos diretores do Banco da Inglaterra e por alguns importantes ministros do Gabinete in-
glês, que negavam ser possível que as notas fossem emitidas acima das necessidades dos negócios, sob
o argumento de que os tomadores de crédito tomariam emprestado somente o que pudessem usar lucra-
tivamente. Além disto, estas notas eram garantidas por “papéis reais”, o que asseguraria a liquidação
dos empréstimos.
O debate entre a Escola do Meio Circulante (Currency School), cujos membros que mais se desta-
caram foram McCulloch, Lloyd, Longfield, Norman e Torrens, a Escola Bancária (Banking School), li-
A Teoria Quantitativa da Moeda 27
1. Para uma análise mais detalhada da controvérsia bullionista, ver Deane, P. A Evolução das Ideias Econômicas, cap. 4. Rio
de Janeiro: Ed. Zahar, 1980.
derada por Tooke, Fullarton e John Stuart Mill, e envolvendo em menor grau a Escola dos Bancos Li-
vres (Free Banking School) de Parnell, Gilbart e Scrope – que se iniciou nos anos 20 do século XIX e
acabou resultando na Lei Bancária de 1844 – foi, em certa medida, uma continuação da controvérsia
anterior, com a primeira escola seguindo uma posição semelhante à linha inflexível ricardiana (ver
Box 3.1) e a segunda (Tooke, em particular) tomando posições mais próximas às de Thornton. A dis-
cussão, neste caso, centrou-se mais diretamente na questão do descontrole monetário, ou mais propria-
mente na emissão excessiva de notas por parte do Banco da Inglaterra; se este deveria centralizar ou não
o monopólio de emissão de moeda; e ainda, se deveria (ou não) haver regras de emissão.2
A Escola do Meio Circulante procurava encontrar um nível de preços que fosse o mesmo tanto para
uma oferta de moeda completamente metálica quanto para uma moeda mista, incluindo notas bancárias
e moeda metálica. Para esta escola, os fluxos de ouro, em um padrão monetário puramente metálico,
têm efeito imediato sobre o aumento ou diminuição da moeda em circulação. Por outro lado, um au-
mento no nível de preços e uma queda nas reservas em moeda metálicas, em um regimede moeda mista
eram sintomas de emissão excessiva (overissue) de notas bancárias. Neste sentido, a Escola considera-
va tanto o Banco da Inglaterra quanto o Banco da Escócia como responsáveis pela emissão excessiva de
moeda. Para resolver esta questão, a Escola do Meio Circulante defendia a adoção de uma regulação es-
tatutária rígida sobre os bancos que assegurasse que o estoque de papel-moeda não fosse nem excessivo
nem deficiente. Assim, era essencial encontrar uma técnica que permitisse tornar a circulação de papel
não meramente resgatável em ouro, mas sim rigidamente atada ao estoque nacional de ouro de modo
que a emissão de notas passasse a variar automaticamente de acordo com as flutuações no estoque de
ouro. A adoção de regras do padrão-ouro exigia que a moeda corrente mista se comportasse exatamente
como se fosse uma moeda corrente puramente metálica. Consequentemente, não haveria necessidade
de regular as atividades bancárias, mas apenas a emissão monetária.
Para a Escola Bancária, contudo, o volume das notas em circulação é determinado pela demanda –
contraindo-se quando os negócios declinam e expandindo-se quando estes prosperam, variando, assim,
em função das necessidades do comércio. Para tanto, os bancos deveriam variar seus coeficientes de re-
serva para acomodar uma maior ou menor emissão de notas. A questão da emissão excessiva era irrele-
vante na medida em que a expansão monetária era possível somente por períodos limitados, uma vez
que as notas deveriam retornar ao banco emissor no momento de repagamento dos empréstimos. Ade-
mais, as obrigações de depósitos e notas bancárias não seriam nunca excessivas se os bancos restringis-
sem seus ativos lucrativos a letras de câmbio reais. Os defensores desta escola, ao contrário da Escola
do Meio Circulante, não tinham um programa legislativo para reformar o sistema monetário, pois, para
eles, o bom gerenciamento bancário não poderia ser legislado. Eles se contentavam em supor que a con-
versibilidade bastaria para salvaguardar a emissão de notas e manter o balanço de pagamentos em equi-
líbrio a longo prazo, salientando que as letras de câmbio e os cheques eram meios de troca da mesma
forma que as notas bancárias e a moeda metálica o eram.
A Escola dos Bancos Livres, por sua vez, defendia uma posição distinta das outras duas, defenden-
do uma visão favorável ao livre comércio na emissão de moeda conversível em espécie. Os membros
desta escola eram favoráveis a um sistema monetário-financeiro tal como era o sistema bancário esco-
cês, onde os bancos competiam em todos os serviços bancários, incluindo a emissão de notas, e nenhum
banco tinha o monopólio na emissão destas. Para esta escola, um sistema bancário descentralizado e
competitivo não emitia sem limites, mas sim fornecia uma quantia estável de moeda. Isto porque a es-
tratégia competitiva dos bancos requer a manutenção da confiança do público em suas emissões (uma
versão mais moderna destes argumentos está no Box 3.2). Ademais, um sistema de compensação inter-
bancário opera para eliminar emissões em excesso de um banco individual. Assim, a emissão excessiva
é um fenômeno que o monopólio do Banco da Inglaterra encoraja, mas um sistema competitivo – tal
como o escocês – desencoraja. Em outras palavras, em um sistema bancário competitivo, o problema de
emissão excessiva não se coloca.
28 A Teoria Quantitativa da Moeda ELSEVIER
2. Para um balanço deste debate, ver Schwartz, A. “Banking School, Currency School, Free Banking School”. In Newman, P.
et alli (ed.). The New Palgrave Dictionary of Money & Finance. London: Macmillan, 1992.
A Teoria Quantitativa da Moeda 29
As discussões monetárias nos séculos XVIII
e XIX estiveram relacionadas à necessida-
de (ou não) de um controle monetário e
creditício mais efetivo, sendo que por de-
trás desta discussão estava a causalidade
entre oferta de moeda, nível de preços e
crescimento do produto. A evolução do
pensamento econômico, na área da teoria
monetária, esteve relacionada direta-
mente ao desenvolvimento do sistema mo-
netário e financeiro, passando da moeda
metálica para o papel-dinheiro, até alcan-
çar o dinheiro creditício. Tal evolução exi-
giu continuamente uma revisão na teoria
monetária.
De fato, David Hume, em seu ensaio
Of Money de 1752, foi dos primeiros a
analisar a relação entre as variáveis mo-
netárias e as variáveis reais na economia.
Hume teorizava sobre um dinheiro pura-
mente metálico, pois ainda que o sistema
de crédito já estivesse se desenvolvendo,
seu desenvolvimento era muito inferior ao
que puderam contemplar Thornton, Ricar-
do e outros, já no século XIX. Como pode
ser visto nas passagens a seguir, Hume já
estabelecia claramente o que ficou conhe-
cido como teoria quantitativa clássica,
indo além de uma análise simplista de que
uma mudança da oferta de moeda provo-
ca uma mudança proporcional no nível
absoluto de preços, como frequentemente
é veiculado:
“É verdade que a indústria tem-se in-
crementado em todas as nações da Euro-
pa desde o descobrimento das minas na
América... e isto pode ser atribuído, entre
outras razões, ao aumento do ouro e da
prata. Assim, pois, vemos que em um rei-
no onde começa a fluir dinheiro em maior
abundância do que antes, tudo muda; o
trabalho e a indústria se avivam; o comer-
ciante se torna mais empreendedor, e até
o agricultor maneja o seu arado com maior
entusiasmo e atenção...”
