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2017 - 01 - 30 Direito de Empresa - Edição 2016 LIVRO II - DO DIREITO DE EMPRESA TÍTULO I - DO EMPRESÁRIO CAPÍTULO I. DA CARACTERIZAÇÃO E DA INSCRIÇÃO Capítulo I. DA CARACTERIZAÇÃO E DA INSCRIÇÃO Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. COMENTÁRIOS 1. O conteúdo do Livro II da Parte Especial O direito de empresa, disposto no Livro II da Parte Especial do Código Civil, substitui as bases anteriores em que se sustentava o direito comercial, calcado no comerciante e nos atos de comércio, e fixa as diretrizes de um novo regime jurídico empresarial. Nele estão as normas que definem o empresário e sua qualificação, certas condições para o exercício da atividade econômica, as estruturas com que se pode apresentar em forma societária etc. Ainda nesse Livro encontram-se regulados o estabelecimento empresarial e alguns institutos complementares. Interessante observar que o direito de empresa é estruturado a partir da figura do empresário individual, embora essa figura isolada tenha sido já ultrapassada na compreensão das normas que regulam os protagonistas da atividade econômica, porque do indivíduo nossa legislação há muito já avançou para se preocupar com as formas societárias e, mais recentemente, com as estruturas criadas para atuar no mercado (Introdução, itens XV e XX). De qualquer forma, a matéria que é objeto do direito de empresa, como já observado (itens XVIII e XIX supra), não se esgota no referido Livro. Há inúmeras leis especiais dispondo, não só sobre outros temas correlatos aos que nele são tratados, como também complementares às matérias ali inseridas, como é o caso da Lei 6.404/1976, que regula as companhias ou sociedades anônimas, e a Lei 5.764/1971, que dispõe sobre as cooperativas. Outros temas típicos da atividade empresarial igualmente figuram em leis específicas, como a propriedade industrial, a falência e a recuperação de empresas etc. Levando em conta todas essas situações, o próprio Código Civil estatuiu aplicarem-se aos empresários e sociedades empresárias as disposições de lei por ele não revogadas explicita ou implicitamente, referentes a comerciantes ou a sociedades comerciais, bem como a atividades mercantis (art. 2.037). Mesmo assim, o Livro contém, ainda, matéria que seria estranha ao direito de empresa. Refiro- me à sociedade simples que, pelo sistema adotado, não se subordina, em tese, à disciplina do direito de empresa, muito embora sejam suas normas supletivas das que regulam os diversos tipos de sociedades empresárias e as normas especiais desse direito àquela sociedade são igualmente aplicáveis. A distinção entre sociedade simples e empresária, do ponto de vista do direito material, faz-se em razão da diversidade de registros que, como se verá nos comentários ao art. 1.150, é resquício do regime jurídico anterior, que bem poderia ter sido eliminado. Há também a questão do regime jurídico da insolvência, à vista do que estabelece, de passagem, o art. 1.044, mas esse tema não diz respeito à matéria tratada pelo Código Civil. Sobre o assunto, do autor, O projeto do Código Civil em si e em matéria societária, Revista da Ordem dos Advogados do Brasil, n. 73, p. 13-20. 2. Designação controvertida No anteprojeto encaminhado à Câmara dos Deputados, o Livro relativo à matéria hoje tratada sob o título "Do direito de empresa" fora encimado pela designação "Da atividade negocial". As críticas ao neologismo motivaram inúmeras emendas modificativas e, ao cabo, o relator do projeto na Câmara dos Deputados, Deputado Ernani Sátyro, acolhendo sugestão de Miguel Reale, promoveu sua alteração. Isso não significou, porém, a eliminação das discordâncias, eis que, à semelhança do que se passou na Itália (onde o título da matéria no Código Civil de 1942 foi "Da empresa em geral"), aqui também é relevada a figura do empresário e não a da empresa. De fato, numa rápida análise do seu conteúdo verifica-se que, sob a rubrica do direito de empresa, o Código Civil define o empresário, seus direitos e obrigações (arts. 966 a 980), as sociedades empresárias e não empresárias (arts. 981 a 1.141), cuida da estrutura utilizada por estes entes para o exercício da atividade econômica (arts. 1.142 a 1.149) e dispõe, finalmente, sobre os institutos que lhes são complementares (arts. 1.150 a 1.195). Não houve preocupação de enunciar um conceito de empresa. No entanto, em diversas passagens dos dispositivos que o compõem, há referência ao vocábulo, nelas destacando-se sempre o significado funcional, registrado por Asquini (Introdução, item XIV), o que, aliás, pode ser também extraído do próprio conceito legal de empresário contido no art. 966, qual seja, o de atividade organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços. Com esse sentido, realmente, a palavra empresa é empregada em quase todas as referências contidas nesse Livro (arts. 966, parágrafo único, 968, IV, 974 e §§, 978, 1.085, 1.142, 1.155, 1.160, parágrafo único, 1.172, 1.178, 1.184, 1.187, II e 1.188), exceção feita à empresa individual de responsabilidade limitada, erigida à qualidade de sujeito de direito. Também com o significado de sujeito de direito encontram-se mais outras duas menções a empresa em outros dos Livros que compõem o Código Civil: no capítulo referente à responsabilidade civil (art. 931) e no que regula a hipoteca (art. 1.504). E é nesse último sentido que o vocábulo foi empregado pela Constituição Federal ao se referir, em várias passagens, a empresa estatal, empresa pública, microempresa, empresa de pequeno porte etc., tudo a revelar que não há heresia na utilização do vocábulo em qualquer dessas compreensões. Ou seja, o Código trata do empresário, para privilegiar o cunho subjetivo que dá à matéria, mas não deixa de mencionar a empresa em inúmeros dispositivos, embora não a defina. De todo modo, é pela noção de empresa, como atividade organizada, que se chega à de empresário. Por isso, "Do direito empresarial", seria outra expressão talvez mais condizente com o título para identificar seu conteúdo. 3. Conceito de empresário A antiga figura do comerciante, que norteava as disposições de nosso velho Código Comercial, é substituída pela do empresário. Não ocorreu uma simples alteração terminológica, mas de conteúdo na definição do agente econômico (mercador, comerciante ou empresário) submetido à disciplina do direito de empresa. Antes, o que se tinha era a referência a uma pessoa que, para ser enquadrada na disciplina, necessitava fazer da mercancia sua profissão habitual (CCom, art. 4.º). Embora vago, o termo mercancia era interpretado pela doutrina e jurisprudência dominantes a partir do rol dos atos que o Regulamento 737/1850, reputava nela compreendidos. Como essa enumeração era arbitrária e não possuía cunho científico, grandes foram as dificuldades para a sistematização lógica do direito comercial, inclusive no que diz respeito ao seu suporte fático, visto que as concepções econômicas de comércio e de comerciante não coincidiam com a casuística legal. Havia, então, a necessidade de determinar a matéria compreendida pelo direito comercial ou um conceito jurídico de comerciante para daí definir o regime jurídico a ele aplicável. Com o Código Civil de 2002, o empresário passa a ser a figura central do direito de empresa.O critério é invertido: antes, submetia-se ao regime especial do direito comercial só quem praticava atos que a lei indicava; no regime atual a regra é estar o empresário submetido ao direito de empresa, salvo se a lei o excluir. O art. 966 conceitua o empresário na linha do que estabelece o art. 2.082 do Código Civil italiano de 1942, que, em tradução literal, dispõe: "É empresário quem exerce profissionalmente uma atividade econômica organizada com o fim da produção ou da troca de bens ou serviços". Uma análise do conjunto das disposições do sistema italiano em confronto com o nosso, porém, mostra que, diversamente de sua fonte inspiradora (CC, art. 2.195), o legislador nacional evitou a indicação das atividades caracterizadoras do empresário comercial - ou, mais precisamente, do empresário sujeito ao regime jurídico do direito de empresa. Aqui, basta enquadrar-se no enunciado legal de empresário (CC, art. 966) e não figurar entre as exceções (art. 966, parágrafo único, e art. 971), para sujeitar-se à disciplina do direito de empresa. Diferentemente do comerciante, que era inicialmente identificado no papel de intermediário da corrente circulatória (excluídos o primeiro e o último de seus anéis), o empresário vem conceituado de modo mais abrangente, como partícipe de todo o fluxo da circulação de riquezas, desde a produção até o último dos atos em que aquela se desdobra. O simples exercício de uma atividade econômica, porém, não basta para caracterizá-lo. É preciso que tal atividade seja exercida com habitualidade, em caráter profissional, ficando afastados do conceito, destarte, aqueles que a exercem por amadorismo, por puro diletantismo ou em caráter eventual. O empresário é um profissional do mercado e, portanto, um perito na produção ou na circulação de bens ou de serviços, que, por isso, almeja obter resultados lucrativos nesse desiderato. A finalidade lucrativa decorre do caráter profissional com que é exercida a atividade econômica (Tullio Ascarelli, Corso di diritto commerciale, p. 189). Além do