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04. A lei penal

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A LEI PENAL 
____________________________ 
 
4.1 FONTES DO DIREITO PENAL 
4.1.1 Fontes materiais: a sociedade e o Estado 
A expressão fonte identifica-se com nascente, daí por que se falar em fontes do 
Direito Penal é dizer de seu nascimento. O direito, como já se disse, emana das 
necessidades da vida em sociedade, e pode-se afirmar, sem medo de errar, que ambos 
surgem simultaneamente. Onde há sociedade, há direito, e vice-versa. 
O direito é a expressão da vontade da sociedade. Nasce da vontade dos 
indivíduos que a compõem. A consciência do povo que integra a nação é a fonte maior 
do direito. 
A sociedade está organizada no Estado, com seus três poderes, entre eles o 
encarregado de elaborar as normas de comportamento: o Poder Legislativo, pelo 
Senado Federal e Câmara dos Deputados. 
É a sociedade que escolhe um grupo de indivíduos e confere-lhes o dever e o 
direito de construir as figuras consideradas crimes, estabelecer as penas e outras regras 
relativas aos infratores das normas. 
Uma sociedade pode considerar crime a conduta humana que outra sociedade 
considera comportamento justo. Por exemplo, no Brasil é crime interromper a 
gravidez, com a morte de seu produto, definido com o nome de aborto, salvo se não 
houver outro meio para salvar a vida da gestante ou se a gravidez tiver sido fruto de um 
estupro (relação sexual violenta e dissentida pela mulher) e, neste último caso, se a 
gestante ou seu representante consentirem no aborto. Em outras sociedades do mundo, 
esse mesmo fato não é considerado crime, sendo, por isso, plenamente normal e aceito 
pelos membros daquelas sociedades. Exemplos: China, França, Noruega. 
Em certas sociedades, atitudes humanas que se voltam contra valores religiosos 
são consideradas crime, como é o caso do Irã, ao passo que nas sociedades 
2 – Direito Penal – Ney Moura Teles 
 
desenvolvidas tais fatos não interessam ao Direito Penal. 
A fonte de produção, ou substancial, do Direito Penal é remotamente a 
consciência popular, e diretamente o Estado, por força do que dispõe o art. 22, I, da 
Constituição Federal, que diz competir, privativamente, à União legislar sobre Direito 
Penal. 
A União, por meio do Poder Legislativo, por seus deputados e senadores, é a 
fonte produtora, material ou substancial do Direito Penal. 
 
4.1.2 Fonte formal imediata: a lei penal 
O Direito – conjunto das normas de comportamento – para se estabelecer no 
seio da sociedade, para valer e imperar, para ser obedecido pelos membros da 
sociedade, os indivíduos, precisa ser conhecido da sociedade, exteriorizar-se, ganhar 
forma, tornar-se concreto. Esta concretização se dá por meio de instrumentos de 
comunicação criados, ao longo do tempo, pelos vários povos. 
Modernamente, o instrumento utilizado para a exteriorização do Direito Penal é 
a lei, documento que contém a norma jurídica emanada do órgão Estatal encarregado 
de sua produção, segundo determina a Constituição do Estado. 
Tratando-se de Direito Penal, por força do já conhecido Princípio da Legalidade, 
só a lei pode definir o crime e cominar a pena. Conseqüentemente, só a lei é fonte de 
exteriorização da criação dos crimes e das penas. 
A doutrina denomina esses meios de exteriorização do Direito de fontes 
formais, ou de cognição; todavia, segundo HELENO CLÁUDIO FRAGOSO, “não são fontes, 
mas formas do direito, como bem assinalou Goldschmidt”1. 
Correto o entendimento do saudoso advogado e jurista brasileiro, pois fonte só 
pode ser a substancial, de produção do Direito. A lei, na verdade, é o instrumento 
utilizado pelo Estado para dar expressão real às normas que elabora. Nesse sentido, 
não pode ser fonte. 
Fonte, então, é tão-somente a consciência da sociedade, é o Estado, ao passo 
que a lei é a única forma ou o único instrumento pelo qual o povo, por meio do Estado, 
define os fatos considerados criminosos, e estabelece as penas que a sua prática 
correspondem. 
 