“Para explicar este fenômeno devemos
considerar que ainda que o novo preço
alto das mercadorias é uma consequência
necessária do aumento do ouro e da pra-
ta, tal aumento não ocorre de imediato;
ao contrário, deve transcorrer certo tempo
para que o dinheiro circule por todo o
Estado e até sentir seu efeito sobre toda
classe de pessoas. A princípio não se per-
cebe nenhuma alteração; gradualmente
os preços vão subindo, primeiro o de algu-
mas mercadorias, logo o de outras, até
que o total alcança a proporção de au-
mento apropriada à nova quantidade de
dinheiro que há no reino. Em minha opi-
nião, é somente no intervalo, no período
intermediário entre a aquisição do dinhei-
ro e o aumento dos preços, que o aumen-
to na quantidade de ouro e prata favorece
a indústria”.*
Fica claro, então, que para Hume a teo-
ria quantitativa é válida como uma condi-
ção de equilíbrio de longo prazo; mas no
curto prazo, enquanto a oferta de moeda
aumenta, se pode produzir um estímulo
real no nível de atividade econômica.
No início do século XIX, o sistema credití-
cio britânico já tinha se desenvolvido signifi-
cativamente, sendo o sistema monetário
composto pelo Banco da Inglaterra, que era
o único emissor de notas na metrópole,
pelo Banco da Irlanda e por três bancos es-
coceses, além de vários bancos provinciais.
Neste contexto, em que a conversibilidade
em espécie foi suspensa, o papel do Banco
da Inglaterra era central e ainda observa-
va-se uma divergência entre o preço de
mercado e do preço de cunhagem do ouro
em barra – o que acabou levando à consti-
tuição da “Comissão do Ouro”.
Henry Thornton, um ativo banqueiro de
Londres e membro do Parlamento, foi o
primeiro a realizar uma exposição siste-
mática da teoria da moeda e do crédito,
em seu livro Investigação sobre a Natureza
e os Efeitos do Papel-Crédito da Grã-Bre-
tanha, de 1802. Em sua análise do siste-
ma credíticio, ele mostrou, tal como Hu-
me, que a curto prazo os fatores monetári-
os podem ter efeitos reais, assim como os
fatores reais podem ter efeitos monetári-
os. Um crescimento do produto e do co-
mércio estimularia o volume de crédito
concedido e da moeda corrente em circu-
lação, na medida em que o sistema de
crédito expande-se quando o volume de
negócios aumenta. Thornton, ao contrário
de Ricardo, defendia que o sistema credití-
cio devia ser controlado ou dirigido atra-
vés de uma emissão discricionária de no-
tas administrada por um Banco Central
que ajustaria sua circulação.* Hume, D. Essays, Moral, Political and Literaly.
Citado por Hicks, J. Critics Essays in Monetary
Theory. Oxford: Clarendon Press, 1967, cap. 9.
A TEORIA QUANTITATIVA DA MOEDA DE HUME E RICARDO
B
O
X
3
.
1
As Escolas do Meio Circulante e Bancária estavam de acordo que um Banco Central com o direito
exclusivo de emissão era essencial para zelar pela saúde da economia, mas diferiam quanto à necessida-
de de uma regra para emissão de notas: a Escola do Meio Circulante defendia uma regra-limite para a
autoridade monetária, enquanto que a Escola Bancária propunha uma autoridade sem regras. Por outro
lado, a Escola dos Bancos Livres desaprovava tanto uma regra-limite como uma autoridade sob a forma
de Banco Central, defendendo um sistema emissor de notas competitivo que seria autorregulado.
A Lei Bancária de 1844 (Bank Charter Act) reconheceu a necessidade de centralizar o controle da
oferta de moeda e estabeleceu formalmente o Banco da Inglaterra como autoridade monetária princi-
pal, fixando um máximo para emissão de notas pelos bancos provinciais (que viriam a ser absorvidos
pelo Banco da Inglaterra) e dividindo o banco em dois departamentos: o Departamento Bancário, em
que o Banco da Inglaterra funcionava como um banco comercial; e o Departamento de Emissão, em
que todas as notas em circulação deveriam ser lastreadas em ouro – com o Banco da Inglaterra pas-
sando a funcionar como uma espécie de Conselho da Moeda (currency board). A Inglaterra adotava,
assim, as regras do padrão-ouro, que obrigavam o governo de um país a responder automaticamente
aos sinais gerados pelo seu balanço de pagamentos: se as divisas em ouro apresentassem uma tendên-
cia de saída, o governo deveria elevar sua taxa de desconto, de modo a frear a saída de divisas; toda-
via, se o fluxo de ouro aumentasse demasiadamente, a taxa de desconto deveria cair, para desestimu-
lar a entrada de ouro.
O que se observou, na prática, é que, em períodos de crise bancária, o pânico era contido com o go-
verno inglês autorizando a suspensão temporária dos limites legais sobre a emissão fiduciária. A ado-
ção de um regime de moeda corrente lastreada em ouro e plenamente automático se encaixava com a fi-
losofia prevalecente do laissez-faire no comércio, servindo particularmente à economia inglesa que ti-
nha um superávit comercial normalmente elevado e em que a suspensão temporária das limitações au-
tomáticas sobre a política de crédito interno só raramente foi exigida. Em geral, um aumento relativa-
mente modesto das taxas de juros era suficiente para compensar a drenagem de ouro.
30 A Teoria Quantitativa da Moeda ELSEVIER
David Ricardo procurou dar uma expli-
cação monetária mais simples aos proble-
mas monetários da Inglaterra, descartan-
do a noção de que um aumento na emis-
são de notas de alguma forma pudesse
aumentar o estoque nacional de capital
produtivo. Para ele a inflação dos tempos
de guerra, mais do que uma inevitável
consequência da guerra, era causada
pela “política frouxa” do Banco da Ingla-
terra, que levava a uma depreciação da
moeda (valor do câmbio internacional da
libra-papel) nos mercados cambiais es-
trangeiros. Assim, Ricardo colocava a res-
ponsabilidade pela inflação e pela depre-
ciação da taxa de câmbio diretamente so-
bre os ombros dos diretores do Banco:
“Se os diretores do Banco... tivessem
procedido de acordo com o princípio que
declaravam ter sido o que regulava suas
emissões, quando eram obrigados a pa-
gar as suas notas em espécie, a saber, li-
mitar suas notas àquele montante que im-
pediria o excesso de mercado acima do
preço de cunhagem do ouro, não devería-
mos estar agora expostos a todos os males
de uma moeda corrente depreciada e em
perpétua variação”.*
Ricardo e seus seguidores buscaram, as-
sim, regras mecânicas para o controle do
crédito, num esquema parecido ao que mo-
dernamente se conhece como currency
board, defendendo que o sistema trabalha-
ria bem se fosse encontrada uma forma em
que o crédito funcionasse tal como o dinhei-
ro metálico. De certa forma, pode-se dizer
que a Lei Bancária de 1844 foi ricardiana,
ao dividir o Banco da Inglaterra em dois de-
partamentos: um departamento de emis-
são, funcionando como um currency board,
e um departamento bancário, funcionando
como um banco comercial normal.
* Ricardo, D. The High Price of Bullion, a Proof of
trhe Depreciation of Banknotes. Citado por De-
ane, P. A Evolução das Ideias Econômicas, p. 79,
op. cit.
A TEORIA QUANTITATIVA DA MOEDA DE HUME E RICARDO
B
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3
.
1
3.2. TEORIA QUANTITATIVA: VERSÃO DE TRANSAÇÕES
DE FISHER
A teoria quantitativa da moeda (TQM) estabelece que os preços variam diretamente com a quantidade
de moeda em circulação, considerando que a velocidade de circulação da moeda e o volume de transa-
ções com bens e serviços não se alteram. Outra forma de expressar a TQM é dizer que uma mudança no
estoque de moeda, num certo período de tempo, não tem efeito permanente sobre as variáveis reais, mas
resulta em uma mudança proporcional nos preços dos bens e serviços. Ou seja, o valor da moeda ou po-
der de compra varia inversamente com o nível de preços, pois quanto mais baixos (ou altos) forem os
preços dos bens e serviços, maiores (menores) as quantidades que podem ser compradas por uma dada
quantia de moeda e, portanto, mais alto (baixo) o poder de compra da moeda.
