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1 AULA 4 - CONTRIBUIÇÃO DOS CLÁSSICOS - DURKHEIM O francês Émile Durkheim (1858-1917) é considerado um dos fundadores da Sociologia como ciência. Filósofo de formação, introduziu o primeiro curso dessa disciplina na França, ajudando a consolidá-la nos meios acadêmicos, criando a chamada “Escola Francesa” de Sociologia. Além disso, sua influência mundial também foi muito grande, sobretudo no restante da Europa, Estados Unidos e América Latina, inclusive o Brasil. Preocupado com os problemas sociais que afligiam as sociedades industriais de sua época, esforçou-se por dotar a Sociologia de um método científico de análise. Para isso, inspirou-se nos métodos de outras ciências mais consolidadas de sua época, inclusive as ciências naturais, destacando a importância da definição clara dos objetos de pesquisa, das técnicas de coleta de informações e rigoroso tratamento dos dados (inclusive no âmbito estatístico) e a necessidade de uma postura “neutra” do cientista em relação aos fenômenos estudados (isto é, sem confundir seus desejos pessoais com a realidade observada). Como nas ciências naturais, o sociólogo deveria descobrir as leis de funcionamento da sociedade, empregando os métodos causal e comparativo e discernindo claramente o “normal” (equivalente ao funcionamento de uma sociedade costumeiro para a maior de sua população) do “patológico” (aquele que se desvia da média do comportamento da população e que, portanto, deve ser considerado manifestação de “doença social”). Entre suas principais obras destacam-se “A Divisão do Trabalho Social”, “As Regras do Método Sociológico”, “O Suicídio” e “As Formas Elementares do Parentesco”. Objeto da Sociologia: os fatos sociais Durkheim dizia que a existência da Sociologia se justificava por ter um objeto próprio, isto é, um campo de estudo da realidade social que não era ocupado exatamente por outras ciências sociais. Ele chamou de “fatos sociais” os objetos próprios de estudo da Sociologia. Por “fatos sociais” Durkheim entendia idéias, representações mentais partilhadas por toda uma sociedade ou comunidade. Estas idéias são formas de pensar, de sentir, de fazer coisas que são comuns a todos os membros da comunidade. Ele dizia que todos nós temos “duas consciências” em nossa mente: uma individual, que expressa nosso modo de pensar, nossa visão de mundo, nossos desejos, nossa moral; e uma “consciência social”, que exprime os modos de pensar, de agir, de sentir, a visão de mundo, os desejos e a moral social, isto é, que está igualmente presente na cabeça de cada membro da sociedade. Diferentemente das idéias presentes na nossa consciência individual, que dependem de nossa vontade, a consciência coletiva, onde estão contidos os fatos sociais, são impostos pela sociedade aos seus membros, ainda que seja contra a vontade desses membros. Assim, por exemplo, quer gostemos ou não, a sociedade exige que todos nos comportemos de determinada maneira, respeitando certos costumes e leis, dizendo o que devemos entender por certo e errado, justo e injusto, honroso e vergonhoso, bonito e feio etc. 2 Esses fatos são sociais não apenas porque estão presentes na consciência dos membros da sociedade, mas também porque não dependem da vontade desses membros para existir. Os valores morais e normas de comportamento já existiam quando nós nascemos, e vão continuar a existir quando morrermos. Sua existência não depende de nós. Anomia: crise das sociedades modernas Durkheim via a sociedade de sua época marcada, por um lado, pela crescente expansão do conhecimento científico, que prometia libertar a humanidade da ignorância, e aumento da industrialização e da riqueza, que permitia dotar as sociedades com invenções e novos produtos que supriam as necessidades básicas das crescentes populações das grandes cidades. Assim, durante a maior parte de sua vida, ele foi um otimista com a civilização Ocidental, embora este otimismo tenha sido fortemente comprometido com a eclosão da I Guerra Mundial, em 1914. Mas mesmo antes disso ele não deixava de enxergar problemas sociais graves e que, acreditava, só poderiam ser solucionados quando os governantes lançassem mão dos conhecimentos científicos obtidos pelos sociólogos em suas pesquisas. Em sua avaliação, o problema das sociedades modernas era essencialmente moral, ou mais precisamente, de adequação entre a consciência coletiva da época (as formas costumeiras de pensar, sentir e agir) e a realidade social que estava mudando