1 Lições de direito penal: parte geral. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 77. 
 
 
A Lei Penal - 3 
 
 
4.1.3 Fontes formais mediatas: costume e princípios gerais de 
 direito 
A sociedade constrói o direito também por meio do costume jurídico e dos 
Princípios Gerais de Direito. 
Diz, aliás, a Lei de Introdução ao Código Civil que, quando a lei for omissa, o 
juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, o costume jurídico e os princípios gerais 
de direito. De analogia, fala-se mais adiante. 
 
4.1.3.1 Costume jurídico 
Dentro de uma sociedade, ao longo dos anos, muitas vezes, vão as pessoas 
realizando certos comportamentos, reiteradamente, no tempo, sempre de um mesmo 
modo. Com o passar dos dias, anos, das décadas, todos resolvem obedecer a certa 
orientação, por entenderem necessária e proveitosa para a sociedade, de tal modo que 
chegam a considerar que estão obrigados a agir sempre daquela forma. 
Surgem, assim, na sociedade diversas normas de comportamento, não escritas 
em lei, que as pessoas obedecem, de modo uniforme e constante, pela certeza que elas 
têm de que estão obrigadas a assim se comportarem. 
É o costume uma norma não escrita a que as pessoas obedecem, de modo 
uniforme e constante, na certeza de que estão obrigadas a obedecê-la. 
Ressalte-se a importância de que haja a constância e a uniformidade, que são os 
elementos objetivos do costume jurídico, e a convicção da obrigatoriedade da norma 
costumeira, que é seu elemento subjetivo. 
O costume não tem o poder de revogar a norma penal, e tampouco de criar 
delitos ou cominar penas, por força do princípio da legalidade. 
Apesar de muito comum no Brasil, a prática do chamado “jogo do bicho” não é 
comportamento permitido, pois ainda está em vigor uma norma penal que o considera 
um comportamento proibido. 
Do mesmo modo, o desuso de uma norma, ao longo do tempo, não a revoga. 
Tome-se como exemplo a questão do adultério. Nos últimos anos, mormente após a 
instituição do instituto do divórcio, a sociedade brasileira passa a tratar o adultério de 
modo bem mais compreensivo que nos anos anteriores e nos que se seguiram à edição 
do Código Penal. Hoje, o homem moderno vem compreendendo que não é proprietário 
4 – Direito Penal – Ney Moura Teles 
 
de sua mulher e esta, à medida que deixa o lar e a cozinha, disputando o mercado de 
trabalho com o homem, já não tem aquele comportamento do passado. O adultério 
deixou, há muito, de ser, na prática forense, assunto do Código Penal. Mas só a 
revogação expressa do art. 240 do Código Penal, pela Lei nº 11.106, de 28.03.2005, 
baniu o adultério do ordenamento jurídico-penal brasileiro. Um importante avanço 
que, há muito, vínhamos reclamando. 
O costume jurídico terá importância para o Direito Penal como elemento 
auxiliar na interpretação das normas penais, como se verá, oportunamente. 
 
4.1.3.2 Princípios gerais de direito 
Nem tudo o que é Direito está escrito na Constituição Federal e nas leis vigentes 
no país. Em outras e mais límpidas palavras, de CARLOS MAXIMILIANO: “não é 
constitucional apenas o que está escrito no estatuto básico, e, sim, o que se deduz do 
sistema por ele estabelecido”2. 
O Direito é um sistema harmônico de normas, do qual se deduzem alguns 
preceitos fundamentais que não precisam estar escritos para terem validade. São as 
bases, os fundamentos, os pilares que decorrem de todo o ordenamento jurídico, que 
têm valor e aplicação geral. 
O Direito Penal não está interessado na punição daquele que realizar uma lesão 
insignificante de um interesse jurídico, porque, como já se disse, sua finalidade é a 
proteção dos bens mais importantes das lesões mais graves. Se ela é insignificante,não 
interessa ao Direito Penal. Esta conclusão advém do Princípio da Insignificância, que 
será estudado mais adiante, juntamente com outros princípios gerais de direito. 
Desnecessário dizer que os princípios gerais de direito não definem crimes, nem 
estabelecem penas, mas aplicam-se exatamente para deixar de considerar delitos certos 
fatos que como tal são definidos. 
 
