Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
AULA 5 – A CONTRIBUIÇÃO DOS CLÁSSICOS – MAX WEBER Boa noite, turma Hoje concluímos a introdução à teoria sociológica, apresentando o pensamento de Max Weber, que, além de ter importantes contribuições à Sociologia Geral, também é muito estudo em Sociologia das Organizações, sobretudo por suas idéias sobre a burocracia. O alemão Max Weber (1864-1920) também é considerado um dos fundadores da Sociologia como ciência. Como vários alemães de seu tempo, tinha formação universitária eclética: Direito, Economia, História. Suas idéias sobre as origens, características e evolução do capitalismo nas sociedades avançadas ajudaram a moldar o pensamento científico no século XX. Ainda hoje são influentes suas análises sobre os processos de racionalização da vida, burocratização, sociologia política, do direito e das religiões. Entre suas principais obras, algumas publicadas postumamente, estão: A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Ensaios Reunidos de Sociologia da Religião, Economia e Sociedade, Ciência e Política como Vocação e História Econômica Geral. A Sociologia Compreensiva O método de abordagem de Weber diferia sensivelmente do de Durkheim. Vimos que o sociólogo francês partia da existência de realidades coletivas – sociedade, grupo, comunidade, Estado, nação, família etc –, nas quais os indivíduos seriam meros componentes. Weber rejeitava considerar entidades coletivas como unidde de análise da realidade social. Para ele, os estudos sociais tinham que partir dos indivíduos e suas ações. As entidades coletivas seriam meros resultados das ações conjuntas de aglomerados de indivíduos. No que passou a ser conhecido como “Sociologia Compreensiva”, Weber dizia que o sociólogo tinha que procurar “compreender” o sentido da ação dos indivíduos. Compreender significa descobrir os elementos que levaram alguém a adotar determinada atitude, isto é, os motivos da ação. Esses motivos podem ser diversos (satisfação pessoal, realização de algum desejo, alguma conquista profissional ou de uma pessoa amada, a defesa da pátria, a mera sobrevivência etc). Mas seja qual for a ação que algum indivíduo adote, sempre há um motivo e esse motivo estabelece uma cadeia de sentido, o que significa que, tendo um objetivo, cada indivíduo organiza sua ação para atingir esse objetivo. Por exemplo, se quero conquistar um emprego, posso agir me dirigindo a uma empresa, ou estudar para me qualificar, ou pedir ajuda de outra pessoa. Todas essas ações foram motivadas pelo meu desejo de atingir um fim determinado (no caso, conquistar um emprego). Assim, todo indivíduo tem objetivos a serem atingidos e organiza a sua ação com esse propósito. Ele vai organizar sua ação levando em conta não só esses objetivos, mas também os meios que ele pode usar para atingir esse objetivo (por exemplo, se meu objetivo é me deslocar de um lugar para outro, os meios podem ser um automóvel, um ônibus, minhas próprias pernas) e também a situação em que ele se encontra (por exemplo, como não tenho carro próprio e o lugar a atingir é distante, devo procurar tomar o ônibus ou o metrô, mas se a situação envolver, por exemplo, uma greve no transporte público, o jeito será tomar um táxi ou arrumar uma carona. Então, indivíduos têm objetivos (ou fins) e agem levando em conta sua situação e os meios disponíveis (no caso, a forma como uso para chegar a algum lugar). Para atingir esses objetivos, e tendo em conta a situação no momento da ação, os indivíduos vão organizar sua ação de maneira racional ou não-racional. Organizar a ação de maneira racional é adotar os meios mais eficientes e mais baratos para atingir os objetivos que o indivíduo tem em vista. Assim, por exemplo, se não tenho carro e quero chegar logo a um local, o mais adequado seria tomar um táxi. Porém, se eu priorizar o custo do transporte, talvez prefira ir de ônibus ou metrô, que são mais baratos que o táxi. Essas são decisões racionais. Uma decisão não-racional na escolha dos meios da ação é não levar em conta, na escolha dos meios, aqueles mais adequados ou os mais baratos. As ações com base não- racionais, ou irracionais, podem se basear no costume e nos sentimentos. Assim, por