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CENTRO UNIVERSITÁRIO SENAC Elizabeth Maria Kuhnen Lourdes Alves de Souza Marcos Vinicius Moura e Silva A Organização em Rede na Perspectiva da Gestão do Conhecimento A aprendizagem mediada como estratégia para intervir no desenvolvimento de cultura colaborativa São Paulo 2005 ELIZABETH MARIA KUHNEN LOURDES ALVES DE SOUZA MARCOS VINICIUS MOURA E SILVA A Organização em Rede na Perspectiva da Gestão do Conhecimento A aprendizagem mediada como estratégia para intervir no desenvolvimento de cultura colaborativa Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Centro Universitário SENAC – Campus Consolação, como exigência parcial para conclusão do curso de Pós-Graduação Lato Sensu “Gerenciando a Informação para a Gestão do Conhecimento”. Orientador: Prof. Ms. Edson Costa São Paulo 2005 KUHNEN, Elizabeth Maria A organização em rede na perspectiva da gestão do conhecimento: a aprendizagem mediada como estratégia para intervir no desenvolvimento de cultura colaborativa / Elizabeth Maria Kuhnen, Lourdes Alves de Souza, Marcos Vinicius Moura e Silva – São Paulo, 2005. 73f. Dissertação (Pós-Graduação) – Centro Universitário SENAC. Orientador: Prof. Ms. Edson Costa Bibliografia 1. Gestão do conhecimento 2. Rede Social 3. Cultura 4.Gestão Estratégica 5. Organização que aprende I. Souza, Lourdes Alves de. II. Silva, Marcos Vinicius Moura e. IV. Título. V. A aprendizagem mediada como estratégia para intervir no desenvolvimento de cultura colaborativa. CDD 361.706 K9619o Alunos: Elizabeth Maria Kuhnen Lourdes Alves de Souza Marcos Vinicius Moura e Silva. Título: A Organização em Rede na Perspectiva da Gestão do Conhecimento: a aprendizagem mediada como estratégia para intervir no desenvolvimento de cultura colaborativa A banca examinadora dos Trabalhos de Conclusão em sessão pública realizada em 20/08/2005, considerou os candidatos: ( ) aprovados ( ) reprovados 1) Examinador(a)_____________________________________________________ 2) Examinador(a)_____________________________________________________ 3) Presidente________________________________________________________ AGRADECIMENTOS No círculo de nossas relações familiares agradecemos nossos pais, companheiros, filhos e irmãos que puderam aceitar e estimular o nosso esforço e compreender nossas ausências durante muitos sábados ensolarados. No circulo de nossas relações de amigos temos tanto para agradecer que não caberia nesta folha, e especialmente aos novos afetos que cultivamos durante o curso, fica o nosso mais significativo e sincero agradecimento. Nosso agradecimento especial à amiga Dani pela revisão e sugestões para aprimorar este projeto. No circulo das nossas relações educativas com nossos professores João, Edson, Rose, Ruy, Cirineu, Filipe, Claudia, Yara e Cristina D’Arce, agradecemos a contribuição significativa e a influência que exerceram na execução deste projeto. Ao nosso orientador Edson um agradecimento especial pela contribuição sincera, por ter nos ajudado a elucidar e priorizar nossas escolhas e principalmente pela mediação de nosso processo de construção do conhecimento. Todos se fizeram especiais e companheiros neste fazer, da construção do olhar em GC, que são todas as pessoas que fizeram parte desse momento nas nossas vidas. “Viver é afinar o instrumento, de dentro pra fora, de fora pra dentro“. Walter Franco RESUMO O presente trabalho aborda a Gestão do Conhecimento em uma estrutura organizacional em rede, na Rede Tecendo Futuro (RTF). Através da elaboração de um mapa estratégico, do levantamento e análise de dados da organização, verificou-se que o modelo de construção mental imediatista dificulta a plena realização da proposta inovadora das estruturas horizontais. A construção de um ambiente de aprendizagem a partir do desenvolvimento de planejamento estratégico e de habilidades e elementos de mediação significativos para os participantes da RTF será a base da proposta de intervenção. Sua finalidade é contribuir com o aprimoramento do aspecto colaborativo da cultura organizacional, romper com o modelo de construção mental imediatista e consolidar uma cultura coerente com os princípios de rede social. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Esquema 1: Mapa estratégico da RTF........................................................ 21 Quadro 1: Principais defasagens identificadas no diagnóstico da RTF...... 42 Quadro 2: As principais diferenças entre o diálogo e a discussão.............. 47 Esquema 2: O triângulo da arquitetura organizacional e o ciclo do aprendizado profundo.................................................................................. 50 Planilha 1: Planilha de custo de implantação ............................................. 59 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO...............................................................................................11 1. INTRODUÇÃO........................................................................ .......................12 1.1. Contexto político e social da organização objeto de estudo .......................12 1.2. O conceito de Rede Social..........................................................................14 1.3. A organização objeto do estudo: Rede Tecendo Futuro...... .......................16 1.3.1. Missão e objetivos da RTF................................................ .......................17 2. DIAGNÓSTICO....................................................................... .......................18 2.1. Mapa Estratégico.........................................................................................19 2.1.1. Mapa estratégico da RTF.................................................. .......................21 2.1.2. Leitura do mapa estratégico da RTF................................. .......................22 2.2. Levantamento de dados sobre a organização RTF ............ .......................24 2.2.1. Consulta de documentos ................................................. .......................24 2.2.2. Questionário...................................................................... .......................28 2.2.3. Entrevista com lideranças ................................................. .......................29 2.2.4. Comunicação através do grupo eletrônico........................ .......................30 2.2.5. Observações das reuniões................................................ .......................31 2.3. Possibilidades de caminho para esse projeto ...................... .......................32 2.4. Definição do problema desse projeto................................... .......................33 2.5. Justificativa para o problema levantado ............................... .......................33 2.6. Objetivos deste projeto......................................................... .......................352.6.1. Objetivo geral .................................................................... .......................35 2.6.2. Objetivo especifico ............................................................ .......................35 3. METODOLOGIA DO PROJETO DE PESQUISA ................... .......................36 4. ANÁLISE DE DADOS E PROPOSIÇÃO DE SOLUÇÃO ........ .......................38 4.1. Análise de ambiente de redes.............................................. .......................39 4.2. Análise de dados da RTF .................................................... .......................41 4.3. Proposição de soluções ....................................................... .......................48 5. METODOLOGIA DE IMPLANTAÇÃO DAS AÇÕES .............. .......................52 5.1. Etapas de implantação......................................................... .......................52 5.2. Indicadores........................................................................... .......................57 5.3. Análise de gasto................................................................... .......................58 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................... .......................60 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................... .......................62 APÊNDICE A – Pesquisa de opinião .......................................... .......................64 APÊNDICE B – Rede Tecendo o Futuro: roteiro para entrevista .......................65 APÊNDICE C – A nossa metodologia de aprendizagem ............ .......................66 ANEXO A – Carta Compromisso RTF ........................................ .......................69 ANEXO B – Regras de Convivência RTF ................................... .......................71 ANEXO C – Processo de Planejamento – 2004 ......................... .......................75 11 APRESENTAÇÃO Este projeto inicia-se com uma contextualização da organização objeto de estudo; abordando o panorama sócio-político que favoreceu o surgimento da estrutura de organização em rede; esclarecendo o conceito, os princípios e os tipos de redes sociais para salientar as diferenças significativas entre a estrutura de organização horizontal e a estrutura piramidal predominante no universo corporativo e; apresentando a organização escolhida - a Rede Tecendo Futuro (RTF) - através de seu histórico, categorização, composição, visão e objetivos. A seguir, a análise diagnóstica desta organização, partindo da estruturação do mapa estratégico, do levantamento de dados sobre a RTF e, posteriormente, da análise desses dados; identifica e justifica o foco desse projeto, propondo soluções e a metodologia de implantação das mesmas. 