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Sexualidade, gênero e o terceiro sexo: a biopolítica dos corpos 
infantis voltados à normalização heterossexual 
 
 
Keli Andréa Vargas Paterno1 
Universidade Estadual de Maringá-UEM 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
Este projeto objetiva responder a seguinte pergunta: como se dá a infância da 
criança com transtorno de identidade de gênero? Reconhecemos que a criança é um 
sujeito em relação com a sexualidade, com a descoberta e com o reconhecimento do 
corpo. Algumas demonstram uma orientação diferente do seu sexo e chegam, desde 
muito cedo, a argumentar que estão no corpo errado. 
Em uma busca por trabalhos relacionados à temática, encontramos um 
documentário realizado e exibido pela rede de televisão Norte Americana ABC sobre 
crianças transexuais que desde pequenas não se identificam com seu corpo. São relatos 
de famílias que aprenderam a respeitar e a entender a orientação do/a filho/a. 
Feita triagem pelos sites de eventos como Fazendo Gênero, Anped e outros, 
verificamos a existência de várias pesquisas a respeito das questões de gênero com 
jovens e adultos, porém com crianças transgêneros são poucas. Isso talvez ocorra pela 
dificuldade de acesso nas famílias que tenham criança com transtorno de identidade de 
gênero, nomenclatura utilizada no meio científico para se referir aos sujeitos nas 
condições relatadas. 
A resistência de alguns sujeitos será um dos desafios desta pesquisa, pois em 
conversa informal com um jovem transgênero (biologicamente mulher), ficou 
evidenciado que a família ainda tem dificuldade em aceitar a orientação do/a filho/a e 
procuram abafar o assunto, atitude que geralmente força o sujeito a viver uma vida que 
não é sua. 
 
1 KELI ANDRÉA VARGAS PATERNO possui graduação em Licenciatura Plena em Supervisão 
Escolar, pós-graduada em Educação Infantil pela UNIPAR – Cascavel, e, Fundamentos Filosóficos pela 
UNIOESTE – Toledo. Mestrado em Educação – UEM – Grupo de Pesquisa: Infância, Adolescência e 
Juventude. Atualmente é professora do Ensino Fundamental, Séries Iniciais, da rede municipal, da cidade 
de Cascavel – Pr. E-mail: kelipatt@yahoo.com.br. 
1 
 
 
O referido estudo foi motivado pela inquietação de assuntos ligados à infância 
dos sujeitos e como um aprofundamento da sexualidade das crianças, abordada na 
pesquisa realizada para o mestrado-UEM, em Educação, relacionada à erotização 
infantil, na qual foram detectados alguns mecanismos propulsores da erotização dos 
corpos. 
Como o interesse é a criança e por reconhecermos que só parte delas tem 
infância, a investigação acerca da criança transgênero surge em um momento em que a 
sociedade utiliza um discurso liberal sobre a homossexualidade, mesmo que para muitos 
ela deva permanecer distante de seu convívio ou principalmente, além do seu meio 
familiar. Ainda são poucos os sujeitos que conseguem compreender como se dá a 
construção da sexualidade, principalmente quando o sujeito em apreciação são crianças. 
A idealização da sexualidade das pessoas está moldada em uma base que busque 
uma homogeneidade heterossexual e aqueles/as com outra orientação, geralmente são 
forçados/as a viver na fronteira da transgressão, pois “o efeito e o impacto das 
experiências desses sujeitos são tão fortemente político – o que eles ousam ensaiar 
repercute não apenas em suas próprias vidas, mas na vida de seus contemporâneos” 
(LOURO, 2008, p. 23). 
O impacto social e político que tais comportamentos poderão provocar 
promovem uma normalização estereotipada do corpo da criança. Ao saber o sexo da 
criança, espera-se que ela desenvolva e acate toda carga biopolítica historicamente 
construída. Os que negam o modelo geralmente vivem em um exílio ou ainda em uma 
longa viagem de ensinamentos pelas coisas do masculino e feminino sempre em relação 
ao sexo biológico e a cultura heterossexual, sem considerar a orientação do sujeito. 
O sujeito necessita ser um ou outro, em acordo com seu sexo. Essa é a ideia 
heterossexual disseminada por uma pedagogização do sexo conforme relatos feitos por 
Foucault (1988). Os sujeitos são tentados a se docilizarem desde a concepção, pois ali 
começa a viagem social para se chegar a lugares comuns como, por exemplo, à escola. 
Esse é o lugar onde as diferenças se encontram e, muitas vezes, desaparecem, pois 
“desde pequenos, escola e família (e outras instituições de controle) colaboram entre si 
para tornar essas crianças os homens e mulheres que devem ser, adquirindo os gostos, 
expressões, comportamentos próprios/apropriados de um ou de outro sexo” (BRAGA, 
2010, p. 3, grifos da autora). 
Os contextos escolar, familiar e social têm muito a dizer acerca das crianças e 
suas infâncias, pois seus comportamentos geralmente falam por si. Assim como existe 
2 
 