muito rapidamente. A excessiva rapidez das mudanças nas sociedades modernas não tinha correspondente nas normas e valores sociais partilhados pelas pessoas, que se ajustariam muito lentamente em relação às transformações da vida social. As pessoas vivem normalmente com uma determinada consciência social que deve servir de guia para sua ação nas sociedades em que vivem. Para isso, essa consciência deve ser adequada à vida na sociedade de seu tempo. E quando as formas como as pessoas vivem, as relações sociais se mudam, a consciência coletiva deve mudar na mesma direção e proporção, para que não se rompa o equilíbrio entre a realidade e o pensamento. Mas o que acontece nas modernas sociedades industriais é que as transformações sociais são tão rápidas, freqüentes e intensas que a moral social não consegue acompanhar. Como resultado, cria-se uma inadequação entre uma forma de pensar, agir e sentir própria da época anterior e a forma atual na qual a pessoa tem que viver. Em situações como essa, ocorre o que Durkheim chamou de “anomia”, justamente esta inexistência de uma moral (regras de comportamento e valores sociais) adequada à época moderna. Em algumas pessoas, a anomia chegava a tirar o sentido da vida. Ele estudou detidamente este fenômeno em sua obra “O Suicídio”, destacando que sua época era marcada pelo “suicídio anômico”, quando a pessoa fica tão sem referências no mundo em que vive que pode até acabar se matando. A divisão do trabalho social: solidariedade mecânica e orgânica Em sua primeira grande, “A Divisão do Trabalho Social”, Durkheim analisou exaustivamente a forma de solidariedade vigente nas sociedades modernas, contrastando-a com formas passadas. 3 Por solidariedade, Durkheim entende os vínculos que mantêm as pessoas unidas numa sociedade ou comunidade qualquer. É fato que as pessoas não vivem isoladas, mas agrupadas e, mais ainda, as sociedades não são formadas por um “amontoado” de pessoas que, embora próximas, vivam isoladamente suas vidas. Durkheim mostra que, em graus variados e em todas as épocas da história da humanidade, as pessoas dependem umas das outras para viver. É por isso que ele chama de “solidariedade” esses vínculos invisíveis que ligam as pessoas nas sociedades e comunidades. Ele distinguiu as formas de solidariedade em sociedades “primitivas”, chamando-a de “solidariedade mecânica”, daquela prevalecente nas sociedades modernas, a que chamou de “solidariedade orgânica”. O que historicamente trará diferenças entre as formas antiga e moderna de solidariedade será o aprofundamento da “divisão do trabalho” em cada sociedade, isto é, o grau em que as atividades profissionais são ou não desempenhadas por agentes especializados. Assim, segundo Durkheim, nas sociedades antigas, a solidariedade é de natureza “mecânica” porque a especialização profissional (divisão do trabalho) seria pequena, enquanto nas modernas sociedades industriais, seria muito desenvolvida. Ele chama mecânica à solidariedade dominante nas sociedades não desenvolvidas, arcaicas, por analogia com a ligação que existe entre as moléculas da matéria inorgânica (as moléculas são todas iguais, estão ligadas apenas mecanicamente). A solidariedade nessas sociedades é determinada pela semelhança dos indivíduos que a constituem,pela identidade das funções sociais que os indivíduos cumprem; pelo não desenvolvimento dos traços individuais. A solidariedade mecânica só é possível à custa da absorção da individualidade pelo coletivo. Durkheim estabelece uma correlação entre a força das ligações sociais, próprias de um ou de outro tipo de solidariedade, por um lado, e a grandeza relativa (volume) da consciência coletiva, a sua intensidade, a sua maior ou menor definição, por outro lado. A solidariedade será mais forte se o volume da consciência coletiva coincidir com o volume das consciências individuais, se a consciência coletiva for expressa de forma mais intensa e clara. Então, já não há lugar para desvios individuais, a consciência coletiva regulamentada completamente toda a vida do indivíduo, a consciência coletiva é absoluta. Pelo seu conteúdo, a consciência coletiva nas sociedades primitivas, onde vigora a solidariedade mecânica, é totalmente religiosa. Para ele, quando um grupo de pessoas tem uma crença forte, ela adquire inevitavelmente um caráter religioso. O principal traço das crenças e sentimentos religiosos consiste em que eles “são comuns a certo número de indivíduos que vivem juntos, e que, além disso, têm uma intensidade média muito