12 1. INTRODUÇÃO 1.1. Contexto político e social da organização objeto de estudo Após 21 anos sob um regime militar e autoritário, o ano de 1985 marcou o início da redemocratização do Brasil, simbolizada pelo processo de eleições diretas dos representantes dos poderes executivo e legislativo, ou seja, a democracia representativa. O direito de voto aos cidadãos significou um grande avanço no processo de participação popular, entretanto, ainda falta muito para garantir a todas as pessoas acesso igual aos benefícios assegurados pela Constituição, o que caracteriza um pleno regime democrático. Acreditamos que isso somente será possível pelo constante aperfeiçoamento da democracia representativa e, principalmente, da democracia participativa, entendida como a apropriação pelos cidadãos dos espaços de participação direta na vida política. Analisando esses 20 anos do processo de redemocratização, verificamos que o Estado do “bem estar social” - presente no regime autoritário e no início do período democrático - ao contrário do que pregava na década de 80, não conseguiu resolver os problemas sociais, desconsiderando questões básicas como falta de creches, alimentação básica, espaços de lazer e cultura, entre outras carências. Esse cenário mobilizou forças da sociedade civil que criaram os movimentos por moradia, associações de moradores, sociedades amigos de bairro, associações de creches; com o intuito de resolver problemas sociais e negociar com os governos as melhorias necessárias. A sociedade civil organizada começava a mostrar outras formas de solucionar seus próprios problemas, incentivando a abertura de negociações, marcadas muito mais por atitudes reivindicatórias do que propositivas. E, nesse contexto, foi se configurando o denominado Terceiro Setor, o conjunto das instituições sem fins lucrativos que, a partir do âmbito privado, contribui com propósitos de interesse público e desenvolve atividades com eventual impacto político, social, econômico e cultural. Contando basicamente com a boa vontade de um grupo de pessoas voluntárias, as iniciativas sofreram muitas dificuldades para sobreviver. O pouco profissionalismo dos gestores e a escassez de recursos 13 determinaram a necessidade de capacitação do terceiro setor para a sustentabilidade de seus projetos. Nesse período e até os dias atuais, algumas características do Terceiro Setor favoreceram o protagonismo social na tentativa de superar os problemas emergentes. Lutando por suas causas, as organizações sociais contribuíram para desenvolver e disseminar valores humanitários como solidariedade, colaboração e respeito ao próximo; base de uma cultura colaborativa emergente. Todos esses aspectos, de uma forma ou de outra, constituíram o pano de fundo para a evolução do processo democrático. A Constituição Nacional de 1988 firmou um dos grandes avanços da retomada democrática, pois promoveu, através do princípio da municipalização, um processo gradativo de descentralizar o poder de Estado. Esse aspecto foi fundamental para o surgimento de novos espaços de participação político-social da sociedade civil, como: conselhos (de orçamentos participativos, de parques, de segurança, de saúde, de representantes, tutelar, etc), conferências e fóruns. A década de 90 marcou o crescimento quantitativo desses espaços de participação político-social, bem como a consolidação do Terceiro Setor. Com esses avanços, a democracia participativa começou a ganhar força. A sociedade civil organizada passou a contribuir de forma marcante na definição e implantação de soluções para os problemas sociais. Atualmente, todo esse cenário aponta para a co-responsabilidade dos setores público, da iniciativa privada e da sociedade civil no desenvolvimento social. O conceito de responsabilidade social começa a definir a participação do setor privado nas atividades sociais. As empresas começam a investir recursos, definir e assumir causas estratégicas e até mesmo a criar associações e fundações próprias. O setor público, através de convênios, repassa recursos financeiros para as organizações do terceiro setor desenvolverem seus projetos, assumindo cada vez mais o papel de administrador e delegando o papel de executor para as entidades sociais. Algumas dessas instituições destacam-se por suas boas práticas e pela transparência de gestão, conquistando legitimidade e fortalecendo a autonomia em suas decisões. A complexidade dos problemas sociais, econômicos e ambientais, a escassez de recursos financeiros, a disseminação da cultura colaborativa e de parcerias entre os três setores e entre as próprias organizações do terceiro setor facilitaram o aparecimento da organização em rede como uma forma alternativa de relação entre 14 pessoas, entidades sociais e instituições públicas, cuja essência são os princípios democráticos. 