Como vimos na seção anterior, a TQM veio sendo desenvolvida desde o século XVIII, mas sua ver-
são mais famosa foi a versão de transações formulada inicialmente por Simon Newcomb, em 1885, e
popularizada por Irving Fisher, em seu famoso livro de 1911, The Purchasing Power of Money. Seu
ponto de partida é estabelecer a identidade entre o total de pagamentos em moeda e o total de bens e ser-
viços transacionados. Parte-se, portanto, de que, em cada ato de compra e venda de bens e serviços, os
pagamentos em moeda e o valor dos bens e serviços trocados são idênticos. Assim, o total de moeda
paga nas transações é igual ao valor total dos bens e serviços comprados. O evento elementar é uma
transação, uma troca em que um agente econômico transfere bens e/ou serviços para outro agente e re-
cebe uma transferência de moeda em troca.
A equação de troca é uma relação, na forma matemática, do total de transações efetivadas em um
certo período, sendo obtida somando as equações envolvidas em todas as trocas individuais no período.
Assim temos que:
MV = PT ou
MV + M’V’ = PT
(1)
(2)
em que
M = quantidade de moeda em circulação;
V = velocidade de circulação da moeda;
M’ = total de depósitos sujeitos a transferência de cheque;
V’ = velocidade de circulação correspondente a M’;
P = preços correspondentes dos bens e serviços;
T = quantidade de transações físicas de bens e serviços.
O lado direito da equação – correspondente aos bens e serviços transacionados – é composto pelas
quantidades de transações de bens e serviços trocados multiplicado pelos seus respectivos preços, num
determinado período de tempo. O lado esquerdo – correspondente ao total de moeda utilizada para
pagamentos durante um certo intervalo de tempo – é composto pela quantidade de moeda multiplicada
por sua velocidade de circulação. A equação de troca representa, portanto, uma aplicação da contabili-
dade de partidas dobradas, em que cada transação é registrada simultaneamente em ambos os lados da
equação. Segundo Fisher, a inclusão de depósitos bancários – que ele denominou de crédito circulante
– na equação de troca, tal como na equação 2, não perturba a relação quantitativa entre moeda e preços,
na medida em que a quantidade de depósitos ou crédito em circulação M’ tende a manter uma relação
definida com M, a quantidade de moeda em circulação. Em outras palavras, os depósitos são normal-
mente mais ou menos um múltiplo definido da moeda.
Uma versão modificada da equação de trocas foi formulada posteriormente, em que, paralidar com
problemas conceituais e estatísticos envolvidos na determinação do nível de preços e das quantidades
transacionadas, substitui-se o volume total de transações reais na economia com bens finais pelo Produ-
to Interno Bruto (PIB), que só considera o produto final, e o nível de preços da economia. Assim:
A Teoria Quantitativa da Moeda 31
MV = Py (3)
em que
M = oferta de moeda;
V = velocidade renda da moeda;
y = PIB real;
P = nível de preços.
Na TQM, de forma geral, a moeda é tratada como um estoque e não como um fluxo. A velocidade
de circulação ou a rapidez de giro (turnover) da moeda representa a taxa de utilização da moeda, ou
seja, o quão rápido ou quantas vezes a moeda muda de mãos durante um período de tempo nas transa-
ções realizadas. Instituições e hábitos determinam a velocidade agregada, cuja magnitude é fixada pe-
las taxas de velocidade de circulação dos retentores individuais de moeda. Ela pode ser calculada pelo
quociente obtido pela divisão do total de pagamentos de bens em moeda no curso de um período (um
ano) pela quantia média de moeda em circulação através do qual estes pagamentos são efetuados. Com
base nas equações 1 e 3 temos que:
V = PT
M
V
Py
M
ou � (4)
Os preços devem, como um todo, variar proporcionalmente com a quantidade de moeda (M) e com
a velocidade de circulação (V) e inversamente com as quantidades de bens trocados. Assim, ao se do-
brar a velocidade de circulação da moeda, o mesmo ocorrerá com o nível de preços, caso a quantidade
de moeda em circulação e a quantidade de bens trocados por moeda permaneçam constantes. Por outro
lado, ao se dobrar a quantidade de bens trocados, o nível de preços cairá pela metade, se a quantidade de
moeda e sua velocidade de circulação permanecerem as mesmas. Caso haja uma mudança simultânea
em duas ou todas as três variáveis – quantidade de moeda, velocidade de circulação e quantidade de
bens transacionados – o nível de preços resultará dessas três influências. Se, por exemplo, a quantidade
de moeda é duplicada, e sua velocidade de circulação diminui à metade, enquanto a quantidade de bens
transacionados permanece constante, o nível de preços não se alterará. A equação de trocas mostra que
um aumento em uma das variáveis de um lado da equação requer, de modo a preservar a igualdade, um
aumento proporcional no outro lado.
Contudo, a TQM considera que, no equilíbrio de longo prazo, o volume dos bens transacionados é
determinado ao nível de sua plena capacidade por forças reais, incluindo a qualidade e quantidade da
força de trabalho, a magnitude do estoque de capital e o nível de tecnologia. A Lei de Say, que estabele-
ce que “a oferta cria sua própria procura”, e que portanto toda produção gera o seu poder de compra cor-
respondente, assegura (juntamente com outras hipóteses) que o produto y estará no nível de pleno em-
prego a longo prazo. Assim, salvo em períodos de transição, quando todas as variáveis da equação de
trocas podem interagir, as forças reais e o nível de negócios são independentes das outras variáveis da
equação. A velocidade da moeda é considerada uma variável estável, que muda vagarosamente no tem-
po, dependente que é de fatores institucionais, como frequência, regularidade e correspondência entre
recebimentos e gastos. Deste modo, tal como o volume de negócios, ela é independente das outras va-
riáveis da equação de troca. Daí segue-se que as mudanças de equilíbrio no nível de preços ocorrem de-
vido a mudanças no estoque de moeda. O nível de preços P, portanto, é considerado uma variável passi-
va determinada pela oferta de moeda.
Em síntese, a teoria quantitativa diz que – uma vez que a velocidade de circulação e o volume de co-
mércio sejam constantes – um aumento na quantidade de moeda em circulação faz com que os preços
aumentem na mesma proporção. A TQM se apoia, portanto, na ideia fundamental de que a moeda não
tem nenhum poder de satisfazer os desejos humanos, exceto o poder de comprar bens e serviços. A moe-
da é apenas um meio de troca usado como ponte do hiato entre recebimentos e gastos dos agentes.
32 A Teoria Quantitativa da Moeda ELSEVIER
3.3. A TEORIA QUANTITATIVA NA VERSÃO
DOS SALDOS MONETÁRIOS DE CAMBRIDGE
O aspecto principal da moeda enfatizado na abordagem de transações é que, para um ato de venda poder
ser separado de um ato de compra, é preciso haver alguma coisa que sirva como moeda, que todos os
agentes aceitem como poder de compra geral. Na abordagem dos saldos monetários (“cash-balance”),
por outro lado, a moeda serve como uma residência temporária para o poder de compra, no intervalo de
tempo entre a venda e compra de mercadorias. Para qualquer agente individual, seja um consumidor ou
uma empresa, pagamentos e recebimentos não têm por que se dar nas mesmas datas. Isto torna necessá-
ria a existência de um objeto que cada um de nós possa usar para transportar poder de compra da data
em que o recebemos (por exemplo, quando vendemos alguma coisa) para aquela em que o gastaremos
(na compra de bens e serviços, ou de ativos financeiros, ou de pagamento de impostos etc.). A moeda é
exatamente este veículo na abordagem dos saldos monetários da TQM.