4.2 A LEI PENAL E A NORMA PENAL 
Lei é um documento elaborado e emanado do Congresso Nacional, sancionado 
pelo Presidente da República, publicado no Diário Oficial da União, que contém 
normas jurídicas, regras obrigatórias a que todos estão obrigados a obedecer, posto que 
 
2 Comentários à Constituição brasileira de 1946. 5. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1948. v. 3, p. 175. 
 
 
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impostas coativamente pelo Estado. 
A lei é o único instrumento utilizado pelo Estado para dar conhecimento do que 
é o Direito Penal. É nela, somente nela, que estão contidas as normas que definem 
crimes e cominam penas. 
São leis penais o Código Penal, a Lei das Contravenções Penais, o Código Penal 
Militar, a Lei de Segurança Nacional, a Lei de Entorpecentes, encontrando-se normas 
penais também nas Leis de Falência, de Imprensa, de Alimentos, no Estatuto da 
Criança e do Adolescente, no Código de Defesa do Consumidor, e em número muito 
grande de outras leis elaboradas pelo Poder Legislativo. 
Nas leis estão contidas as normas. Esta afirmação conduz à necessidade de se 
mostrar a diferença entre lei e norma. 
A norma é a regra de conduta, imposta coativamente pelo Estado. É o comando. É 
a ordem. A norma está contida na lei. Esta é o instrumento de manifestação da norma. 
É o meio pelo qual a norma é comunicada aos indivíduos. 
A norma penal por excelência é aquela que define o crime e comina a pena. 
 
4.2.1 Classificação das normas penais 
O Direito Penal é um sistema harmônico de normas jurídicas. Um grupo dessas 
normas é composto de regras que definem os comportamentos que são considerados 
crimes e estabelecem as penas correspondentes. Não bastam, porém, essas normas. 
É necessário, também, que o direito se preocupe com algumas situações 
excepcionais, em que certos comportamentos definidos como crimes não podem ser 
assim considerados, em razão de peculiaridades que os tornam justificados. 
Por exemplo, se “matar alguém” é crime, em certas circunstâncias pode não o ser. 
Basta que a pessoa que tira a vida da outra estivesse sendo, no exato momento 
antecedente a sua atitude, agredida pela outra, de modo injusto, e tivesse reagido como 
única forma de preservar sua própria vida. Não seria justo que o direito não permitisse 
ao agredido defender-se por seus próprios meios. 
Com base nessas observações e na necessidade de o Direito Penal construir outras 
espécies de regras, podem-se classificar as normas penais em dois grandes grupos: o 
das normas penais que definem crimes e estabelecem penas e o das normas penais que 
não definem crimes, nem cominam penas, respectivamente chamadas de normas 
penais incriminadoras e normas penais não incriminadoras. 
6 – Direito Penal – Ney Moura Teles 
 
 
4.2.1.1 Normas penais incriminadoras 
São aquelas que definem o crime e cominam a pena. Exemplos: 
1. a norma contida no art. 121, caput, do Código Penal: “Matar alguém: Pena – 
reclusão, de 6 a 20 anos.” 
2. a norma contida no art. 213, do Código Penal: “Constranger mulher à conjunção 
carnal, mediante violência ou grave ameaça: Pena – reclusão, de 6 a 10 anos.” 
 
4.2.1.2 Normas penais não incriminadoras 
O Direito Penal não se limita a definir o comportamento criminoso e a estabelecer 
a pena correspondente. Em algumas situações de fato, o Direito permite ao indivíduo 
realizar um comportamento por ele mesmo definido como crime, desde que se 
observem algumas condições. 
Noutras oportunidades, o Direito, mesmo não permitindo a realização do fato 
considerado crime, entende que não deve ser aplicada a pena criminal. Exemplo: os 
menores de 18 anos são considerados, pelo Direito Penal, incapazes de cometer crimes. 
Para eles, a conseqüência jurídica que o direito reserva é diferente, não a pena, mas 
uma medida que visa a sua socialização e educação. 
Aquelas e estas situações são reguladas por normas penais não incriminadoras, 
que são chamadas pela doutrina de normas penais permissivas. São duas as espécies 
de normas penais permissivas. 
 
