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1 O Pacto Imperial, Origens do Federalismo no Brasil Bruno Gabriel Witzel de Souza Miriam Dolhnikoff Conquistada a Independência, surgiam ao Brasil inúmeras possibilidades para sua composição enquanto nação: no plano da organização política, temos projetos que vão do republicanismo à monarquia; no plano da estrutura de poderes, temos do Estado unitário ao federalismo. As possibilidades que se colocavam evidenciam dois aspectos dicotômicos que resultaram da evolução histórica daquela sociedade: se é verdade que um por lado as regiões provinciais eram relativamente autônomas entre si, pouco ligadas tanto política quanto economicamente (o que poderia ter permitido o sucesso da visão federalista e, inclusive, da fragmentação territorial), também é fato existir o interesse de manter a unidade com vistas a fortalecer a instituição escravocrata vigente em todo o vasto território. A historiografia convencional tende a observar o projeto federalista como fracassado, seja quando se considera a Constituição de caráter unitarista outorgada em 1824, seja pelo Regresso Conservador dos idos de 1840, quando as reformas liberais, muitas das quais imbuídas de um caráter federalista, foram revistas. A idéia principal é que, em 1824 e 1840, a centralização vencera o federalismo, de modo que uma elite nacional distanciada dos interesses provinciais alcançara efetivamente o poder. A autora, porém, opor-se-á a este ponto de vista convencional. Em sua abordagem, os verdadeiros vitoriosos foram os federalistas, embora tivessem de realizar algumas concessões para alcançar seus objetivos. Seu argumento principal pode ser sumarizado no seguinte parágrafo: “A unidade de todo o território da América lusitana sob a hegemonia do governo do Rio de Janeiro foi possível não pela neutralização das elites provinciais e pela centralização, mas graças à implementação de um arranjo institucional por meio do qual essas elites se acomodaram, ao contar com uma autonomia significativa para administrar suas províncias e, ao mesmo tempo, obter garantias de participação no governo central através de suas representações na Câmara dos Deputados”. Ou seja, as elites provinciais não foram excluídas do processo de formação do Estado nacional naquele período, mas obtiveram benefícios da constituição unitária do Estado porque o poder, da maneira pela qual se organizou, permitia-lhes suficiente autonomia regional. Assim, seus diversos interesses provinciais estiveram articulados, durante todo o Império, ao Estado, não emergindo a partir do nada para tomarem o poder quando da proclamação republicana. A participação dos federalistas no processo da formação do Estado brasileiro pode ser acompanhada durante todo o Império. É verdade que a outorga da Constituição em 1824 significou um rude golpe nos federalistas, mas longe de significar seu fim, foi o estopim para que uma revolta de vulto como a Confederação do Equador estourasse. A Câmara dos Deputados, que voltou a se reunir em 1826, após a dissolução por D. Pedro, também demonstrava ser um forte reduto federalista, a qual mostraria seu poder ainda mais a partir da abdicação de D. Pedro: as reformas liberais da década de 1830 assumiram, em alguns contextos, um caráter profundamente federalista. Por elas garantiu-se autonomia provincial na arrecadação tributária (o que fornecia autonomia às províncias, já que podiam desfrutar de maior autonomia econômica), nas decisões sobre os empregos provinciais, sobre as obras públicas e sobre a força policial. Vale ressaltar, porém, que esta maior autonomia estava muito longe de um caráter confederativo: conforme salientara o Senador Vergueiro, defendia-se a federação que pretendesse ser “aquela que combinava unidade nacional, dirigida por um centro com instrumentos para se impor a todo o território, com províncias munidas de autonomia para gerir seus negócios”. Tem-se claro, portanto, que as elites provinciais estiveram presentes em todo o processo de consolidação do Estado brasileiro, defendendo a unidade territorial desde que garantidas alguma autonomia que entendiam necessária às províncias. Esta elite tinha objetivos comuns que permitiam a manutenção do corpo central do Estado, como os já salientados interesses escravocratas, mas estava longe de ser formada por indivíduos interessados apenas no bem do poder central, como acredita a historiografia convencional. Do outro lado, temos que os defensores do Estado unitário centralizado haviam sido inspirados sobretudo pelo pensamento pombalino, como é o caso típico de José Bonifácio. Seu projeto de nação defendia reformas políticas e sociais de caráter civilizador, com a inclusão de diversos segmentos populacionais, o que se poderia fazer apenas mediante um Estado centralizado de modo a conter possíveis arroubos daquela que era considerada uma sociedade ainda bárbara. Já os federalistas objetivavam a ampliação da representatividade política apenas para que pudessem defender seus interesses, não estando ligados, de qualquer maneira, à busca da expansão destes direitos aos demais segmentos da sociedade. Assim, a formação do Estado nacional a partir principalmente dos interesses federalistas excluiria por completo quaisquer objetivos de alterações mais profundas na esfera social ou política. “O arranjo institucional consagrado pelas reformas da década de 1830 e pela revisão dos anos 1840 foi resultado de um processo no interior do qual as elites provinciais se constituíram como elites políticas comprometidas com o novo Estado, evitando assim a 1 fragmentação. Como requisito da vitória da unidade nacional, o modelo implementado na década de 1830 significou a derrota de um projeto de inclusão social. Foi o preço pago pela unidade”.
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