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2017 - 01 - 30 Direito de Empresa - Edição 2016 LIVRO II - DO DIREITO DE EMPRESA TÍTULO I - DO EMPRESÁRIO CAPÍTULO II. DA CAPACIDADE Capítulo II. DA CAPACIDADE Art. 972. Podem exercer a atividade de empresário os que estiverem em pleno gozo da capacidade civil e não forem legalmente impedidos. COMENTÁRIOS 23. Capacidade para o exercício de empresa O título deste capítulo refere-se à capacidade para comerciar, adotando, nesse particular, a orientação doutrinária que sustentava envolver essa matéria uma questão de capacidade (João Eunápio Borges, Curso de direito comercial terrestre, n. 116, p. 112) e não de condições ou requisitos para o exercício da atividade empresarial. Ora, como já tive oportunidade de observar, "capacidade, na sua acepção clássica, é a aptidão de uma pessoa para ser sujeito de direitos e de obrigações (capacidade de direito) ou para exercer esses direitos e cumprir essas obrigações (capacidade de gozo ou de exercício). Nesse sentido, fala-se em agente capaz ou incapaz para a prática dos atos da vida civil. Criar uma capacidade comercial pode conduzir a confusões desnecessárias, pois a incapacidade civil leva à anulação (incapacidade relativa) ou à nulidade (incapacidade absoluta) dos atos ou negócios jurídicos assim praticados, enquanto a dita incapacidade comercial passaria a ser um plus que, por si, não conduziria a nenhum desses resultados" (Manual de direito comercial, n. 42, p. 95). Com essa advertência, devo enfatizar que a capacidade, de que se trata - e agora consagrada em lei -, não é a capacidade civil, mas uma capacidade especial, para o exercício da empresa, que diz respeito às condições necessárias do agente para o exercício da atividade de empresário em caráter profissional (Neste sentido, Arnoldo Wald, Comentários ao novo Código Civil, v. 14, n. 155, p. 56). Essa capacidade é atingida com o preenchimento destas duas exigências legais: (i) capacidade civil plena e (ii) ausência de impedimento legal. Não há mais permissão de o menor ser empresário por autorização dos pais, como previa o regime anterior. E a eliminação dessa alternativa certamente decorre do fato de o menor, atualmente, atingir a maioridade e, portanto, a capacidade civil plena, aos 18 anos completos (CC, art. 5.º). Recorde-se que, no regime anterior, só após os 18 anos é que era permitida a outorga de autorização para o menor comerciar (CCom, art. 1.º, 3). A autorização hoje só é prevista e, portanto, admitida para os casos de incapacidade superveniente de empresário ou, no caso de menor, para a continuidade de empresa já existente, antes exercida pelos pais ou pelo autor da herança (art. 974). 24. Capacidade civil A capacidade civil plena, que a pessoa adquire com a maioridade ou com a emancipação, torna-a apta a exercer direitos e contrair obrigações e a responsabiliza integralmente (ilimitadamente) pelos atos que praticar. Essa capacidade é pressuposto geral para a prática dos atos da vida civil e, portanto, para quem quer que queira ser empresário. Em matéria de responsabilidade plena pelos atos que pratica, vale registrar que o empresário, como qualquer outra pessoa, está subordinado ao princípio privatístico geral da indivisibilidade patrimonial (segundo o qual, salvo exceções legais expressas, cada indivíduo é titular de um único patrimônio com o qual responde por todas as suas obrigações). Merece registro a criação, no direito português, do estabelecimento individual de responsabilidade limitada (Decreto-lei 248/1986, alterado pelo Decreto-lei 343/1998), que, no dizer de José Engrácia Antunes, tem a natureza de "patrimônio autônomo de uma pessoa singular, através do qual esta pode desenvolver uma atividade comercial beneficiando-se de uma limitação da sua responsabilidade pelas dívidas emergentes do respectivo exercício". Esse instituto, alvo de severas críticas, permite ao empresário singular obter a "limitação de sua responsabilidade patrimonial pelas dívidas originadas pelo exercício ou contraídas na exploração da respectiva atividade empresarial" (O estabelecimento individual de responsabilidade limitada: crônica de uma morte anunciada, Revista da Faculdade de Direito do Porto, ano III, p. 402). Essa anotação deve ser agora complementada com a empresa individual de responsabilidade limitada, pessoa jurídica distinta da do empresário, criada no Brasil pela Lei 12.441/2011, que é objeto dos comentários ao art. 980-A do Código Civil (infra, os ns. 54-68). Não é permitido, por isso, que seja empresário o menor, pouco importando sua idade, ou qualquer outro incapaz, em relação a todos ou a alguns atos da vida civil. É certo que a lei prevê a representação do absolutamente incapaz e a assistência do relativamente incapaz, como modo de suprir suas incapacidades na prática dos atos da vida civil. No entanto, essa previsão legal não se aplica para o exercício de atividade empresária, em caráter profissional. A diferença está precisamente nisso: (i) para a prática de atos eventuais da vida civil, quando isso se torne necessário, o incapaz conta com a representação ou, se for o caso, com a assistência, do pai, do tutor ou do curador; (ii) para exercer a profissão de empresário, é indispensável a capacidade plena, sem a possibilidade de suprimento. Como sabido, o menor pode obter a capacidade plena antes de completar a idade legal pela emancipação, consoante a previsão contida no art. 5.º, parágrafo único, do Código Civil. Nos casos ali indicados, adquirindo a capacidade plena ele deixa de ser menor para os fins legais e, com isso, não sofre qualquer restrição para ser empresário. Dentre as diversas hipóteses, verifica-se que a emancipação tem em conta o menor relativamente incapaz, ou seja, com idade entre 16 e 18 anos. No entanto, a emancipação pelo casamento não menciona idade mínima. Apesar disso, deve-se supor que essa espécie de emancipação só ocorre com os 16 anos completos, diante do que dispõe o art. 1.517 do Código Civil, que define a idade a partir da qual o homem e a mulher podem casar. Deve ser afastada, portanto, a previsão excepcional do seu art. 1.520, que só tem aplicação para os fins que especifica (para evitar a imposição de cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez). O art. 972, correspondente ao art. 1.033 do anteprojeto, possuía um parágrafo único prevendo que "o menor emancipado pelo casamento somente pode exercer atividade de empresário se tiver dezoito anos". Esse parágrafo foi suprimido pela Emenda n. 80, do Senado Federal, de autoria do Senador Josaphat Marinho, por se ter tornado desnecessário com a redução da maioridade, de 21 para 18 anos completos. Não pode o silvícola ser empresário, sem que tenha sido declarado integrado por ato do juiz ou do órgão de assistência a que esteja afetado ou, ainda, por decreto federal, nas condições dos arts. 9.º a 11 da Lei 6.001/1973 (Estatuto do Índio). Antes da integração, isto é, de sua incorporação à comunhão nacional e de ser reconhecido no pleno exercício dos direitos civis, ainda que conserve usos, costumes e tradições característicos da sua cultura, o índio é incapaz, necessitando de assistência do órgão indígena incumbido de sua tutela. Mas, apesar de a lei prever a necessidade de ser assistido, ao contrário dos relativamente incapazes de que trata o art. 4.º do Código Civil, são nulos os atos por ele praticados sem dita assistência com qualquer pessoa estranha à comunidade indígena a que pertença (Estatuto do Índio, art. 8.º). 25. Impedimentos legais A mesma norma sob comentário estabelece que, além da capacidade civil, é preciso quea pessoa natural, que irá dedicar-se à atividade empresária, não esteja legalmente impedida. Optou o codificador em abolir o rol das vedações porque, como mostrou a experiência anterior, estas figuram, normalmente, em disposições de leis específicas que, com o tempo, sofrem variações. O art. 2.º do Código Comercial, que enumerava os proibidos de comerciar, restou integralmente revogado muito antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002. O item desse dispositivo que tratava das corporações de mão-morta (assim entendidas todas as ordens religiosas, igrejas, conventos, mosteiros, misericórdias, hospitais e confrarias), dos cléricos e regulares, deixou de viger com a consagração constitucional do princípio da igualdade de todos perante a lei, independentemente do culto professado. Os demais itens sofreram alterações legislativas posteriores. No lugar de proibição, o Código Civil refere-se, com melhor técnica, a impedimentos, que compreendem tanto as proibições, que têm cunho geral, como as limitações ao exercício da atividade empresarial, consoante, respectivamente, sejam de cunho geral ou restrito. As proibições para o exercício profissional de atividade empresária vigoram para os funcionários públicos em geral, aí incluídos os professores das universidades estatais (Lei 8.112/1990, art. 117, X), inclusive de âmbito estadual (v.g., art. 285, VII e XX, da Lei Estadual 6.174/1970, que dispõe sobre o Estatuto dos Funcionários Públicos do Estado do Paraná) e municipal (v.g., Lei 1.656/1958, art. 209, IV, que instituiu os Estatutos dos Funcionários Públicos Municipais de Curitiba, nessa parte ainda em vigor); apanha, igualmente, os magistrados (Loman, LC 35/1979, art. 36, I), os membros do Ministério Público (Lonamp, Lei 8.625/1993, art. 44, III), os militares (CPM, Dec.