 
um modelo heterossexual a ser seguido há uma ideia de infância ainda idealizada em 
acordo com aquela da Modernidade. 
Ao estudarmos a infância, partimos do ponto da existência de várias infâncias e 
dela como uma construção do mundo adulto (Müller, 2007) e a instituição escolar, com 
sua diversidade, poderá promover mudanças ou perpetuação de determinados 
comportamentos sociais. 
Então, por meio de bibliografias que abordem a temática, bem como a partir de 
conversas com sujeitos transgêneros, viajaremos pelos gêneros para, além de conhecer, 
registrar as experiências vividas desde a mais tenra idade e produzir conhecimento e, 
quem sabe, encurtar distâncias culturais, familiares e sociais. Talvez consigamos reduzir 
algumas diferenças em alguns micropoderes, pois se apenas um sujeito compreender o 
que ocorre com as pessoas com transtorno de identidade de gênero, esse sujeito poderá 
multiplicar o conhecimento obtido. 
 
2 JUSTIFICATIVA 
 
Somos educados e estimulados a viver em uma base de sexualidade 
heterossexual, ainda sob fortes influências religiosa, cristã e etnicamente branca, que 
versam discursos normalizantes baseados no sexo do homem e da mulher. Desses dois 
corpos se produz o gênero masculino e feminino conforme as concepções sociais, 
históricas e culturais. 
O gênero por ser uma “construção cultural e hierarquizada, que gira em torno de 
diferenças percebidas nos corpos sexuados [...]” se torna uma “ferramenta analítica e 
política” (FERNANDES, 2009, p. 2), que se utiliza de diversos instrumentos e 
micropoderes para ensinar o que é ser homem e mulher. No entanto, existem sujeitos 
que não se submetem aos modelos empregados e trilham por caminhos dos direitos 
humanos, voltados ao respeito do ser humano, independente de classe social, cor, credo, 
raça ou orientação sexual. 
Os sujeitos, envolvidos na referida discussão, conseguiram em alguns países, 
como a Índia e o Paquistão, um progresso nas questões de gênero, pois lá instituiu-se o 
3 
 
 
terceiro sexo2. Esses sujeitos também são conhecidos por hijras, sujeitos transgêneros e 
intersexuais. 
Na Polinésia, o terceiro sexo caracterizado pelos/as fa’fines (uma maneira de ser 
mulher), pois fa’fines “são homens biológicos que têm uma orientação sexual feminino” 
(WIKIPEDIA3, 2010). 
Paulo Canella, professor titular e livre docente de ginecologia, no Instituto de 
Ginecologia da UFRJ, escreve em um de seus artigos que “a orientação sexual é a 
manifestação que uma pessoa sente e percebe como sua forma de sentir-se atraída e 
interessada sexualmente4”, independente da afeição ser com pessoa do mesmo sexo ou 
do oposto. Não é uma escolha. É a identidade de gênero, o sentir-se homem ou mulher. 
Ainda em conformidade com esse autor, “a identidade de gênero costuma estar 
estabelecida entre 18 e 24 meses” e a criança terá de lidar com sua orientação sexual 
desde cedo. Um dificultadorpara ela é a pouca idade e como está submetida às ações 
dos mais velhos, à aquisição de seus hábitos culturais e sociais, historicamente 
construídos em bases heterossexuais, poderá ser considerada invisível (SARMENTO, 
2007), por muitos sujeitos. 
Uma experiência relatada por N. B. L. foi estar sempre muito próxima do irmão 
mais velho e gostar mais das coisas de menino do que de costumes entendidos próprios 
para as meninas. Ela comenta que a mãe lhe dava várias Barbie’s, que partilhava com a 
irmã mais nova. A irmã brincava com as bonecas até perder o interesse e depois disso 
N. B. L. arrancava-lhes a cabeça. 
N. B. L. comenta que chegou a rasgar um vestido, pois gostava de usar roupas 
mais soltas, que não marcassem o corpo, semelhante às vestes dos meninos. Tinha esse 
comportamento mesmo sem ainda compreender muito bem o que acontecia consigo, 
com a orientação sexual na sua infância. 
Muitas crianças não terão a liberdade de viver sua orientação sexual em virtude 
das crenças dos/as adultos/as. Atitude que fere o seu direito à liberdade, pois o sujeito 
precisa ter 
 