1.2. O conceito de Rede Social No contexto político-socialdos últimos anos, a sociedade brasileira vem se mobilizando no sentido de organizar grupos de discussão e atuação coletiva como as redes sociais, fóruns virtuais ou presenciais e listas de discussão pela internet. Entendemos a Rede Social como uma estrutura alternativa de organização, que estabelece relações de horizontalidade como forma de funcionamento e a busca do consenso como base para os processos decisórios. Reúne pessoas, organizações sociais e públicas em torno de um objetivo comum, sem que as partes percam autonomia e a identidade do trabalho das organizações que representam. Essa experiência geralmente é estimulada por uma necessidade ou problema comum e que demanda soluções conjuntas. A rede organiza-se por projetos e cada participante disponibiliza seus recursos ou competências de forma espontânea para que o propósito do coletivo seja alcançado. Os membros ativos participam do processo decisório e compartilham valores que sustentam a criação de uma nova cultura de colaboração. Desta forma, essa estrutura de organização caminha na direção de somar esforços e desenvolve comprometimento genuíno com formas de atuação capazes de responder à necessidade de desenvolvimento humano e social. As organizações da sociedade civil têm sido pioneiras na criação e manutenção de redes sociais, destacando-se como vanguarda na proposição do exercício da democracia participativa. Segundo a Rede de Informações para o Terceiro Setor (RITS)1, as redes têm sido saudadas, nas duas últimas décadas, como a mais significativa inovação humana no campo da organização da sociedade. Francisco Whitaker (2003), complementa: Nos anos oitenta, noventa, muitos movimentos sociais de diferentes tipos assumiram realmente esta proposta de não ter pirâmides de direção, comandos unificados, mas de ter direções colegiadas. Na minha opinião, é a partir dessa base que foi surgindo esta forma de organização em rede. 1 http://www.rits.org.br. 15 As redes sociais surgem como uma organização estratégica e política para estimular iniciativas de compartilhamento de idéias e experiências, articular políticas públicas e implementar ações conjuntas. A partir das considerações de Whitaker (1993) e Martinho (2002), os elementos fundamentais para a configuração de uma rede social são: a democracia, a horizontalidade, a livre circulação de informações, o objetivo comum, a participação espontânea e consciente, a construção ativa de um projeto coletivo, o respeito e o consenso. As redes assumem papel preponderante na formação de cultura colaborativa, em contrapartida à cultura competitiva predominante. Essa cultura emergente se forma através da prática de valores cooperativos. Whitaker (1993, p. 5) constata o ambiente favorável das redes sociais para o exercício desses valores: Tanto as redes como as pirâmides funcionam melhor se entre seus membros se aprofundar a colaboração, a solidariedade, a ajuda mútua, a transparência e a co-responsabilidade. Estas condições se desenvolvem, no entanto mais facilmente em estruturas horizontais do que em estruturas piramidais. O exercício da liberdade, responsabilidade e democratização da informação, que a lógica das redes desenvolve, ajuda a mudar, nos seus participantes, os padrões de dominação, competição, autoritarismo e manipulação que a cultura dominante introjeta em cada um de nós; uma prática nova que reeduca – embora essa reeducação possa ser um processo lento de superação dos hábitos, métodos e perspectivas que nos cercam de todos os lados, continuamente. Essa mudança cultural diz respeito ao aspecto educativo do processo de formação de uma rede, que deve levar em consideração os padrões de aprendizagem de seus participantes, na maioria das vezes formados em um ambiente não democrático e em uma cultura predominantemente individualista e competitiva. Essa consideração é fundamental para melhor compreender o paradigma a ser superado no aprimoramento da cultura colaborativa. Por outro lado, o aspecto organizativo da rede busca, através da horizontalidade, desconcentrar o poder. “O poder numa rede pertence a todos os seus integrantes. Ele é o poder conjunto de todos que a integram”, conforme Whitaker (1993, p. 6). Nessa forma alternativa de organização todos são iguais, todos têm a mesma possibilidade de iniciativa, todos são sujeitos de sua ação e co- responsáveis pela atitude organizacional, sempre numa perspectiva de liberdade. Mas, pode haver uma distribuição de funções, pois as redes não acontecem de forma totalmente espontânea e desorganizada. Esses papéis são definidos pelos 16 participantes e decididos conjuntamente. As redes normalmente possuem algumas características comuns: são abertas, não restringindo a participação das pessoas interessadas; não possuem constituição jurídica e; podem ser classificadas a partir de alguns aspectos, como virtual ou presencial; temática ou ampla; local, regional, nacional ou internacional. A RITS relaciona três categorias de redes no Terceiro Setor: redes temáticas ou de identificação, redes regionais e redes organizacionais. 