Quanta moeda as pessoas ou empresas irão querer reter em média, como uma residência temporária
do poder de compra? Como uma primeira aproximação, supõe-se normalmente que a quantidade retida
de moeda deva ter alguma relação com a renda, no pressuposto de que a renda afeta o volume de com-
pras potenciais em razão das quais o indivíduo ou a empresa desejam reter saldos de caixa. Assim,
M = kPy (5)
em que
k = razão do estoque de moeda em relação à renda nominal (k = 1/V, 0 � k ���)
M = quantia desejada de moeda.
A variável k é conhecida como constante marshalliana e é numericamente igual ao inverso de V. A
equação 5 é na realidade derivada da equação 3.
Note-se que, em qualquer das equações 3, 4 ou 5, M representa um estoque (medido, por exemplo,
em reais) e Py um fluxo (reais por unidade de tempo). Segundo Friedman,3 a equação 5 pode ser consi-
derada como uma função demanda por moeda, com P e y do lado direito sendo duas das variáveis de
que a quantidade de moeda demandada depende e k simbolizando todas as outras variáveis. A versão de
Cambridge expressa a demanda por moeda como uma proporção k do nível de renda. A relação propor-
cional entre moeda e preços depende da estabilidade da velocidade de Circulação ou k.
Como a oferta de moeda (MS) é considerada exógena pela TQM, para que haja equilíbrio no merca-
do de moeda, a quantidade ofertada deve ser igual à quantidade demandada. Assim:
M = Md = MS (6)
Como visto, uma das diferenças entre a versão de transações e a abordagem dos saldos monetários
refere-se a ênfases distintas na definição da moeda. Tal diferença, contudo, é mais metodológica do que
de resultados, pois a versão de Cambridge parte também da Lei de Say, argumentando que y deverá es-
tar no nível de pleno emprego a longo prazo e que k é estável e independente da oferta de moeda. Como
k permanece constante, tal versão resulta na mesma relação proporcional entre oferta de moeda e nível
de preços, uma vez que mudanças na oferta de moeda causam mudanças diretas nas decisões de gasto
dos agentes. Assim, a oferta de moeda deveria crescer de modo suave ao longo do tempo, para satisfazer
as necessidades básicas da economia representada pelo crescimento da renda real. Qualquer aumento
A Teoria Quantitativa da Moeda 33
3. Friedman, M. “Quantity Theory of Money”. In: Newman, P. et alli (ed.). The New Palgrave Dictionary of Money & Finan-
ce. London: Macmillan, 1992.
maior no estoque de moeda do que aquele determinado pelo crescimento da renda real acarretaria um
aumento correspondente no nível de preços.
Pela teoria quantitativa, o único motivo para uma economia experimentar inflação ou deflação resulta
de desvios na oferta de moeda de seu nível de equilíbrio de longo prazo. Daípor que se pode interpretar a
TQM como uma teoria da inflação, em que a taxa de crescimento de preços é determinada pela expansão
dos meios de pagamento acima do crescimento do produto real. Assim, a taxa de inflação pode ser obtida
pela diferença entre a taxa de expansão monetária e a taxa de crescimento do produto real.
3.4. A TEORIA QUANTITATIVA DA MOEDA
E SEUS POSTULADOS BÁSICOS4
Os principais postulados que estão implícitos na teoria quantitativa da moeda são: equiproporcionali-
dade entre moeda e preços; causalidade da moeda para preços; não neutralidade de curto prazo e neutra-
lidade da moeda no longo prazo; independência entre oferta e demanda por moeda; dicotomia preços
relativos/preços absolutos. Vejamos cada uma delas separadamente.
3.4.1 EQUIPROPORCIONALIDADE ENTRE MOEDA E PREÇOS
A proposição básica da TQM é que “uma mudança na quantidade de moeda normalmente causa uma
mudança proporcional no nível de preços”, pois como visto, o volume de bens transacionados e a velo-
cidade de circulação da moeda são independentes do estoque de moeda no longo prazo. Neste sentido,
se, por exemplo, a oferta de moeda aumenta 10%, o nível de preços aumentará também em 10%, porque
V e y são independentes da oferta de moeda no longo prazo e permanecerão constantes.
A proporcionalidade entre moeda e preços se assenta na proposição de que o comércio e a velocida-
de são mantidos fixos. No tempo histórico real, contudo, ambos experimentam mudanças seculares, in-
dependentemente do estoque de moeda. Por isso, a proporcionalidade refere-se mais propriamente ao
efeito da moeda sobre preços.
3.4.2 CAUSALIDADE DA MOEDA PARA PREÇOS
A causalidade da moeda para preços é assegurada à medida que nenhuma das variáveis da equação de
trocas – V e y – pode absorver permanentemente o impacto da mudança em M. A variação da oferta de
moeda transmite seu efeito completo aos preços através de um mecanismo de ajustamento como o dis-
cutido na seção anterior: em um esforço para restaurar a velocidade da moeda ao seu nível desejado, os
possuidores de moeda aumentarão sua taxa de gasto; o gasto aumentado exercerá – posto que o produto
é fixado em seu nível de plena capacidade – uma pressão para cima dos preços.
3.4.3 NÃO NEUTRALIDADE DE CURTO PRAZO E NEUTRALIDADE
DA MOEDA NO LONGO PRAZO
Para a TQM, um aumento na oferta de moeda não pode aumentar de forma permanente o nível de pro-
duto, já que este depende da disponibilidade dos fatores de produção. Assim, a independência entre o
nível de produto e a quantidade de moeda significa que a moeda não pode influenciar de forma perma-
nente a atividade real.
34 A Teoria Quantitativa da Moeda ELSEVIER
4. Esta seção está baseada em Humphrey, T. “Fisher and Wicksell on the Quantity Theory.” Federal Reserve Bank of Rich-
mond Quaterly, vol. 83/4, outono 1997, seção 1.
3.4.4 INDEPENDÊNCIA ENTRE OFERTA E DEMANDA POR MOEDA NA VERSÃO FISHER
Para economias operando no padrão-ouro, tal como era o caso da Inglaterra na ocasião em que a TQM
foi elaborada por Fisher e outros, o estoque de moeda em uma economia aberta é determinado exogena-
mente por um dado estado do balanço de pagamentos, resultante de um certo nível de preços externos
em relação ao doméstico. Por isso, a oferta é considerada independente da demanda por moeda.
3.4.5 DICOTOMIA PREÇOS RELATIVOS/PREÇOS ABSOLUTOS
Esta dicotomia está vinculada ao fato de que se atribuía a variações nos preços relativos mudanças nas
variáveis reais, como PIB, emprego etc, enquanto que os movimentos nos preços absolutos eram atribuí-
dos a causas monetárias. As mudanças no nível de preços não podem ser causadas por alterações nos
custos de produção, como em caso de forte militância sindical, de poder de monopólio das firmas, de
escassez de mercadorias etc. Tais forças afetam preços relativos, mas não preços absolutos. Em outras
palavras, dado o estoque de moeda, a velocidade da moeda e o nível de troca de bens, as mudanças in-
duzidas por um choque real em preços relativos produzem mudanças compensatórias em outros, dei-
xando o nível de preços absolutos inalterado.
3.5. WICKSELL E O PROCESSO CUMULATIVO
O processo cumulativo de Wicksell considera tanto o mecanismo direto de transmissão monetária
quanto o indireto, o que lhe permitiu uma apresentação da teoria quantitativa da moeda de forma mais
refinada do que aquela desenvolvida por seus contemporâneos. Por mecanismo direto referimo-nos ao
efeito do aumento da oferta de moeda diretamente sobre a demanda por bens. Este mecanismo será su-
posto funcionar do seguinte modo: vamos assumir que consumidores e empresas, ao decidir a quantida-
de de moeda que desejam reter, levem em conta apenas o seu valor real, isto é, apenas o poder de compra
efetivo representado por uma dada quantia de dinheiro. Quando a oferta de moeda é aumentada, estes
consumidores e empresas veem-se com mais poder de compra do que desejariam, dados os preços cor-
rentes dos bens. Assim, estarão retendo saldos reais em excesso. Estes agentes tentarão livrar-se do po-
der de compra excedente ao desejado do modo mais simples: gastando-o na compra de bens e serviços.