 
2 Acesso ao vídeo pelo site: http://www.youtube.com/watch?v=CZc0Vq3y3Sw – às 11:36 min. em 
18/09/2011. 
3 Acesso ao site: http://en.wikipedia.org/wiki/Fa'afafine - às 13:20 min. em 13/08/2011. 
4 Acesso ao artigo em questão pelo site: 
http://www.sbrash.org.br/portal/files/pdf/o_ser_mulher_o_ser_homem_e_o_transexualismo.pdf - às 20:19 
min. em 05/08/2011. 
4 
 
 
 
[...] a responsabilidade de exercer sua liberdade sem ferir o direito do outro, 
bem como de manter-se alerta às questões políticas e sociais tangíveis que 
exercem, na sutileza, empobrecimento da subjetividade humana e reforçam 
uma hegemonia da docilidade, aceitação e, possivelmente, da submissão 
tanto dos mais experientes como das crianças (PATERNO; MÜLLER, 2011, 
p. 26). 
 
 
A falta de liberdade pode inibir a criança e impedir que seja entendida como um 
ser humano de vontades e desejos que poderá o levar a uma condição de infelicidade ou 
até mesmo a um ponto em que deixará de ter infância, pois será forçada a viver uma 
vida de desencontros e, talvez, encontrar-se apenas quando lhe for possibilitada/o o uso 
do imaginário ou quando tiver uma idade mais avançada, conforme justificou N. B. L, 
que decidiu assumir publicamente sua orientação perante a família e a sociedade aos 16 
anos. 
É emergencial que as famílias tomem conhecimento das questões permeadas 
pelos gêneros para que compreendam e reconheçam seus/as filhos/as em conformidade 
com Sarmento (2005), como atores sociais de sua história, pois os sujeitos possuem 
plenas condições para realizar ressignificações do status quo. 
 
3 OBJETIVO GERAL 
 
 Promover conhecimento acerca da infância de crianças transgêneros 
ou como também são conhecidas aquelas com transtorno de 
identidade de gênero para disseminar saberes e possibilitar discussões 
que reduzam as diferenças e as discriminações familiares, culturais e 
sociais. 
 
3.1 OBJETIVOS ESPECÍFICOS 
 
 Investigar com adolescentes, jovens e adultos transgêneros, como foi 
sua infância a partir do contexto de uma sociedade com base 
heterossexual; 
 Encontrar crianças transgêneros na cidade de Cascavel e pesquisar 
como vivem a infância e como seus familiares compreendem essa 
orientação sexual. 
5 
 
 
 Responder a pergunta inicialmente lançada. 
 