4.2.1.2.1 Normas penais permissivas justificantes 
São as que tornam lícitas, permitidas, justificadas, condutas definidas como 
crime. Fatos definidos como crime por normas penais incriminadoras são considerados 
lícitos, justos, deixando, de conseqüência, de ser crime. 
Exemplo dessas normas é a contida no art. 23 do Código Penal: 
“Não há crime quando o agente pratica o fato: I – em estado de necessidade; II 
– em legítima defesa; III – em estrito cumprimento de dever legal ou no 
exercício regular de direito.” 
Isto significa que, se alguém matar outrem “em legítima defesa”, não terá 
havido crime ou, em outras palavras, “matar em legítima defesa não é crime”, porque é 
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permitido pelo Direito Penal. 
Outros exemplos se encontram no art. 128, I e II, do Código Penal. Estas são, 
portanto, normas penais permissivas justificantes, pois tornam lícitas condutas 
definidas como crime. 
 
4.2.1.2.2 Normas penais permissivas exculpantes 
A outra espécie é daquelas normas que isentam de pena condutas definidas 
como crime não justificadas. Em algumas situações, fatos definidos como crime, não 
tornados lícitos por nenhuma norma penal permissiva justificante, devem ser, contudo, 
desculpados. Mesmo proibidos, mesmo não justificados, a eles não deve corresponder 
uma pena criminal. 
Por exemplo, o fato praticado por pessoa doente mental e totalmente incapaz de 
compreender seu comportamento. Ou o fato praticado por pessoa capaz que, nas 
circunstâncias em que agiu, não tinha nenhuma possibilidade de compreender o real 
significado de seu comportamento. 
Essas situações serão objeto de estudo, quando for abordada a teoria geral do 
crime. 
Exemplo dessas normas é a que está contida no art. 26 do Código Penal: 
“É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental 
incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente 
incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com 
esse entendimento.” 
Outros exemplos se encontram nos arts. 27, 28, § 1º, e 21, do Código Penal. Essas 
são as chamadas normas penais permissivas exculpantes. 
A expressão permissiva, contida na denominação adotada por grande parte da 
Doutrina, não é precisa porquanto sugere a idéia de que o fato, na hipótese, é 
permitido pelo direito, o que somente ocorre quando se estiver diante de norma 
justificante. Esta permite, mas a norma exculpante não permite o fato, apenas o 
desculpa. 
 
4.2.1.2.3 Normas penais explicativas 
Além das normas permissivas, há outra espécie de normas penais, aquelas que 
tornam claras questões penais ou que explicam o conteúdo de outras normas. Quando 
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se analisa a norma do art. 23, vê-se que nela está dito que não há crime quando o 
agente pratica o fato em legítima defesa (inciso II). 
Mas a norma do art. 23 não esclarece, não explica, o que é a legítima defesa. 
Esta é uma questão penal que precisa ser explicada pelo direito. 
Por essa razão, no art. 25 está esclarecido o conceito de legítima defesa, com 
seus requisitos, assim: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente 
dos meios necessários, repele injustaagressão, atual ou iminente, a direito seu ou de 
outrem.” 
Tal norma não é incriminadora nem permissiva, mas simplesmente explicativa 
do conteúdo de outra norma. As demais normas do Código Penal, que não se 
enquadrarem nas classificações anteriores, serão explicativas, por conterem o 
aclaramento de questões penais ou a explicação de institutos penais ou, ainda, o 
conteúdo de outras normas. 
 
4.2.2 Características das normas penais incriminadoras 
Entre as características da norma penal incriminadora, que é a norma penal em 
sentido estrito, vale ressaltar as seguintes. 
A norma penal é exclusiva, porque só ela define o crime e comina a pena. Além 
disso, é imperativa, porquanto faz incorrer na sanção aquele que não cumprir seu 
mandamento. 
Tem, ademais, a característica da generalidade, pois se dirige a todos os 
indivíduos, valendo erga omnes. A norma penal incriminadora dirige-se inclusive aos 
homens absolutamente incapazes de responder por seus atos, que, mesmo assim, estão 
obrigados a obedecê-la. É, ademais, abstrata e impessoal, pois não se dirige a um 
indivíduo. 
 