-lei 1.001/1969, e respectivo Estatuto, Lei 6.880/1980), o apenado com interdição da atividade econômica por infração às regras da Previdência Social (Lei 8.212/1991, art. 95, § 2.º, letra d) e o falido enquanto não julgadas extintas suas obrigações ou não for ele penalmente reabilitado (Lei 11.101/2005, art. 102). A propósito, merece consulta, quanto aos impedimentos mais comuns, o Manual de Registro de Empresário, baixado pela IN 97/2003 do DNRC, item 1.3.1, letra c (hoje IN DREI 10/2013, com as alterações da IN DREI 26/2014. Também os estrangeiros não podem exercer atividade empresária livremente no Brasil. Para ser empresário aqui é necessário que o estrangeiro possua visto permanente e atenda as exigências estabelecidas no Dec.-lei 341/1938 e na Instrução Normativa 76/1998, do DNRC (hoje inseridas no Manual de Registro de Empresário acima referido). Ao lado dessas proibições, existem as limitações ao exercício da atividade empresarial, que não têm o caráter de generalidade, próprio daquelas. Há um incontável número dessas limitações relativas a ramo de atividade, a pessoas, a localização etc., que ora se materializam por meio de uma vedação ora exigem uma prévia autorização para seu exercício pela iniciativa privada. Da primeira espécie pode ser citada a que proíbe o médico explorar o ramo farmacêutico (art. 16, g, do Dec. 20.931/1932. Sobre o assunto, J. X. Carvalho de Mendonça, Tratado de direito comercial, v. 1, n. 335, p. 471-472, e v. 2, n. 134, p. 110-111; Hernani Estrella, Curso de direito comercial, n. 73, p. 151) e o de ótica (Dec. 24.492/1934, art. 12); da segunda, as disposições que vedam a prática do comércio pelos leiloeiros (Dec. 21.981/1932, art. 36, I, item 1.º), bem como pelos estrangeiros em relação às atividades jornalísticas e de radiodifusão, de pesquisa e lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais de energia elétrica (arts. 176 e 222 da CF/1988); da terceira, certas atividades de estrangeiros em zona rural e na área de fronteira (v.g., arts. 91, § 1.º, III e 190 da CF/1988). Por fim, há atividades econômicas que só podem ser exercidas mediante prévia autorização estatal, dado o interesse público de que se revestem, priorizado pela Constituição ou por norma de lei ordinária, como é o caso das instituições financeiras, dos estabelecimentos de seguro, de resseguro, de previdência e de capitalização (art. 192 da CF/1988 e disposições da legislação específica), dentre outras. 26. Participação do incapaz em sociedades Tema diverso - pois não se perca de vista que a regra em análise, como, de resto, todas as que se encontram em seu capítulo, dizem respeito ao empresário individual -, é saber se os incapazes e os proibidos de comerciar podem participar de sociedades. A aquisição de participação societária é um negócio jurídico eventual, não inserido numa atividade econômica, que, em regra, pode ser celebrado pelo incapaz, assistido ou representado por seus pais, tutores ou curadores. Porém, já era entendimento pacífico que não podia o incapaz participar de uma sociedade comercial como sócio de responsabilidade solidária e ilimitada pelo cumprimento das obrigações por ela assumidas. Isso acarretaria para ele a assunção de responsabilidades superiores àquelas que teriam sido por ele pretendidas (se assistido) ou por seu representante (se representado) e colocaria em risco todo seu patrimônio pessoal, não apenas a parcela que dele teria sido ou estaria destinada para tal fim. Vale lembrar que, quanto ao menor, havia o impedimento previsto no art. 308 do Código Comercial que, cuidando do falecimento de sócio nas sociedades nele reguladas, proibia-o que delas participasse como sucessor do autor da herança. Da mesma forma, continua prevalecendo a opinião unânime de nossos comercialistas de não poder o incapaz participar da administração de qualquer tipo societário - aí incluída a sociedade simples -, pela razão óbvia de que, sendo incapaz, não lhe é dado praticar livremente os atos que tal administração dele exige. A questão, porém, estava em deslindar se o incapaz podia ser sócio (apenas sócio) de sociedades limitadoras da responsabilidade dos sócios a um valor previamente determinado ou desde logo determinável. A possibilidade de o menor participar de sociedade anônima (companhia) como acionista é afirmada sem divergência. No entanto, há autores que sustentam só ser viável tal participação se as ações pertencentes ao menor forem integralizadas (ou seja, estiverem integralmente pagas), ao argumento de não lhe ser possível firmar um contrato do qual podem decorrer sérias responsabilidades, com negativa repercussão em seu patrimônio (Rubens Requião, Curso de direito comercial, v. 1, n. 51, p. 95-97). A prevalecer tal entendimento, que põe de lado a possibilidade da prática de qualquer ato civil pelo incapaz (mesmo com a assistência ou a representação legais), tanto o menor como o interdito ficariam em situação inferior àquela que, eventualmente, pudesse ser proporcionada aos demais acionistas. De fato, não podendo realizar o pagamento parcelado assegurado a todos os acionistas na subscrição de ações decorrentes de um aumento de capital, por exemplo, o menor seria obrigado a integralizá-lo à vista, sem qualquer vantagem econômica ou societária e, eventualmente, com prejuízos concretos pela não aplicação financeira da diferença antecipada e pela desvalorização da moeda no período. Do mesmo modo, não dispondo da totalidade do valor para pagamento imediato, o incapaz seria obrigado a não exercer o direito de preferência na subscrição, diluindo, assim, o seu percentual de participação no capital e no patrimônio sociais. O risco na assunção de obrigações certas e determinadasé previsível e não acarreta repercussões maiores ao patrimônio do menor ou interdito, senão as que conscientemente decidiu assumir (legalmente assistido ou representado por seus pais, tutor ou curador), exatamente como ocorreria se, ao invés de subscrever ou adquirir ações, celebrasse, por exemplo, um contrato de compra e venda para a aquisição de um bem móvel ou imóvel em prestações. Nada obstava nem obsta, portanto, a presença do menor em sociedade anônima, exclusivamente como acionista, estejam suas ações integralizadas ou não, com representação ou assistência paterna ou materna. Em caso de aumento de capital, nada impede, igualmente, que subscreva as novas ações oriundas desse aumento mediante integralização simultânea ou parcelada, de acordo com o que ficar deliberado na assembleia geral para seu pagamento pelos acionistas em geral. O art. 1.º da Lei 6.404/1976, limita a responsabilidade do acionista "ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas" - ou seja, nenhuma outra responsabilidade, nenhum risco maior do que o pagamento daquilo a que se obrigou corre o subscritor ou adquirente de ações. A simples aquisição de participação societária já é um risco em si, porquanto o patrimônio afetado à atividade empresarial oscila para mais ou para menos consoante as injunções do mercado e a boa ou má administração social. Cabe aos pais, na qualidade de assistentes ou de representantes do menor, avaliar a conveniência de fazer uma tal aquisição. No entanto, é preciso separar dessa situação a do menor tutelado e dos demais incapazes sujeitos à curatela, uma vez que nesses casos não está presente o pressuposto de os pais do menor serem os melhores juízes dos seus interesses. E há regras específicas que precisam ser observadas. O tutor e o curador só podem adquirir ações em nome dos incapazes que assistem ou representam se houver dinheiro livre no patrimônio destes, decorrente de alienações autorizadas pelo juiz (CC, art. 1.753, § 1.º, e 1.774) ou de qualquer outra fonte (CC, arts. 1.753, § 2.º, e 1.774) para que possam ser convertidos em títulos (aí compreendidas as ações das companhias). Em qualquer outra situação, dependerão de prévia autorização judicial, a despeito de se saber que tal autorização não irá eliminar o risco da operação. Já a participação do incapaz em sociedades limitadas (CC, art. 1.052) apresentava maior complexidade. É que, nessas sociedades, a responsabilidade do sócio pode superar o valor das quotas por ele subscritas ou adquiridas. Há solidariedade dos sócios pela realização integral do capital social e pela diferença a maior dos bens conferidos para sua formação (CC, arts. 1.052 e 1.055, § 1.º). Assim, se um sócio deixa de pagar o valor de suas quotas, os demais podem ser chamados a satisfazê-lo; da mesma forma, se um bem for superavaliado, respondem todos os sócios pelo excesso da avaliação. Com base no já mencionado art. 308 do Código Comercial, sustentou-se, inicialmente, que o menor e os demais incapazes não podiam participar dessas sociedades (Waldemar Ferreira, Sociedade por quotas, n. 114, p. 111). Contudo, o entendimento, que a prática consagrou e que passou a ser seguido pelas Juntas Comerciais, foi o de admitir a participação do incapaz nesse tipo societário, sendo ou estando seu capital social totalmente integralizado (João Eunápio Borges, Curso de direito comercial terrestre, n. 329, p. 318-320; Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto, Sociedade por quotas de responsabilidade limitada, v. 1, n. 257, p. 223). Com isso seria evitada a responsabilização solidária do incapaz e a assunção de obrigação superior à pretendida. Essa orientação, supondo a impossibilidade de o menor ser administrador, não sofreu alteração com as disposições codificadas em 2002. Contudo, resolveu o legislador consagrá-la expressamente e, pela Lei 12.399/2011, acolheu-a, estendendo-a inadvertidamente a todas as sociedades, independentemente do regime jurídico de responsabilidade dos sócios por elas adotado. Essa infeliz e incongruente alteração legislativa será tratada adiante, nos comentários ao § 3.