caráter profissional, é suposta uma organização, a sugerir a existência de uma estrutura e de um planejamento, ainda que mínimos, para o exercício da profissão de mercador, suficientes para exteriorizar a existência de uma empresa, como organização dos fatores de produção: trabalho e capital - a que alguns agregam a tecnologia -, harmonicamente reunidos na produção ou circulação de bens ou de serviços. Essa organização, portanto, é da atividade econômica para os fins a que se propõe o empresário realizar. Por outro lado, a qualidade de empresário é uma situação de fato que, para ser reconhecida, prescinde de qualquer formalidade. Revela-se pelo exercício de uma atividade econômica nas condições descritas pelo artigo sob exame. Do conjunto das disposições do Código Civil verifica-se, ainda, que o empresário definido no seu art. 966, é a pessoa natural que faz do exercício da atividade econômica sua profissão. Realmente, as previsões do Título I, do direito de empresa, dirigem-se ao empresário individual ou singular. Ao empresário coletivo, melhor dizendo, à sociedade empresária estão reservadas as regras contidas no Título II (arts. 981 e ss.). O Código Civil, por sinal, insiste em deixar clara essa distinção; separa propositadamente as figuras do empresário e da sociedade empresária, a ponto de se referir meticulosamente às duas nas normas que são a ambas aplicáveis. O empresário é uma pessoa natural e, como tal, pelos atos que pratica, oriundos de sua atividade empresarial ou não, responde com a totalidade dos bens que integram seu patrimônio, salvo as restrições estabelecidas em lei (art. 591 do CPC/1973; art. 789 do CPC/2015). Equivocado, por isso, o Enunciado n. 5 da I Jornada de Direito Comercial ao dispor que "Quanto às obrigações decorrentes de sua atividade, o empresário tipificado no art. 966 do Código Civil responderá primeiramente com os bens vinculados à exploração de sua atividade econômica, nos termos do art. 1.024 do Código Civil. É que o patrimônio do empresário é um só, definindo a lei, exclusivamente, o que dele não pode ser subtraído para responder pelas obrigações que contrair, como o bem de família, por exemplo. Em relação à figura do empresário, a lei não criou um patrimônio destinado a responder pelas obrigações assumidas no exercício de sua empresa, sabendo-se que o art. 1.024 do Código Civil refere-se, exclusivamente, à responsabilidade de sócio por dívida de terceiro, mais precisamente, da sociedade de que participa. É oportuno esclarecer, ao cabo, que o empresário individual não é figura em extinção, ou de reduzido interesse, como alguns costumam asseverar. É só relembrar que, na estatística do Departamento Nacional do Registro do Comércio, relativa à Constituição de Empresas por Tipo Jurídico no período compreendido entre 1985 e 2005, foram criadas mais empresas individuais do que sociedades limitadas. Do total de 8.915.890 empresas constituídas, 4.569.288 foram empresas individuais, 4.300.257 sociedades limitadas, 20.080 sociedades anônimas, 21.731 sociedades cooperativas e 4.534 referentes a outros tipos societários (os dados são da última estatística levantada pelo DNRC por tipo jurídico e estão no sítio <www.dnrc.gov.br>, acessado em 11.09.2012). 4. Quem não é empresário Não se enquadra no conceito de empresário, segundo o parágrafo único do art. 966, "quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores". É importante esclarecer, desde já, que essa previsão, por excepcionar o caput do art. 966, supõe, evidentemente, o exercício de atividade dessa natureza sob forma organizada e em caráter profissional, pois se assim não fosse, não precisava existir ressalva alguma. Ou seja, se não se verificarem os pressupostos da atividade organizada e da atuação profissional do intelectual, não há como enquadrá-lo no art. 966, o que torna incogitável, por isso e por óbvio, subsumi-lo ao respectivo parágrafo: por excluído já estar, a disposição excludente não o apanha. Destarte, um escritor ocasional ou amador, mesmo que de sua produção intelectual faça profissão, não é empresário por não estar inserido no enunciado contido no caput art. 966. Também o escritor profissional, que desenvolve sua atividade intelectual de modo organizado, com o concurso de colaboradores e com estrutura para produzir em escala, não é empresário porque, embora abrangido pela referida regra, dela é excluído pelo disposto no seu parágrafo único. Em primeira conclusão, portanto, não é empresário quem exerce atividade intelectual por qualquer meio, organizadamente ou não, sob forma empresarial ou não, em caráter profissional ou não, qualquer que seja o volume, intensidade ou quantidade de sua produção. Foi o que concluiu, aliás, a Comissão de Direito de Empresa na III Jornada promovida pelo Conselho da Justiça Federal: "o exercício das atividades de natureza exclusivamente intelectual está excluído do conceito de empresa" (Enunciado n. 193, III Jornada de direito civil, p. 61). Firmada essa premissa, verifica-se, a seguir, que também não é empresário o rurícola, ou seja, quem faz da atividade rural sua profissão, como se extrai, a contrário senso, da norma contida no art. 971, que prevê a possibilidade de sua equiparação ao empresário desde que promova sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis com a adoção de uma firma e a indicação de capital, objeto e sede do seu negócio. Não exercendo essa opção, não será empresário e não estará sujeitoao regime jurídico empresarial. A referência a empresário rural é inadequada. Ela figurou no anteprojeto que, nesse ponto, havia-se inspirado na legislação italiana, que distingue empresário sujeito a registro (empresário comercial) de outros empresários, dentre os quais o rural, para o qual há tratamento específico (CC, arts. 2.195 e 2.135). No Brasil não se tem essa distinção. Todo empresário está sujeito a registro e às normas do direito de empresa, mesmo o pequeno empresário, como será visto nos comentários ao art. 970. Se o rurícola não está sujeito a registro, mesmo atuando na forma descrita no caput do art. 966, não é empresário para os fins de submissão às disposições do Código Civil relativas aos empresários. Ao optar pelo registro, o rurícola (pessoa natural) torna-se empresário e se sujeita às disposições do direito de empresa, devendo promover seu registro na Junta Comercial do Estado-membro da Federação onde for atuar e se submetendo, por força da Lei 11.101/2005, ao regime jurídico especial nela previsto, em caso de insolvência. Trata-se do empresário por opção, assim caracterizado ao promover sua inscrição, com observância das exigências legais, no Registro Público de Empresas Mercantis - inscrição que, por isso, tem natureza constitutiva da sua qualidade de empresário. 5. A atividade intelectual como elemento de empresa Quem só tem por profissão o agir do intelecto não será jamais considerado empresário pelo sistema do Código Civil. É bem verdade que há a ressalva da parte final do parágrafo único do art. 966, permitindo sua inserção no conceito de empresário "se o exercício da profissão constituir elemento de empresa". Essa oração vem causando sérias dificuldades para sua compreensão. Com base nela tem-se sustentado que o exercício de atividade intelectual estruturada e organizada, produzida em volume expressivo, caracteriza a pessoa que a exerce como empresário. É o que sustenta, por exemplo, Fábio Bellote Gomes, para quem as atividades de prestação de serviços de natureza intelectual, científica, artística ou literária "poderão ser classificadas como atividades empresariais na medida em que o seu titular - o empresário - efetivamente organize o trabalho de terceiros, numa clara organização dos meios de produção, que nada mais é do que o elemento de empresa, também chamado de empresarialidade" (Manual de direito comercial, p. 13). Já Ricardo Fiuza, em outra variante, considera que, se a atividade intelectual possuir natureza econômica, estará caracterizado o elemento de empresa, quando assevera que "se o exercício da profissão intelectual constituir elemento de empresa, isto é, estiver voltado para a produção ou a circulação de bens e serviços, essas atividades intelectuais enquadram-se também como sendo de natureza econômica, ficando caracterizadas como atividades empresariais" (Novo Código Civil comentado, p. 967). Não me parecem acertadas essas opiniões, com todo respeito. Em primeiro lugar, vale insistir que é precisamente da atividade intelectual organizada com finalidade econômica que cuida a primeira parte do enunciado do parágrafo único do art. 966 para afastá-la do conceito do empresário; se econômica e organizada não fosse, já estaria excluída no próprio caput. O segundo dado importante a considerar é que se está a tratar do empresário individual e não da sociedade empresária. Ao rejeitar as atividades intelectuais da composição do conceito de empresário, a norma não está tratando de sociedade, mas de pessoa natural que as exerce. A sociedade, independentemente de tamanho, estrutura e organização, será empresária sempre que tiver por objeto o exercício de atividade própria de empresário (art. 981). O estar a sociedade organizada, ou não, é uma situação de fato que não tem como ser levada em conta no momento de sua constituição. A regra sob análise está inspirada na do art. 2.238 do Código Civil