Como estamos assumindo que o produto desta economia já esteja em seu máximo, o aumento da de-
manda causado pelo gasto dos saldos reais excessivos fará os preços subirem. A esta sequência de acon-
tecimentos chamaremos efeito saldos reais. Por exemplo, a descoberta de ouro (em um país sob o
regime padrão-ouro) acarreta uma demanda excedente de bens, que, por sua vez, eleva os preços inter-
nos. Já o mecanismo indireto se apoia no reconhecimento da existência de uma relação entre a demanda
por moeda (e sua velocidade) e a taxa de juros, na qual um aumento (diminuição) na oferta de moeda re-
duz (aumenta) primeiro a taxa de juros, elevando-se depois a demanda por bens, causando então um au-
mento (diminuição) do nível de preços.
3.5.1. A ECONOMIA DE MOEDA PURA
Em uma economia hipotética de moeda pura, de pagamento à vista em meio circulante – onde não exis-
te nenhum banco para emitir depósitos transferíveis por cheque e todas as transações são mediadas intei-
ramente por moeda metálica – o aumento da oferta de saldos reais de ouro assegura que os preços
movem-se proporcionalmente à quantidade de moeda no equilíbrio de longo prazo. Assim, a descober-
ta de ouro em uma economia fechada tornaria, aos preços inicialmente vigentes, os saldos reais maiores
que desejados. Os detentores de moeda gastarão este poder de compra excedente (efeito saldo real),
pressionando para cima os preços, que acabam por aumentar proporcionalmente ao aumento do estoque
A Teoria Quantitativa da Moeda 35
de ouro monetário. Em outras palavras, numa economia hipotética de moeda pura, valem inteiramente
todas as premissas da teoria quantitativa da moeda, expostas nas seções precedentes.
3.5.2. A ECONOMIA MISTA DE MOEDA-CRÉDITO E O PROCESSO CUMULATIVO
Para Wicksell, a teoria quantitativa clássica, aplicável às economias de moeda pura, parecia estreita e
antiquada, pois omitia a existência de bancos e de depósitos criados como contrapartida de emprésti-
mos. Assim, ele procurou suplementar a teoria quantitativa com a descrição do mecanismo através do
qual o equilíbrio monetário é inicialmente perturbado e depois restaurado em uma economia mista de
moeda-crédito, ou economias de moeda-depósito, através de sua análise do processo de desequilíbrio
cumulativo. Tratava-se, portanto, de adotar uma premissa mais realista do que a de uma economia hipo-
tética de moeda pura.
Sua análise atribui os movimentos no nível de preços às discrepâncias entre duas taxas de juros:
a) Uma taxa de juros de empréstimos ou de mercado, cobrada pelos bancos pelos créditos que ofere-
cem, que é determinada no mercado de crédito pelo sistema bancário;
b) Uma taxa natural de juros, que é a taxa de equilíbrio que iguala ex-ante a poupança desejada com o
investimento planejado a pleno emprego – sendo, portanto,determinada pela demanda existente de
capital e pelo volume de poupança – e que corresponde à produtividade marginal ou taxa interna de
retorno sobre unidades novas criadas de capital físico. Como à taxa natural de juros a poupança será
igual ao investimento, a oferta agregada da economia será igual à demanda agregada, e o nível de
preços será estável.
No Gráfico 3.1, a taxa natural de juros (rn) deriva da intercepção entre as curvas de poupança (S) e
de investimento (I). Quando a taxa de juros de mercado é igual a essa taxa natural de juros, a economia
estará em equilíbrio monetário. Contudo, a taxa de juros de mercado não é fixada por um leiloeiro wal-
rasiano, mas pelo sistema bancário, e, por isso, só por acaso será igual à taxa natural.
Quando a taxa de empréstimo permanece abaixo da taxa natural – por exemplo, em r0 – tal que o
custo do capital é menor que a produtividade marginal do capital, o investimento planejado excederá a
poupança. Os empresários investidores procurarão financiar os novos projetos de investimento, dese-
jando tomar emprestado dos bancos em um valor maior do que aquele que o público depositou nos ban-
cos. Os bancos podem acomodar esta demanda adicional de crédito, por exemplo expandindo o volume
36 A Teoria Quantitativa da Moeda ELSEVIER
S, I
I (r)
S (r)r
r1
rn
r0
GRÁFICO 3.1
Determinação da Poupança e do Investimento
de depósitos. Esta expansão, ao viabilizar o excesso desejado de demanda agregada implícita no hiato
investimento-poupança, o transforma em excesso efetivo de demanda agregada, que transborda para o
mercado de bens, colocando uma pressão para cima nos preços. Deste modo, a expansão dos depósitos
produz um aumento persistente e cumulativo nos preços, enquanto o diferencial de juros durar. A infla-
ção resulta, assim, do fato de os bancos não terem aumentado a taxa de juros de mercado tanto quanto
necessário para manter estável a demanda agregada na economia. A inflação persistirá enquanto se
mantiver o diferencial de taxa de juros.
O que levaria a taxa de juros de mercado a ficar abaixo da taxa natural? Segundo Wicksell, a condição
indispensável era que afluísse permanentemente novo ouro para o sistema bancário, ou, mais moderna-
mente, que o Banco Central, por algum motivo, expandisse endogenamente a oferta de moeda na econo-
mia. Consequentemente, haveria um aumento no nível de reservas dos bancos, que, assim desejariam am-
pliar sua oferta de empréstimos e de depósitos bancários; só poderiam fazê-lo, no entanto, baixando a taxa
de juros que cobram sobre os empréstimos em relação à taxa natural, provocando, assim, uma variação
cumulativa no volume de moeda bancária e nos preços. Isto porque a taxa de juros menor torna mais ren-
tável a contratação de empréstimos para o empresário investidor comprar bens de capital, gerando um ex-
cesso de demanda no mercado de bens, que resultaria em um aumento no nível de preços.
Da mesma forma, os bancos podem teoricamente provocar uma queda ilimitada dos preços, man-
tendo uma taxa de juros acima da normal. Assim, quando a taxa de empréstimo permanece acima da
taxa natural – por exemplo, em r1 – tal que o custo do capital é maior que a taxa de retorno esperada do
capital, a poupança excederá o investimento planejado. De acordo com o funcionamento do mecanismo
indireto de transmissão, o resultado final será uma demanda agregada menor e, consequentemente, um
nível de preços menor, já que haveria mais estímulo a poupar do que a investir.
Seria, todavia, o processo cumulativo do mecanismo indireto de Wicksell explosivo? A resposta é
negativa, pois Wicksell supôs a existência de um fator estabilizador. O aumento nos preços causado
pelo diferencial de taxas de juros gera a necessidade de criação adicional de moeda para satisfazer a de-
manda transacional real de moeda. A conversão por parte do público de depósitos em meio circulante e
a resultante drenagem das reservas bancárias induzem os bancos a aumentar sua taxa de juros de em-
préstimos até que elas se igualem à taxa natural. Este último passo baixa as reservas dos bancos e, à me-
dida que isto ocorre, também diminui o desejo dos bancos de prover empréstimos. Se os bancos não
possuem reserva em excesso e tiverem, por isso, que restaurar as reservas ao seu nível inicial, eles con-
tinuarão a aumentar a taxa de mercado em direção à taxa natural, até que os preços retornem ao seu ní-
vel preexistente. Resumindo, para Wicksell, o fator responsável pelo qual a taxa de empréstimos con-
verge eventualmente para o nível de equilíbrio natural é a perda de reservas, que acaba afetando a oferta
de empréstimos e de depósitos bancários, já que os bancos se defrontam com a necessidade de elevar a
taxa de juros para proteger suas reservas.