º do art. 974 (n. 36 infra). Voltando à questão da sociedade limitada, se a intenção está em evitar a responsabilidade do incapaz para além daquilo a que se quis obrigar, duas considerações ainda precisam ser feitas: a) no evoluir da vida social, aos sócios da sociedade limitada é permitido deliberar, por maioria de 3/4 do capital social, um aumento de capital com a entrada de novos valores e, nesse caso, não integralizado esse aumento de imediato - ou seja, não sendo pago no ato do aumento o valor integral de todas as quotas dele decorrentes -, todos os sócios, mesmo o incapaz (tenha ele participado ou não desse aumento), estarão sujeitos a responder solidariamente pela diferença que faltar para complementá-lo, isto é, pela parte não integralizada do valor das quotas subscritas por eventuais sócios inadimplentes; b) o capital social pode ter sido integralizado com um bem cujo valor tenha sido superestimado e, nesse caso, todos os sócios nesse tipo societário ficam solidariamente responsáveis pela plusvalia a ele atribuída durante os cinco anos da data do registro dessa operação no Registro Público de Empresas Mercantis. Assim sendo, a admissão de incapaz em sociedade limitada, nunca como administrador, mas como sócio meramente quotista, necessita ficar condicionada - aí sim - a que os aumentos de capital por entrada de novos valores sejam integralizados no ato (à vista) por todos os sócios e à ausência de aporte de bens para a formação do capital social nos últimos cinco anos. Tanto uma como outra dessas condicionantes podem ser contornadas: no último caso, pela avaliação do bem para ver se foi conferido pelo seu valor de mercado; no primeiro, pela inserção de cláusula no contrato social (que só por deliberação unânime poderia ser derrogada), dispondo sobre as condições para um eventual aumento de capital (pagamento ou aporte integral no momento da assinatura da correspondente alteração contratual e, se for o caso, avaliação de bem conferido por qualquer dos sócios). No tocante às sociedades em comandita (simples e por ações), as mesmas considerações expostas relativamente às sociedades anônimas servem para definir a participação do incapaz como sócio comanditário - mas não como comanditado -, eis que, pelo só fato de ser comanditário, estará proibido de exercer a administração e terá sua responsabilidade limitada ao pagamento das entradas que se obrigou a realizar para a formação do capital social. Uma vez admitida a participação do incapaz em sociedade empresária nas condições acima narradas (ou em sociedade simples, quando adote o tipo de sociedade empresária que o permita), é- lhe assegurado o gozo e o exercício dos direitos inerentes à sua qualidade de sócio. Assim, assistido ou representado, o incapaz tem o direito de receber dividendos, de participar do acervo social em caso de liquidação da sociedade, bem como o direito de participar das reuniões ou assembleias e nelas deliberar sobre todos os assuntos que digam respeito aos seus interesses. Não o faz diretamente, porém assistido ou representado, na forma da lei, por seus pais, tutores ou curadores. Se o representante do incapaz contribuir com seu voto para a tomada de uma decisão ilegal, não vincula o representado na ilegalidade, mas responde pessoalmente pelos danos que de sua atuação resultarem para a sociedade ou para terceiros, visto que não lhe é permitido, na representação, praticar atos ilícitos. Em se tratando de assistência, a solução é a mesma, salvo provando-se que o assistido também tinha condiçõesde aferir as consequências do ato, o que exige a análise de cada caso concreto. Se, por qualquer motivo (ausência, conflito de interesses etc.), houver impedimento pessoal do representante ou assistente em participar da deliberação, será possível sua substituição para o ato específico. 27. Participação do impedido em sociedades Já no que se refere à participação em sociedade dos impedidos de exercer atividade empresária, à primeira vista, parece que só não poderiam integrar sua administração nem exercer o respectivo controle, direta ou indiretamente. É que, consagrada a personalidade jurídica da sociedade e, pois, sendo ela pessoa distinta da de seus sócios, a atividade econômica é exercida pela sociedade e não pelos que figuram em seu quadro social. No entanto, considerando que os impedidos podem responder, em determinados casos, pelas dívidas contraídas pela sociedade quando dela participam na condição de sócios de responsabilidade solidária e ilimitada, tendo, portanto, interesse direto e pessoal na preservação de seus patrimônios individuais, a doutrina uniformizou-se sustentando, com inteira procedência - e em lição plenamente atual -, que, nessas hipóteses, persistirá a proibição, sendo-lhes, portanto, vedada a participação (a) nas sociedades em nome coletivo, (b) como sócios comanditados das sociedades em comandita simples ou por ações e (c) como sócios de indústria nas sociedades de capital e indústria (J. X. Carvalho de Mendonça, Tratado de direito comercial, v. 2, n. 133, p. 109; Rubens Requião, Curso de direito comercial, v. 1, n. 55, p. 101). Refiro-me, na letra c, à participação do proibido como sócio prestador de serviços na sociedade que se constituir sob tal permissão (CC, art. 997, V), o qual, aliás, no sistema atual, nem precisaria de destaque, eis que sempre terá responsabilidade ilimitada e solidária pelas obrigações da sociedade. Ver, a respeito, os comentários ao art. 1.006 (n. 159 infra). Resta, portanto, a possibilidade de o impedido ser sócio quotista de sociedade limitada, acionista de sociedade anônima, sócio comanditário ou acionista comanditário, respectivamente, da sociedade em comandita simples ou por ações, contanto que não as administre nem (pelo mesmo fundamento) nelas detenha participação capaz de lhe assegurar o controle das atividades sociais. Acrescento, ainda, que, se a sociedade dedica-se a uma atividade que tem vínculo com a função exercida pelo proibido, como a de participar de licitações perante a entidade pública na qual está lotado o funcionário público, haverá vedação, também aí, à sua participação (Lei 8.666/1993, art. 9.º, II). Art. 973. A pessoa legalmente impedida de exercer atividade própria de empresário, se a exercer, responderá pelas obrigações contraídas. COMENTÁRIOS 28. Efeitos dos atos praticados pelos impedidos Os atos praticados pelo impedido no exercício de atividade econômica que lhe é vedada não padecem de nenhum vício de nulidade - o que me parece acertado. Adotando conduta contrária à lei, ele comete ato ilícito. Mas essa ilicitude não afeta os terceiros que com ele contratam. A rigor não se trata de uma sanção. O que o art. 973 prevê é a validade do ato praticado pelo impedido, determinando que ele responda pelas obrigações contraídas, o que normalmente aconteceria, se impedido de assumi-las não estivesse. De qualquer modo, há ilicitude passível de repressão. A conduta ilícita fará com que o impedido sofra as sanções pessoais, de natureza administrativa e penal, se for o caso. Tais penas variam consoante o vínculo funcional ou profissional existente. Além disso, contra o infrator devem ser adotadas medidas que visem fazê-lo cessar o exercício da atividade econômica ilegalmente desenvolvida. Se de sua conduta ilegal resultarem prejuízos para terceiros, o impedido será responsável pela sua reparação, nos termos da regra geral da responsabilidade civil (CC, art. 927). 29. Efeitos dos atos praticados pelos incapazes À primeira vista, os atos praticados pelos incapazes no exercício da atividade empresarial, se a incapacidade for absoluta, são nulos e, se relativa, anuláveis, segundo as regras dos arts. 166, I, e 171, I, do Código Civil. À falta de outra previsão, pode-se entender que, nessa parte, a solução está nessas disposições gerais. No entanto, já se viu que ao direito de empresa não interessa o ato jurídico isoladamente considerado, mas aquele que é praticado com habitualidade e em caráter profissional, no desenvolver da atividade empresarial. Aplicar aquelas regras gerais, voltadas para normatizar relações jurídicas estanques de direito comum, sem essa visão dinâmica da prática dos negócios, conduziria a resultados absurdos. Não se pode ignorar o grau de automatismo e de comportamento padrão que se verifica nessa situação e, na prática, normalmente torna-se impossível reverter a cadeia circulatória dos bens movimentados e dos serviços prestados por uma pessoa absoluta ou relativamente incapaz e, por isso, suscetíveis de nulidade ou de anulabilidade. A teoria das nulidades nos negócios jurídicos não alcançou, no Brasil, os avanços da doutrina e da legislação comparada. Nosso Código Civil não distingue, pelos critérios mais adequados, os atos nulos (que se caracterizam pela ausência de um de seus elementos essenciais, vale dizer, agente capaz, objeto lícito ou forma legal) dos anuláveis (em que estão presentes todos os elementos essenciais, porém um ou alguns com