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EDUCAÇÃO NO BRASIL-DA COLÔNIA AO IMPÉRIO (Sofia Lerche)

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EDUCAÇÃO NO BRASIL: DA COLÔNIA AO IMPÉRIO
CAPÍTULOS 1 E 2 - LIVRO DA SOFIA LERCHE
AS INICIATIVAS EDUCACIONAIS NO BRASIL COLONIAL:
-Um bom resumo de Saviani: “Quando os portugueses chegaram nessas terras ocidentais, encontraram-nas ocupadas por nações com uma vida social estruturada, portanto, também com uma forma de educação estruturada [...] A educação assumia um sentido comunitário, sendo os conhecimentos disponíveis acessíveis a todos [...] a transmissão da cultura dava-se por contatos diretos e pessoais, não sendo requerida a educação sistemática e o recurso a técnicas pedagógicas específicas [...] A chegada dos portugueses mudou inteiramente esse cenário [...] a visão europeia e cristã de mundo e de homem se expressará em ideais educacionais que, por sua vez, [...] manifestam-se, assim, as ideias pedagógicas tradicionais de caráter religioso das quais os jesuítas serão os principais veiculadores” (p. 444-45)
-As ações educativas empreendidas a partir da chegada dos portugueses em território brasileiro expressam o explícito interesse no lucro; 1532: regime das capitanias hereditárias; 1549: sistema de governo geral.
Três momentos significativos da construção do projeto colonial
(o que o artigo de José Luís Belo chama de grandes rupturas):
O Período Jesuítico durou 210 anos (de 1549 a 1759)
1º) “Soldados de Deus em terras selvagens” ou a chegada dos portugueses (1ª grande ruptura)
#Em 1549, Tomé de Sousa (1º governador geral) desembarca em Salvador acompanhado por quatro padres e dois irmãos jesuítas, chefiados por Manoel da Nóbrega (são eles os nossos primeiros educadores) com o objetivo de difundir a fé católica entre os indígenas, através da catequese e da instrução. Na 1ª escola elementar, irmão Vicente tornou-se o 1º professor nos moldes europeus e durante mais de 50 anos dedicou-se ao ensino e a propagação da fé religiosa. 
“A ação da Companhia de Jesus assegura a hegemonia espiritual da Metrópole [...] aos soldados de Deus cabe a conquista pela persuasão” (p. 43) a ideologização: catequizar e instruir para moldá-los, impor-lhes a visão de mundo europeia...
- 1ª fase jesuítica: plano de estudos de Manoel da Nóbrega, com o ensino de primeiras letras, a catequese, a música e alguma iniciação profissional (que não deu muito certo com os índios);
- 2ª fase jesuítica: princípios do Ratio Studiorum, com o ensino de humanidades, filosofia e teologia. a ser implantado em todos os colégios da Ordem Jesuítica, em todo o mundo; promulgado apenas em 1599, durou até 1759, transformando-se num código de 467 regras cobrindo todas as atividades dos agentes diretamente ligados ao ensino. Era de caráter universalista e elitista. Portanto, foi um método adotado universalmente pelos jesuítas para educar as elites no Brasil (ver detalhes em Saviani, p. 56).
#Em 1759, 200 anos depois da chegada, os jesuítas foram expulsos por Marquês de Pombal (2ª grande ruptura), por causa do grande poder que os jesuítas passaram a ter em Portugal e no Brasil; a educação jesuítica não convinha aos interesses comerciais emanados por Pombal (modernização da cultura portuguesa), pois ela tinha por objetivo servir aos interesses da Fé Católica, enquanto Pombal pensou em organizar a escola para servir aos interesses do Estado; Até o fim do período jesuítico: 25 residências, 36 missões, 17 colégios e seminários, escolas de ler e escrever. “[...] do pouco que existe, muito se destrói” (p. 46) se existia algo bem estruturado em termos de educação, o que se viu a seguir foi uma desordem. OBS de Saviani: em 1759, a soma dos alunos de todas as instituições jesuíticas não atingia 0,1% da população brasileira, pois delas estavam excluídas as mulheres (50% da pop.), os escravos (40%), os negros livres, os pardos, filhos ilegítimos e crianças abandonadas (p. 443). 