Contudo, para Wicksell, a taxa natural de juros não é fixa, na medida em que ela flutua conjunta-
mente com as causas reais das flutuações econômicas. Assim, ela pode baixar quando aumenta o volu-
me de capital devido à acumulação da poupança; pois sendo cada vez mais difícil o emprego rentável de
capital novo, a concorrência com o capital existente reduz a taxa de juros, ao mesmo tempo que se ele-
vam os salários e outras rendas. E pode se elevar, quando diminui o volume de capital, seja relativa-
mente – por exemplo, devido a um incremento da demanda de capital maior do que a poupança normal
– seja absolutamente, como consequência de uma guerra destrutiva ou qualquer catástrofe natural, ou
ainda por causa de uma descoberta técnica que abra novas perspectivas para o emprego de capital. Des-
te modo, a taxa natural de juros está sujeita a mudanças por vezes muito intensas. Por isso, uma coinci-
dência espontânea entre a taxa de juros de mercado e a taxa natural é pouco provável. Daí a importância
da manutenção do valor da moeda estável para Wicksell, por parte do sistema bancário, através do ma-
nejo adequado das taxas de juros bancárias, reduzindo-as quando os preços estiverem declinando e ele-
vando-as quando os preços estiverem subindo.
A Teoria Quantitativa da Moeda 37
38 A Teoria Quantitativa da Moeda ELSEVIER
Como visto nesta seção, para Wicksell a
causa primária das flutuações de preços é
a diferença que surge entre a taxa de juros
de empréstimo e a taxa natural de juros.
“Se os bancos cedem seu dinheiro em
empréstimo com juros essencialmente
mais baixos (...) do que os juros normais,
então será afetado o espírito da poupança
e por esse motivo se produzirá um aumen-
to da demanda presente de bens de con-
sumo e de serviços. Em segundo lugar,
aumentarão as perspectivas que se abrem
para os empresários de obter maiores lu-
cros; e a demanda de bens e serviços (...)
será incrementada no mesmo sentido.
Devido à maior renda que recebem os tra-
balhadores, os proprietários de terra, os
proprietários de matérias-primas etc., os
preços dos bens de consumo começarão a
subir, ainda mais agora que os fatores de
produção de que dispúnhamos anterior-
mente se retiraram para a produção futu-
ra. Será alterado o equilíbrio do mercado
de bens e serviços”.*
“O movimento ascendente dos preços,
seja grande ou pequeno no primeiro mo-
mento, não pode cessar enquanto a taxa
de juros se mantiver abaixo de sua taxa
normal, isto é, a taxa consistente com a
produtividade marginal do capital real en-
tão existente. Quando todos os preços das
mercadorias tiverem aumentado, ter-se-á
formado um novo nível de preços, o qual
por sua vez servirá de base para todos os
cálculos para o futuro, e para todos os
contratos. Portanto, se a taxa bancária
agora subir para seu patamar normal, o
nível de preços não cairá (...); se a taxa
bancária permanecer mais baixa do que
seu patamar normal, seguir-se-á um novo
ímpeto forçando os preços para cima, e
assim por diante. O oposto de tudo isso
ocorrerá quando a taxa de juro tiver se
tornado alta demais em proporção ao lu-
cro médio (...)”.**
Os bancos têm um papel centralna
análise de Wicksell, devido a sua capaci-
dade de concessão de empréstimos, que
não é limitada pelo seu próprio capital ou
mesmo de terceiros:
“Em suas atividades de empréstimos,
os bancos não só não estão limitados por
seu capital próprio; eles não estão, pelo
menos imediatamente, limitados por ne-
nhum capital; concentrando em suas mãos
quase todos os pagamentos, eles próprios
criam a moeda necessária, ou, o que é a
mesma coisa, eles aceleram ad libitum a
velocidade de circulação da moeda. (...)
Em nossos dias, a demanda e a oferta de
moeda se tornaram quase a mesma coisa,
com a demanda criando em grande medi-
da sua própria oferta”.***
O processo cumulativo, contudo, não é
explosivo, havendo um fator estabilizador
que é interno:
“Quando o juro for baixo em propor-
ção à taxa de lucro existente, e se, como
afirmo, os preços subirem por isso, então,
certamente, o comércio exigirá mais pa-
pel-moeda e moeda bancária, e portanto
nem todas as somas emprestadas voltarão
aos bancos, mas parte delas permanecerá
nas caixas e carteiras do público; em con-
sequência, as reservas bancárias diminui-
rão, enquanto o montante de suas obriga-
ções muito provavelmente terá aumenta-
do, o que os forçará a elevar sua taxa de
juros. O inverso disso, é claro, ocorrerá
quando a taxa de juros tiver se tornado
acidentalmente muito alta em proporção
ao lucro médio sobre o capital”.****
Para Wicksell, o valor da moeda pode
ser mantido estável através do manejo
adequado das taxas bancárias:
“(...) O problema de manter o valor da
moeda estável, o nível médio dos preços
monetários em um patamar constante – o
que evidentemente deve ser considerado
como o problema fundamental da ciência
monetária – seria solucionável teórica e
praticamente em qualquer lugar. E os
meios de solucioná-lo não precisam ser
buscados em algum esquema mais ou
menos fantástico, como aquele de um ban-
co emissor central para todo o mundo,
como às vezes é proposto, mas simples-
mente em um manejo apropriado das ta-
xas bancárias gerais, reduzindo-as quando
os preços estiverem caindo, e elevando-as
quando os preços estiverem subindo”.*****
* Wicksell, K. Lições de Economia Política. São
Paulo: Nova Cultural, 1985, p. 276.
** Wicksell, K. “A influência da taxa de juro so-
bre os preços.” In Carneiro, R. (org.). Os Clássi-
cos da Economia, v. 1. São Paulo: Ed. Ática,
1997, p. 273-4.
*** Idem, p. 272.
**** Idem, p. 272-3 (grifos no original).
***** Idem, p. 276.
O PROCESSO CUMULATIVO, SEGUNDO WICKSELL
B
O
X
3
.
2
3.5.3. A ECONOMIA DE CRÉDITO PURO
O processo cumulativo será explosivo somente no caso especial e extremo de uma economia de crédito
puro ou dinheiro endógeno em sua totalidade. A economia de crédito puro é um caso hipotético e extre-
mado, em que todo o dinheiro assume a forma de depósitos bancários e os bancos não conservam ouro
nem nenhuma outra forma de dinheiro como reserva, ou seja, todos os pagamentos são feitos por trans-
ferências nos registros bancários. Consequentemente, os bancos seriam capazes de fornecer a qualquer
momento empréstimos a qualquer taxa de juros, sem serem constrangidos por qualquer perda de reser-
vas, podendo conservar permanentemente sua taxa de juros por debaixo da taxa natural. Ou seja, os
bancos poderiam satisfazer sempre qualquer demanda por empréstimos com juros baixos, o que signi-
fica que a quantidade de moeda é determinada endogenamente pela sua demanda.
Com a oferta de depósitos bancários idêntica à demanda a todos os preços, não há – em uma econo-
mia de crédito puro – um único nível de preços de equilíbrio ou de quantidade de depósitos. Ao contrá-
rio, há uma infinidade de equilíbrios preço-quantidade. O nível de preços é, assim, indeterminado.
3.6. ERA WICKSELL UM QUANTITATIVISTA?
Como visto na seção anterior, Wicksell desenvolveu uma formulação teórica bem mais complexa e re-
finada do que aquela desenvolvida pela teoria quantitativa clássica. Talvez, por isso, autores de matri-
zes teóricas distintas, como o monetarista Milton Friedman e o keynesiano James Tobin tenham
encontrado similaridades entre seus argumentos teóricos sobre moeda e taxa de juros e os de Wicksell.
Mas, afinal, era Wicksell um quantitativista? Não se pretende nesta seção dar uma resposta final a
esta questão, mas apenas levantar argumentos favoráveis e contrários ao enquadramento deste autor
como um teórico quantitativista.