4.2.3 Preceito e sanção 
Para obedecer ao princípio da reserva legal, a norma penal incriminadora é 
elaborada de modo diferente das demais normas do direito, com uma técnica toda 
própria. É constituída por duas partes, bem delimitadas na aparência, em sua forma: o 
preceito e a sanção. 
O preceito, também chamado preceito primário ou preceptum iuris, está 
contido na primeira parte da norma, que é a descrição da conduta proibida, do 
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comportamento que o direito deseja que não ocorra. 
No art. 121 do Código Penal, o preceito está contido em: “matar alguém”. Esse 
comportamento é proibido. A lei, como se observa, criou o crime de homicídio, e, nela, 
implicitamente, está a norma, o comando, a ordem, o preceito, ordenando: “não 
matar”. 
A segunda parte da norma é a sanção, também chamada preceito secundário ou 
sanctio juris. É a conseqüência jurídica da violação do preceito primário, do 
descumprimento do mandamento. 
A técnica legislativa da norma penal é diferente das demais normas jurídicas, 
ficando bem delimitada a conduta que é proibida, o fato que é considerado crime. 
A razão é a construção de uma norma clara, exata e precisa, de modo a não 
pairarem dúvidas, em atenção ao princípio da legalidade. 
 
4.2.4 Norma penal incriminadora em branco 
Já foi visto que a norma penal incriminadora deve ser clara, exata e precisa, de 
modo que todos os indivíduos possam saber exatamente qual é o comportamento 
proibido, qual a conduta que não deve ser realizada, enfim, qual é o fato que a lei 
considera crime. 
Veja-se agora o caso das substâncias entorpecentes que causam dependência física ou 
psíquica, as famosas drogas. Maconha, cocaína, heroína, LSD, crack são algumas das 
conhecidas substâncias que a sociedade considera perniciosas, e cuja comercialização, 
fora das normas regulamentares, constitui crime. 
A sociedade considera importante proibir a disseminação dessas drogas, e a 
saída encontrada foi a de construir algumas figuras de crime, visando a proteger a 
saúde pública, com vista em impedir que as pessoas consumissem com facilidade essas 
substâncias. 
Para obedecer ao princípio da legalidade, caberia ao legislador elaborar leis 
proibindo a venda, a entrega, o transporte, enfim, toda e qualquer conduta relativa a 
distribuição de todas as substâncias entorpecentes. Ora, elas são centenas e centenas, e 
a cada dia novas delas são descobertas, na natureza, ou sintetizadas, nos laboratórios. 
Isto significa que, se o legislador tivesse listado todas as substâncias, e uma 
nova viesse a ser descoberta, ou sintetizada, seria necessária a elaboração de uma nova 
lei, acrescentando à lei anterior o nome da nova substância que devesse ser proibida. 
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Isto demandaria tempo, pois o processo de elaboração de uma lei é demorado. 
Enquanto não fosse elaborada, sancionada, publicada e entrasse em vigor a nova lei, a 
dita substância poderia ser livremente comercializada ou distribuída. Nesse tempo, da 
descoberta da substância e da entrada em vigor da nova lei, o bem jurídico, a saúde 
pública, ficaria, com relação a ela, absolutamente desprotegido. 
Para resolver problemas como esse e outros, existe uma espécie de norma penal 
incriminadora sui generis, a chamada norma penal em branco, cega ou aberta. 
Essa norma penal traz a sanção completa, perfeita, pronta e acabada, mas traz 
seu preceito primário incompleto, com seu conteúdo indeterminado, o qual se completa 
por outra norma jurídica. 
Tome-se o exemplo da Lei de Entorpecentes, nº 11.343 /2006. Diz o seu art. 33: 
“Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à 
venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, 
ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem 
autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Pena – 
reclusão, de 5 a 15 anos, e pagamento de 500 a 1500 dias-multa.” 
Observa-se que a sanção está completa; todavia, o preceito está indeterminado 
ou incompleto, pois não está claro, preciso, exato, o significado de “drogas”. 
Sabe-se que os cigarros comuns, legalmente vendidos no país, e sobre cuja 
venda o Estado arrecada grande volume de tributos, são drogas, substâncias que 
causam dependência psíquica; todavia, como é óbvio, sua comercialização não é 
proibida. 
Torna-se necessário saber, então, quais são as substâncias que se enquadram no 
preceito. Como se afirmou, a norma penal em branco tem preceito que se completa por 
outra norma jurídica. 
Na mesma Lei n° 11.343 /2006, no parágrafo único do art. 1° está estabelecido: 
“Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos 
capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em 
listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União..” 
A norma do parágrafo único do art. 1° esclarece que o preceito do art. 33 será 
completado por outra lei, ou por uma norma jurídica elaborada pelo órgão público, que 
é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA. A norma em branco do art. 33 
da Lei nº 11.343/2006 será completada por outra lei ou por uma resolução expedida 
pela ANVISA. 
A Lei Penal - 11 
 