italiano, que não figura no capítulo relativo à empresa. Toda matéria ligada à atividade laboral está inserida no Livro V daquele Código, que trata "Del Lavoro" ("Do Trabalho"), destinado a regular as relações de trabalho em geral. Por isso, além do empresário comercial (arts. 2.188 e ss.), ali se encontram a empresa agrícola e as parcerias (arts. 2.135 e ss.), a representação, o trabalho sob subordinação hierárquica (arts. 2.095 e ss.; 2.239 e ss.) e o trabalho autônomo (arts. 2.222 e ss.). As profissões intelectuais constituem um capítulo do trabalho autônomo, onde há uma série de normas especiais a elas relativas, dispondo, de modo detalhado, sobre a atuação do profissional como pessoa, suas relações com o cliente, as condições de cumprimento do seu munus, com especial relevância à personalidade do prestador do serviço intelectual (arts. 2.229 e ss.). Como qualquer outro trabalhador autônomo, o intelectual não é, de modo algum, submetido ao regime jurídico do empresário. Exatamente por isso, por não ter o trabalho intelectual nenhuma vinculação com a matéria tratada no capítulo da empresa, dispôs o referido Código que, "se o exercício da profissão (intelectual) constituir elemento de uma atividade organizada em forma de empresa", serão também aplicáveis as normas a esta relativas (art. 2.238). Ou seja, a profissão intelectual, no sistema italiano, não tem qualquer vinculação com a matéria relativa à empresa; se ela for exercida como parte de uma atividade empresarial, continuará subordinada às regras do capítulo que lhe é próprio, sendo- lhe aplicáveis, então, complementarmente, as disposições referentes à empresa. Isso vem confirmado pela doutrina italiana. Como disse Francesco Galcano, o art. 2.238, n. 1, "sujeita os profissionais intelectuais às normas que dizem respeito ao empresário somente 'se o exercício da profissão constituir elemento de uma atividade organizada sob forma de empresa'. Em si considerada, portanto, a atividade dos profissionais intelectuais não é, pelo nosso código civil, atividade de empresa" (Diritto commerciale - Le società, n. 1.6, p. 9). Em outra de suas obras, foi mais didático ainda para eliminar qualquer dúvida: "As normas sobre empresa não se aplicam, porém, aos bens organizados pelo profissional intelectual para o exercício da sua profissão. Mesmo quando os escritórios profissionais apresentam, sob muitos aspectos, semelhanças com a empresa; mesmo que, na prática, essas semelhanças tendam a se acentuar, na medida em que cresce o espírito 'mercantil' de muitos profissionais intelectuais, e os conceitos de 'aviamento', de 'clientela', de 'cessão' do escritório profissional e de 'preço da cessão' sejam frequentemente utilizados mesmo nesse campo, resta, porém, o fato de que os profissionais intelectuais não são, pelo nosso código civil, empresários e que sua atividade profissional não é legislativamente qualificada como atividade de empresa" (Diritto commerciale - L'imprenditore, n. 1.12, p. 31). Nos textos transcritos, Galgano utiliza as expressões azienda e impresa como sinônimas; a primeira delas, aliás, tem significado multívoco e é traduzida para o vernáculo por "administração de patrimônio, casa de comércio, indústria, empresa, negócio etc." (Spinelli e Cassanta, Dizionario completo italiano-portoghese (brasiliano) e portoghese (brasiliano)-italiano, v. 1, verbete azienda, p. 73). O anteprojeto do nosso Código Civil tinha dado ao parágrafo único do art. 966 (então art. 1.027), redação muito parecida com a utilizada pela fonte: "salvo se o exercício da profissão constituir elemento de atividade organizada em empresa".Ao ser aprovado pela Câmara dos Deputados, contudo, teve essa frase simplificada com a supressão das palavras "atividade organizada em", tornando-o, com isso, mais lacônico. De toda maneira, ser "elemento de atividade organizada em empresa" ou, simplesmente, "elemento de empresa" significa ser parcela dessa atividade e não a atividade em si, isoladamente considerada. Evidencia-se, assim, que "a única possibilidade de enquadrar a atividade intelectual no regime jurídico empresarial será considerando-a como parte de um todo mais amplo apto a se identificar como empresa - ou, mais precisamente, como um dos vários 'elementos' em que se decompõe determinada empresa". Esse, realmente, "é o sentido a ser dado à ressalva (da ressalva) contida no referido preceito, de tal sorte que a atividade intelectual, de natureza científica, artística ou literária, nunca poderá ser tomada isoladamente para identificar uma atividade capaz de subordinar quem a exerça ao regime jurídico próprio do empresário. É preciso que ela seja vista como um elemento, isto é, como um componente do conjunto que identifica uma empresa" (do autor, Lições de direito societário, v. 1, n. 47, p. 116-117). Parece ter sido essa a conclusão da comissão do direito de empresa, quando assentou: "A expressão 'elemento de empresa' demanda interpretação econômica, devendo ser analisada sob a égide da absorção da atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística, como um dos fatores da organização empresarial" (III Jornada de direito civil, Enunciado n. 195, p. 61). Para conciliar uma aparente antinomia com o Enunciado n. 194 ("Os profissionais liberais não são considerados empresários, salvo se a organização dos fatores de produção for mais importante que a atividade pessoal desenvolvida".), a organização dos fatores de produção neste último indicada há de ser entendida como relativa a uma atividade econômica complexa, na qual um dos ingredientes é o labor intelectual. Sujeita-se às disposições do direito de empresa e, portanto, considera-se empresário o intelectual que contribui com seu trabalho profissional para a feitura ou a circulação de um produto ou serviço diverso e mais complexo do que aquele que se insere em sua habilitação, situação em que se encontram, dentre outros, (i) o contabilista em uma atividade de consultoria, cujos contornos exigem auditoria, marketing etc., (ii) o médico que agrega à prática da medicina um spa, onde ao seu paciente oferece repouso e refeições, (iii) o veterinário que, além do seu ofício, hospeda animais na viagem de seus donos, (iv) o engenheiro calculista que mantém um empreendimento de construção civil, (v) um técnico em informática que agrega à sua atividade intelectual a exploração comercial de softwares e assim por diante. Veja-se que Sylvio Marcondes, depois de asseverar que as pessoas de profissão intelectual não podem ser consideradas empresárias, ressalva as situações em que se vestem de empresários; e cita, como "exemplo bem claro a posição do médico, o qual, quando opera, ou faz diagnóstico, ou dá a terapêutica, está prestando um serviço resultante da sua atividade intelectual, e por isso não é empresário. Entretanto, se ele organiza fatores de produção, isto é, une capital, trabalho de outros médicos, enfermeiros, ajudantes etc., e se utiliza de imóvel e equipamentos para a instalação de um hospital, então o hospital é empresa e o dono ou titular desse hospital, seja pessoa física, seja pessoa jurídica, será considerado empresário, porque está, realmente, organizando os fatores da produção, para produzir serviços" (Questões de direito mercantil, p. 11. Os grifos não estão no texto.). Aí, por óbvio, o trabalho do médico no exercício da sua profissão, passa a integrar, como um de seus elementos, a empresa "hospital" - estrutura na qual a prática da medicina vê-se agregada às atividades de hospedagem, aquisição e venda de medicamentos, prestação de serviços de apoio, locação de equipamentos etc. Aliás, a doutrina italiana é fértil nos exemplos ao se referir a uma atividade organizada que se realiza com a colaboração do trabalho do intelectual, costumando citar o mesmo exemplo, do médico que exerce a medicina em um hospital, o do engenheiro que faz cálculos em uma empresa de construção civil e assim por diante (sobre o tema, Tullio Ascarelli, Corso di diritto commerciale, p. 168-171). A matéria respeitante à natureza da sociedade que é constituída para o exercício de atividade intelectual tem outro enfoque e está tratada nos comentários ao art. 982 (n. 95 infra). Art. 967. É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade. COMENTÁRIOS 6. A inscrição do empresário A inscrição, de que trata esse dispositivo, é a espécie de registro que contém os dados relativos ao empresário; ela é exigida para o início regular do exercício de uma atividade empresária e nela são anotados, posteriormente, os principais fatos de interesse do empresário inscrito e que devam ser conhecidos pelas pessoas que com ele contratam, como a mudança de sua sede, a alienação do estabelecimento, a criação de uma filial, a constituição de representantes, a alteração do seu estado civil etc. O empresário individual precisa fazê-la mediante o preenchimento de uma declaração com as exigências do art. 968. A inscrição da sociedade empresária sujeita-se a outras normas e será vista nos comentários ao art. 985. O desenvolvimento histórico, as espécies e outros dados a respeito do registro de empresas mercantis, estão nos comentários aos arts. 1.150 e ss. No sistema da Lei 8.934/1994, o empresário individual não promovia nenhuma inscrição; elaborava a declaração de sua firma individual, segundo os parâmetros legais mínimos estabelecidos, os quais, uma vez preenchidos (art. 35 da referida Lei), conduziam ao seu arquivamento no Registro Público de Empresas Mercantis. Pelo critério então adotado, com o arquivamento da declaração de empresa individual (impropriamente chamada de ato constitutivo), a Junta Comercial incumbida de realizar o correspondente registro gerava um número de identificação desse novo empresário para localizá-lo no sistema denominado "Número de Identificação do Registro de Empresas - Nire" (art. 35, parágrafo único), e organizava seu prontuário, destinado a armazenar todos os documentos a ele relativos (art. 38). Esse procedimento interno de controle, enviado ao Departamento Nacional do Registro do Comércio para ser inserido no Cadastro Nacional das Empresas Mercantis (art. 4.