O Período Pombalino (de 1760 a 1808)
2º) “Tentativa de intervenção da Metrópole” (2ª ruptura) – entra em cena o poder público estatal como agente responsável pela definição dos rumos da educação (secularização, Estado Laico). Mas a motivação não foi a preocupação com o povo, e sim o interesse na modernização e na recuperação da economia portuguesa.
Em 1759, Pombal criou as ‘Aulas Régias’ de Latim, Grego e Retórica, onde cada uma era autônoma e isolada, com professor único e uma não se articulava com as outras. As ‘aulas régias’ compreendiam o estudo das humanidades, sendo a 1ª forma do sistema de ensino público no Brasil; 
#Em 1760, são nomeados os primeiros professores régios, ainda durante a 1ª fase da reforma pombalina (ver detalhes p. 50), mas
as primeiras aulas foram efetivamente implantadas apenas em 1776 (Filosofia Racional e Moral), com a ajuda dos franciscanos. Na prática, o sistema das Aulas Régias pouco alterou a realidade educacional no Brasil, tampouco se constituiu numa oferta de educação popular, ficando restrita às elites locais. Ao rei cabia a criação dessas aulas isoladas e a nomeação dos professores, que levavam quase um ano para a percepção de seus ordenados, arcando eles próprios com a sua manutenção (pagavam para trabalhar... como hoje!).
#Em 1768, é criada a Real Mesa Censória para cuidar da educação; em 1772, são criadas as Escolas Menores + alvará que regula a cobrança do ‘Subsídio Literário’ (imposto único destinado à manutenção do ensino elementar e secundário): taxas locais sobre a carne, o sal, a aguardente, o vinagre, o vinho e outros; apesar da cobrança para tal fim, ao que tudo indica, não houve investimento na educação, pois, os professores ficavam longos períodos sem receber vencimentos; além disso, os professores geralmente não tinham preparação para a função, já que eram improvisados e mal pagos - eram nomeados por indicação ou sob a concordância de bispos.
OBS de Saviani: “[...] nas reformas pombalinas das escolas de primeiras letras, a ideia de que, para a maioria da população, nem sequer era necessário aprender a ler e escrever: bastava a instrução dominical dos párocos” (p. 444) 
“[...] sobre a ínfima quantidade de mestres régios nomeados para trabalhar na Colônia, constata-se que embora a reforma pombalina tenha pretendido instituir um sistema de instrução pública, isto, de fato, não ocorreu” (p. 51). O que ocorreu foi o despotismo ilustrado de Pombal ou a intervenção do Estado em todos os setores da vida racional, “[...] refletindo, no caso da proposta para a instrução pública, a dinâmica do desenvolvimento capitalista, onde o ensino vai assumir um papel na preparação de mão de obra” (p. 52) já começa aqui, a função assumida pela educação no capitalismo!
O Período Joanino durou de 1808 a 1821
3º) “Transferência da Família Real” (3ª ruptura) – onde os interesses em relação ao Brasil se modificam:
“Se até então a Colônia se resumia a um vasto e lucrativo objeto de disputa com outras nações, a partir daí passa a se constituir como prioridade na agenda cultura portuguesa” (p. 53). Como a sede da corte portuguesa é transferida para cá, são criados os primeiros cursos superiores para servir aos interesses dos recém-chegados do reino (atendendo as necessidades da estadia de D. João VI no Brasil); mais uma vez evidencia-se que o motivo não é a preocupação com o povo brasileiro.
#Primeiras áreas dos cursos superiores: Defesa militar e Saúde (também para servir às necessidades mais urgentes). Mais se aproxima da estrutura de aulas (cadeiras), do que de propriamente de cursos, apresentando um caráter profissionalizante e sendo criados em estabelecimentos isolados.