elevada”. Já a solidariedade orgânica surge em sociedades com elevado grau de especialização profissional. Uma sociedade desenvolvida, onde cada indivíduo cumpre uma função especial em conformidade com a Divisão do Trabalho social, faz lembrar um organismo com os diferentes órgãos, por isso Durkheim chama solidariedade orgânica ao novo tipo de solidariedade que surge nela. A Divisão do Trabalho é um indício de que a sociedade é altamente desenvolvida. Devido à especialização crescente do trabalho, os indivíduos foram obrigados a trocar entre si a sua atividade, a cumprir funções que se complementam mutuamente, constituindo involuntariamente um todo único. A Divisão do Trabalho condiciona as diferenças entre os indivíduos que se desenvolvem em conformidade com o seu papel profissional, as capacidades e talentos individuais e pessoais. Cada indivíduo é agora uma personalidade. A consciência de que cada um depende do outro, de que todos estão ligados por um sistema único de relações sociais, criados pela 4 Divisão do Trabalho, provoca o sentimento de dependência de um em relação ao outro, de solidariedade, da sua ligação com a sociedade: “visto que a Divisão do Trabalho se torna fonte eminente da solidariedade social, ela se torna, ao mesmo tempo, base da ordem moral”. A Divisão do Trabalho é precisamente o mecanismo que, na sociedade moderna, tendo perdido em considerável medida a força aglutinadora da consciência religiosa comum, coletiva, cria a ligação social desejada, a solidariedade de classe que compensa todas as insuficiências ligadas à especialização estreita. Na solidariedade orgânica, a consciência coletiva toma novas formas e muda seu conteúdo. Este diminui de volume, tornado-se uma parte ínfima das sociedades desenvolvidas. A sua intensidade e grau de definição também diminuem. O papel da consciência coletiva diminui à medida que o trabalho se divide. Quando ao conteúdo, a consciência coletiva transforma-se cada vez mais em consciência laica (não religiosa), racionalista, voltada para o indivíduo. De fato, o desenvolvimento da Divisão do Trabalho, onde se manifesta um número cada vez maior das mais variadas funções, é o fator principal e direto que enfraquece a consciência coletiva única que dominava as sociedades antigas. Visto que as pessoas começam a cumprir na sociedade funções especiais particulares, ocorre o enfraquecimento da consciência social que se diferencia funcionalmente a fim de corresponder à crescente Divisão do Trabalho e a uma organização social mais complexa. A causa da divisão do trabalho residia no aumento da população que condiciona a intensidade da vida social. Segundo ele, o crescimento da “densidade física”, assim como do “volume” das sociedades, está estreitamente ligado ao aumento da “densidade moral ou dinâmica”, isto é, do nível de integração social que conduz, no fim de contas, à Divisão do Trabalho. Mas de que modo? O aumento da população provoca o crescimento da luta pela sobrevivência e, nestas condições, a Divisão do Trabalho é o único meio de conservação e manutenção de uma dada sociedade, de criação da solidariedade social de novo tipo, da concessão à sociedade da possibilidade de se desenvolver no sentido progressivo. Formas normais e anormais da divisão do trabalho Ao se dedicar ao problema das crises moral e econômica da sociedade, no fim de seu livro “Da Divisão do Trabalho”, Durkheim os viu como resultado da regularização insuficiente das relações entre as classes principais, como elemento nocivo na vida da sociedade que, em geral, era analisada como solidária, que conservava a unidade e a integridade próprias das épocas anteriores. Como já dissemos, para Durkheim, as formas “anormais” da divisão do trabalho são provocadas pelos ritmos demasiadamente rápidos de desenvolvimento social. Suas características são o crescimento das contradições entre o trabalho e o capital, a anarquia da produção. Daí decorre “doenças” como anomia, desigualdade social e organização inadequada da divisão do trabalho. À medida que a economia de mercado aumenta, a produção deixa de ser regulada e controlada. O desenvolvimento da grande indústria provoca a mudança das relações entre patrões e operários. Por um lado, aumentam as necessidades dos últimos: por outro lado, as máquinas substituem cada vez mais as pessoas. “O operário é arregimentado, separado da sua família. [...] Mas essas transformações se realizam com extrema rapidez, os interesses em conflito ainda não tiveram tempo de se equilibrar”, dizia