º, IX, da mesma Lei), continua vigorando, com as adaptações necessárias ao cumprimento das disposições codificadas. A declaração da firma individual é, apenas, substituída pela inscrição do empresário. Baseada nos dados da inscrição, a Junta Comercial continuará fornecendo o número do Nire e repassando ao DNRC os dados necessários para a atualização do Cadastro Nacional das Empresas Mercantis. A Instrução Normativa 92/2002, do Departamento Nacional do Registro do Comércio, na adaptação dos registros a cargo das Juntas Comerciais às normas do Código Civil, substituiu a Declaração de Firma Mercantil Individual pelo Requerimento de Empresário (art. 3.º, II). O modelo de requerimento de empresário figurou, posteriormente, no Anexo da Instrução Normativa DNRC 95/2003 e a Instrução Normativa DNRC 97/2003 continha o Manual de Atos de Registro de Empresário. Hoje ambas estão contidas nos anexos da Instrução Normativa DREI 10/2013. 7. Natureza da inscrição A inscrição do empresárioindividual é, em princípio, um ato declaratório, visto que tem por fim dar publicidade à condição jurídica de quem exerce a atividade econômica reputada passível de registro perante o Registro Público de Empresas Mercantis. Incidem em erro palmar aqueles que acham ser a inscrição constitutiva da qualidade de pessoa jurídica do empresário. Essa inscrição não cria nenhuma nova figura jurídica distinta da pessoa natural do empresário. O empresário, sua empresa individual, a então denominada firma individual não são nem em algum momento foram alçadas à condição de pessoa jurídica. Personalidade jurídica é tema que diz respeito às sociedades em geral, como será visto adiante, nos comentários ao art. 985 (n. 86 infra) e, mais recentemente, à empresa individual de responsabilidade limitada (n. 57 infra). Ao tratar do tema, procurei esclarecer o assunto: "Costuma-se dizer que a firma individual é pessoa jurídica. Isso não é verdade, pois, segundo a concepção do ordenamento pátrio, pessoa jurídica é um ente que se comporta perante o direito como se fosse uma pessoa natural; daí se lhe reconhecer personalidade. Ora, o comerciante individual é uma só pessoa tanto em família como na frente de seus negócios. Quem age é ele e não um ente por ele, sujeito de direitos ou obrigações diversas. De resto, o Código Civil [a referência era ao Código Civil de 1916], nos seus arts. 14 e 16, enumera as pessoas jurídicas: as de direito público (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, incluídas as autarquias) e as de direito privado (sociedades civis e mercantis, associações e fundações)." "Fosse o comerciante individual - se se preferir, a firma individual - pessoa jurídica, ter-se-ia de admitir o absurdo de a pessoa natural do comerciante envolver-se em relações jurídicas com sua própria firma individual. Por exemplo: celebrar, com ela, um contrato de compra e venda, outorgar-lhe procuração etc. "Assim como o profissional liberal é uma só e mesma pessoa quando pratica atos de interesse pessoal ou quando atua na sua profissão, também o comerciante, em casa ou em sua loja, não pode ser enfocado com dupla personalidade. "A confusão surgiu por força da legislação tributária que, para melhor determinar suas fontes de receita, impôs ao comerciante individual um critério de lançamento de imposto semelhante àquele previsto para as pessoas jurídicas. Apenas para fins fiscais, a firma individual foi equiparada à pessoa jurídica. O que o legislador prescreveu, aí, foi o seguinte: a firma individual, por não ser pessoa jurídica, fica a ela equiparada para efeito de sobre ela incidirem as regras específicas de tributação aplicáveis à pessoa jurídica. "Bem se vê que isso não é tornar a firma individual uma pessoa jurídica - vale dizer, reconhecê-la como um ente, diverso da pessoa física que a exerce, capaz de direitos e obrigações próprios da vida civil. O titular da firma individual é o comerciante que a exerce e assim continuará sendo considerado perante o direito, do mesmo modo que o titular de um escritório de advocacia é o advogado que o movimenta" (do autor, Apontamentos de direito comercial, n. 69, p. 174-175). Com a criação da empresa individual de responsabilidade limitada foi-lhe atribuída personalidade jurídica (CC, art. 44, IV) para dotá-la de patrimônio próprio, diverso do de seu titular. Essa nova figura não altera as considerações acima expostas, feitas em relação ao empresário, isto é, à pessoa natural que exerce pessoal e isoladamente a atividade empresarial. O empresário, como já explicado nos comentários ao artigo anterior, é empresário por exercer atividade econômica organizada, e não por estar inscrito. Exercendo atividade econômica na forma descrita pelo art. 966, está sujeito à inscrição. Essa inscrição, mesmo devendo anteceder o exercício da atividade, não é constitutiva da qualidade de empresário. Assim, se alguém faz sua inscrição perante a Junta Comercial como empresário individual, mas não exerce nenhuma atividade econômica, ou exerce atividade econômica que não é própria de empresário, não será considerado como tal. No entanto, o Código Civil faculta ao rurícola (empresário rural) obter equiparação ao empresário se optar pela sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis (arts. 971). Aí, sim, tal inscrição será constitutiva da qualidade de empresário porque se erige em ato determinante de sua sujeição ao regime jurídico do direito de empresa. A pessoa natural que explora atividade rural não se subordina a registro algum. Mas, pode ter interesse na obtenção de registro para gozar das prerrogativas do empresário, possuir um nome para identificação do seu negócio, obter proteção em relação a ele, sujeitar-se à falência e à recuperação de empresas que lhe conferem tratamento especial etc. Por isso, o Código Civil outorgou-lhe o direito, antes inexistente, de optar pelo regime jurídico empresarial. Na vigência do sistema anterior, a doutrina sempre foi categórica em afirmar que o "registro dos atos de comércio não é constitutivo de direitos. Assim, por exemplo, a inscrição de uma firma individual, ou do contrato social, não assegura a qualidade de comerciante pelo só efeito do registro" (Rubens Requião, Curso de direito comercial, v. 1, n. 68, p. 109). Já nos sistemas suíço e alemão, a inscrição pode ser, em determinados casos, atributiva da qualidade de empresário ou comerciante (sobre o assunto, ver, também, Darcy Arruda Miranda Júnior, Curso de direito comercial, n.s 4.3 e 4.4, p. 107-108). 8. Distinção de figuras afins A inscrição não é a restauração da antiga matrícula, prevista no art. 4.º do Código Comercial e, então, constitutiva da qualidade de comerciante, que fora posteriormente abandonada e atualmente resta restrita a algumas categorias de empresários. Embora o Código Civil não a mencione, nem por isso foi abolida. Ela persiste no sistema da Lei 8.934/1994, porém, sem aplicação geral, reservada exclusivamente para leiloeiros, tradutores públicos e intérpretes comerciais, trapicheiros e administradores de armazéns gerais (art. 32, I). A matrícula é, portanto, outra espécie de registro, próprio e exclusivo das categorias acima indicadas. Também não é a inscrição um ato de arquivamento. O arquivamento consiste no armazenamento de documentos no órgão registrador, para fins probatórios, ao passo que a inscrição é um termo de abertura do registro do empresário. O Requerimento do Empresário, de que trata a Instrução Normativa 95/2003, do DNRC, é arquivado na Junta Comercial. A inscrição corresponde ao cadastro do empresário, feito a partir daquele documento. Fatos posteriores à inscrição são objeto de averbação à sua margem, isto é, de anotação no cadastro, ficando os documentos que os motivarem arquivados na repartição responsável pela prestação desse serviço (no caso, a Junta Comercial onde inscrito o empresário). As distinções entre os diversos atos compreendidos no registro de empresas mercantis (inscrição, matrícula, averbação, arquivamento, autenticação e assentamentos) são feitas mais adiante, nos comentários ao art. 1.151. 9. Ausência de inscrição A inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis, consoante o enunciado do art. 967, é obrigatória. Isso significa que o empresário não pode exercer sua empresa sem estar inscrito no registro que lhe é próprio, a cargo da Junta Comercial do local de sua sede. Se descumprir essa obrigação, não deixa de ser empresário, porquanto "a inscrição do empresário ou sociedade empresária é requisito delineador de sua regularidade, enão de sua caracterização" (Enunciado n. 199 da Comissão de Direito de Empresa, III Jornada de Direito Civil, p. 62). No entanto, não promovendo sua inscrição, sujeita-se a responder por perdas e danos perante eventuais prejudicados, consoante o estatuído no art. 1.151, § 3.