1.3. A organização objeto do estudo: Rede Tecendo Futuro A Rede Tecendo o Futuro (RTF) é uma rede temática, ou seja, concentra suas discussões e ações em uma causa específica; no caso, a defesa de direitos de crianças e adolescentes. Ela se origina no contexto do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei Federal no 8.069/90, que co-responsabiliza a família, a comunidade, a sociedade em geral e o Poder Público na prioridade da efetivação dos direitos e da promoção do desenvolvimento humano e social das crianças e dos adolescentes, tornando imprescindível a formação de espaços de mobilização e articulação. Em julho de 2001, a RTF começou a se organizar, durante e logo após a Conferência Regional dos Direitos da Criança e do Adolescente, atendendo a expectativa de entidades e cidadãos da Região Oeste de São Paulo preocupados com a questão da infância e juventude. A RTF é formada por representantes de organizações da sociedade civil de atendimento direto a crianças e adolescentes nas áreas de educação, saúde e medidas sócio-educativas (escolas públicas e particulares, projetos de educação complementar à escola, projetos de extensão universitária, agentes comunitários de saúde, etc) e; segmentos do poder público, como a Coordenadoria de Assistência Social, a Coordenadoria de Educação, e o Conselho Tutelar da região, órgão previsto no ECA. Também é intenção de seus membros a participação crescente de adolescentes e jovens, vinculados ou não às organizações participantes. A RTF configura um espaço representativo de diversos segmentos da sociedade relacionados à causa da criança e do adolescente. Mas, além de ser 17 representativo, caracteriza-se por um espaço de participação direta aberto a todos os cidadãos interessados, onde princípios da democracia participativa estão presentes, como a busca de consenso; direito igual de fala a todos os participantes; construção coletiva; participação livre; soberania da plenária; circulação ampla de informações. Esses princípios e práticas favorecem o desenvolvimento de uma cultura colaborativa. 1.3.1. Missão e objetivos da RTF De acordo com a sua Carta Compromisso2 (Anexo A), elaborada coletivamente durante o 2o semestre de 2003, a RTF tem os seus princípios baseados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Convenção Internacional dos Direitos da Criança e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Sua missão e objetivos são assim explicitados: A RTF tem como fim último a valorização da vida, através de condições que favoreçam o pleno desenvolvimento pessoal e social de todas as Crianças e Adolescentes, entendendo que estassão prioridade absoluta em relação as (sic) políticas públicas e aos cuidados da sociedade. Nesse sentido, a RTF objetiva: • Divulgar o E.C.A. na Região Oeste; • Promover atividades ou ações que qualifiquem os profissionais, que trabalham direta ou indiretamente com Crianças e Adolescentes na região Oeste, sobre o E.C.A. • Promover a integração em rede de entidades e organizações (governamentais e não governamentais) que trabalhem com Crianças e Adolescentes na região; • Estar presente nos espaços de discussão e atuação na área da Infância e Adolescência, organizados pela sociedade civil, em nível local, municipal e estadual; • Estar presente em atividades e eventos que reflitam a condição dos Direitos da Criança e do Adolescente; • Promover ações na linha da defesa de Direitos da Criança e do Adolescente; • Refletir, propor e fiscalizar a aplicação de políticas públicas referentes à área da Infância e Adolescência, prioritariamente na Região Oeste. 2 O documento do Anexo A foi alterado em relação ao nome verdadeiro da organização para um nome fictício a fim de preservar a identidade da rede. 18 2. DIAGNÓSTICO Segundo Inojosa (1999, p. 115), as redes de compromisso social “têm surgido na sociedade como uma forma de abordar questões sociais complexas, cujo equacionamento não tem sido exitoso quer por organizações isoladas, quer pela ação do Estado”. Esse contexto de origem da estrutura em rede é apenas um aspecto de um quadro mais amplo de uma época de transição. Segundo Filipe Cassapo3, estamos vivendo a “esquizofrenia da transitoriedade” porque usamos “conceitos do passado para olhar o novo”4. Senge (2003, p. 11) afirma que estamos vivendo “em uma era de enormes mudanças institucionais, talvez sem precedentes desde o início da Era Industrial”, que se caracteriza como “uma era de ‘águas espumantes permanentes’” (idem, p.13). O termo “Sociedade do Conhecimento”, cunhado por Peter Drucker e citado por alguns autores (CHOO, 2003; NONAKA; TAKEUCHI, 1997) é uma referência para explicar a importância do conhecimento na nova economia ou sociedade. Nessa época de incertezas, o conhecimento ganha papel de destaque como “o único recurso econômico significativo da sociedade pós-capitalista, ou sociedade do conhecimento” (DRUCKER apud CHOO, 2003, p. 28); reconhecido “como um ativo corporativo” (DAVENPORT; PRUSAK, 1999, p. 14) e “uma vantagem sustentável” (idem, p. 20). Ao longo da década de 90 surgem termos e teorias relacionadas ao conhecimento, como a organização do conhecimento, a organização que aprende, a teoria da criação do conhecimento organizacional, cinco modos de se gerar o conhecimento; apenas para citar algumas das mais importantes. Nesse contexto complexo, o conhecimento e, consequentemente, sua gestão, tornaram-se aspectos estratégicos para qualquer instituição. Dessa forma, o olhar para a organização objeto desse estudo utilizará a “lente” da Gestão do Conhecimento, buscando oportunidades de aplicação das teorias citadas para alavancar a evolução da RTF. 3 Professor convidado do curso de pós-graduação “Gerenciando a informação para a gestão do conhecimento” do Centro Universitário Senac e gerente DCDO-Gestão do Conhecimento da Votorantin. 