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2 Imigração Assalariada Bruno Gabriel Witzel de Souza M.T.S. Petrone 1. Contexto ítalo-brasileiro. A imensa onda imigratória de italianos para o Brasil em fins do século XIX explica-se palas características peculiares por que passavam estas duas nações. A Itália, tendo passado por seu processo de unificação, encontrava-se em meio a uma profunda crise econômica. A Unificação desestrutura a indústria e a manufatura do sul, tecnicamente inferior à do norte. O desemprego resultante causava uma grande pressão social, para a qual o processo emigratório representava uma válvula de escape. Não foi, porém, do sul, que adveio a maior parte dos imigrantes; estes provinham sobretudo da região norte e eram de origem agrícola. O que explica isto é que, apesar de mais de dois terços da população italiana ser formada por agricultores à época, apenas um sexto destes possuía terras próprias, sendo o nível deste proletariado rural bastante baixo e sem grandes perspectivas de alteração. Do outro lado do Atlântico, a situação de expansão da lavoura cafeeira e da diminuição contínua da oferta de mão-de-obra já são bem conhecidos. É interessante notar um particular diferencial exposto por Petrone naquele contexto brasileiro: “com a organização quase capitalista que se esboçava nas fazendas de café, era incompatível o trabalho escravo, pois esse correspondia com seu preço de compra a um adiantamento a longo prazo com um lucro muitas vezes incerto”. 2. Estímulos à Imigração. O processo imigratório para o Brasil, no entanto, passara por momentos complicados ao longo do século XIX que não eram desconhecidos na Europa. As dificuldades enfrentadas nas colônias de parceria, por exemplo, haviam levado o próprio governo alemão a proibir a imigração para cá. Assim, fazia-se premente um novo sistema de organização da imigração, que substituísse o de parcerias. Os novos contratos de imigração passaram a abandonar as cláusulas de meação e a adotarem um sistema misto, a partir do qual o imigrante receberia uma parcela fixa de renda e outra variável de acordo com sua produtividade. Fundamental para o sucesso do empreendimento imigrantista, no entanto, seria a participação do governo, tanto a nível provincial quanto a imperial. O sucesso dessas políticas seria tal que, de mão-de-obra supletiva à escrava, o imigrante tornar-se-ia uma força produtiva substitutiva daquela. O principal engajado no fomento imigrantista foi o governo provincial paulista, o mais carente de mão-de- obra em sua fronteira cafeicultora ocidental. Em 1871, a assembléia da província autorizou que 600 contos de réis fossem destinados à subvenção da imigração, quantia esta realmente notável quando se tem em mente que a receita total da província de São Paulo era, à época, de 1500 contos de réis. No processo de imigração subvencionada, o italiano tinha sua passagem paga pelo governo, garantia de hospedagem por oito dias nos alojamentos provinciais, onde formavam-se verdadeiros mercados de trabalho, com a presença dos cafeicultores demandantes. Por fim, recebiam um auxílio de transporte até a fazenda em que se instalariam. É particularmente interessante observar que grande parte dos subsídios garantidos à imigração originou-se de tributação sobre a aquisição de escravaria. A construção da Hospedaria dos Imigrantes e a criação da Sociedade Promotora da Imigração, em 1886, impulsionaram sobremaneira o desenvolvimento da imigração italiana. Cabia a esta sociedade contratar a mão-de-obra na Itália, o que se fazia de maneira muito mais responsável (e muito diferente do proceder dos antigos recrutadores, que ganhavam por quantidade de imigrantes que trouxessem às fazendas, do que decorriam geralmente trabalhadores inaptos à lavoura), a fomentar a propaganda sobre o Brasil e a atuar junto ao governo italiano para diminuir-lhe os receios frente à situação a que os italianos estariam submetidos no Brasil. As políticas levadas a cabo pela Sociedade e a responsabilidade com que estas as conduzia, apesar de algumas fraudes eventuais, tanto por parte dos agenciadores quanto dos imigrantes, fizeram com que a imagem brasileira como pólo atrativo de força de trabalho fosse alterada, o que explica também o sucesso de todo o processo imigrantista da década de 1890. É fato, porém, que a Itália, observando aquele afluxo populacional gigantesco, buscou proibir a saída para o Brasil em 1881; os resultados foram de tal forma ínfimos que a lei foi revogada em 1891, demonstrando o sucesso referido acima da política imigrantista. Contribuiria também para o sucesso da imigração a alteração da mentalidade do grande produtor agrícola frente ao imigrante. Não seria o contato com os negros que daria margem às queixas dos imigrantes, mas “[...] a mentalidade escravocrata dos fazendeiros que não conseguiam entender as aspirações dos imigrantes e nem que tratavam com pessoas livres”. Apercebendo-se a maior produtividade do livre, o qual estava diretamente interessado em aumentar a produção para obter maiores ganhos pessoais, e vendo-se cada vez mais pressionado pela escassez da 2 mão-de-obra, não tardaria para que tal mentalidade fosse alterada, sobretudo nas regiões mais novas da fronteira agrícola. É interessante observar, neste contexto, que a presença dos italianos enquanto mão-de-obra livre tenderia a estimular o processo abolicionista: de um lado, observando que aquela força de trabalho era remunerada, tornava cada vez mais difícil fazer com que o escravo aceitasse sua condição; de outro, muitos imigrantes surgiriam como fomentadores do abolicionismo. 