ele. O crescimento da grande indústria destrói a unidade da pequena empresa, 5 criando duas grandes classes: o capital e o trabalho que se encontram em relações antagônicas. Para Durkheim, o estado normal da sociedade deve caracterizar-se por uma planificação econômica desenvolvida e pela regulamentação normativa das relações econômicas, levado a cabo pelas corporações de produção. As “doenças sociais” descritas por ele, a saber, a concorrência não regulada e desenfreada, o conflito entre as classes, a rotinização do trabalho e a degradação da força de trabalho, forma por ele caracterizadas como doenças do crescimento excessivamente rápido da produção e da divisão do trabalho, como produtos temporários da evolução natural. Ele considerava que a desigualdade, que provoca um desvio da solidariedade orgânica, é também uma forma anormal de divisão do trabalho. Toda “desigualdade externa” (originada, por exemplo, da herança de propriedade) ameaça a solidariedade orgânica, por isso, essa última só é possível se for eliminada a desigualdade e conseguida a justiça com base na “distribuição de talentos naturais”. Ele afirmava que a igualdade de oportunidades é impedida pelo sistema de classes que retira às amplas massas a possibilidade de ocupar uma situação social em conformidade com as suas capacidades. Isto conduz à troca injusta de serviços: se, para viver, uma classe da sociedade é obrigada a fazer aceitar a todo o preço os seus serviços, enquanto que a outra pode passar sem eles, graças aos recursos de que dispõe e que, portanto, não são necessariamente devidos a qualquer superioridade social (ou de capacidade), a segunda faz injustamente a lei para a primeira. Ele via a superação das “formas anormais” de divisão do trabalho no caminho da solução pacífica dos conflitos, da diminuição da luta e da concorrência até limites aceitáveis, do estabelecimento de u m código de leis que regulamentassem rigorosamente as relações entre as classes, da implantação da justiça e da igualdade das “condiçõesexternas”, isto é, da igualdade de possibilidades sociais e da recompensa a todos segundo os seus méritos. Ele não imaginava uma sociedade completamente desprovida de propriedade privada e de desigualdade. Considerava que elas continuariam a existir, embora mudasse a relação entre elas. O acesso aos bens materiais seria regulado pelas capacidades naturais dos indivíduos, seu talento. O ponto de vista de Durkheim consistia na afirmação de que a sociedade não pode desenvolver-se e florescer se a personalidade humana for oprimida, se o homem que cumpre uma função profissional estreita for reduzido ao nível da máquina. Ele desmascarou o mal moral que advém da especialização e da diferenciação da produção. Quando o operário, todos os dias, “repete os mesmos movimentos com uma regularidade monótona, mas sem se interessar por eles nem os compreender”, ele transforma-se numa roda inerte que é posta em movimento por uma força externa. Segundo ele, a transformação do homem em apêndice da máquina não poder ser abrandada ou atenuada pela concessão da instrução geral ao operário, pelo desenvolvimento nele do interesse para com a arte, a literatura, porque o contato com a cultura torna ainda mais inaceitável as fronteiras estreitas da especialização. Para Durkheim, a divisão do trabalho não implica por si só conseqüências negativas. Elas surgem apenas em condições excepcionais e anormais. Por isso, é preciso conseguir que a divisão do trabalho “seja ela mesma, que nada vindo de fora a desnature”. Isto é possível se os operários tiverem consciência do objetivo, da solidariedade com os outros, da necessidade social do seu trabalho, e, se essa tomada de consciência der ao trabalho um conteúdo especial, torna-o não só suportável, mas também desejado. Uma condição importante da atividade solidária, coordenada dos 6 trabalhadores é a consonância entre as tarefas por eles realizadas e as suas capacidades e inclinações. Na resolução do problema da relação do indivíduo com a sociedade, Durkheim distinguiu-se pelo fato de não idealizar o passado, de ver as fontes e as possibilidades do desenvolvimento da individualidade no desenvolvimento progressivo da divisão do trabalho. Se, nas etapas iniciais da organização, a liberdade do indivíduo é “apenas transparente e a sua personalidade é limitada”, no seu degrau superior, a personalidade tem a possibilidade, desenvolvendo-se as suas capacidades, de ser harmoniosa e completa.
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