4 Termo proferido em aula ministrada no dia 08/06/05, no curso de pós-graduação “Gerenciando a informação para a gestão do conhecimento” do Centro Universitário SENAC. 19 Para realizar o diagnóstico com foco em Gestão do Conhecimento foram relacionados os principais objetivos e processos da RTF em um mapa estratégico. As características observadas descritas no levantamento de dados complementam as informações básicas desse item. O mapa estratégico e o levantamento de dados foram elaborados através de consultas a documentos oficiais, da participação e observação de três reuniões, da aplicação de questionário (ver modelo do questionário no Apêndice A) para 50% dos participantes da RTF, de entrevistas (ver roteiro de entrevista no Apêndice B) com três lideranças do grupo, do acompanhamento do grupo eletrônico e de uma entrevista de foco histórico com um representante da RTF. 2.1. Mapa estratégico Segundo Kaplan e Norton, seus idealizadores, o mapa estratégico é a “representação visual das relações de causa e efeito entre os componentes da estratégia de uma organização” e constituí-se no “elo perdido entre a formulação e a execução da estratégia” (KAPLAN; NORTON, 2004, p.10). Além disso, por ser uma representação gráfica, o mapa estratégico pode ser uma importante ferramenta de comunicação entre todos os colaboradores da organização, permitindo compartilhar os objetivos estratégicos e visualizar a importância de cada indivíduo para agregar valor e ajudar a atingir os resultados almejados pela organização. O modelo básico de mapa estratégico proposto por seus criadores compõe- se de quatro perspectivas: aprendizado, interna ou processos, clientes e financeira. A perspectiva financeira e a de clientes descrevem os resultados que a organização espera atingir. As perspectivas de aprendizado e interna representam os processos críticos que mostram como a organização impulsionará e implementará a estratégia, criando e sustentando valor agregado, aumentando a produtividade e preservando o funcionamento da organização (KAPLAN; NORTON, 2004). Para a formulação do mapa, considerando a natureza da organização objeto desse estudo, foi necessário verificar a coerência da nomenclatura das perspectivas propostas por Kaplan e Norton e a definição de proposições coerentes com a estrutura organizacional em rede e a sua finalidade social. 20 As perspectivas de aprendizado e processos foram mantidas, pois pessoas, conhecimentos e processos são fundamentais para realizar qualquer atividade e também estão presentes na estrutura organizacional da RTF. A perspectiva de cliente presta–se às relações de mercado, primordialmente por sua característica de compra e venda. Como essa relação não existe numa organização em rede do tipo analisado nesse estudo, fez-se necessário buscar outro nome para designar adequadamente as relações entre as organizações sociais e outras instâncias políticas. Nomear de perspectiva de relações ampliaria muito a abrangência, assim classificar essa perspectiva de organizações melhor definiu o componente agregador das relações. Da mesma forma, como não há retorno financeiro do investimento em projetos da RTF não faria sentido usar a perspectiva financeira. Nesse caso verifica- se que o resultado dos projetos visa à melhoria de condições de vida para a comunidade. A relação proposta é de que tais mudanças correspondem ao retorno dos investimentos. Portanto definir para essa perspectiva o nome de comunidade designando o âmbito onde os benéficos acontecem, aplica-se mais adequadamente para mostrar essa relação. Como representação visual da estratégia, de acordo com Kaplan e Norton (2004, p. 57) o mapa estratégico mostra “numa única página como os objetivos nas quatro perspectivas se integram e combinam para descrever a estratégia”. Devido a esse potencial, o mapa será utilizado nesse projeto para auxiliar no diagnóstico da organização e facilitar a visualização de possíveis focos de intervenção para a aplicação de princípios de Gestão do Conhecimento. 21 2.1.1. Mapa estratégico da RTF Esquema 1. Mapa estratégico da RTF Comunidade Organizações Processos Aprendizado Desenvolver cultura colaborativa/ mediada Desenvolver o exercício da democracia participativa Estimular e facilitar o compartilhamento de experiências e conhecimentos Conhecer, interpretar e aplicar o Estatuto da Criança e Adolescente Elaborar planejamento anual Estimular a comunicação por grupo eletrônico Definir uma rotina de reunião presencial Dividir o trabalho em comissões permanentes Planejar ações e projetos Implantar Carta Compromisso e regras de convivência - Funcionamento da rede Mobilizar governo local, organizações e seus recursos para a execução de projetos Manter e ampliar o número de participantes Acompanhar e influenciar políticas públicas Fortalecer