Como visto na seção anterior, Wicksell desenvolveu uma teoria monetária muito peculiar, em que
diferenças entre a taxa de juros de empréstimos e a taxa natural de juros afetam o equilíbrio monetário
da economia, com impacto sobre o nível de preços. Ainda que dentro do processo cumulativo haja for-
ças que fazem com que a taxa de empréstimos não se afaste indefinidamente da taxa natural, nada ga-
rante que estas duas coincidam. Assim, para ele, as mudanças no nível de preços derivam diretamente
do diferencial de taxa de juros ao invés de causas monetárias primárias.
Para aqueles que veem o modelo de processo cumulativo de Wicksell consistente com a teoria
quantitativa – como Humphrey – são na realidade os choques monetários que causam o diferencial de
taxas que dá início ao processo cumulativo. Isto porque – argumenta-se – a alteração no nível de preços
nunca poderia ocorrer sem ser acompanhada por uma mudança na oferta de depósitos que dá suporte a
ela. Ou seja, o diferencial de taxas sozinho não poderia sustentar mudanças no nível de preços, na medi-
da em que alguma coisa deve financiar o excesso de demanda por bens que mantém os preços se elevan-
do. Nesta linha de raciocínio, o fator-chave que permite no esquema analítico de Wicksell os movimen-
tos nos preços é a expansão de depósitos e não os diferenciais de taxas ou mesmo choques reais, sob a
forma de guerras, progresso técnico e inovações que afetam a taxa natural de juros. Um aumento nos
preços causado pelo diferencial de taxas necessita de moeda adicional para satisfazer o aumento da de-
manda transacional real. Logo, em última instância, o esquema de Wicksell resulta na mesma proposi-
ção básica da teoria quantitativa, de que o nível de preços varia diretamente com a quantidade de moeda
em circulação.
Contudo, há outros autores5 que dizem que Wicksell sustentava que a teoria quantitativa só seria
verdadeira sob a assunção de uma velocidade constante de circulação da moeda, que seria o caso extre-
mo do sistema de moeda pura sem crédito. Todavia, com a existência do crédito, a velocidade de circu-
lação tornar-se-ia variável, sendo impossível provar satisfatoriamente e de forma exata a relação entre a
A Teoria Quantitativa da Moeda 39
5. Steiger, O. “Monetary equilibrium.” In: Eatwell, J. et alli (ed.). The New Palgrave: a Dictionary of Economics. London:
Macmillan, 1987.
quantidade de moeda e o nível de preços. Assim, Wicksell estaria levando em conta em sua análise a
existência de um sistema bancário desenvolvido, em que – de acordo com suas próprias palavras – “os
bancos, ao contrário dos particulares, não só podem emprestar seus próprios fundos, mas também as
quantidades disponíveis que foram depositadas em poupança (...) [dispondo] de um fundo para emprés-
timos que oferece sempre uma grande elasticidade, e que, segundo certos pressupostos, é inesgotável”.6
Portanto, “em suas atividades de empréstimos, os bancos não só não estão limitados por seu capital pró-
prio; eles não estão, pelo menos imediatamente, limitados por nenhum capital; concentrando em suas
mãos quase todos os pagamentos, eles próprios criam a moeda necessária, ou, o que é a mesma coisa,
eles aceleram ad libitum a velocidade de circulação da moeda”.7 O sistema bancário, devido a sua capa-
cidade de oferecer “elasticamente” empréstimos aos demandantes de crédito, é – segundo esta linha de
argumentação – mais do que um mero intermediador de recursos, podendo financiar um gasto adicional
(consumo ou investimento),criando moeda bancária própria.
40 A Teoria Quantitativa da Moeda ELSEVIER
6. Wicksell, K. Lições de Economia Política. São Paulo: Nova Cultural, 1985, p. 276.
7. Wicksell, K. “A influência da taxa de juro sobre os preços”, op.cit., p. 272.
APÊNDICE
FORMALIZANDO O PROCESSO
CUMULATIVO DE WICKSELL8
Assume-se, inicialmente, que toda poupança é depositada nos bancos e que todo investimento é financia-
do pelos bancos e que estes emprestam somente para financiar investimento, e ainda que o pleno emprego
prevalece tal que mudanças na demanda agregada afetam preços mas não o produto real. Então o modelo
reduz-se às seguintes equações que relacionam as seguintes variáveis: investimento I, poupança S (ambos
de magnitude planejada, ex ante), taxa de juros de empréstimo i, taxa de juros natural r, demanda por cré-
dito LD, oferta de crédito LS, excesso de demanda agregada E, mudança no estoque de depósitos sujeitos a
cheque dD/dt, mudança no nível de preços dP/dt, e mudança na taxa de mercado di/dt.
A primeira equação diz que o investimento planejado excede a poupança quando a taxa de juros
de empréstimo cai abaixo de seu nível de equilíbrio natural (o nível que equilibra poupança e investi-
mento):
I – S = a(r – i) (1)
onde o coeficiente a relaciona o hiato poupança-investimento à respectiva taxa diferencial.
A segunda equação estabelece que o excesso de investimento sobre a poupança iguala os novos de-
pósitos adicionais sujeitos a cheque criados para financiá-lo:
dD/dt = I – S (2)
Em outras palavras, os bancos criam novos depósitos transferíveis por cheque através de emprésti-
mos, tal expansão de depósito ocorre quando os bancos emprestam aos investidores mais do que eles
(bancos) recebem dos poupadores. Assim, a equação 2 admite a seguinte derivação. Denote a demanda
de investimento por empréstimos como LD = I (i), onde I (i) é a relação entre o gasto com investimento
planejado e a taxa de juros de empréstimo. Similarmente, denote a oferta de crédito como a soma de
poupança mais os novos depósitos criados pelos bancos para acomodar as demandas por crédito. Em
resumo, LS = S(i) + dD/dt. Igualando a oferta e demanda por crédito e resolvendo pelo hiato resultante
entre investimento e poupança tem-se a equação 2.
A terceira equação diz que os novos depósitos, sendo gastos imediatamente, transbordam no mer-
cado de bens sustentando o excesso de demanda agregada por bens E, derivado do hiato entre investi-
mento e poupança:
dD/dt =E (3)
A quarta equação, por sua vez, diz que o excesso de demanda agregada pressiona para cima os pre-
ços, que aumentam na proporção do excesso de demanda:
dP/dt = bE (4)
onde o coeficiente b é o fator de proporcionalidade entre mudança no nível de preços e excesso de de-
manda.
A Teoria Quantitativa da Moeda 41
8. A formalização feita neste anexo foi extraída de Humphrey, T. “Fisher and Wicksell on the Quantity Theory”, op. cit.,
p. 79-81.
Substituindo as equações 1, 2 , e 3 em 4, e 1 em 2, obtém-se
dP/dt = ab(r – i) (5)
e
dD/dt = a(r – i) (6)
isto é, conjuntamente, a variação de preços e o crescimento dos depósitos originam-se da discrepân-
cia entre as taxas de juros de mercado e natural.
Finalmente, já que os banqueiros devem em algum ponto aumentar suas taxas de juros de emprésti-
mo para protegerem suas reservas em ouro da inflação, uma última equação
di/dt = gdP/dt (7)
fecha o modelo. Esta equação diz que os banqueiros, tendo se livrado do excesso de reservas, agora au-
mentam suas taxas de juros na proporção da taxa de mudança de preços (sendo g o fator de proporciona-
lidade). A equação assegura que a taxa de juros de empréstimos eventualmente converge para seu nível
de equilíbrio natural, como pode ser visto substituindo a equação 5 na fórmula acima para obter
di/dt = gab(r – i) (8)
Com a passagem do tempo, a taxa de empréstimo converge para a taxa natural. Neste ponto, o equi-
líbrio monetário é restaurado. Poupança iguala-se ao investimento, o excesso de demanda desaparece, a
expansão de depósitos cessa e os preços se estabilizam em um novo nível, porém mais alto.