3. Condições materiais do imigrante italiano. No novo sistema de imigração, o imigrante passava a receber uma renda fixa para cuidar de mil pés de café e de uma renda variável, que dependia tanto produtividade quanto dos preços a que o próprio fazendeiro negociasse a produção. Além disso, eram destinadas terras para cultivos de gêneros de subsistência e pastos para animais, livres de qualquer pagamento de renda ao fazendeiro. Como um único adulto podia facilmente lidar com cerca de 2000 pés de café, era comum que enquanto um único indivíduo lidasse com o cafezal, os demais membros da família se dedicassem à roça, cujo excedente podiam comercializar. Neste contexto, apesar de não desfrutarem de grandes rendas, não raro podiam os italianos economizar algum pecúlio, que se destinava ou a ser enviado para familiares na Itália, ou poupado para se comprar terras próprias. Além disso, era comum que alguns colonos fossem chamados a realizar tarefas específicas, recebendo uma remuneração extra por jornada. Outra atividade a que se destinaram os italianos foi a da formação de cafezais: para a formação de um cafezal, o proprietário entregava a terra para um empreiteiro por cerca de quatro anos, durante a qual este indivíduo podia cultivar gêneros alimentícios junto ao plantio do café; a terra era devolvida ao final do prazo e o empreiteiro recebia por número plantado de pés de café. Apesar desta situação economicamente relativamente favorável, um problema com que se defrontavam os cafeicultores era o da instabilidade daquela mão-de-obra. Não raro, os imigrados abandonavam uma fazenda por outras que lhes surgisse mais atrativa ou por terem tido algum desentendimento na primeira. Além disso, o grande estímulo para a imigração fora a possibilidade antevista pelo imigrante de obter um lote próprio de terra no Brasil. Apesar de a Lei de Terras ter sido promulgada com o objetivo de toldar a formação de colônias para as quais se dirigisse uma possível mão-de-obra imigrada,fruto do interesse dos cafeicultores em mantê-la nas fazendas, estimulou-se em fins do Império que “terras incultas em tornos das principais cidades fossem subdivididas e vendidas aos antigos colonos das fazendas de café, os quais aí se dedicavam à pequena lavoura [...]”. 4. Contribuições do colono italiano. O gigantesco desenvolvimento experimentado pela lavoura cafeeira paulista em fins do século XIX, foi o grande responsável pela colocação de São Paulo na posição central da economia brasileira, e tal desenvolvimento não teria sido possível sem a colaboração daquela força de trabalho imigrada. Assim, os grandes custos em que incorrera a província para subvencionar a imigração tornavam-se irrisórios frente aos enormes retornos que haviam propiciado. A presença italiana contribuiu também, inestimavelmente, em diversos outros aspectos econômicos. O grande aumento da massa trabalhadora assalariada, diferentemente da escrava, criara um mercado interno potencial a ser suprido tanto pelo desenvolvimento comercial quanto pelo industrial. O próprio setor financeiro se fortaleceu: foram criados pequenos bancos regionais para captar os fundos poupados pelos trabalhadores nas fazendas de café, de maneira que se formaram fundos emprestáveis fundamentais para o posterior desenvolvimento industrial. O avanço das estradas de ferro, com a qual estiveram técnicos e operários italianos profundamente ligados, explica-se apenas pelo sucesso da lavoura canavieira, para o que, como já visto, foi fundamental a mão-de-obra italiana. Por fim,é inegável também ter sido esta massa imigrada absolutamente fundamental para o aumento da população urbana e para o desenvolvimento de novas atividades nestes centros urbanos. Para além da benéfica maior complexidade que garantiram à estrutura econômica e social do país, os italianos foram também responsáveis por uma intensa contribuição cultural, seja através da transplantação de hábitos, costumes e festas, seja pela criação de diversos centros recreativos e culturais. Por fim, é fundamental salientar que a presença do imigrante foi crucial para que se diminuísse a idéia de que o trabalho manual, o trabalho na terra, era desonroso, digno apenas de cativos submetidos pela força: pelo exemplo da ascensão social por que passou grande parte dos italianos, tal perspectiva não poderia manter-se incólume.
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