defeito) e dos ineficazes (em que o vício não está nos seus elementos essenciais, mas é exterior ao negócio e se relaciona com suas consequências, como na fraude contra credores, aqui ainda reputada como causa de anulação do negócio jurídico - CC, art. 158 e ss.). Do mesmo modo, a regra de que os atos nulos não produzem nenhum efeito deixa de considerar várias situações em que não há como lhes negar a produção, senão de todos, de certos efeitos. No tocante a menores comerciantes, dizia o art. 26 do Código Comercial que eram válidos os atos por eles praticados, sem que pudessem alegar o benefício de restituição contra esses atos ou contra outras quaisquer obrigações comerciais que contraíssem. Tratava-se de disposição que se aplicava sem distinção ao menor, tanto absoluta, como relativamente incapaz. Essa norma foi revogada e não há outra de teor semelhante no Código Civil. Quanto ao menor relativamente incapaz, há, porém, a disposição contida no seu art. 180, que não permite ao menor entre 16 e 18 anos, "para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte; ou, se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior". Essa previsão deve ser estendida, em nosso pensar, aos demais relativamente incapazes. Já no que se refere aos absolutamente incapazes, aí incluído o menor com idade inferior a 16 anos, tem-se a nulidade dos atos que realiza como empresário. Essa nulidade, porém, não se projeta para além das partes contratantes, não envolvendo terceiros de boa-fé. Resolve-se em perdas e danos e não deve ser declarada na ausência de prejuízo ao patrimônio do incapaz, mesmo quando não tiver obtido proveito com o negócio (CC, arts. 181 e 310). A interpretação aqui defendida procura dar a indispensável proteção aos terceiros de boa-fé e, ao mesmo tempo, relevar a situação de fato, que é o exercício do comércio por um incapaz que, aos olhos da clientela, mostra-se capaz de praticar a atividade que, justamente por isso, passou a desenvolver. A conclusão vale para o exercício normal da atividade mercantil; não, porém, para a prática de atos isolados e eventuais que não se insiramna atuação corriqueira dele, tal como se apresenta perante terceiros que com ele contratam, porque aí incidem as regras de direito comum. Art. 974. Poderá o incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido, continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor de herança. § 1º Nos casos deste artigo, precederá autorização judicial, após exame das circunstâncias e dos riscos da empresa, bem como da conveniência em continuá-la, podendo a autorização ser revogada pelo juiz, ouvidos os pais, tutores ou representantes legais do menor ou do interdito, sem prejuízo dos direitos adquiridos por terceiros. § 2º Não ficam sujeitos ao resultado da empresa os bens que o incapaz já possuía, ao tempo da sucessão ou da interdição, desde que estranhos ao acervo daquela, devendo tais fatos constar do alvará que conceder a autorização. § 3º O Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais deverá registrar contratos ou alterações contratuais de sociedade que envolva sócio incapaz, desde que atendidos, de forma conjunta, os seguintes pressupostos: I - o sócio incapaz não pode exercer a administração da sociedade; II - o capital social deve ser totalmente integralizado; III - o sócio relativamente incapaz deve ser assistido e o absolutamente incapaz deve ser representado por seus representantes legais. COMENTÁRIOS 30. Incapacidade superveniente no regime anterior Não há dúvida que os absoluta e relativamente incapazes não podem ser empresários, sendo-lhes vedado, por isso, dar início ao exercício de qualquer atividade econômica. A situação altera-se em relação aos que, capazes ao tempo que a iniciaram, vierem a ser declarados interditos (por prodigalidade, por deficiência mental etc.). A lei anterior não distinguia a incapacidade já existente ao tempo da abertura do negócio daquela que lhe fosse superveniente - o que conduzia à conclusão de que, advindo a incapacidade de um empresário (individual), sua atividade devia cessar. A doutrina, no entanto, mesmo sem previsão expressa, inclinou-se no sentido de distinguir as duas situações, tomando em consideração fatores que o reclamam. A interrupção do comércio já iniciado causa reflexos sobre situações que, como a tutela do incapaz, são igualmente dignas de proteção jurídica. Além disso, a paralisação da atividade empresarial choca-se com interesses de terceiros alheios ao problema da incapacidade do empresário, como é o caso de seus empregados e familiares, de seus fornecedores e do próprio Estado na preservação da empresa (que gera empregos, receita tributária e desenvolvimento da economia local, regional e, algumas vezes, até nacional). A preservação da empresa é, como visto na Introdução (item XIX supra), um princípio constitucional implícito, que deriva, dentre outros, do que determina a busca do pleno emprego, tido como um dos mais importantes princípios orientadores da ordem econômica. Era preciso encontrar, então, o ponto de equilíbrio para harmonizar todos esses interesses. A continuidade do negócio pelo curador do incapaz forçaria esse último a atuar no comércio, independentemente da habilitação profissional que pudesse ter. Isso punha em risco o interesse do incapaz que podia ficar obrigado a responder pelas consequências da má (inábil) atuação de seu representante. Da mesma forma, o exercício da atividade empresarial pelo relativamente incapaz obrigaria seu curador, no ofício da assistência, a permanecer diuturnamente ao lado do assistido, com riscos semelhantes. Assim, a única forma de preservar a atividade empresarial e, ao mesmo tempo, proteger o patrimônio do incapaz dos riscos a que toda a atividade mercantil o expunha, era, no nosso entendimento, "admitir a manutenção temporária dessa situação para que a empresa possa ser transferida a terceiro e ter assim assegurada a continuidade do empreendimento. Solução semelhante vem sendo adotada nas hipóteses de sociedades que, por razões diversas, têm seu quadro social reduzido a um único sócio" (Manual de direito comercial, n. 43, p. 123). Não foi sempre assim. No início, instalou-se séria polêmica sobre a possibilidade de a incapacidade superveniente admitir o prosseguimento do negócio. Combatendo aqueles que admitiam a continuidade do estabelecimento do comerciante posto sob curatela superveniente com fundamento no art. 335 do Código Comercial, que não considerava a incapacidade superveniente como causa de dissolução da sociedade, Waldemar Ferreira obtemperava que tal dispositivo dizia respeito a sócio e não à pessoa natural do comerciante. E combatia veementemente a continuidade do negócio pelo interdito (Instituições de direito comercial, v. 1, n. 186, p. 303-305). Já a seu tempo, Vivante, fundado, não na preservação da empresa, mas nos atos de administração necessários à preservação do patrimônio dos incapazes, não via motivo para não admiti-la. Para ele, "esses incapazes podem tornar-se comerciantes quando continuem em próprio nome um negócio já existente, adquirindo-o por herança ou doação; mas não podem tornar-se comerciantes pela montagem de um novo estabelecimento ou pela aquisição por título oneroso de um já existente, porque esta iniciativa nunca poderia ter os caracteres de necessidade e de evidente utilidade, que são condições imprescindíveis para constituírem atos que excedam a simples administração no interesse dos incapazes. Pessoas incapazes podiam exercer o comércio por meio do seu legítimo representante, como o pai ou o tutor" (Cesare Vivante, Instituições de direito comercial, n. 11, p. 36). 31. A solução legal Atento ao problema, o Código Civil regula tal situação. Admite a continuação da empresa pelo empresário atingido por incapacidade superveniente, caso em que ela passará a ser exercida por meio de seu representante legal ou por ele próprio devidamente assistido, sempre com prévia autorização judicial, examinadas as circunstâncias e riscos da empresa, bem como a conveniência em continuá-la. Não se trata de uma continuação automática. É preciso que ela seja requerida ao Poder Judiciário, mediante prova que permita o exame das circunstâncias e dos riscos da empresa, bem como da conveniência em dar prosseguimento ao negócio - o que pode demandar investigação do mercado, dos reflexos que o encerramento das atividades pode acarretar ao incapaz e às pessoas vinculadas à sua atividade etc. A preocupação de preservar o empreendimento pode ser atendida por outros meios, como o arrendamento do estabelecimento, sua alienação a terceiro etc. - alternativas que hão de ser levadas em conta na definição daquilo que, efetivamente, é mais adequado e apresenta menos riscos ao patrimônio do incapaz e ao pessoal envolvido com a atividade. 