4 REVISÃO LITERÁRIA 
 
A infância em constante transformação: crianças transgêneros em bases 
heterossexuais 
 
A infância é uma construção do mundo adulto (Müller, 2007), que sofre um forte 
domínio dos mais velhos, pois procuram numa constância direcionar as ações dos 
pequenos, sem muitas vezes considerar seus anseios, suas angústias, seus desejos, suas 
aspirações e, principalmente, sua orientação sexual. 
Uma alegação dos adultos é que as crianças ainda não possuem o conhecimento 
necessário para realizar inferências no corpo social. Argumento útil como justificativa 
para a constante determinação de regras no contexto heterossexual como maneira de 
normalizar comportamentos (Foucault, 2009) no mundo infantil. 
Muitos adultos ainda carregam consigo a ideia de infância como fase de 
inocência, mas nem sempre foi assim. Na Idade Média, para Santo Agostinho (1999), a 
criança até atingir a idade da razão ou ser batizada é considerada pecadora em virtude 
de trazer consigo a culpa do pecado original. 
Em suas confissões, notamos alguns conflitos que podemos interpretar como 
um clamor a Deus. Percebemos uma angústia quando chega a suplicar: 
 
 
Ouvi-me, ó meu Deus! Ai dos pecados dos homens! É um homem que assim 
fala. Vós, Senhor, compadecei-Vos dele, porque sois o seu Criador e não o 
autor do seu pecado. Quem me poderá recordar o pecado da infância, já que 
ninguém há que diante de Vós esteja limpo, nem mesmo o recém-nascido, 
cuja vida sobre a terra é apenas um dia? Quem mo trará a memória? Será 
porventura algum menino, ainda pequerrucho, onde posso ver a imagem do 
que fui de que me não resta lembrança? 
 
[...] Assim, a debilidade dos membros infantis é inocente, mas não a alma das 
crianças. Vi e observei uma, cheia de inveja, que ainda não falava e já olhava, 
pálida, de rosto colérico, para o irmãozinho colaço. [...] Indulgentemente se 
permitem estas más inclinações, não porque sejam ninharias sem 
importância, mas porque hão de desaparecer com o andar dos anos. É este o 
único motivo, pois essas paixões não se podem de boa mente sofrer, quando 
se encontram numa pessoa mais idosa (AGOSTINHO, 1999, p. 44-45). 
 
 
6 
 
 
Podemos compreender, a partir da citação do autor, que o pecado nasce com os 
sujeitos e cabe a eles se libertarem por meio do conhecimento e do batismo, pois a razão 
é o que há de divino no homem. Nessa visão, a razão e o conhecimento são fontes para a 
concretização de mudanças. No entanto, o pensamento atrelado ao pecado permanece 
em muitas sociedades da contemporaneidade. 
É na entrada para a Modernidade que se inicia a construção de uma nova 
mentalidade: considerar a criança como sujeito que precisa de cuidados e a necessidade 
de escolher lugares onde as coisas próprias da infância aconteçam. O desígnio é dado à 
família. Cabe a ela a responsabilidade pela dedicação aos pequenos, porém não 
podemos deixar de observar que até mesmo a família está mergulhada nos olhares 
(controladores) da sociedade, principalmente da contemporânea. 
Talvez a família se encontre em meio a uma diversidade na qual não está 
preparada para lidar e provoca assim um excesso de zelo que tende a sufocar a criança a 
ponto de seguir as normas pela qual está exposta. Ocorre que vários sujeitos infantis 
conseguem dar novo significado a velhas regras e nesse momento se tem o início de 
uma nova fase social e cultural. 
A infância que estudamos é composta por especificidades próprias, com novas 
exigências para o contexto atual. Reconhecer a pluralidade é permitir uma linguagem da 
infância mais infantil. Não se trata de categorizar uma nova infância, mas permitir sua 
expressão sem as modificações e unificações impostas pelos adultos, muitas vezes 
disseminadas pela mídia (TOMÁS, 2006). 
Dar oportunidade para o sujeito se integrar socialmente em acordo com a cultura 
histórica que lhe pertence, bem como valorizá-lo desde a mais tenra idade, com respeito 
aos seus desejos e sua orientação sexual é um direito de todos os sujeitos, 
principalmente àqueles com transtorno de identidade de gênero. 
Algumas culturas possuem linguagem ambígua à definição dos sexos, como por 
exemplo memby5 que em Guarani que significa filho ou filha. Boa parte da história da 
construção da sexualidadee dos gêneros segue moldes do sexo da mulher, uma vez que 
a sociedade passou de matriarcal para o patriarcado e transferiu o poder ao homem. 
Aos poucos a mulher perde espaços e é reduzida à sua condição de procriadora e 
cuidadora da casa, dos filhos, enfim da família. Há uma construção de gênero onde ela 
 