RESUMO
1. Este capítulo analisou as teorias de demanda por moeda em sua versão clássica, conhecida como teoria quanti-
tativa da moeda. A TQM foi formulada por vários autores no decorrer dos séculos XVIII e XIX, mas só viria
ganhar a sua forma definitiva, tal como ficou conhecida, através da equação de troca popularizada por Fisher
(MV = PT) e da versão dos Saldos Monetários de Cambridge (M = kPy). Esta última formulação, segundo
Milton Friedman, constituiu-se na primeira teoria de demanda por moeda.
2. No debate monetário ocorrido na Inglaterra na primeira metade do século XIX, seja na controvérsia bullionis-
ta, seja no debate entre as Escolas do Meio Circulante, Bancária e de Bancos Livres, o que estava em discussão
era, no primeiro caso, uma explicação para a depreciação do valor cambial da libra e, no segundo, o controle
monetário por parte do Banco da Inglaterra. Este debate resultou na proposta do Relatório da Comissão do
Ouro de se restaurar a estabilidade monetária através da imposição ao Banco da Inglaterra de uma restrição de
resgate de suas notas em ouro (retorno à conversibilidade) e, mais tarde, na Lei Bancária de 1844, que estabe-
leceu uma regra para emissão de notas por parte do Banco da Inglaterra, tal como havia sido defendido pela
Escola do Meio Circulante.
3. A proposição central da teoria quantitativa da moeda é que o nível de preços varia diretamente com a quanti-
dade de moeda em circulação, considerando estáveis no longo prazo a velocidade de circulação da moeda e o
volume de transações com bens e serviços. Sua identidade básica é a existência de uma identidade entre um
fluxo de pagamentos em moeda e um fluxo de bens e serviços em que, em cada evento de compra e venda de
bens e serviços, a moeda e os bens trocados são equivalentes.
4. Da proposição central acima, deriva, para a TQM, o postulado da neutralidade da moeda no longo prazo, uma
vez que um aumento na quantidade de moeda em circulação não pode aumentar de forma permanente o nível
de produto na economia, mas apenas temporariamente. O nível de produto é determinado, no equilíbrio de
42 A Teoria Quantitativa da Moeda ELSEVIER
longo prazo, ao nível de sua plena capacidade por forças reais, relacionadas à disponibilidade de fatores de
produção (mão de obra, capital e tecnologia). Assim, a oferta de moeda deve crescer de modo suave ao longo
do tempo para satisfazer as necessidades básicas da economia representadas pelo crescimento da renda real.
Um aumento maior no estoque de moeda do que aquele determinado pelo crescimento da renda real acarreta-
ria um aumento correspondente no nível de preços.
5. Wicksell desenvolveu uma teoria monetária mais refinada e complexa do que a teoria quantitativa da moeda,
analisando uma economia dotada de um sistema bancário desenvolvido. Ele trabalha com três hipóteses: eco-
nomia de moeda pura, economia de crédito puro e economia mista de moeda-crédito. As duas primeiras são
hipotéticas, enquanto que a terceira é mais adequada à realidade. Somente para a primeira hipótese – econo-
mia de moeda pura – valem todas as premissas da teoria quantitativa da moeda.
6. Sua análise parte da existência de duas taxas: uma taxa de juros de empréstimos ou de mercado, determinada
no mercado monetário pelo sistema bancário; e uma taxa natural ou normal de juros, que é a taxa de equilí-
brio que iguala ex-ante a poupança com o investimento planejado a pleno emprego.
7. Wicksell deesenvolveu uma análise do processo cumulativo em que os movimentos no nível de preços são
atribuídos à discrepância entre as duas taxas de juros. Em particular, quando a taxa de juros de empréstimos
permanecer abaixo da taxa natural, o investimento planejado excede a poupança. Isto resultará num aumento
no nível de preços, uma vez que os bancos acomodem a demandaadicional de crédito, gerando um excesso de
demanda agregada que pressiona os preços para cima. Da mesma forma, a taxa de empréstimos menor que a
taxa natural, com a poupança excedendo o investimento planejado, resulta numa demanda agregada menor e
um nível de preços mais baixo.
8. Há controvérsia se Wicksell foi ou não um teórico quantitativista. Aqueles que acham que sim dizem que o di-
ferencial de taxas só resulta em inflação se houver emissão monetária para satisfazer a demanda real de transa-
ção. Aqueles que pensam que não, destacam que num sistema misto de moeda-crédito a velocidade de
circulação da moeda torna-se variável, não se estabelecendo uma relação exata entre a quantidade de moeda e
o nível de preços.
TERMOS-CHAVE
� Moeda Metálica
� Escola Bancária
� Emissão de Moeda
� Versão de Fisher
� Velocidade de Circulação da Moeda
� Processo Cumulativo
� Taxa Natural de Juros
� Escola do Meio Circulante
� Escola dos Bancos Livres
� Teoria Quantitativa da Moeda
� Versão dos Saldos Monetários
� Constante Marshalliana
� Crédito Puro
� Taxa de Juros de Mercado
BIBLIOGRAFIA COMENTADA
Schwartz, A. “Banking School, Currency School, Free Banking School”. In: Newman, P. et alli (ed.). The New
Palgrave Dictionary of Money & Finance. London: Macmillan, 1992.
Trata-se de uma boa e didática exposição do debate entre a Banking School, Currency School e Free Banking
School, ainda que sua leitura do debate não seja imparcial, revelando a filiação monetarista da autora. É interes-
sante notar no texto de Schwartz que muitas das questões que foram discutidas na Inglaterra, na primeira metade
do século XIX, ainda continuam no centro do debate da teoria monetária contemporânea.
Hicks, J. Critical Essays in Monetary Theory. Oxford: Clarendon Press, 1967, cap. 9.
Neste capítulo de seu conhecido livro, Hicks analisa a evolução da teoria monetária “clássica”, de David Hume
a Stuart Mill, tomando como ponto de partida que “os melhores trabalhos da teoria monetária têm sido diretamen-
te provocados por episódios particulares, pelas experiências da época do autor”.
Friedman, M. “Quantity Theory of Money”. In: Newman, P. et alli (ed.). The New Palgrave Dictionary of Mo-
ney & Finance. London: Macmillan, 1992.
A Teoria Quantitativa da Moeda 43
Humphrey, T. “Fisher and Wicksell on the Quantity Theory”. Federal Reserve Bank of Richmond Quaterly,
vol. 83/4, outono 1997.
Wicksell, K. A influência da taxa de juro sobre os preços. In: Carneiro, R. (org.). Os Clássicos da Economia, v.
1. São Paulo: Ed. Ática, 1997.
Steiger, O. “Monetary equilibrium”. In: Eatwell, J. et alli (ed.). The New Palgrave: a dictionary of Economics.
London: Macmillan, 1987.
44 A Teoria Quantitativa da Moeda ELSEVIER
	3 - A Teoria Quantitativa da Moeda
	Introdução
	Os primórdios da teoria quantitativa: o debate monetário nos séculos xviii e xix
	Teoria quantitativa: versão de transações de fisher
	A teoria quantitativa na versão dos saldos monetários de cambridge
	A teoria quantitativa da moeda e seus postulados básicos44.Esta seção está baseada em Humphrey, T. "Fisher and Wicksell on ...
	Equiproporcionalidade entre moeda e preços
	Causalidade da moeda para preços
	Não neutralidade de curto prazo e neutralidade da moeda no longo prazo
	Independência entre oferta e demanda por moeda na versão fisher
	Dicotomia preços relativos/preços absolutos
	Wicksell e o processo cumulativo
	A economia de moeda pura
	A economia mista de moeda-crédito e o processo cumulativo
	A economia de crédito puro
	Era wicksell um quantitativista?
	Apêndice: formalizando o processo cumulativo de wicksell8

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