Todas as substâncias proibidas pela Lei nº 11.343/2006 são relacionadas em ato 
administrativo do órgão competente. O problema apontado no início fica superado. Se 
uma nova substância vier a ser descoberta, sintetizada, importada, não será necessária 
a elaboração de uma nova lei, bastando uma simples resolução ou portaria do órgão 
competente, que pode ser expedida imediatamente e, desde que publicada no Diário 
Oficial da União, a substância nela relacionada será proibida, tornando-se, a partir de 
então, crime sua comercialização, nos termos do art. 33 da Lei n° 11.343/2006. 
 A norma penal em branco é construída não apenas para resolver situações como 
estas, mas, em outros casos também, por exemplo, quando o Direito Penal visa a 
proteger o cumprimento de certas decisões administrativas que possam ser necessárias 
no futuro. Em casos de calamidade pública ou de grave epidemia, ou outras situações 
emergenciais, o Poder Executivo necessita adotar certas medidas e vê-las respeitadas 
pelos cidadãos. Desse modo, pode-se entender necessário colocar o cumprimento de 
tais ordens sob a proteção do Direito Penal. 
Para isso, recorre-se à construção de normas penais em branco como as do art. 
268 do Código Penal: 
“Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou 
propagação de doença contagiosa:Pena – detenção, de 1(um) mês a 1(um) ano, 
e multa.” 
Esta norma tem seu preceito impreciso, que pode ser completado a qualquer 
momento, com a edição de um ato administrativo, emanado do Poder Executivo, 
Federal, Estadual ou, mesmo, Municipal. Como se vê, a norma em branco está em 
pleno vigor, aguardando seu complemento, que a torna viva e perfeita, pronta para 
surtir efeito no mundo. 
 
4.2.4.1 Norma penal em branco em sentido estrito 
Chama-se norma penal em branco em sentido estrito aquela cujo complemento 
emana de outra instância legislativa, por exemplo um decreto, uma portaria, uma 
resolução. Exemplos: art. 33 da Lei n° 11.343/2006, completado por Resolução da 
ANVISA; art. 269 do Código Penal, completada por Portaria do Ministério da Saúde; 
art. 2º, VI, da Lei nº 1.521, completada por Portaria da Sunab. 
 
4.2.4.2 Norma penal em branco em sentido amplo 
Quando o complemento provier de outra lei, chama-se norma penal em branco 
12 – Direito Penal – Ney Moura Teles 
 
em sentido amplo, como ocorre com a norma do art. 237 do Código Penal: “Contrair 
casamento, conhecendo a existência de impedimento que lhe cause a nulidade 
absoluta: Pena – detenção, de três meses a um ano.” 
Os impedimentos de que trata esta norma são listados no art. 1.521 do novo 
Código Civil. 
Neste caso, se houver qualquer mudança na lei civil, acrescentando ou 
suprimindo um impedimento que torna o casamento absolutamente nulo, não será 
necessária qualquer modificação da norma penal incriminadora.

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