5Acesso ao site: http://www.museumaconicoparanaense.com/MMPRaiz/Biblioteca/1797_IDIOMAS%20-
%20Dicionario%20Guarani.pdf – às 17:15 min. 
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se torna frágil, sensível, submissa e dócil. Pantel (1993, p. 594-595) escreve que a 
investigação sobre as mulheres, 
 
[...] reteria três destas noções: a de sexual asymmetry, a de relações sociais de 
sexo e a de gender. Têm um conteúdo próximo, mas nasceram em tradições 
culturais diferentes. 
A noção de sexual asymmetry ou de dissemetria entre os sexos acentua a 
disparidade que existe entre o poder e o valor atribuídos a cada um dos sexos. 
A expressão <<relações sociais de sexo>> insiste num facto que deveria ser 
evidente para todos: as relações entre os sexos são relações sociais. Não são 
dados naturais, mas construções sociais. O seu estudo é do mesmo tipo que o 
de outras relações, igualitárias ou não igualitárias, entre grupos sociais. Vista 
sob este ângulo, <<a dominação masculina>> é uma expressão entre outras 
de desigualdade das relações sociais. Pode compreender-se os seus 
mecanismos e marcar-se as suas especificidades segundo os sistemas 
históricos. Além disso, é possível estudar a maneira como se articula este tipo 
de dominação com os outros [...]. 
[...] a de gender ou de <<género>>, [...] refere-se à divisão do mundo entre o 
masculino e o feminino, a uma divisão sexual ou sexuada (grifos do autor). 
 
Eis uma demonstração da criação dos gêneros a partir do sexo da mulher que 
passa a ter lugares seus, que não são os mesmos dos homens. No século XVIII, a mulher 
e a criança não eram consideradas pessoas com identidades intelectuais produtivas, pois 
a criança é um sujeito em desenvolvimento e a adulta é reconhecida por sua sexualidade 
e seu corpo, enquanto o sujeito masculino por sua energia e espiritualidade (HUNT, 
1991). 
Apesar da proximidade do século XX, na Rússia a sociedade era basicamente 
patriarcal. Stearns (2010, p. 166) relata que “mulheres da classe alta eram isoladas, 
confinadas a partes da casa chamadas de terem; quando em público, em geral usavam 
véu”. Ela fica relegada ao conceito de fragilidade uma vez que há evidentes diferenças 
físicas e biológicas. As divergências tendem a aumentar quando se amplia o campo de 
visão para diversas culturas, etnias e classes sociais. 
Estudar a sexualidade a partir dos acontecimentos históricos da sexualidade 
feminina tem relação direta com as questões de gênero e infância, pois o pensamento de 
que a criança é um sujeito em desenvolvimento é salutar, porém destituí-lo ou incutí-lo 
em um padrão identitário auferido por interesses sociais de uma cultura exclusiva 
heterossexual fere a humanidade que há nos sujeitos. 
8 
 
 
A fabricação de corpos heterossexuais não pode ser imposta como 
obrigatoriedade legal, pois 
 
[...] a produção do corpo se opera, simultaneamente, no coletivo e no 
individual. Nem a cultura é um ente abstrato a nos governar nem somos 
meros receptáculos a sucumbir às diferentes ações que sobre nós se operam. 
Reagimos a elas, aceitamos, resistimos, negociamos, transgredimos tanto 
porque a cultura é um campo político como o corpo, ele próprio é uma 
unidade biopolítica (GOELLNER, 2008, p. 39). 
 