exemplo, vou ao supermercado comprar determinado produto, em vez de escolher o produto que mais me satisfaz ou o mais barato, escolho simplesmente uma marca com a qual estou mais acostumado, que sempre comprei (ainda que não seja a melhor ou a mais barata), ou então porque simpatizei com a atendente que fazia a promoção de uma marca junto à gôndola do supermercado. Pois bem, para Weber, a tarefa do sociólogo seria compreender o sentido da ação das pessoas, isto é, descobrir quais os propósitos que as pessoas se atribuem, por que as pessoas agem do jeito que agem, racional ou irracionalmente. E, nesse enfoque, uma ação coletiva seria simplesmente o resultado de uma pluralidade de pessoas que agem tendo um mesmo objetivo. Assim, por exemplo, uma sociedade seria composta por pessoas que tem um mesmo sentido de ação no que se refere ao território em que vivem, em relação à língua, aos costumes. Uma família seria formada por um conjunto de pessoas que agem em comum porque partilham os mesmos propósitos afetivos, de vida compartilhada. Os tipos de ação social Weber destacou quatro tipos de ação: · (1º) instrumental racional: através da perspectiva de um determinado comportamento dos objetos do mundo externo e de outras pessoas e com a utilização dessa expectativa como “condições” ou como “meios” para objetivos racionalmente orientados e regulados (o êxito é o critério da racionalidade); · (2º) valor racional: através da crença consciente no valor ético, estético, religioso ou num valor incondicionalmente próprio (comportamento tomado independentemente do êxito); · (3º) afetiva: particularmente emocional através de afetos e sentimentos atuais; e · (4º) tradicional: através do hábito. Segundo Weber, age de forma puramente valor-orientada aquele que, não levando em consideração as conseqüências previstas, age em consonância com as suas convicções e cumpre o que, segundo ele, dele exigem o dever, a dignidade, a beleza, a prescrição religiosa, a veneração ou a importância de uma “causa”. A “ação valor orientada” é sempre uma ação em consonância com os “mandamentos” ou as “exigências” que o ator considera serem colocados perante si. Já a ação instrumental racional pode ser desmembrada. Age de forma racional instrumental aquele que orienta sua ação em conformidade com o objetivo, o meio e as conseqüências secundárias e, ao mesmo tempo, pondera racionalmente tanto os meios para com o objetivo, tanto os objetivos em relação às conseqüências secundárias, como, finalmente, os diferentes objetivos possíveis em relação uns com os outros. Weber põe os quatro tipos assinalados de ação segundo uma ordem de racionalidade crescente: se às ações tradicional e afetiva se pode chamar subjetivo- irracionais, a ação valor-orientada já contém um momento subjetivo-racional, visto que o ator põe conscientemente os seus atos em conformidade com um determinado valor como objetivo. Porém, esse tipo de ação só é relativamente racional, visto que o próprio valor é tomado sem mediação e fundamentação posteriores e, por conseguinte, não são tidas em atenção as conseqüências secundárias do ato. No sentido da palavra estabelecido por Weber, só é absolutamente racional a ação instrumentalmente racional. Na prática, o comportamento real do indivíduo seria orientado em conformidade com dois ou mais tipos de ação: nele têm lugar momento instrumentalmente-racionais, valor-orientados, afetivos e tradicionais. Além disso, nos diferentes tipos de sociedades, podem ser predominantes uns ou outros tipos de ações: nas sociedades primitivas predominam os tipos afetivo e tradicional; nasociedade industrial, os tipos de ação instrumentalmente racional e valor-orientada, existindo a tendência para a substituição do segundo tipo pelo primeiro. A racionalização do mundo moderno Weber estava convencido de que a racionalização da ação é uma tendência do próprio processo histórico. Para ele, o traço característico do mundo em que vivemos é a racionalização. E embora esse processo não decorra sem dificuldades e desvios, a história européia dos últimos séculos e a inclusão de outras civilizações não-europeias na via da industrialização aberta pelo Ocidente mostram, segundo Weber, que a racionalização é um