º, do Código Civil, que será objeto de análise mais adiante (n. 677 infra). Mas não é só essa a sanção, visto que o empresário não inscrito perante o Registro Público de Empresas Mercantis jamais conseguirá exercer regularmente sua atividade. De fato, sem inscrição, não tem, sequer, condições de obter sua inscrição no cadastro nacional de pessoas jurídicas, nem junto às diversas entidades fiscais para o recolhimento dos tributos que incidem sobre sua atividade. Terá de praticar seu ofício sem notas fiscais, sem abrir conta bancária para sua empresa e assim por diante. Além disso, fica exposto o empresário a uma série de outras sanções indiretas, como a de não poder autenticar seus livros (CC, art. 1.181), a de nada lhe ser dado provar com sua escrituração (CC, art. 226), a de não poder requerer a falência de outro empresário seu devedor (Lei 11.101/2005, art. 97, § 1.º) e a de lhe ser vedada a recuperação empresarial, judicial ou extrajudicial, se estiver em estado de insolvência (arts. 48, 51, V, e 70, § 1.º, e 161 da mesma Lei). Em se tratando de sociedade empresária, como se verá no momento próprio, os sócios não gozam dos benefícios relativos ao tipo escolhido (CC, art. 986) e os respectivos dirigentes podem ser responsabilizados por omissão perante os sócios ou acionistas (CC, art. 1.016; Lei 6.404/1976, art. 158, § 2.º). Art. 968. A inscrição do empresário far-se-á mediante requerimento que contenha: I - o seu nome, nacionalidade, domicílio, estado civil e, se casado, o regime de bens; II - a firma, com a respectiva assinatura autógrafa; III - o capital; IV - o objeto e a sede da empresa. § 1.º Com as indicações estabelecidas neste artigo, a inscrição será tomada por termo no livro próprio do Registro Público de Empresas Mercantis, e obedecerá a número de ordem contínuo para todos os empresários inscritos. § 2.º À margem da inscrição, e com as mesmas formalidades, serão averbadas quaisquer modificações nela ocorrentes. § 3.º Caso venha a admitir sócios, o empresário individual poderá solicitar ao Registro Público de Empresas Mercantis a transformação de seu registro de empresário para registro de sociedade empresária, observado, no que couber, o disposto nos arts. 1.113 a 1.115 deste Código. COMENTÁRIOS 10. Conteúdo da inscrição A inscrição é o cadastro no qual figuram os principais dados relativos ao empresário, como discriminados na norma. Ela é feita no Registro Público de Empresas Mercantis, a cargo das Juntas Comerciais. Na harmonização das disposições relativas ao registro, previstas no Código Civil e na Lei 8.934/1994, o Departamento Nacional do Registro do Comércio, pela Instrução Normativa 97/2003, aprovou o Manual de Atos de Registro do Empresário (individual). Foi suprimida a declaração de firma individual, onde os dados previstos neste artigo eram informados e arquivados na Junta Comercial. Agora, é exigido o preenchimento de um formulário contendo tais exigências legais e outros dados complementares, de que necessitam ter informação as Juntas Comerciais. Assim, para obter sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, deve o empresário requerê-la no formulário impresso, indicando: a) seus dados de identificação pessoal (nome, sexo, inscrição no cadastro de pessoas físicas, nacionalidade, estado civil e, se casado, o regime de bens); b) o nome empresarial, isto é, o nome que irá utilizar no negócio para se identificar e se distinguir de outros empresários (a firma individual, com sua assinatura de próprio punho, cf. n. 692 infra); c) o capital afetado ao empreendimento, constituído pela somatória do valor em dinheiro do patrimônio que irá destinar à empresa, composto dos bens e direitos necessários ou úteis para o seu desenvolvimento; d) o ramo da atividade econômica a que se irá dedicar e que se traduz no objeto de sua empresa, de modo preciso e completo (Lei 8.934/1994, art. 35, III; Decreto 1.800/1996, art. 53, III, b); e) o endereço onde irá exercer sua atividade e implantar seu estabelecimento empresarial, mais precisamente a sede de sua empresa; f) uma declaração de desimpedimento para exercer atividade empresária (art. 972) e de não possuir outra inscrição de empresário. Não é prevista a anexação de comprovantes, nem mesmo do estado civil do declarante, na suposição de que não está a prestar uma declaração falsa, embora possa ser exigida a apresentação para conferência. No entanto, há documentos que, em certas situações, devem instruir o requerimento, por impor a lei seu arquivamento e averbação à margem da inscrição. Dentre estes, encontram-se o da prova da emancipação do menor ou o da autorização para o incapaz exercer a atividade empresarial (arts. 976 e 974), bem como os pactos e declarações antenupciais do empresário, o título de doação, herança, ou legado, de bens clausulados de incomunicabilidade ou inalienabilidade (art. 979). A indicação do capital nesse formulário tem a função de proporcionar aos interessados a dimensão do empreendimento; é, na expressão de Mario Cozza, um dado "meramente referencial, servindo apenas para que seja corretamente aquilatado o potencial econômico de seus negócios por aqueles que lhe concederem créditos" (Novo código civil do direito de empresa, n. 15, p. 22). É que, para fins de responsabilização pessoal, responde o empresário com todo o seu patrimônio, sem qualquer distinção entre aquele afetado ao exercício de sua atividade profissional e o que reserva para seu desfrute pessoal, ressalvadas as exclusões legais (como os bens absolutamente impenhoráveis), pouco importando as fontes de suas obrigações. O rol do art. 968 não deve ser considerado exaustivo, sendo permitido ao empresário que acrescente outros dados que considerar relevantes para sua empresa. A falta de espaço no formulário pode dificultar outras menções, mas o órgão registrador não pode impedir tais acréscimos, contanto que digam respeito à atividade a ser desenvolvida. É o que se dá, v.g., com o título do estabelecimento de que se irá utilizar para identificar sua loja, que pode ser inserido ao lado do nome empresarial, com a finalidade de constituir prova futura da anterioridade de sua adoção (n. 686 infra). Se ao empresário é facultado ampliar a lista de documentos suscetíveis de averbação, os órgãos registradores, por força do que dispõe o art. 7.º da Lei 11.598/2007 (que fixou diretrizes e procedimentos para a simplificação e integração do processo de registro e legalização de empresários e criou o Redesim), são proibidos de instituir "qualquer tipo de exigência de natureza documental ou formal, restritiva ou condicionante, que exceda o estrito limite dos requisitos pertinentes à essência de tais atos", nomeadamente, no que se relaciona com o tema ora versado, "quaisquer documentos adicionais aos requeridos pelos órgãos executores do Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins e do Registro Civil de Pessoas Jurídicas, excetuados os casos de autorização legal prévia" (inc. I). 11. Termo no livro próprio Diz o § 1.º do art. 968 que a inscrição do empresário será reduzida a termo no livro próprio do Registro Público de Empresas Mercantis. Não se deve tomar a determinação em seu sentido literal. Livros não são mais utilizados para controle dessa natureza pela dificuldade de comportarem todos os atos que ali devem ser anotados. Já faz bastante tempo queos livros foram substituídos por folhas numeradas, suscetíveis de receber anexos ou alongues. Em verdade, o que se extrai da regra é a exigência de que as Juntas Comerciais mantenham um cadastro das inscrições sob severo controle. Foi essa interpretação, aliás, que o Departamento Nacional do Comércio deu à regra, adequando tal previsão ao que já era praticado no sistema anterior. O requerimento de inscrição (capa) é acompanhado de um formulário padrão com os dados exigidos pela lei e com base neles é aberta a inscrição no cadastro próprio que as Juntas Comerciais possuem para tal fim. O documento de inscrição, que se materializa no próprio formulário preenchido pelo requerente, recebe, assim, uma numeração sequencial - o mesmo Nire "Número de Identificação do Registro de Empresas" criado pela Lei 8.934/1994 (art. 35, parágrafo único), com o qual a Junta Comercial organiza seu sistema interno de controle e o repassa ao DNRC para alimentar o Cadastro Nacional das Empresas Mercantis. Embora a norma refira-se à numeração em ordem contínua para todos os empresários inscritos, o Nire estende-se, também, às sociedades empresárias e às cooperativas. 