Organizações que trabalham com criança e adolescente Contribuir para a formação política de jovens (ECA). Lideranças comunitárias e instituições Promover parcerias Melhorar as condições para o desenvolvimento pleno das crianças e adolescentes da região oeste 22 2.1.2. Leitura do mapa estratégico da RTF A leitura do mapa estratégico da RTF, a partir da perspectiva comunidade, aponta que para melhorar as condições de desenvolvimento pleno das crianças e adolescentes da região é necessário acompanhar e influenciar políticas públicas, fortalecer as organizações que trabalham com criança e adolescente, promover parcerias entre as organizações e contribuir para a formação política de jovens, lideranças comunitárias e instituições; objetivos estratégicos que estão na perspectiva das organizações. O acompanhamento e a possibilidade de influenciar as políticas públicas depende e favorece o fortalecimento das organizações que trabalham com crianças e adolescentes, que, por sua vez, ao estarem participando da RTF, necessitam de um eficaz funcionamento, da manutenção e ampliação do número de participantes da RTF para se fortalecerem, além da própria capacidade e interesse das organizações em promover parcerias, o que, a princípio, a participação em um espaço como a RTF facilita. Para promover parcerias entre as organizações também é necessária a manutenção e ampliação do número de participantes da RTF, bem como, mobilizar o governo local, as organizações e seus recursos para a execução de projetos. Por sua vez, a mobilização e execução de projetos são a base para contribuir com a formação política de jovens, lideranças comunitárias e instituições. As parcerias entre as organizações podem auxiliar na formação política de jovens, lideranças comunitárias e instituições e a formação política pode alavancar a promoção de parcerias. Para manter e ampliar o número de participantes da RTF é necessário um estratégico funcionamento da RTF. Na perspectiva de processos, o funcionamento da RTF depende de elaborar um planejamento anual, estimular a comunicação por grupo eletrônico, definir uma rotina de reunião presencial e um processo de divisão do trabalho. A mobilização do governo local, das organizações e seus recursos para a execução de projetos depende do planejamento de ações e projetos, que está diretamente relacionado ao funcionamento da RTF e depende da perspectiva do aprendizado. Os quatro requisitos que determinam o funcionamento da RTF devem ser 23 coerentes com o objetivo de desenvolver o exercício da democracia participativa, que por sua vez ocorre a partir do desenvolvimento de uma cultura colaborativa e da relação direta com a capacidade de estimular e facilitar o compartilhamento de experiências e conhecimentos. A cultura colaborativa também estimula e facilita o compartilhamento de experiências e conhecimentos e, por se tratar de uma rede temática, as experiências e conhecimentos estarão diretamente relacionados ao potencial dos participantes da RTF em conhecer, interpretar e aplicar o Estatuto da Criança e do Adolescente, que também é a base para que a RTF possa planejar suas ações e projetos. Fazendo a leitura do mapa de baixo para cima, ou seja, a partir da perspectiva aprendizado, a capacidade da RTF de desenvolver uma cultura colaborativa irá desenvolver o exercício da democracia participativa e estimular e facilitar o compartilhamento de experiências e conhecimentos. Quanto mais as pessoas aprenderem a exercitar a democracia participativa, mais estarão propensas a compartilhar experiências e conhecimentos, bem como, nesse compartilhar também se exercita a democracia participativa. Conhecer, interpretar e aplicar o Estatuto da Criança e do Adolescente sustenta o tema da RTF, portanto, as experiências e conhecimentos serão compartilhados basicamente nesse contexto e possibilitarão um crescente aprendizado coletivo sobre a questão da infância e adolescência. Esse aprendizado possibilita planejar ações e projetos consistentes para mobilizar o governo local, as organizações e seus recursos na execução dos mesmos. Essa mobilização a partir de projetos consistentes facilita as parcerias entre as organizações e, conseqüentemente, o fortalecimento das mesmas. A possibilidade de parcerias entre as organizações também é maior com uma manutenção e ampliação dos participantes da RTF. O desenvolvimento dos projetos e de parcerias irá contribuir para a formação política de jovens, lideranças comunitárias e instituições. A ação em parcerias e a formação política estão co-relacionadas e contribuem com o resultado para a comunidade de melhorar as condições do desenvolvimento pleno das crianças e adolescentes da região. Da mesma forma, o aprendizado do exercício da democracia participativa irá influenciar os processos básicos de funcionamento da RTF, tornando-os significativos e legítimos para os participantes. A partir de seu funcionamento, a RTF 24 poderá planejar suas ações e projetos, bem como manter e ampliar o número de seus participantes e fortalecer as organizações. Sustentadas e fortalecidas pela manutenção e ampliação do número de participantes da RTF, as organizações se tornam mais aptas para realizar seus trabalhos e promover parcerias e, também, mais articuladas para acompanhar e influenciar políticas públicas. Conseqüentemente, o resultado da perspectiva comunidade proposto pela RTF aparece. 