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Wendel Francis Gomes Silva – 2016045099 O Nascimento da Literatura Comparada e a Escola Francesa A história da literatura comparada evoca a própria definição da literatura e surge em meio a uma corrente de pensamento cosmopolita, positivista, historicista e um crescente sentimento nacionalista que caracterizou o século XIX. O primeiro desafio é compreender sob quais aspectos, objetivos e métodos se constituem tais estudos comparatistas, visto que o próprio conceito de literatura é um topos de divergência recorrente entre os críticos e que a análise comparativa não é recurso exclusivo dos comparativistas, mas conforme Tânia Carvalhal em Literatura Comparada (2006, p. 7) é “um recurso, um ato lógico- formal do pensar diferencial (processualmente indutivo) paralelo a uma atitude totalizadora (dedutiva) ”. A questão se complica devido à ausência de consenso entre os estudiosos do ramo e diferentes abordagens metodológicas, dando a esse tipo de estudo uma certa flexibilidade adaptativa de acordo com as necessidades exigidas pelo corpus de análise. Para caracterizar o ramo, por vezes defendido como um campo genérico, subcampo ou derivação da teoria literária e da história da literatura, Alós (2012) ressalta algumas marcas essenciais tais quais a transversalidade, a amplitude, o cunho internacional e interlinguístico, além da dificuldade de delimitação. Sendo assim, a análise comparativa é aquela feita usualmente entre autores e literaturas de diferentes nacionalidades e línguas, em contraposição aos estudos nacionais ou em um mesmo idioma. A palavra comparação já era utilizada em outros campos do conhecimento e só posteriormente aparece nos estudos literários. Esse recurso de extrair leis genéricas pela comparação de estruturas já aparece em obras do século XVI ao XVIII. Tania Carvalhal, no livro Literatura Comparada, cita alguns exemplos: em 1598, Francis Meres utiliza-a no título de sua publicação, Discurso comparado de nossos poetas ingleses com os poetas gregos, latinos e italianos; em 1602, William Fulbecke publica Um discurso comparado das leis; logo depois, surge a Anatomia comparada dos animais selvagens, da autoria de John Gregory. Todavia, é sem dúvida no século XIX que a difusão do termo realmente se dará, sob a inspiração das Lições de anatomia comparada, de Cuvier (1800), da História comparada dos sistemas de filosofia, de Degérand (1804), e da Fisiologia comparada, de Blainville (1833). Na obra Da Alemanha (1800), com intenções de compreender e divulgar a literatura, a filosofia e a cultura alemãs na França, Mme. de Stäel consolida a inclinação ao estabelecimento de analogias norteando o espírito da investigação como se vê presente no subtítulo: "Da literatura considerada em suas relações com as instituições sociais". Já em 1816, Noél e Laplace publicam uma série de antologias de diversas literaturas, sob o título de Curso de literatura Comparada. A expressão ganha maior força na França pois o conceito de literatura como um conjunto de obras já havia sido definido graças a Voltaire em Dictionnaire philosophique publicado em 1767, enquanto na Inglaterra e na Alemanha tal conceito se consolida posteriormente. Forma-se então a chamada Escola Francesa ditando um caráter normativo, ordenando dados e fixando noções norteadoras ainda que restritas aos paralelismos binários, sob a ótica das influências entre obras e autores. O alcance universal da crítica literária nasce com Goethe e a formulação da categoria Weltliteratur, ou uma Literatura Mundial. Paul Van Tieghem (1931), importante crítico literário, comparatista e linguista, define o objeto da literatura comparada como o estudo das diversas literaturas em suas relações recíprocas, interpretando o fenômeno literário através da história, da crítica e da filosofia, ampliando os discursos sobre a literatura. A análise das origens, conteúdo, arte, a fortuna do autor, dos aspectos internos e externos da obra, pertence ao campo da história e da crítica literária ao passo que à literatura comparada fica o papel de unir e completar as malhas de uma literatura geral. Outras definições posteriores mais