#Medidas no campo cultural: imprensa régia, biblioteca pública, jardim botânico, museu nacional, jornais e revistas (tudo no RJ).
Ao lado das escolas de ler e escrever e das aulas régias, dois colégios se destacam no período: o Seminário de Olinda (1800, em Pernambuco) e o colégio do Caraça (1820, em MG).
Concluindo: na verdade, no período colonial quase nada foi construído em termos educacionais; com a chegada do império, algo muda, mas de maneira ainda muito restrita. 
AS INICIATIVAS EDUCACIONAIS NO BRASIL IMPERIAL:
O PeríodoImperial durou de 1822 a 1888
#1821/22: D. João VI volta a Portugal e seu filho, D. Pedro I proclama a Independência do Brasil;
#Em relação à educação, de certo modo, tudo permanece como estava, pois a educação continua a não se constituir como uma prioridade política e técnica nesse período histórico: a escola é privilégio de uma minoria, especialmente no RJ e em Salvador. Nas demais províncias, a educação caminha a passos lentos. Apenas um registro importante: o surgimento das primeiras escolas marcantes – os Liceus.
#Mas é a partir do Império que o país começa a reconhecer a importância da instituição escolar, desde o 1º Reinado, através, por exemplo, das manifestações dos representantes das províncias na Constituinte de 1823.
#Constituinte de 1823 ou preparação para a elaboração da nossa 1ª CF (p. 66): ao discutirem um plano da instrução primária a ser formulado pela Assembleia, de uma maneira geral, os constituintes (deputados de diferentes províncias) denunciam a precariedade da educação em suas regiões de origem (críticas que vão desde a falta de escolas e a inexistência de recursos até os baixos salários dos mestres). Difícil adivinhar se algo mudou na CF de 1824?
“As falas dos constituintes do passado revelam uma imagem que se projeta em nossos dias: a desvalorização social do professor manifesta em baixos salários e precárias condições de trabalho [...] Tanto as denúncias quanto as promessas já faziam parte das conversas dos políticos [brasileiros]” (p. 68-9)
#Lei de 20/10/1823: elimina os privilégios do Estado na oferta de educação, instituindo o ‘princípio da liberdade do ensino sem restrições’ - noutras palavras, tem-se início à livre iniciativa privada, o que estimulou a abertura de escolas particulares no RJ.
#1824: D. Pedro I outorga a 1ª constituição brasileira, onde o Art. 179 desta Lei Magna dizia que a “instrução primária é gratuita para todos os cidadãos”. Ou seja, apesar dos clamores registrados entre os constituintes de 1823, este é o único dispositivo sobre o tema na carta de 1824 (o que revela a pouca preocupação a respeito).
#1826: um Decreto institui 4 graus de instrução - Pedagogias (escolas primárias ou de primeiras letras), Liceus (atual EF?), Ginásios (atual EM?) e Academias (ES?).
#15 de Outubro de 1827: promulgada a 1ª Lei Geral de educação no país, (daí, a data comemorativa do dia do professor, que só foi oficializada em 1963! Nenhuma outra profissão ou data demorou tanto a vigorar), que propõe a criação de escolas de primeiras letras em todas as cidades e vilas, além de prever o exame na seleção de professores, para nomeação (pela 1ª vez na história da educação brasileira) e ainda, a abertura de escolas para meninas. 
#Se a referida Lei tivesse, de fato, instalado escolas elementares em todos os lugares como propunha, teria dado origem a um sistema nacional de instrução pública. Entretanto, isso não aconteceu (SAVIANI, p. 129). Apesar de ser o 1º instrumento legal importante para a educação, a Lei de 1827 “fracassou por várias causas, econômicas, técnicas e políticas” (p. 72).
‘Processo seletivo de nomeação’: atestado de moralidade (fornecido pelo padre da paróquia e pelo juiz de paz) e conhecimento do que deveria ensinar (dissertação apresentada à banca) + sistema de prof. adjuntos (os futuros mestres aprendiam a lecionar acompanhando um profº em suas aulas - sem formação específica).