12. Averbações à margem da inscrição A inscrição é destinada a resumir a vida do empresário e, com isso, precisa retratar sua realidade. Se há requisito a ser observado para a inscrição, como a emancipação do menor ou a autorização para o incapaz exercer atividade empresária, o comprovante próprio deve ser arquivado no Registro Público de Empresas Mercantis e, desde logo, averbado junto à respectiva inscrição. Feita a inscrição, podem surgir mutações, como, v.g., a criação de filial (art. 969), eventual revogação da autorização (art. 976), uma separação judicial (art. 980), a alienação do estabelecimento empresarial (art. 1.144) etc. Esses fatos também devem ser levados à averbação para que a inscrição mantenha sempre os dados atualizados e para que possam ser opostos a terceiros interessados. Por outro lado, o próprio empresário pode mudar o ramo de sua atividade, aportar mais patrimônio para o empreendimento ou transferir seu negócio para outro local. Em qualquer dessas hipóteses, terá de prestar nova declaração, indicando o novo objeto, o novo capital ou o novo endereço de sua empresa. Tal declaração deve ser levada a arquivamento na Junta Comercial e averbada à margem de sua inscrição. Se o empresário mudar-se para outro Estado-membro da Federação, deve fazer uma nova inscrição perante a Junta Comercial daquele Estado e proceder ao cancelamento da inscrição anterior. Abrindo filial, procede na forma do art. 969. 13. Convolação da figura do empresário para a de sociedade empresária O empresário que exerce regularmente sua atividade pode optar pela constituição de sociedade empresária para com ela prosseguir, bastando que angarie sócios. Isso ocorrendo, é-lhe facultado pedir ao Registro Público de Empresas Mercantis, onde estiver inscrito, a substituição de sua inscrição de empresário pela de sociedade empresária, dispensadas outras formalidades (CC, art. 968, § 3.º). Trata-se da previsão criada pelo art. 10, da Lei Complementar 128/2008, com o propósito de simplificar as exigências de registração. Nela se lê "transformação do registro", sendo determinada a observância dos arts. 1.113 a 1.115 do Código Civil para sua obtenção. No entanto, não há, aí, minimamente, uma operação de transformação. A transformação, de que cuidam referidos preceitos legais, diz respeito a tipo societário e não a registro; e, no caso, está-se diante de empresário individual e não de sociedade. Tecnicamente, como sabido, transformação é a operação pela qual uma sociedade muda de um tipo para outro sem dissolução ou liquidação; nela não há mudança de ente nem sucessão, como no caso ocorre. Em verdade, o que vem regulado no preceito sob exame é a possibilidade de substituição de registros sem necessidade de atendimento das formalidades que seriam exigidas para o cancelamento da inscrição (registro) do empresário e para a obtenção da inscrição (registro) da sociedade, quando esta é constituída pelo empresário e por terceiros com o propósito de manter a atividade econômica organizada que aquele antes exercia individualmente. Não se dá a manutenção do mesmo registro porque são distintas as pessoas do empresário e da sociedade empresária, assim como as respectivas inscrições, variando, inclusive, a numeração do NIRE em relação a cada qual. É possível, no entanto, que seja preservado o mesmo número do CNPJ, uma vez que, perante o órgão expedidor, sociedade e empresa individual (esta por equiparação) são tratadas como pessoas jurídicas (sobre o tema, ver nota de texto do n. 7 supra). As normas a observar são, portanto, as relativas à constituição da sociedade empresária por essas pessoas assim constituída - ou seja, celebrada entre o empresário e terceiros, para a qual o primeiro aporta o conjunto de bens e direitos que identificavam sua empresa, contribuindo os outros com os bens ou serviços que se obrigaram a prestar para a formação do capital social (CC, art. 981). As disposições atinentes à transformação, a que se reporta a norma, senão redundantes, são incompatíveis com a situação por ela contemplada. De fato, o empresário individual não se dissolve nem se liquida, sabendo-se que a empresa individual por ele desenvolvida integra seu patrimônio pessoal, de modo que a regra do art. 1.113 do Código Civil não tem como ser a ele dirigida, senão na sua segunda parte, que determina sejam observadas as normas de constituição e inscrição próprias do tipo societário a ser constituído. Na formação da sociedade, por outro lado, é indispensável o consentimento de todos os futuros sócios, não possuindo qualquer utilidade para a operação o conteúdo do art. 1.114, muito menos na parte em que faculta ajuste capaz de afastar o consenso de todos. Já o art. 1.115, que dispõe sobre os direitos dos credores, não tem como ser aplicado ao caso, porquanto os credores de sócio, anteriores à constituição de qualquer sociedade, seja ela constituída, ou não, com o aproveitamento de bens e direitos antes afetados à atividade empresarial exercida sob forma individual, continuam com os mesmos direitos que antes de sua criação possuíam. E o parágrafo único desse dispositivo legal supõe a existência de sociedade anterior, inexistente na operação objeto destes comentários. Nos comentários ao art. 1.113, o tema é abordado entre as situações em que não há transformação (n. 534 infra). Ver a Instrução Normativa DNRC 118/2011, que regulamentou o procedimento para a operação de que trata o parágrafo único do art. 968. É possível, também, segundo penso, que o empresário faça-se substituir no seu negócio por uma empresa individual de responsabilidade limitada, por aplicação analógica da norma contida no preceito sob análise, visto que as situações são idênticas do ponto de vista da troca de titularidade do empreendimento. Trata-se, tão só de alterar o protagonista da atividade, que antes era o empresário, por uma pessoa jurídica apta a exercê-la e, portanto, a dar continuidade ao seu negócio. Como a EIRELI foi introduzida no direito brasileiro pela Lei 12.441/2011, que é posterior ao preceito sob comento, tal fato não se mostra suficiente para excluí-la da opção de que se cuida aqui (ver n. 55 infra). Por aplicação analógica deste mesmo preceito sob comentário, há possibilidade de a empresa individual de responsabilidadelimitada assumir as vestes de uma sociedade empresária aliando-se a outra ou a um ou mais futuros sócios, pessoas naturais ou jurídicas. A diferença está em que, nessa hipótese, a EIRELI (ou mais de uma) envolvida extingue-se sem dissolução e liquidação, passando seu titular a figurar como sócio da sociedade assim constituída (n. 67 infra). Art. 969. O empresário que instituir sucursal, filial ou agência, em lugar sujeito à jurisdição de outro Registro Público de Empresas Mercantis, neste deverá também inscrevê-la, com a prova da inscrição originária. Parágrafo único. Em qualquer caso, a constituição do estabelecimento secundário deverá ser averbada no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede. COMENTÁRIOS 14. Abertura de novos estabelecimentos do empresário Do ponto de vista legal, sucursal, filial e agência são expressões sinônimas. A doutrina não faz distinção entre as figuras, por inexistir conceito preciso (Hernani Estrella, Curso de direito comercial, n. 125, p. 255), apesar de "a intuição do comércio" estar "acentuando a maior importância da sucursal sobre a filial" (Rubens Requião, Curso de direito comercial, 25. ed., v. 1, n. 159, p. 277); devem ser tomadas no sentido de estabelecimentos secundários do empresário, como o esclarece o parágrafo único do artigo sob análise (sobre o conceito de estabelecimento, sua natureza e espécies, ver adiante os comentários aos arts. 1.142 e 1.143). Pontes de Miranda, com base na doutrina estrangeira e tendo em conta as normas que dispunham sobre a criação de filiais, sucursais ou agências de sociedades estrangeiras no Brasil, sustentava que a filial gozava de autonomia em relação à denominada sociedade-mãe, podendo alçar-se à condição de pessoa jurídica distinta, nisso diferenciando-se da sucursal e da agência, que seriam dependências da firma individual ou da sociedade que as criasse (Tratado de direito privado. t. L, § 5.310, p. 272 e ss.) No entanto, para os propósitos do dispositivo em análise essa distinção não se verifica. Para a identificação de uma filial (sucursal ou agência), contudo, é preciso que haja um mínimo de autonomia para o exercício da atividade empresária, a ponto de nela poder ser identificado um estabelecimento (um conjunto de bens predispostos ao exercício da atividade empresarial por essa unidade). Um escritório de representação que não exerça a atividade empresária nem mantenha fluxo de clientela não caracteriza um estabelecimento secundário e, por isso, não se enquadra na determinação legal. Para os propósitos do artigo em análise a sede, declarada pelo empresário no ato de inscrição de sua empresa individual, é o estabelecimento principal. As unidades que forem posteriormente constituídas serão seus estabelecimentos secundários. Nem sempre, porém, a sede da empresa é tida como principal estabelecimento. A doutrina, quando trata do vocábulo "sede" na perspectiva do foro para a decretação da falência do empresário, insiste em afirmar, com toda razão, que é com base na análise de cada caso concreto que se define o principal estabelecimento do devedor. Para tanto, deve-se reputar como tal aquele no qual o empresário centraliza os seus negócios, mesmo que não o tenha indicado na inscrição como sendo a sede de sua empresa. O critério legal para se determinar o principal estabelecimento do empresário - como ensina Rubens Requião - "não leva em conta a dimensão física dos seus diversos estabelecimentos. Conceitua-se o principal estabelecimento tendo em vista aquele em que se situa a chefia da empresa, onde efetivamente atua o empresário no governo ou no comando de seus negócios, de onde emanam as suas ordens e instruções, em que se procedem as operações comerciais e financeiras de maior vulto e em massa. Nesse estabelecimento, por ser o centro das decisões da empresa, contabilizam-se as suas contas e, por isso, aí se encontram os livros comerciais, sobretudo os livros obrigatórios e os livros fiscais" (Curso de direito comercial, 25. ed., v. 1, n. 159, p. 277). Haverá sempre um único estabelecimento principal, sendo os demais identificados, por exclusão, como secundários. 