32. Procedimento para a obtenção da autorização Não está previsto o procedimento próprio para a obtenção da autorização judicial, mas creio que, a respeito, devem ser observadas as regras do Código de Processo Civil referentes aos procedimentos especiais de jurisdição voluntária (art. 1.103 e ss.), onde está inserido aquele para obtenção da emancipação judicial (CPC, art. 1.112, I). É certo que emancipação e autorização para o exercício de atividade empresarial não se confundem. A primeira é ampla, sem restrições para a prática de quaisquer atos da vida civil, e tem caráter irrevogável, enquanto a outra é restrita aos atos que digam respeito à atividade a serdesenvolvida e pode ser revogada, mediante idêntico procedimento, por razões de conveniência. O pedido deve ser feito pelo representante legal do incapaz ou por ele próprio, assistido por seus pais ou tutor. A lei não faculta que esse pedido seja feito por terceiros, nem pelo Ministério Público, por mais que se imagine um interesse público na continuidade da empresa. E o faz sabiamente, porque da autorização concedida podem advir atos geradores de obrigações para o incapaz, mesmo sabendo-se que sua responsabilidade fica limitada ao patrimônio adquirido a partir do momento em que der início ao exercício das atividades autorizadas (art. 974, § 2.º). Uma autorização judicial não evita os riscos, que sempre existirão, na assunção do negócio por quem, em regra, não é afeto ao tráfico mercantil. Como já havia observado Rubens Requião em crítica ao então projeto, "os riscos do comércio são muito graves, e é difícil ao juiz, que não é experto em assuntos econômicos, aquilatar, como previsão, os riscos a que a empresa está sujeita" (Projeto do Código Civil - Apreciação crítica sobre o Livro II. RT 478/20). Por tal razão, é recomendável que o juiz leve em consideração, na sua decisão, a situação patrimonial da empresa, as perspectivas de sua rentabilidade, a estrutura material, o quadro de empregados e a relevância do empreendimento na região, exigindo, sempre que a dimensão do negócio o permitir, a comprovação desses fatos por profissionais habilitados. Uma vez concedida a autorização, é possível sua revogação a qualquer tempo, sempre que se apresentarem motivos que a justifiquem. A revogação observa o mesmo procedimento adotado para a obtenção da autorização e deve ser formulada ao juiz pelos mesmos interessados. Negada ou revogada a autorização para o incapaz exercer ou dar continuidade à empresa individual, deve ser liquidado o patrimônio afetado ao seu exercício, mediante a apuração do ativo e o pagamento do passivo. Sendo insuficientes os bens do ativo, devem ser buscados outros bens, fora do acervo empresarial, do empresário atingido por incapacidade superveniente, ou do antigo empresário (genitor do incapaz ou autor da herança). Ultimada essa liquidação, promove-se o cancelamento da inscrição junto ao Registro Público de Empresas Mercantis. 33. Patrimônio separado Para amenizar os riscos, o § 2.º, do art. 974 cria um patrimônio separado, integrado pelos bens, estranhos ao acervo da empresa, que pertenciam ao incapaz ao tempo da interdição. Referido patrimônio passa a ser tratado isoladamente, não se vinculando à satisfação dos resultados negativos da atividade daí por diante desenvolvida com a empresa. Surge, assim, a questão de saber como determinar os bens estranhos ao acervo da empresa. O incapaz, enquanto capaz, possuía um só patrimônio, respondendo com todo ele (exceção feita às ressalvas legais) pelas dívidas que contraía no exercício de sua atividade empresarial. Sobrevindo sua incapacidade, é preciso verificar, nesse momento, quais os bens que, desse patrimônio único, estavam afetados ao seu negócio (balcões frigoríficos, mercadorias etc.) Mas isso não é suficiente porque a incapacidade pode ocorrer em um momento no qual as dívidas assumidas superam o valor do conjunto de bens afetado ao exercício da empresa. Nesse caso, é necessário que sejam respeitados os direitos dos credores anteriores e, pelo pagamento dos respectivos créditos, responde o patrimônio do incapaz por inteiro, mesmo após a obtenção da autorização para continuar sua empresa pela pessoa do seu curador ou por esta assistido. Na mesma regra está contemplada a situação dos pais do incapaz, ou de alguém de que ele seja sucessor, que por razões diversas, não pode(m) prosseguir na atividade empresarial que estava(m) exercendo. Nesse caso, não há dificuldade na separação dos patrimônios, porque o patrimônio do incapaz nunca antes esteve afetado ao desenvolvimento da atividade empresária. Só responderá pelas dívidas contraídas no exercício da empresa o patrimônio daquele que o incapaz vier a substituir. E é na assunção da empresa de terceiro por incapaz que se coloca a possibilidade de aplicação da regra ao menor, como será visto a seguir. 34. Autorização ao menor Já se viu que a figura da autorização dos pais para o menor estabelecer-se como empresário não mais subsiste (n. 23 supra). Atingindo a maioridade com 18 anos completos, entendeu o codificador que tal autorização - que no regime anterior só a partir dessa idade podia ser concedida (CCom, art. 1.º, n. 3) - não tinha mais razão de ser. Por isso, não previu a possibilidade de sua concessão para menor com idade inferior. No entanto, pode ocorrer que o pai ou a mãe do menor sejam empresários e que, em determinado momento, não mais possam ou queiram continuar com sua empresa. De fato, qualquer deles pode ser atingido por uma incapacidade superveniente ou falecer ou, ainda, ter de abandonar o empreendimento por qualquer motivo, como na opção de assumir um cargo público que lhe traz impedimento etc. Situação semelhante verifica-se quando falece um parente do qual o menor é único herdeiro. Se qualquer desses eventos ocorrer e não houver quem tenha condições de dar prosseguimento à empresa, pode o menor, como qualquer outro incapaz, "por meio de representante ou devidamente assistido, continuar a empresa antes exercida (...) por seus pais ou pelo autor da herança", observadas as mesmas condicionantes previstas nos §§ 1.º e 2.º do art. 974, analisadas no item anterior. 35. Administração de sociedade Observe-se que a regra dirige-se ao empresário individual, e não à sociedade, o que se vê, claramente, da redação da norma, não fosse suficiente o fato de estar ela inserida no capítulo relativo à capacidade do empresário. Em se tratando de incapacidade superveniente de administrador de sociedade, ou de incapaz cujo genitor deixe de ser administrador pelas razões apontadas no item anterior (aí incluído o falecimento daquele de quem o incapaz seria herdeiro), a solução é dada pelas regras que disciplinam a administração societária. Realmente, em matéria societária, tem-se que a administração de bens e negócios alheios (não próprios, portanto), há de ser tratada com muito maior cautela e, por essa razão, é absolutamente indispensável que o administrador seja sempre capaz para a prática dos atos de administração (CC, art. 1.011). De toda sorte, o Código Civil comporta a figura do administrador estranho ao quadro social e, assim, a alternativa natural para solucionar eventual acefalia na administração societária está na escolha de um administrador específico que assuma o encargo pessoalmente. A impossibilidade de autorizar o incapaz para, por outrem (assistido ou representado), exercer essa administração, é contornada com vantagem pela nomeação de administrador estranho, que irá exercer o cargo em seu nome pessoal (nada impedindo que a escolha recaia no próprio representante ou assistente do incapaz). Mas, e se a sociedade for solidária ou em nome coletivo e, em razão das circunstâncias, não existir outra pessoa, senão o sócio atingido por incapacidade superveniente, para dar prosseguimento à atividade que é essencial para sua subsistência? A hipótese seria rara, porque são pouquíssimas sociedades desse tipo no Brasil. Se isso ocorrer, porém, tem-se de considerar que esse tipo societário, de qualquer modo, não admite a presença de incapaz e, por isso, ele deve ser substituído ou, quando não, seus haveres apurados para lhe serem pagos com a extinção doliame social, mesmo à luz da regra contida no § 3.º do art. 974, como será visto a seguir (n. 36). E se o menor for sócio majoritário dessa sociedade, não tendo ela condições de prosseguir com o outro ou os outros sócios, em virtude do acentuado valor dos haveres que deve pagar ao incapaz? A solução será a transferência da participação societária a terceiro (que adquira o quinhão do incapaz) ou a dissolução societária ou, ainda, o ajuste de novo liame social com a mudança do tipo legal antes adotado. 36. O incapaz como sócio A questão relativa à participação de incapazes em sociedades já foi objeto de análise no local próprio, que é o relativo à capacidade (n. 26 supra). No entanto, em face da alteração legislativa advinda com a Lei 12.399/2011, que acrescentou um terceiro parágrafo ao artigo em exame, é necessário voltar ao tema, sem alteração substancial do que foi exposto anteriormente, para propiciar ao leitor uma incursão mais aprofundada a respeito. Viu-se que a doutrina sempre sufragou o entendimento de não ser possível o incapaz participar como administrador de qualquer tipo societário, por não possuir capacidade plena para administrar seus próprios bens. Viu-se, por igual, ser remansosa a orientação de não poder o incapaz ser sócio de sociedade que lhe imponha responsabilidade solidária e ilimitada pelo cumprimento das obrigações sociais (sociedade simples, em nome coletivo e em comandita como sócio comanditado). Viu-se, por último, não haver qualquer empecilho a que o incapaz seja acionista de companhia ou sociedade em comandita por ações. O problema sempre foi o de saber se o menor poderia ou não ser sócio de sociedade de responsabilidade limitada ante a possibilidade de poder responder por valor superior àquele que nela aplica com a aquisição de quotas (n. 26 supra); aí, [prevaleceu o entendimento de ser possível tal participação, contanto que o capital seja ou esteja integralizado. Nesse preciso sentido orientou-se a hoje revogada Instrução Normativa DNRC 29/1991 (art. 17). Certamente imbuído da intenção de consagrar legislativamente essa última orientação, que a doutrina e a jurisprudência já haviam incorporado, o § 3.