abrangentes, nos ajudam a compreender esse emergente campo de estudos e Alós (2012) cita alguns desses conceitos. Segundo ele, Henry H. H. Remak define a literatura comparada como “a comparação de uma literatura com outra ou outras, e a comparação da literatura com outras esferas da expressão humana” (1961, p. 3). Alfred Owen Aldridge, por sua vez, diz que “a Literatura Comparada pode ser o estudo de qualquer fenômeno literário do ponto de vista de mais de uma literatura nacional ou em conjunto com outra disciplina intelectual, ou até mesmo várias” (1969, p. 1). Cita ainda Susan Bassnett que retoma a questão da definição dos limites e do objeto do comparatismo afirmando que a Literatura Comparada “envolve o estudo de textos entre culturas, que ela é interdisciplinar e que ela está voltada para os padrões de relações entre as literaturas no tempo e no espaço” (1993, p.1). Usualmente, categorizam-se três escolas de pensamento no surgimento da Literatura Comparada, ao lado da Escola Francesa, a Alemã e a Americana. Entretanto, tal delimitação já não é mais suficiente para o momento atual da teoria crítica literária, mas essencial para compreendermos as bases fundadoras desse tipo de estudo interdisciplinar. Nos restringindo à escola francesa, a perspectiva de trabalho enfatizava sobretudo as questões de estudo de fontes e influências, predominando as relações causais, seja de um determinado autor sobre outro, seja de uma literatura nacional sobre outra e dividem-se em três tipos principais tipos segundo Alós (2012): a) Estudos cronológicos: quando a ênfase recai em textos literários, autores ou literaturas nacionais que funcionam como fontes, influenciando outros textos, autores ou literaturas nacionais; b) Doxológicos: quando se preocupam com o destino de determinadas obras literárias fora da tradição nacional na qual foram produzidas, bem como das opiniões cristalizadas pela crítica, em um determinado país, com relação a um determinado autor estrangeiro c) Estudos mesológicos: quando o objetivo do exercício comparatista é a compreensão dos fatores intermediários que funcionam como pontos de contato entre duas ou mais literaturas nacionais, tais como a circulação de traduções de obras estrangeiras em uma determinada literatura nacional Resumir a história da formação da Literatura Comparada é também navegar por diversas e conflitantes formas de analisar e compreender a literatura e perceber a infindável riqueza das relações que se estabelecem durante as épocas. Nina Simone, por exemplo, defendeu veementemente durante sua carreira que o artista é aquele que reflete o seu tempo, mas será que basta à crítica observar toda obra artística como fruto criativo das influências externas? Após a eclosão dos primeiros estudos comparatistas, foi legado às futuras gerações o papel de construir novas teorias em meio a uma eclosão de novas produções em todos os campos da produção intelectual, rompendo com a hegemonia literária europeia, criando novos cânones e destruindo o conceito restritivo de empréstimos e influências para os novos universos da contextualidade e intertextualidade, do diálogo bilateral e da pluridiversidade. A partir da segunda metade do século XX, o comparatismo consolida-se não apenas como estratégia de aproximação e análise do fenômeno literário ou disciplina complementar à teoria e história da literatura, mas como um campo interdisciplinar institucionalizado que alcançou uma era de estabelecimento,ampliando a crítica e a historiografia literárias e lançando novos olhares para a transdisciplinaridade e transculturalidade atendendo às demandas do novo século. BIBLIOGRAFIA ALÓS, Anselmo Peres. A literatura comparada neste início de milênio: tendências e perspectivas. Ângulo (FATEA. Impresso), v. 130, p. 7-12, 2012. CARVALHAL, Tania Franco. Literatura Comparada. São Paulo: Ática, 2006. COUTINHO, E. F.. Literatura comparada: reflexões sobre uma disciplina acadêmica. Revista Brasileira de Literatura Comparada, v. 08, p. 41-58, 2006. TIEGHEM, Paul Van. “Crítica literária, história literária, literatura comparada” [In: COUTINHO; CARVALHAL (1994)]
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