15. O registro da criação e da extinção de filial Se a filial é criada na mesma circunscrição da Junta Comercial em que está inscrito o empresário, deve ser feita a averbação de sua constituição à margem de sua inscrição, segundo o procedimento do Manual de Atos de Registro de Empresário (item 4.1), baixado pela Instrução Normativa 97/2003 do DNRC. Em se tratando de filial a ser aberta em unidade da Federação diversa da de sua sede, seu registro é mais complexo. O empresário deve, nessa hipótese, promover a inscrição da filial na Junta Comercial do Estado onde, até então, não possuía registro algum. Feita essa inscrição, dita secundária ou suplementar, há, ainda, a obrigatoriedade de sua averbação à margem da inscrição originária, no Registro Público de Empresas Mercantis mantido na Junta Comercial de sua sede. Tratando-se de simples escritório de representação, não há necessidade do cumprimento dessas formalidades porque, como visto no item anterior, não se caracteriza, aí, um estabelecimento secundário do empresário. Contudo, embora sem promover a inscrição do escritório na Junta Comercial de outro Estado, quando lá o constituir, nada impede que o empresário proceda à sua averbação à margem de sua inscrição originária, por interesse próprio, para fins de publicidade e eventual produção de efeitos em relação a terceiros. A inscrição da filial em outra Junta Comercial deve preencher todos os requisitos exigidos para uma inscrição originária. Além disso, há de fazer "prova da inscrição originária", mencionando expressamente onde foi feita e fornecendo inclusive o respectivo número (Nire). Já a averbação junto à inscrição originária deve conter os dados essenciais para a identificação da filial, como o nome completo do empresário, seu nome empresarial, o endereço em que irá atuar a filial etc. A indicação do capital representando o patrimônio afetado à filial não traduz exigência legal e, por isso, é facultativa. Como a inscrição tem por fim retratar a vida do empresário (n. 10 supra), também a extinção de qualquer filial que ele tenha constituído é ato sujeito a registro. Embora a lei não mencione esse acontecimento, a interpretação teleológica deve aí prevalecer para que a inscrição mantenha-se fiel à realidade. Extinta a filial, é preciso, portanto, que seja averbado o ato de extinção à margem da inscrição do empresário. Se a filial a ser extinta localiza-se em circunscrição pertencente a outra Junta Comercial (em outro Estado-membro da Federação), faz-se necessário, também, o cancelamento da inscrição secundária nela realizada. A averbação de criação ou de extinção de um estabelecimento secundário do empresário é realizada, em regra, em momento posterior ao fato: o empresário cria ou extingue fisicamente a filial com observância das exigências burocráticas para tanto estabelecidas e, na sequência, averba a declaração de criação ou extinção no Registro Público de Empresas Mercantis, observado o prazo de 30 (trinta) dias para a retroação dos efeitos à data da ocorrência (CC, art. 1.151, § 1.º). É lícito, no entanto, que a averbação anteceda a criação ou extinção, se a declaração do empresário assim o estabelecer (v.g., criação de uma filial para funcionar em data futura). Também pode haver dispensa de averbação da extinção, se a declaração do empresário previr prazo certo de funcionamento, porquanto aí a extinção está determinada e ocorrerácom o só advento do termo final de duração. Art. 970. A lei assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes. COMENTÁRIOS 16. Dispositivo inútil Não é de boa técnica legislativa a lei determinar que outra lei de mesma hierarquia disponha sobre algo que a primeira pode dispor. O Código Civil não é constituição nem lei complementar. A redação dessa norma veio com uma emenda legislativa, que lhe tirou todo o sentido. De fato, o empresário rural é referido neste art. 970 inadvertidamente, visto que sua situação jurídica é regulada no dispositivo seguinte, no art. 971, que o submete ao direito de empresa somente se proceder à sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis. Já no que se refere ao pequeno empresário, não há nenhum critério para identificá-lo, dado necessário para se saber quem é o destinatário do anunciado tratamento especial. E quanto a esse tratamento, há apenas mais uma referência, no Código Civil, estatuindo ser o pequeno empresário dispensado de manter o sistema de contas exigido dos demais empresários (art. 1.179, § 2.º). Mas, quem é ele? A essa indagação fundamental, o Código Civil não a deu resposta que é atualmente definido pelo art. 68 da LC 123/2006, na redação que hoje lhe dá a LC 139/2011. 17. Origem da previsão legal O anteprojeto do Código de Obrigações, de 1965, cuja versão também se havia inspirado no Código Civil italiano de 1942, adotara o critério de submeter à disciplina do direito de empresa o empresário comercial, isto é, o empresário que exercesse determinadas atividades reputadas próprias de sua profissão, arroladas no seu art. 1.106. Porém, já quando da apresentação do anteprojeto do Código Civil à consideração do Ministro da Justiça nos idos de 1972, o novo texto abandonara a distinção entre empresários comerciais e demais empresários (dentre eles os rurais) para optar por uma definição geral de empresário, dela excluindo, apenas, os que se dedicassem a profissões intelectuais (art. 1.027 e parágrafo único). Ficaram, porém, resquícios da antiga versão. E um deles estava no art. 1.031 desse anteprojeto, que previa a possibilidade de o empresário rural e o pequeno empresário serem dispensados de inscrição no então denominado Registro das Empresas e das restrições e deveres impostos aos empresários inscritos. A norma estava assim redigida: "São dispensados de inscrição e das restrições e deveres impostos aos empresários inscritos: I - O empresário rural, assim considerado o que exerce atividade destinada à produção agrícola, silvícola, pecuária e outras conexas, como a transformação ou a alienação dos respectivos produtos, quando pertinentes aos serviços rurais; II - O pequeno empresário, tal como definido em decreto, à vista dos seguintes elementos, considerados isoladamente ou em conjunto: a) natureza artesanal da atividade; b) predominância do trabalho próprio e de familiares; c) capital efetivamente empregado; d) renda bruta anual; e) condições peculiares à atividade, reveladoras da exiguidade da empresa exercida." No que se refere ao empresário rural, a regra do artigo subsequente (1.032) conferindo-lhe o direito de requerer inscrição no Registro das Empresas para equiparar-se ao empresário, tirava todo sentido do inciso I, porquanto se empresário sujeito a registro não era, impossível dispensá-lo de qualquer obrigação a este inerente. Esse tema será tratado nos comentários ao art. 971. Quanto ao pequeno empresário, os indicativos do inciso II são os mesmos que figuravam no art. 1.º, parágrafo único, do Dec.-lei 486/1969, o qual, sem abolir a obrigatoriedade do registro na Junta Comercial, dispensava da escrituração e dos livros mercantis o então denominado pequeno comerciante. A desnecessidade de registro (inscrição) dos pequenos empresários, constante desse anteprojeto, abeberou-se no Código Civil italiano (art. 2.202). Lá definidos como "os exploradores diretos do fundo, os artífices, os pequenos comerciantes e aqueles que exercem uma atividade profissional organizada principalmente com o trabalho próprio e com o dos componentes da família" (art. 2.083), os pequenos empresários também ficaram dispensados da exigência de manter uma escrituração regular (art. 2.214) e excluídos dos processos de falência e de concordata preventiva (art. 2.221). Aprovado na Câmara dos Deputados com essa redação, o projeto foi ao Senado Federal. Sob a justificativa de que um Código Civil, que pretende ser duradouro, não deve conter regras mutáveis, o Senador Gabriel Hermes apresentou emenda substitutiva do dispositivo visando "estabelecer um delineamento genérico e programático, a fim de que a lei ordinária prescreva as normas adequadas para cada caso e cada época." Trata-se da Emenda n. 68, do Senado Federal, que propôs esta redação: "A lei assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao pequeno empresário quanto à inscrição e deveres impostos aos empresários inscritos." Ela foi acolhida pelo Relator Geral, Senador Josaphat Marinho, que, aceitando a ideia, alterou-lhe a parte final a oração final para substituir "e deveres impostos aos empresários inscritos" por "e aos efeitos daí decorrentes", resultando o dispositivo na versão contida no art. 970 do Código Civil. 