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TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS E A EC N. 45/2004 1 Antes da promulgação da Constituição Federal de 1988 a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal era no sentido da paridade normativa entre tratados internacionais, inclusive de direitos humanos e as leis ordinárias, podendo, por conseguinte ser revogados por norma posterior e ser contestada sua constitucionalidade perante os tribunais pela forma concentrada ou difusa. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 houve expectativa entre os doutrinadores da hierarquia dos tratados de direitos humanos de infraconstitucional para constitucional com base no texto do artigo 5º, §2º que afirma: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. O Supremo Tribunal Federal, entretanto, manteve a posição anterior contrariando parte expressiva da doutrina internacionalista e constitucionalista. Posteriormente, com a EC nº 45/2004 foi acrescido ao artigo 5º, §3º nos seguintes termos: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Após a referida emenda o STF, em dois recursos extraordinários (RE 466.343 e RE 349.703) teve que enfrentar a questão da “paridade constitucional ou infraconstitucional” dos tratados internacionais de direitos humanos na avaliação da constitucionalidade da prisão civil para o inadimplemento em contratos de alienação fiduciária em garantia. 2 De acordo com o voto do Ministro Gilmar Mendes, os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos poderiam, segundo a doutrina, ter o seguinte status normativo: a vertente que reconhece a natureza humana suconstitucional dos tratados e convenções em matéria de direitos humanos (Celso Duvivier de Albuquerque Mello): o posicionamento que atribui caráter constitucional a esses diplomas internacionais (Antônio Augusto Cançado Trindade e Flávia Piovesan). A tendência que reconhece o status de lei ordinária a esse tipo de documento internacional ( RE 80.0004/SE, Rel. Min. Xavier de Albuquerque, DJ de 29.12.1977); A interpretação que atribui o caráter supralegal aos tratados e convenções sobre direitos humanos (art. 25 da Constituição da Alemanha; art. 55 da Constituição da França; art. 28 da Constituição da Grécia e a posição firmada pelo Ministro Gilmar Mendes em referido voto). Em seu voto, o Ministro Gilmar Mendes, acompanhando o voto do relator, acrescentou os seguintes fundamentos: “(...) Por conseguinte, parece mais consistente a interpretação que atribui a característica de supralegalidade aos tratados e convenções de direitos humanos. Essa tese pugna pelo argumento de que os tratados sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais, porém, diante de seu caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais, também seriam dotados de um atributo de supralegalidade. Em outros termos, os tratados sobre direitos humanos não poderiam afrontar a supremacia da Constituição, mas teriam lugar especial reservado no ordenamento jurídico. Equipará-los à legislação ordinária seria subestimar o seu valor especial no contexto do sistema de proteção dos direitos da pessoa humana. Concluindo, entendeu que a exclusividade da prisão por dívida para o devedor de alimentos (não para outra situação como o depositário infiel) prevista no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica,: “tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante. Nesse sentido, é possível concluir que, diante da supremacia da Constituição sobre os atos normativos internacionais, a previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel (art. 5º, inciso LXVII 3 não foi revogada pela ratificação do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) 4 e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7)5, 1 Elaborado a partir do texto: LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Ed. Saraiva. 2012. 2 Art. 4 º Se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar na posse do devedor, o credor poderá requerer a conversão do pedido de busca e apreensão, nos mesmos autos, em ação de depósito, na forma prevista no Capítulo II, do Título I, do Livro IV, do Código de Processo Civil. 3 Art. 5, LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel; 4 Art. 11. Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual. 5 Art. 7.7. Ninguém deve ser detido por dívida. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar. mas deixou de ter aplicabilidade diante do efeito paralisante desses tratados em relação à legislação infraconstitucional que disciplina a matéria, incluídos o art. 1.287 6 do Código Civil de 1916 e o Decreto-Lei n° 911, de 1º de outubro de 1969.Tendo em vista o caráter supralegal desses diplomas normativos internacionais, a legislação infraconstitucional posterior que com eles seja conflitante também tem sua eficácia paralisada. É o que ocorre, por exemplo, com o art. 652 do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/2002) 7 , que reproduz disposição idêntica ao art. 1.287 do Código Civil de 1916. Finalmente, entendeu que a prisão civil do devedor-fiduciante afronta o princípio da proporcionalidade, na medida em que existem outros meios processuais-excecutórios, postos à disposição do credor-fiduciário para a garantia do crédito, bem como em razão de o DL 911/69, na linha do que já considerado pelo relator, ter instituído uma ficção jurídica ao equiparar o devedor-fiduciante ao depositário, em ofensa ao princípio da reserva legal proporcional”. O STF, por 5X4, em 03.12.2008, no julgamento do RE 466.343, decidiu que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, se não incorporados na forma do art. 5º,§3º (quando teriam natureza de norma constitucional), têm natureza de normas supralegais, paralisando, assim, a eficácia de todo o ordenamento infraconstitucional em sentido contrário. Finalmente, destaca-se a Súmula Vinculante nº 25/2009: “é ilícita a prisão de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito”. A partir dessa decisão pode-se afirmar que: tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos aprovados por 3/5 dos votos de seus membros, em cada Casa do Congresso Nacional (cf.60,§2º, e art.5º,§3º) em 2 turnos de votação:equivalem a emendas constitucionais, guardando, desde que observem os “limites do pode de reforma”, estrita relação de paridade com as normas constitucionais; poder de reforma”estrita de paridade com as normas constitucionais; demais tratados e convenções internacionais obre direitos humanos, seguindo o entendimento do STF, terão natureza supralegal. tratados e convenções internacionais de outra natureza: têm força de lei ordinária. A partir de 1988 foram ratificados pelo Brasil: a) Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura - 1985, ratificada em 20 de junho de 1989; b) Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes - 1984, 28 de setembro de 1989; c) Convençãosobre os Direitos da Criança – 1989, 24 de setembro de 1990; d) Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos – 1966, 24 de janeiro de 1992; e) Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – 1966, de janeiro de 1992; f) Convenção Americana sobre Direitos Humanos – 1969, 25 de setembro de 1992; g) Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – 1994, 27 de novembro de 1995; h) Protocolo Facultativo à Convenção Americana referente à Abolição da Pena de Morte; 13 de agosto de 1996; i) Protocolo à Convenção Americana referente a Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador); j) Estatuto de Roma, que cria o Tribunal Penal Internacional – 1998, em 20 de junho de 2002, entre outros. A esses avanços soma-se o reconhecimento da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em dezembro de 1998. Todos os tratados acima teriam segundo o entendimento acima natureza de norma supralegal. O único tratado internacional que passou pelo rito de incorporação da EC nº45/2004 foi a Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência e de seu protocolo facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, aprovada pelo Decreto-legislativo nº 186/08 em vigor no ordenamento nacional a partir do Decreto nº 6.949 de agosto de 2009. 6 Art. 1.287. Seja voluntário ou necessário o depósito, o depositário, que o não restituir, quando exigido, será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e a ressarcir os prejuízos (art. 1.273). 7 Art. 652. Seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário que não o restituir quando exigido será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e ressarcir os prejuízos.
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