º do artigo sob comento, em local inapropriado, foi muito além e trouxe outros problemas, antes inexistentes. De fato, tal dispositivo não regula a participação do incapaz apenas na sociedade limitada, pois lhe permite ser sócio de toda e qualquer sociedade, o que volatiliza o princípio da proteção do incapaz naquelas sociedades em que, como mencionado, sua presença nunca foi permitida, isto é, nas sociedades em que a responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais é ilimitada; por outro lado, a nova regra impede o incapaz de, por seus pais, tutor ou curador, subscrever sem condicionantes ações de companhias e, como comanditário, de sociedades em comanditas por ações. Aliás, o texto, além de redundante, é de uma contradição evidente. É redundante porque diz o que já está dito na lei (não poder o menor ser administrador da sociedade e estar assistido ou representado, consoante seja relativa ou absolutamente incapaz - incs. I e III); é contraditório por exigir a integralização do capital da sociedade, quando se sabe que essa integralização nada influi para a determinação da responsabilidade de sócio nas sociedades em que tal responsabilidade é, pelo só fato de ser sócio, solidária e ilimitada relativamente às obrigações sociais (inc. II). Ou seja, perdeu-se uma boa oportunidade para não legislar, tanto que, na V Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal em Brasília, nos dias 8 a 10 de novembro de 2011, foi aprovado o Enunciado 466, tentando esvaziar quanto possível o conteúdo da norma: "A exigência de integralização do capital social prevista no art. 974, § 3.º, não se aplica à participação de incapazes em sociedades anônimas e em sociedades com sócios de responsabilidade ilimitada nas quais a integralização do capital social não influa na proteção do incapaz." Em verdade, esse enunciado foi até tímido; poderia ter ido além para asseverar que a indigitada regra, interpretada à luz do conjunto de normas que buscam a proteção do patrimônio do incapaz, da doutrina e da jurisprudência construídas ao longo de quase um século, não tem como ser aplicada para estabelecer condição à participação do incapaz em sociedades por ações ou para lhe conferir ingresso em sociedades nas quais sua responsabilidade sempre será solidária e ilimitada pelo cumprimento das obrigações sociais, esteja ou não integralizado o capital social. Foi à conclusão a que chegaram, com todo acerto, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França e Marcelo Vieira Von Adamek, sustentando que esse preceito legal só é aplicável a sócios de sociedade limitada e a sócios comanditários de sociedade em comandita (O sócio incapaz (CC, art. 974, § 3.º). Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, v. 159-160, p. 117-124). Art. 975. Se o representante ou assistente do incapaz for pessoa que, por disposição de lei, não puder exercer atividade de empresário, nomeará, com a aprovação do juiz, um ou mais gerentes. § 1.º Do mesmo modo será nomeado gerente em todos os casos em que o juiz entender ser conveniente. § 2.º A aprovação do juiz não exime o representante ou assistente do menor ou do interdito da responsabilidade pelos atos dos gerentes nomeados. COMENTÁRIOS 37. Modo de atuar do incapaz Ao ser autorizado a continuar a empresa antes exercida por si ou, se menor, por seus pais ou, se menor ou curatelado, pelo autor da herança, o incapaz assume o negócio. Se a incapacidade for absoluta, a assunção ocorre por meio do representante legal, que passa a agir como se fosse o representado; se relativa, o próprio incapaz passa a exercer a atividade, devidamente assistido. Portanto, há uma distinção clara entre o agir de um e de outro: o representante age como se empresário fosse, em nome do incapaz; o assistente não exerce a atividade empresarial, apenas acompanha o incapaz na atuação pessoal deste, corroborando seus atos. 38. Nomeação de administrador Se o representante não puder exercer atividade de empresário, ou se o assistente não puder atuar na aprovação dos atos do assistido, cabe-lhes indicar um administrador para a empresa. O termo "gerente", empregado pela lei, significa pessoa a quem é confiada a administração plena do negócio; corresponde à antiga figura do gerente, com o significado de gestor, administrador. Não é, em regra, um empregado qualificado ou preposto permanente na sede ou na filial da empresa, porquanto tem administração autônoma, sem subordinação alguma a quem quer que seja no exercício do seu mister, apenas com a obrigação de prestar contas de sua gestão ao representante do incapaz ou ao incapaz e a seu assistente. A fiscalização e o controle de sua atividade não caracterizam a existência de vínculo de subordinação hierárquica. O fundamento dessa gestão não é de natureza trabalhista, mas de representação, exclusivamente. Se ocorrer a designação de dois ou mais "gerentes" por ato judicial, haverá administração conjunta e solidária, a menos que o ato de autorização estatua diversamente, pois não há óbice para o juiz dispor livremente a respeito (atuação separada, conjunta para certos atos etc.) Ao que parece, a norma teve em conta, na alusão à designação de dois ou mais "gerentes", situações em que a empresa possui mais de um estabelecimento empresarial (CC, art. 1.142). Obtempere-se,contudo, que, se o representante ou o assistente do incapaz não quer ou não pode exercer a atividade empresarial, não lhe é dado, também, dar ordens aos gerentes de sede ou filiais, eis que aí estaria havendo ato de administração. Por isso, entendo que o ideal seria sempre a designação de um único administrador, recaindo sobre ele o encargo de designar os demais - aí sim, "gerentes" - para a gerência das filiais, porquanto, na hierarquia funcional da empresa, estes devem observar as ordens e orientações do primeiro, sendo a ele subordinados e, por isso, qualificados como gerentes para todos os efeitos do art. 1.172 do Código Civil. Como esclarece o § 1.º, o enunciado do caput aplica-se não só às hipóteses em que, por disposição de lei, o representante ou o assistente não puderem exercer atividade de empresário, mas sempre que as circunstâncias do caso o determinarem. É que, afora o impedimento legal (ser funcionário público, por exemplo), pode haver uma impossibilidade física para a assunção desse munus, ou, ainda, absoluta falta de vocação para dedicar-se à exploração do tráfico mercantil. Tanto o representante como o assistente do incapaz não têm a obrigação de se tornar empresários. Sempre que não puderem ou não quiserem assumir tal função, podem pleitear ao juiz que seja nomeado um administrador que, sob suas vistas, dará continuidade à empresa do incapaz. O art. 974, como se viu, vincula a continuidade do exercício da empresa pelo incapaz a razões de conveniência. A iniciativa de designação de administrador para a empresa é do representante ou assistente do incapaz. Sobre eles é que recai a responsabilidade dos atos que o administrador vier a praticar. O pedido de autorização é formulado na forma antes já referida (n. 31 supra), nele devendo ser apontado, desde logo, o nome do administrador escolhido. O juiz não está obrigado a nomeá-lo e, para a nomeação, deve verificar se tal administrador preenche as exigências legais para a função (CC, art. 1.011). O Ministério Público, que acompanha o processo, também pode impugnar o nome do administrador, se verificar qualquer obstáculo à sua nomeação. Rejeitado o administrador indicado, não cabe ao juiz nomear alguém de sua confiança, visto que a supervisão e a responsabilidade dos atos desse administrador recaem sobre o representante ou sobre o assistente do incapaz (art. 975, § 2.