18. Obrigatoriedade de inscrição do pequeno empresário Como se observa, na alteração havida, não foi mais feita menção à dispensa de inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, nem se indicaram quaisquer critérios para identificar adequadamente a figura do pequeno empresário. O que ficou prescrito foi, exclusivamente, um tratamento favorecido e simplificado ao empresário rural e ao pequeno empresário "quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes". Ou seja, o pequeno empresário é considerado, para todos os efeitos, um empresário, com tratamento diferenciado no que diz respeito à sua inscrição e aos efeitos daí decorrentes. Isso significa que a dimensão do negócio do empresário não é critério para sua exclusão do registro que lhe é próprio. Enquadrando-se no conceito do art. 966 e não sendo excluído pelo disposto no seu parágrafo único nem pela regra do art. 971, todo e qualquer empresário é obrigado a promover, portanto, sua inscrição perante a Junta Comercial de sua sede. A regra dirige-se, também, ao empresário rural, mas este continua dispensado da inscrição, por força do art. 971, como se verá nos respectivos comentários. Ele terá o tratamento favorecido, que e quando vier a se instituído, se optar pela sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis. 19. Quem é pequeno empresário O texto do Código Civil, ao simplificar o enunciado da norma que originariamente figurava no seu projeto, deixou o conceito de pequeno empresário absolutamente vago, exigindo lei para defini- lo. Pequeno empresário tanto podia ser uma pessoa dedicada à exploração de atividade econômica sem os pressupostos do art. 966, como alguém que organizadamente a explorasse, porém em dimensões reduzidas. Na busca de uma solução para identificá-lo, sustentaram alguns autores, dentre eles Fábio Ulhoa Coelho, que, "à falta de definição da lei, deve-se considerar a expressão uma referência geral ao micro empresário e ao empresário de pequeno porte" (Curso de direito comercial, v. 1, n. 4.5, p. 76). Foi a orientação que prevaleceu na III Jornada de Direito Civil promovidapelo Conselho Nacional de Justiça, consoante se vê do Enunciado n. 235: "O pequeno empresário, dispensado da escrituração, é aquele previsto na Lei 9.841/1999". Entretanto, à luz das normas então vigentes, com o devido respeito, não se podia chegar a essa compreensão. A legislação relativa às microempresas e empresas de pequeno porte adveio em cumprimento da norma constitucional que determinava à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios que dispensassem "às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado visando a incentivá-las, pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei" (CF/1988, art. 179). Assim, as Leis 9.317/1996, e 9.841/1999, que vieram atender à determinação constitucional, nada continham de "tratamento favorecido, diferenciado e simplificado quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes", como previsto pelo art. 970 do Código Civil para o pequeno empresário e não supriam, portanto, a exigência de lei especial reclamada por esse preceito (Alfredo de Assis Gonçalves Neto, Lições de direito societário, 1. ed., n. 42, p. 103). Reforçava esse entendimento o art. 7.º, § 1.º, da Lei 9.317/1996, que, embora dispensando a microempresa e a empresa de pequeno porte da obrigação de realizar escrituração comercial, impunha que mantivessem, em boa ordem e guarda e enquanto não decorrido o prazo decadencial e não prescritas eventuais ações que lhes sejam pertinentes, dois livros: o Livro Caixa e o Livro de Registro de Inventário, bem como todos os documentos e demais papéis que servissem de base para as respectivas escriturações. Essas disposições não se harmonizavam minimamente com as regras que o Código Civil reservou para o pequeno empresário (e não para a sociedade empresária), visto que microempresa e empresa de pequeno porte, além de poderem apresentar-se sob diversos tipos societários, não estavam dispensadas das exigências de escrituração, embora autorizadas a realizá-la de forma especial (CC, art. 1.179, § 2.º). Recorde-se que o Código Civil, ao empregar o vocábulo "empresário" refere-se sempre ao empresário individual, em contraste com a "sociedade empresária" - o que reforçava o argumento de que se inspirou na legislação existente à época da elaboração do seu anteprojeto, que não abrange as microempresas e as empresas de pequeno porte estruturadas sob forma societária. O pequeno empresário, pessoa natural, dispensado de manter qualquer escrituração regular e de elaborar os balanços de final de exercício (CC, arts. 970 e 1.179, § 2.º), portanto, estava ainda a depender de lei para identificar-se. A LC 123/2006, que implantou o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, pôs fim à discussão. A partir de sua vigência, "considera-se pequeno empresário, para efeito de aplicação do disposto nos arts. 970 e 1.179 da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o empresário individual caracterizado como microempresa na forma desta Lei Complementar, que aufira receita bruta anual de até R$ 60.000,00 (sessenta mil reais)" (art. 68, na redação que lhe deu a LC 139/2001). Desse enunciado, extrai-se que não se enquadram no conceito de pequeno empresário: a) os empresários de pequeno porte; b) as sociedades em geral, simples e empresárias, qualquer que seja seu movimento financeiro; c) os microempresários individuais que possuam faturamento bruto anual superior a R$ 60.000,00. O art. 18-A, introduzido na LC 123/2006 pelo art. 3.º, da LC 128/2008 e modificado pelo art. 2.º da LC 139/2011, cuidou da figura do microempreendedor individual (MEI), definindo-o em seu parágrafo primeiro como "o empresário individual a que se refere o art. 966 da Lei 10.406, de 10.01.2002 (Código Civil), que tenha auferido receita bruta, no ano-calendário anterior, de até R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), optante pelo Simples Nacional e que não esteja impedido de optar pela sistemática" de recolhimento de impostos e contribuições em valores fixos mensais, independentemente da receita bruta por ele auferida no mês. Assim, o microempreendedor é o pequeno empresário optante do sistema simplificado de tributação, a quem é outorgado o direito de proceder ao recolhimento dos tributos na forma acima indicada. Sobre o tema, ver quadro resumo de Mônica Gusmão (Lições de direito empresarial, p. 45). É pequeno empresário, em suma, e exclusivamente, aquele que exerce microempresa individualmente, com receita bruta limitada ao teto anual indicado. O pequeno empresário, assim definido, tem a obrigação de se inscrever no Registro Público de Empresas Mercantis, porém com as facilidades previstas na mencionada Lei Complementar, e é dispensado da utilização de qualquer livro para controle de suas contas (arts. 970 e 1.179, § 2.º). Em linguagem pouco técnica, aquele estatuto assegura aos microempresários e empresários de pequeno porte, dentre outros, o direito de contar com o apoio dos "órgãos e entidades envolvidos na abertura e fechamento de empresas" para lhes oferecer, "de forma presencial e pela rede mundial de computadores, informações, orientações e instrumentos, de forma integrada e consolidada, que permitam pesquisas prévias às etapas de registro ou inscrição, alteração e baixa" de sua empresa (LC 123/2006, art. 5.º). Também lhes assiste o direito à simplificação, racionalização e uniformização das exigências de segurança sanitária, metrologia, controle ambiental e prevenção contra incêndios, estabelecidas para a abertura e fechamento de suas empresas (art. 6.º), bem como à obtenção de alvará municipal de funcionamento provisório para darem início às suas atividades imediatamente após o registro (art. 7.º). Ao cabo, há a unificação dos tributos pelo sistema Simples Nacional (art. 12), do qual é afastada, porém, a micro e pequena empresa "que tenha por finalidade a prestação de serviços decorrentes do exercício de atividade intelectual, de natureza técnica, científica, desportiva, artística ou cultural, que constitua profissão regulamentada ou não, bem como a que preste serviços de instrutor, de corretor, de despachante ou de qualquer tipo de intermediação de negócios" (art. 17, XI). Além de todas as prerrogativas que o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte oferece aos seus destinatários em geral, aos pequenos empresários, designados de microempreendedores individuais, conquanto devam manter os documentos relativos aos seus negócios (art. 26, II), são autorizados a comprovar sua receita bruta mediante a simples apresentação do registro de vendas ou de prestação de serviços, sem necessidade de emissão do documento fiscal (art. 26, I), ressalvadas as hipóteses de emissão obrigatória, previstas pelo Comitê Gestor regrado naquele estatuto (LC 123/2006, art. 26, § 1.º, com as alterações introduzidas pelo art. 3.º da LC 128/2008). O que merece ser destacado para os propósitos destes comentários é que o registro da empresa individual do pequeno empresário, de suas alterações e de sua extinção passa a ser autorizado de forma simplificada, como prevê o art. 970 do CC, "independentemente da regularidade de obrigações tributárias, previdenciárias ou trabalhistas, principais ou acessórias" (LC 123/2006, art. 9.º), vedadas outras exigências adicionais (LC 123/2006, arts. 10 e 11). E, como não foram reproduzidas as disposições do art. 7.º da Lei 9.317/1996, que impunham a manutenção da escrituração dos livros Caixa e de Registro de Inventário, o pequeno empresário (mas não os demais microempresários e empresários
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