processo histórico universal. Numa primeira aproximação, esta racionalização corresponde a uma ampliação da esfera das ações racionais com relação ao objetivo. O empreendimento econômico é racional, a gestão do Estado pela burocracia também é. A sociedade moderna tende toda ela à organização da ação racional com relação ao objetivo. Portanto, o problema filosófico do nosso tempo, problema eminentemente existencial consiste em delimitar o setor da sociedade em que subsiste e deve subsistir uma ação de outro tipo. Racionaliza-se o modo de direção da economia, racionaliza-se a gestão, tanto no campo da economia, como no da política, ciência, cultura e em todas as esferas da vida social; racionaliza-se o modo de pensar das pessoas, bem como a sua forma de sentir e o modo de vida em geral. Tudo isso é acompanhado pelo aumento do papel social da ciência que constitui, segundo Weber, a encarnação mais pura do princípio da racionalidade. Tal como Weber a entende, a ciência é um aspecto do processo de racionalização característico das sociedades ocidentais modernas. A racionalidade resultado respeito pelas regras lógicas e da pesquisa, respeito necessário para que os resultados alcançados sejam válidos. A ação do cientista é racional com referência a um objetivo. O cientista se propõe enunciar proposições factuais, relações de causalidade e interpretações compreensivas que sejam universalmente válidas. A investigação científica é assim um exemplo importante de ação racional com relação a um objetivo, que é a verdade. Mas esse objetivo é determinado por um juízo de valor, isto é, por um julgamento sobre o valor da verdade demonstrada pelos fatos ou por argumentos universalmente válidos. A ação científica é, portanto, uma combinação da ação racional em relação a um objetivo e da ação racional em relação a um valor, que é a verdade. Capitalismo, racionalidade e ética protestante Para Weber, a racionalização que domina cada vez o mundo é o resultado da junção de toda uma série de fatores históricos que predeterminaram o sentido do desenvolvimento da Europa nos últimos 300-400 anos. Ele não analisa a constelação destes fatores como algo previamente determinado, mas como uma espécie de ocasionalidade histórica. Por isso, a racionalização, do seu ponto de vista, não é tanto a necessidade de desenvolvimento histórico, quanto o seu destino. Aconteceu que, num determinado período em determinada região do mundo, se encontraram alguns fenômenos que têm em si o princípio racional: a ciência da Antiguidade, particularmente a matemática, complementada na época do Renascimento pela experiência e que adquiriu (com Galileu) o caráter de uma ciência experimental nova, internamente ligada à técnica; o Direito Romano racional que os tipos anteriores de sociedade não conheciam e que, na Idade Média, recebeu o seu desenvolvimento posterior em solo europeu; o modo racional de gestão da economia que nasceu graças à separação da forma de trabalho dos meios de produção e, por conseguinte, na base daquilo a que Marx chamou “trabalho abstrato”: trabalho acessível à medição quantitativa. Todos esses fatores teriam confluído para gerar o tipo de sociedade que emergiu, primeiro na Europa, e atualmente no resto do mundo, que, como Marx, ele chama de “capitalista”. Em sua concepção, o que caracteriza a moderna sociedade capitalista é a racionalização das ações levada ao máximo no campo econômico, e trazendo um tipo de organização social que ele chama de “burocracia” (veremos, algumas aulas adiante, o conceito weberiano de burocracia). Segundo Weber, o capitalismo é definido pela existência de empresas cujo objetivo é produzir o maior lucro possível, e cujo meio é a organização racional do trabalho e da produção. É a união do desejo de lucro e da disciplina racional que constitui historicamente o traço singular do capitalismo ocidental. O que constitui o capitalismo não é tanto o lucro máximo, quanto a acumulação indefinida. Os comerciantes sempre quiseram auferir o maior lucro possível, em qualquer negócio; o que caracteriza o capitalismo não é o fato de ele não limitr seus apetites de ganhos, mas de estar animado pelo desejo de acumular sempre, cada vez mais, de sorte que também a