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1 Formação Econômica do Brasil Bruno Gabriel Witzel de Souza Celso Furtado Capítulo XXIX – A Descentralização Republicana e a Formação de Novos Grupos de Pressão. O processo de transferência de renda que decorria das políticas de desvalorização cambial afetava grande parte da população brasileiro: trabalhadores na agricultura de subsistência e trabalhadores rurais assalariados viam seu poder de compra efetivamente diminuído. A classe mais prejudicada, no entanto, era a dos trabalhadores urbanos, que recebiam salários ou ordenados e que importavam a maior parte dos produtos de que necessitavam. Outras medidas governamentais, para além da esfera puramente cambial, tendiam também a agravar este processo de concentração de renda. A principal fonte de receita governamental, por exemplo, era o imposto sobre as importações, que tinha uma taxa cambial fixa. Assim, os impostos sobre a importação permaneciam fixos em momentos de elevação dos preços das importações, o que prejudicava ainda mais aquelas classes referidas acima. Por fim, dados os problemas de equilíbrio na balança de pagamentos e dos pagamentos da dívida pública, o governo adotou algumas políticas de emissão monetária que tenderam a gerar fortes pressões inflacionárias e a diminuir ainda mais o poder de compra dos assalariados. À época, o governo imperial passava também por problemas quanto à política monetária, sem defini-la adequadamente. Enquanto o regime de servidão perdurou, a carência de controle sobre o numerário ou sua insuficiência não constituíram problemas porque a economia monetária do país ainda era muito raquítica. Com o desenvolvimento do trabalho assalariado, porém, mostrou-se quão inadequado era o sistema monetário nacional e quão escassa era a oferta de moeda. É nesse contexto de “incapacidade do governo imperial para dotar o país de um sistema monetário adequado, bem como sua inaptidão para encaminhar com firmeza e positivamente a solução do problema de mão-de-obra [...]” que se revela o surgimento de grupos de interesse diversos nas distintas regiões do país. Enquanto perdurara a escravidão, não havia nenhum interesse dicotômico entre o norte e o sul do Brasil; no entanto, “a organização social do sul transformou-se rapidamente, sob a influência do trabalho assalariado nas plantações de café e nos centros urbanos [...]”. As novas necessidades destas regiões dificilmente poderiam ser atendidas pelo governo imperial, no qual ainda tinham posições de destaque membros ligados mais aos caracteres da economia nordestina, ainda aferrada aos laços da escravidão. Assim, a proclamação da República tomará a forma de um movimento para reivindicar autonomia regional, a qual é de fato obtida. Um reflexo desta maior autonomia regional pode ser percebido, por exemplo, pela permissão do governo central para que os Estados da federação promovessem, eles próprios, a política monetária mais adequada. O reflexo foi a proliferação de muitos bancos regionais, com uma expansão creditícia até então inédita no país (e com conseqüente desenvolvimento febril de muitas atividades financiadas pelas linhas de crédito recém-inauguradas). No entanto, a maior complexidade social que se processou no Brasil durante a república, e que se iniciara com a introdução do trabalho assalariado, fará com que os interesses dos grandes cafeicultores não sejam os únicos a ter peso no nível estadual: é dessa forma que uma classe média nascente, assalariados urbanos e rurais e nascentes grupos industriais se oporão, por exemplo, às políticas cambiais de desvalorização. As tensões sociais, que haviam desaparecido desde o Período Regencial, dos períodos iniciais da república são reflexos desta nova organização social decorrente da modernização econômica por que vinha passando a nação.
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