º). Cumpre sempre a estes, portanto, realizar a nova escolha. É claro que a responsabilidade do representante ou assistente do incapaz se limita aos atos ilícitos que vierem a ser praticados pelos gerentes nomeados; não haverá responsabilidade alguma de qualquer deles se os negócios sociais acusarem prejuízos em decorrência de atos normais de gestão, tendo-se em conta que a atividade é exercida pelo incapaz e não pelas pessoas que o representam ou o assistem (CC, art. 116). Art. 976. A prova da emancipação e da autorização do incapaz, nos casos do art. 974, e a de eventual revogação desta, serão inscritas ou averbadas no Registro Público de Empresas Mercantis. Parágrafo único. O uso da nova firma caberá, conforme o caso, ao gerente; ou ao representante do incapaz; ou a este, quando puder ser autorizado. COMENTÁRIOS 39. Registro da emancipação e da autorização O menor, com a emancipação, torna-se plenamente capaz para a prática de todos os atos da vida civil. O ato comprobatório da emancipação deve ser levado a registro, no Registro Público de Empresas Mercantis, no instante da inscrição do emancipado como empresário. O título da emancipação acompanha a inscrição, portanto, e é condição para obtê-la. O ato de emancipação varia consoante a modalidade obtida e se documenta das mais diversas formas: na escritura pública outorgada pelos pais, na sentença judicial, na certidão de casamento etc. Esse documento deve ser arquivado na Junta Comercial e averbado à margem da inscrição do empresário. Já a autorização para o exercício de atividade empresarial só se dá por sentença judicial, visto não ser mais permitida, como observado anteriormente, aquela que podia ser outorgada pelos pais do menor (n. 23 supra). Tratando-se da hipótese de continuação, pelo incapaz, da empresa antes exercida por terceiro, é aberta nova inscrição, devendo a sentença de autorização acompanhar o pedido, à semelhança do que se dá com a emancipação. Se, porém, tratar-se de continuação do próprio negócio pelo mesmo empresário, que foi atingido por incapacidade superveniente, não há nova inscrição, mas o arquivamento e a averbação da sentença judicial de autorização do prosseguimento da empresa. Havendo estabelecimentos do empresário em outras unidades da Federação, nas respectivas Juntas Comerciais devem ser também arquivados e averbados à margem da inscrição nelas existentes os documentos comprobatórios da emancipação ou da autorização. Se a autorização for cassada, a respectiva sentença também deve ser arquivada e averbada à margem da inscrição do empresário incapaz, seguindo-se a liquidação de sua empresa. O preceito sob exame menciona a inscrição ou a averbação, mas essas figuras não comportam a alternativa. De fato, tanto a prova da emancipação como da autorização e de sua revogação devem ser arquivadas no Registro Público de Empresas Mercantis e averbadas à margem da inscrição. No caso de início de atividade empresária, que se dá com a emancipação do menor ou com a autorização do incapaz para continuidade do negócio antes desenvolvido por outrem (e não por ele próprio), a respectiva prova deve acompanhar a inscrição que é feita na mesma oportunidade, mas essa prova não se inscreve; é arquivada e averbada à margem da nova inscrição. A inscrição é sempre do empresário. 40. Novo nome empresarial O empresário tem de adotar um nome para identificar-se, com o qual obriga-se perante aqueles com quem contrata e distingue os atos pessoais dos inerentes ao seu negócio. Nos termos do art. 1.156 do Código Civil, ele "opera sob firma constituída por seu nome, completo ou abreviado, aditando-lhe, se quiser, designação mais precisa da sua pessoa ou do gênero de atividade". Quando se trata de continuação do próprio negócio pelo empresário que se tornou incapaz não haverá nova firma. O mesmo nome empresarial que era por ele utilizado continuará identificando sua empresa, sem nenhuma alteração. Suponha-se que João da Silva utilizava a expressão "J. Silva, cerealista" para identificar-se como empresário. Sobrevindo-lhe a incapacidade, seu representante prosseguirá no uso da mesma firma individual, "J. Silva, cerealista". Em se tratando de incapacidade relativa (por prodigalidade, por exemplo), ele próprio continuará assinando esse nome empresarial, assistido por seu curador. Se houver a necessidade de designação de administrador para o negócio (CC, art. 975), esse administrador prosseguirá utilizando a mesma firma, sem nenhuma modificação, porém assinando-a de próprio punho. A regra do parágrafo único (que, tecnicamente, não deveria ser parágrafo do art. 976), dirige-se às hipóteses de continuação da empresa de terceiro pelo incapaz. Aí, há um novo empresário, que substitui o anterior (um dos pais do incapaz ou o autor da herança), e novo nome empresarial é necessário para identificá-lo como tal. No exemplo anteriormente dado, com o falecimento do empresário João da Silva, seu herdeiro incapaz sucede-o na empresa com um novo nome empresarial. Não se pode identificar como "J. Silva - cerealista", porque é novo empresário e, na composição do seu nome empresarial, deve observar os princípios que o informam(unicidade, novidade e veracidade). Pode criar a firma individual "Silva Júnior - cerealista", por exemplo, a partir do seu suposto nome civil, sendo-lhe facultado, ainda, justapor ao seu nome a indicação de sucessor, v.g., "Silva Júnior, Sucessor de J. Silva - cerealista" (CC, art. 1.164, parágrafo único). Sobre os princípios informadores da composição do nome empresarial e sobre as distinções entre firma individual, firma ou razão social e denominação, ver, adiante, os comentários ao art. 1.155 e ss. Art. 977. Faculta-se aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória. 41. Antecedentes da norma A discussão a respeito da possibilidade de os cônjuges formarem sociedade entre si é antiga. A tese da repulsa foi por nós importada da jurisprudência francesa do século XIX, que sufragara a nulidade desse ajuste societário, sem respaldo em qualquer fonte legislativa nacional. "Nem o velho Código do Comércio, de 1850, já há mais de um século ameaçado de desaparecer pelas sucessivas e frustradas reformas, agora renovadas com ímpeto vigoroso, nem mesmo esse monumento venerando da sabedoria jurídica dos nossos maiores, nem outra qualquer lei esparsa superveniente, alude sequer à sociedade comercial entre cônjuges, muito menos, por certo, para proibi-la" (Hernani Estrella, Curso de direito comercial, n. 154, p. 321). No entanto, mesmo na França, sob severas críticas da doutrina, o tratamento foi abrandado, permitindo o art. 1.841 do Código Napoleônico, na redação que lhe deu a Lei 66.538, de 24.07.1966, que marido e mulher celebrassem sociedade entre si, contanto que nenhum dos dois assumisse, indefinida e solidariamente, responsabilidade pessoal pelas dívidas sociais. Mais tarde, na reforma operada pelas Leis 82.596, de 10.07.1982, e 85.1372, de 23.12.1985, que inseriu a matéria no art. 1.832-1 do referido Código, cessaram todas as restrições. Em algumas legislações, como a da Argentina, houve idêntica repercussão, fundada a restrição, contudo, na incompatibilidade de coexistência de dois regimes econômicos entre esposos (Efraín Richard e Orlando Muiño, Derecho societário, § 68, p. 156), tendo sido por isso abolidas as restrições no tocante à sociedade anônima e à sociedade limitada. Porém, se um dos cônjuges por qualquer título adquirir a qualidade de sócio do outro em sociedades de tipo distinto, esta sociedade deve adaptar-se no prazo de 6 meses, ou qualquer dos esposos deve transferir sua parte a outro sócio ou a um terceiro no mesmo prazo (Lei 19.550/1972, art. 27). Já em Portugal, "é permitida a constituição de sociedades entre cônjuges, bem como a participação destes em sociedades, desde que só um deles assuma responsabilidade ilimitada" e são reguladas situações peculiares (CSC, Dec.-lei 262/1986, art. 8.º). A doutrina nacional posicionou-se, inicialmente, no sentido da nulidade da sociedade entre esposos, na linha da antiga orientação francesa invocando como argumentos, basicamente, (i) a irrevogabilidade do regime de bens no casamento; (ii) o princípio do poder marital; e (iii) a facilitação de fraudar credores. Ao escrever, antes, ainda, do surgimento da sociedade por quotas de responsabilidade limitada, Carvalho de Mendonça, retratando a mentalidade da época e firme na legislação então em vigor, verberava: "A única sociedade permitida entre esposos é a universal, resultante do regime do casamento. Não lhes é lícito contratar sociedade comercial, por ofender antes de tudo o instituto do poder marital, produzindo necessariamente a igualdade de direitos incompatíveis com os direitos do marido como chefe do casal. Se o casamento é sob o regime da comunhão de bens, não há vantagem na sociedade, quer relativamente aos cônjuges, quer relativamente aos credores. Quanto aos primeiros, porque o lucro dos negócios seria comum. Quanto aos segundos, porque as suas garantias não melhorariam. Se o casamento obedece a outro regime, a sociedade fraudaria a lei reguladora dos pactos antenupciais, tornando comuns, em virtude do contrato de sociedade, bens que o ato antenupcial separara. Dar-se-ia, assim, ofensa à essência e irrevogabilidade desses pactos" (Tratado de direito comercial brasileiro, v. III, n. 646, p. 118). O Estatuto da Mulher Casada trouxe mais ingredientes para a discussão e a doutrina, que já tecia críticas a essa orientação, passou a admitir as sociedades entre cônjuges, ora sustentando sua plena validade por falta de vedação legal, ora atenuando-lhe os efeitos para afastar a mácula de nulidade. Em comentário a acórdão que considerara ilegal qualquer sociedade (civil ou comercial) entre marido e mulher, e, por isso, "nula a sua inscrição no Registro Civil ou na Junta Comercial", Fábio Konder Comparato, com excelente resumo da origem do problema e dos argumentos favoráveis e contrários à tese encampada pelo julgado, mostrou terem desaparecido os dois fundamentos mais invocados para a defesa de tal tese (poder marital e quebra do regime de bens). Dizia ele: "Com a promulgação entre nós do chamado estatuto da mulher casada (Lei 4.121, de 27.08.1962), os termos do problema alteraram-se profundamente em nosso direito positivo, como salienta João Eunápio Borges (Curso de direito comercial terrestre, 3. ed., n. 150). Em primeiro lugar, excluiu-se a mulher casada do rol das pessoas incapazes, e deu-se-lhe a função de colaboradora do marido na chefia da sociedade conjugal, incumbida de velar, juntamente com este, pela direção material e moral da família. Ademais, introduziu-se o princípio legal da limitação da responsabilidade do patrimônio conjugal pelas dívidas firmadas por só um dos esposos, qualquer que seja o regime de bens no casamento (art. 3.