Considerar a homossexualidade como uma orientação sexual de direito dos 
sujeitos é de fundamental importância para uma sociedade democrática, que tenha 
interesse em garantir os direitos humanos. Por muitos anos, os homossexuais foram 
privados de seus direitos básicos, pois até o século XIX eram conhecidos como sujeitos 
portadores de patologias, caracterizados pela palavra homossexualismo que estava 
atrelada ao ser desviante e perverso. 
A partir do século XX, utiliza-se o termo homossexualidade para descaracterizar 
o tom pejorativo que a qualificação anterior remetia. Isso não quer dizer que os 
homossexuais estão livres de preconceitos e discriminações, porém alguns sujeitos 
ainda procuram justificativas para explicar o transtorno de identidade de gênero. 
Stearns (2010, p. 273-274) explica que, 
 
 
[...] no início do século XXI, alguns estudos científicos contribuíram para o 
debate, por meio de pesquisas sugerindo que em muitos homossexuais, mas 
não em todos, as conexões cerebrais eram diferentes da maioria das pessoas. 
[...] Na década de 1960 surgiu um forte movimento dos direitos 
homossexuais, inicialmente nos Estados Unidos, derivado dos esforços mais 
amplos dos direitos civis, mas também vinculado às tendências mais amplas 
da sexualidade: se o principal propósito da sexualidade era o prazer, e se cada 
indivíduo, homem ou mulher, devia definir seu próprio prazer (desde que 
com o livre consentimento do parceiro), então uma nova lógica sexual 
poderia ser aplicada aos homossexuais como a todas as pessoas (Idem). 
 
 
A partir das afirmações feitas, reiteramos a condição do poder que os sujeitos, 
adultos/as ou crianças, possuem para criar e mudar realidades, pois fundamentadas em 
Foucault, o poder não é unicamente negativo, ele também gera poder que anula o efeito 
danoso e produz um poder positivo, que pode ser entendido como uma libertação, pois 
9 
 
 
 
 
[...] se o poder só tivesse a função de reprimir, se agisse apenas por meio da 
censura, da exclusão, do impedimento, do recalcamento, à maneira de um 
grande super-ego, se apenas se exercesse de um modo negativo, ele seria 
muito frágil. Se ele é forte, é porque produz efeitos positivos a nível do 
desejo – como se começa a conhecer – e também a nível do saber. O poder, 
longe de impedir o saber, o produz [...] (FOUCAULT, 1979, p. 148). 
 
 
O autor esclarece que o poder está em relação e nas relações. Ele é por si e se 
fortalece na rede social. A diferença está em como os sujeitos se utilizam dele. O que 
fazem com ele. Se o praticam para o bem ou não, porém sempre há saída. É preciso 
encontrá-la. Um meio de contestação é o conhecimento, o saber aliado a ações no agora, 
no presente. 
Então, permitir que crianças vivam sua orientação sexual desde que a percebam 
é um direito que muitas vezes lhe é negado, assim como por sua vez a possibilidade de 
negar a infância que ela gostaria de ter. 
As mudanças são fundamentais para a produção humana, por isso a necessidade 
de aprofundar, por meio de estudos e pesquisas, as questões que envolvem a vida dos 
sujeitos transgêneros desde a primeira infância, pois, 
 
 
[...] a beleza da história da infância, por toda sua complexidade e por todas as 
discussões que suscita, é que ela fornece um roteiro para se saber de onde 
provém essa experiência humana, enquanto se desloca rapidamente no 
presente em seu caminho do passado e para o futuro (STEARNS, 2010, p. 
212). 
 
 
E é com a beleza ou com as angústias das histórias das infâncias das crianças 
transgêneros e suas complexificações que queremos torná-las visíveis ao mundo e que 
esse mundo possa se tornar um lugar de menos exclusão. 
 
5 - METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO 
 
A pesquisa será qualitativa, bibliográfica e de campo. Nossa intenção é 
averiguar os fatos envolvidos na realidade do assunto pesquisado para estabelecermos 
as relações necessárias e pertinentes ao estudo proposto. 
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Intencionamos conhecer como as crianças transgêneros vivem sua infância. 
Como são vistas por seus familiares e como a sociedade lida com a questão. 
A importância desse levantamento se dá em virtude da relevânciahumana do 
tema, uma vez que muitas crianças transgêneros tentam suicídio ainda na infância, por 
diversas razões. Uma delas pode ser por se sentirem no corpo errado e outra pela falta 
de conhecimento e aceitação por parte da maioria das pessoas, inclusive da própria 
família. 
Conhecer, compreender e principalmente aprender a respeitar a orientação 
sexual do sujeito é fundamental para a construção de relações mais humanizadas. 
 
6 - REFERÊNCIAS 
 
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