vontade de produzir se torna indefinida. Sua definição do capitalismo, isto é, da empresa trabalhando para a acumulação indefinida do lucro e funcionando segundo a racionalidade burocrática, difere da de Saint-Simon e da maioria dos economistas liberais. Como Marx, Weber afirma que a essência do regime capitalista é a busca do lucro, por intermédio do mercado. Também ele insiste na presença de trabalhadores juridicamente livres que alugam sua força de trabalho aos proprietários dos meios de produção, e, por fim, mostra que a empresa capitalista moderna utiliza meios cada vez mais poderosos, renovando perpetuamente as técnicas para acumular lucros suplementares. O progresso técnico é, aliás, o resultado não procurado da concorrência dos produtores. A diferença entre Marx e Weber está em que, segundo este, a principal característica da sociedade moderna e do capitalismo é a racionalização burocrática, que não pode deixar de ser procurada, qualquer que seja o estatuto da propriedade dos meios de produção. Mais ainda, para Weber, a racionalização burocrática sendo essencial à sociedade moderna, e subsistindo em qualquer regime de propriedade, uma modificação desse regime não representaria uma mutação da sociedade moderna. Por exemplo, numa sociedade socialista, pensava ele, a promoção paa o nível superior da hierarquia seria realizada de acordo com procedimentos burocráticos. Pois bem. Weber considera que o fator que permitiu sintetizar todos esses elementos, criando a moderna sociedade capitalista, foi o protestantismo, que criou as premissas ideológicas para a realização da forma racional de gestão da economia (antes de tudo para a introdução dos êxitos da ciência na economia e a transformação desta última numa força produtiva direta), visto que o êxito econômico foi considerado pela ética protestante uma missão religiosa. Isso levou a que aparecesse pela primeira vez na Europa um tipo de sociedade outrora não existente e por isso sem análogos na história, tipo esse a que os sociólogos modernos chamam sociedade industrial. Para distingui-los da sociedade moderna, Weber chamou tradicionais aos tipos de sociedades antes existentes. Em sua obra mais famosa, “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, Weber defendeu a tese de que, entre os séculos XVII e XVIII, uma determinada interpretação da corrente Calvinista do protestantismo (incluindo as igrejas Presbiteriana, Batista). De acordo com a tese, essas religiões, mais do que as outras (como a católica, a luterana e outras) predispunham o fiel a agir economicamente de maneira racional, dando origem ao modo especificamente capitalista de ação econômica. Em primeiro lugar, segundo Weber, a visão religiosa dessa vertente do protestantismo exclui qualquer misticismo. A comunicação entre o espírito finito da criatura e o espírito infinito de Deus criador é interditada antecipadamente. Trata-se também da concepção anti-ritualista, queinclina a consciência no sentido de uma ordem natural que a ciência pode e deve explorar. Ela é, portanto, indiretamente favorável ao desenvolvimento da investigação científica, e contrária a todas as formas de idolatria. O calvinista não pode saber se será salvo ou condenado, o que é uma conclusão que pode se tornar intolerável. Por uma inclinação não-lógica, mas psicológica, procurará no mundo os sinais da sua escolha. Weber sugere que é assim que certas seitas calvinistas terminaram por ver no êxito econômico uma prova dessa escolha de Deus. O indivíduo se dedica ao trabalho para vencer a angústia provocada pela incerteza da salvação. Esta derivação psicológica de certa teologia favorece o individualismo. Cada um de nós está só diante de Deus. O sentido da comunhão com o próximo e do dever com relação aos outros se enfraquece. O trabalho racional, regular, constante, termina sendo interpretado como a obediência a um mandamento divino. Além disso, a ética protestante convida o crente a desconfiar dos bens deste mundo e a adotar um comportamento ascético. Ora, trabalhar racionalmente tendo em vista o lucro, e não gastá-lo, é por excelência uma conduta necessária ao desenvolvimento capitalista, sinônimo do reinvestimento contínuo do lucro não- consumido.
Compartilhar