Método Lancaster (LER SAVIANI p. 128-9): na tentativa de suprir a falta de professores, instituiu-se o ensino mútuo, onde um aluno treinado ensinava um grupo de dez alunos sob a rígida vigilância de um inspetor (mostrar foto/p. 127); Tal método visava o ‘treinamento’ simultâneo e econômico de centenas de alunos (controlados pelos monitores por meio, inclusive, de vários castigos); consistia na constante da repetição e, principalmente, na memorização, porque acreditava que esta inibia a preguiça, a ociosidade; visava a disciplinarização da mente, do corpo e o desenvolvimento de crenças morais próprias da sociedade disciplinar, e não a independência intelectual (o termo ‘monitor’ vem daí e hoje, mais do que nunca, a economia de efetivos...). 
#Ato adicional de 1834: instrumento legal que marca a descentralização (x centralização) do ensino. Na verdade, consolida tendência que já vinha sendo encaminhada desde a vinda da família real: a atribuição das responsabilidades para com a educação elementar e secundária à esfera das províncias (ES = Poder Central e EB = Município da Corte). Apresenta disposições sobre as assembleias legislativas provinciais, concedendo-lhes amplos poderes sobre questões diversas, inclusive, educação.
Ao referido Ato tem sido atribuída a origem de boa parte dos problemas do sistema educacional brasileiro (crítica de alguns historiadores à descentralização). “Na verdade, as origens para os problemas educacionais devem ser buscadas fora do próprio sistema de ensino, ou seja, na sociedade em que este se localiza, com todos os seus impasses e contradições” o capitalismo! (p. 75).
#1835: surge a 1ª Escola Normal do país, em Niterói (processo lento e complicado de idas e vindas - escolas que abriam e fechavam por vários problemas, principalmente no currículo, pois mais preparava as moças para o casamento - VEREMOS EM PD).
#1837: criação do Colégio Pedro II como escola pública para poucos eleitos, até porque seus alunos pagavam pelos estudos que ali realizavam, sendo reduzido o nº de vagas reservadas àqueles que não podiam pagar (início do ensino oficial pago no Brasil?!).
#Dados de 1840: existiam 441 escolas primárias e 59 cadeiras de latim.
#1842: volta dos jesuítas ao Brasil + incremento de matrículas no setor particular (vai tomando forma um ensino secundário particular, com a criação do Liceu de Artes e Ofícios/RJ)
#Demais reformas educacionais: 
-1854, Reforma do ensino primário e secundário do município da corte + Novos estatutos para os cursos jurídicos e de medicina (que reforçaram o caráter propedêutico e seletivo do ensino oferecido);
-1878, criação de cursos noturnos para adultos analfabetos (EJA) nas escolas públicas de instrução primária no município da corte;
-1879, Reforma do ensino primário e secundário do município da corte e do superior em todo o império (estas duas últimas conhecidas como Reforma Leôncio de Carvalho)
Muitos historiadores registram o fracasso de tais reformas em instituir uma política nacional de educação “reformas que não mudam”: ausência de infraestrutura institucional + indiferença política das elites (principais causas).
OBS de Saviani: “Impondo-se sobre os nativos, as ideias pedagógicas religiosas vão, no século XVIII, defrontar-se e, em larga escala, mesclar-se com as ideias leigas” (p. 445)
#Dados de 1867: cerca de 107 mil matrículas em escolas primárias nas províncias em todo país.
#1874: primeira tentativa de controle do Estado sobre as escolas, quando o governo nomeia uma comissão para inspecionar estabelecimentos públicos e particulares (a intervenção estatal recebeu algumas críticas). Controle que hoje é exercido pelo MEC!
#Concluindo: no período imperial ainda não está em pauta a ideia de um projeto educativo para a maioria dos brasileiros. Apenas 10% da população tem acesso a escola (elite/nobreza). Hoje, temos quase 100% das crianças de 7 a 14 anos (EF) na escola; fala-se até em universalização do EF, mas sem qualidade!

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