º). Tem-se daí que os dois principais argumentos expendidos pela doutrina e jurisprudência brasileiras para declarar nulas as sociedades entre cônjuges deixaram praticamente de existir. A regra do poder marital na chefia da família, como salientavam de há muito os juristas franceses, não autorizava por si só a conclusão de que a constituição de tais sociedades importasse em ofensa à lei. Com o advento da Lei 4.121, essa interpretação é singularmente reforçada pelo fato de que a mulher passou expressamente de subordinada à condição de colaboradora do marido na chefia da família, podendo até mesmo exercer profissão fora do lar sem necessidade de autorização marital. Por outro lado, firmado o princípio da limitação legal da responsabilidade do patrimônio familiar, independentemente do regime de bens adotado pelos cônjuges, a invocação do art. 230 do CC tornou-se incabível na maior parte dos casos. Assim, se o regime de bens é o da comunhão, as sociedades de responsabilidade limitada entre marido e mulher podem, tal o seu capital, representar até mesmo um reforço da responsabilidade individual de cada um dos cônjuges, e de qualquer modo não podem ser tidas como incompatíveis com aquele regime matrimonial de bens. O mesmo se diga, com maior razão, das chamadas sociedades solidárias. Se, ao contrário, o casamento foi celebrado sob regime da separação de bens, nada impede logicamente que os cônjuges associem seus recursos próprios num empreendimento comum, com limitação de sua responsabilidade individual pelas dívidas sociais. Não se pode a priori pretender que, pelo simples fato de se constituir sociedade, houve infringência ao regime da separação de bens no casamento, pois se assim fosse dever-se-ia também, na mesma linha de princípio, proibir a outorga de procuração de um cônjuge a outro para a alienação de bens" (FábioKonder Comparato. Sociedade comercial - Marido e mulher - Nulidade - Embargos de terceiro - Improcedência - Recurso provido. Comentários. RDM 3/90-93). Enfrentando a questão, o já mencionado Hernani Estrella, nos idos da década de 1970, identificava três linhas de opinião a respeito: "Uma que reputa tal sociedade nula de pleno direito, inadmitindo-a de maneira absoluta. Outra que a considera lícita, já que inexiste qualquer disposição de lei que a proíba. Finalmente, a terceira corrente, que sustenta ser válido o contrato de sociedade mercantil entre os consortes, desde que não importe alteração do regime de bens do casamento deles, quer esse regime seja convencional ou legal" (Curso de direito comercial, n. 152, p. 323). Mostrou-se o professor gaúcho, por isso, partidário dessa última orientação, lembrando que a jurisprudência mais recente, aí incluída o Supremo Tribunal Federal, filiava-se a ela. Esta foi, igualmente, a orientação que abraçou Rubens Requião, para quem, com a chegada da Lei 4.121/1962, e a emancipação da mulher casada, tornou-se possível a existência de sociedade limitada entre cônjuges, desde que não se preste a fraudar o regime do casamento. Nas suas lições, ressaltou o mestre paranaense o voto proferido pelo Ministro Nunes Leal no Supremo Tribunal Federal, sintetizando toda a controvérsia, e influenciando na orientação doutrinária que se seguiu. Daí sua conclusão, perfeitamente adequada à interpretação da legislação nacional anterior à edição do Código Civil de 2002: "Desde que não haja abuso da personalidade jurídica da sociedade (n. 241, supra), na qual o juiz, como em qualquer outro caso, pode desconsiderá-la, não vemos mais motivos de se recriminar juridicamente essa sociedade" (Curso de direito comercial, v. 1, n. 260, p. 413-416). Citou, em abono dessa conclusão, o RE 104.597-PR, que sedimentou e resumiu o entendimento do Supremo Tribunal Federal nestes termos: "Sem dispositivo legal que a proíba, expressa ou implicitamente, é válida a sociedade comercial entre cônjuges, mesmo comunheiros, somente desconstituível pelos defeitos invalidantes de sua formação" (RTJ 113/1.374). 42. A proibição legal Em redação que parece estar abrindo exceção a uma norma genérica proibitiva, o art. 977 traz, em si mesmo, o impedimento à existência de sociedade entre cônjuges nos casos que ressalva, ainda que dessa sociedade participem outros sócios e independentemente que quem seja o titular do poder de controle. Assim, pelos termos frios do enunciado, marido e mulher não podem celebrar sociedade entre si e com terceiros se forem casados pelo regime da comunhão universal de bens (CC, art. 1.667 e ss.) ou da separação obrigatória (CC, art. 1.641); a contrário senso, podem constituí-la ou mantê-la, sem restrições, se forem casados pelo regime de separação absoluta (CC, art. 1.687 e ss.), de comunhão parcial (CC, art. 1.658 e ss.) e de participação final nos aquestos (CC, art. 1.672 e ss.). Essa regra, como se nota - e isso remonta ao tempo em que o anteprojeto do Código Civil fora encaminhado à Câmara dos Deputados -, "vem na contramão da doutrina e da jurisprudência sedimentadas anteriormente" (Osmar Brina Corrêa-Lima, Sociedade limitada, p. 31). Trata-se de dispositivo construído em laboratório, sem teste junto aos destinatários, para resolver um problema que já estava superado, tanto no Brasil, como em outros países, notadamente no que diz respeito à esmagadora maioria dos tipos societários aqui utilizados, nos quais os sócios assumem responsabilidade limitada, ou não têm responsabilidade direta alguma pelas dívidas sociais (sociedade limitada e anônima). Não teve ressonância alguma a crítica que Alberto Zortéa fizera ao então Projeto do Código Civil, segundo a qual esse dispositivo, e o do artigo subsequente, "ao invés de melhorar a situação de tais empresas, ocasionam-lhes maiores entraves e sem atingir a alta finalidade delas, que é a de maior desenvolvimento comercial e superior entrelaçamento dos interesses econômicos dos casais, em benefício da família, como alto escopo social" (A sociedade comercial entre marido e mulher, p. 172). Recorde-se que desapareceram os dois fundamentos jurídicos em que se lastreava a tese da proibição de constituição de sociedades entre os cônjuges, quais sejam, (i) o poder marital, resquício hoje inconcebível da época em que a mulher era relativamente incapaz, e (ii) a imutabilidade do regime de bens do casamento, sabendo-se que este tornou-se flexível e passível de alteração nos termos do art. 1.639, § 2.º, do Código Civil. A doutrina posterior ao Código Civil não aponta mais nenhum fundamento para a existência da norma. Sob o argumento de evitar burla ao regime do casamento, ela poderia guardar alguma coerência, apenas, com o regime da separação obrigatória - o único que, por razões de segurança dos nubentes (CC, art. 1.641), tem de permanecer imutável. Ainda assim, ela não me parece que se sustente por tal fundamento. Que proteção ela consegue estabelecer para afastar eventual fraude ou simulação (negócio viciado)? Tome-se, por exemplo, o casamento de uma pessoa com mais de 70 anos, em que o regime de separação de bens é obrigatório (CC, art. 1.641, na redação que lhe deu a Lei 12.344/2010). Se a proibição visa a impedir que, por meio da sociedade, seja contornado esse regime, não há sentido em vedar que os consortes mantenham sociedade entre si sem estender essa mesma vedação a outros negócios jurídicos que poderiam conduzir ao mesmo resultado, como a doação, o mandato com amplos poderes de um cônjuge ao outro etc. Ora, nunca a doutrina e a jurisprudência alguma vez condenaram genericamente qualquer negócio jurídico capaz de produzir tais efeitos. E isso é assim porque será inválido (ou ineficaz para os propósitos pretendidos) todo negócio que os cônjuges celebrarem entre si com o intuito de desviá-lo dos fins chancelados pelo direito. Por que a sociedade entre cônjuges precisa ser tratada de modo diverso? A proibição, no exemplo dado, servirá para desestimular o matrimônio, optando o casal por modos de convivência comum alternativos, como a união estável (sempre problemática e - porque não dizer? - instável), ancorados no argumento de, por serem idosos e terem ou pretenderem ter sociedade entre si, não lhes será permitido constituí-la ou nela prosseguir, se contraírem núpcias. A simples possibilidade de fraude, que não se presume, não pode fundamentar uma vedação absoluta e geral, produzindo consequências de todo indesejadas em situações específicas, onde nenhum ato de má-fé se coloca. Ademais, se essa possibilidade de fraude existe nas sociedades entre cônjuges, pode também estar presente em outras sociedades familiares, como, por exemplo, entre pais e filhos, sogros, genros e noras. Por outro lado, não se deve enveredar na área do direito de família para contornar a proibição, como já sugeriram alguns: na impossibilidade de constituir sociedade entre si e com terceiros, os que se encontrarem em tal situação podem mudar o regime dos bens do casamento, à vista da regra contida no art. 1.639, § 2.º, do Código Civil. Essa solução, com o devido respeito, abraça o absurdo. Primeiramente, ela não encontra sustentação no regime de separação obrigatória; em segundo lugar, traz uma enorme inversão na ordem dos valores, bastando lembrar, nesse particular, que a tese da proibição de ajuste societário entre cônjuges fundava-se, precisamente, na imutabilidade do regime de bens do casamento. Faz sentido, agora, diante
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