2.2. Levantamento de dados sobre a organização RTF Nessa parte do diagnóstico, apresentamos um relato do que foi verificado nos documentos oficiais, nos questionários respondidos, nas entrevistas com lideranças e na comunicação através do grupo eletrônico; enriquecidos com nossas observações de três reuniões presenciais e com informações da história da RTF coletadas através de entrevista com um de seus participantes. 2.2.1. Consulta de documentos Os documentos consultados foram a Carta Compromisso da RTF (Anexo A), as Regras de Convivência da RTF (Anexo B) e o Processo de Planejamento 2004 (Anexo C). Os dois primeiros documentos foram elaborados ao longo do segundo semestre de 2003, o último em janeiro de 2004. Esse período marca um esforço dos participantes em organizar e planejar o funcionamento e as ações coletivas da RTF. Segundo o participante da RTF que contou a história da mesma desde sua criação, as discussões que permearam a elaboração desse material foram cansativas e exploraram pouco o aspecto conceitual e de entendimento do próprio Estatuto da Criança e do Adolescente. Na época, muitos jovens estavam envolvidos e, a natureza e forma de condução desse processo podem tê-los afastados. Segundo a mesma fonte, o Processo de Planejamento 2004 foi finalizado por um 25 grupo restrito de participantes e não teve uma disseminação plena. Nas reuniões acompanhadas, entre maio e julho de 2004, não observamos a utilização do Plano de Ação 2004 (Anexo C) como referência para direcionar as discussões e decisões.A Carta Compromisso da RTF (Anexo A) explicita seu alinhamento com os princípios de uma rede social e da democracia participativa, conforme trecho a seguir: ... é uma organização informal sem fins lucrativos, não hierarquizada e, antes de tudo, um espaço aberto para o exercício da democracia participativa. Logo, é um espaço suprapartidário, sem distinção de sexo, cor, credo religioso ou político, etnia, faixa etária ou condição social. A Rede Tecendo o Futuro tem, principalmente, o compromisso com a construção de uma sociedade ética, fraterna, livre, plural e justa. Tendo, portanto, respeito ao trabalho cooperativo e solidário como instrumento de potencialização das capacidades e de superação das limitações de seus membros; assim como respeito à identidade, à autonomia e à dinâmica de cada membro. Além disso, baseia-se em outros documentos, reconhecidos internacionalmente: a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção Internacional dos Direitos da Criança e o Estatuto da Criança e do Adolescente. No entanto, no cotidiano de funcionamento da RTF, não observamos a citação e a utilização dos mesmos tanto como referência para o rumo das ações como para o aspecto formativo de seus participantes. A exceção, embora não tenhamos observado diretamente, é o Grupo de Formação da RTF. Nas Regras de Convivência da RTF, o espaço de formação é previsto como Comissão Permanente de Planejamento e Formação, que, dentre algumas de suas funções, “proporá palestras, seminários e eventos culturais para cativar a comunidade, fazendo com que esta conheça e participe da RTF. Como também garantindo o processo de formação sobre a temática da criança e adolescente aos seus componentes”. Até o final do ano de 2003 muitos adolescentes e jovens participavam da RTF. No entanto, esses jovens foram deixando de comparecer às reuniões; alguns por ingressar no ensino superior e/ou por motivo de trabalho. Os demais mantiveram uma participação quase que exclusiva no Grupo de Formação, deixando de trazer informações para os encontros presenciais da RTF sobre esse processo. Embora os participantes da RTF tenham se empenhado bastante na construção das Regras de Convivência, criando uma estrutura organizada de 26 trabalho, a mesma não vem tendo uma adesão pelos mesmos. No início de 2004, uma das principais lideranças e referência para o grupo de jovens se afastou das reuniões da RTF por questões pessoais. Houve então uma ruptura no espaço comum compartilhado por adultos e adolescentes. O espaço de formação, previsto como Comissão Permanente e não exclusivo para os jovens, transformou-se em um Grupo de Formação constituído pela liderança citada e pelos adolescentes remanescentes; um espaço de encontros semanais, aberto, mas que até o momento não mobilizou os participantes adultos da RTF e segue paralelamente ao trabalho da RTF. Em meados de 2004, observamos que, em função das ações planejadas, os adolescentes foram retornando e vinculando-se novamente ao trabalho como um todo. Verificamos que uma das particularidades da RTF é compor-se de adolescentes e adultos compartilhando o mesmo ideal e comprometidos com a mesma causa. No entanto, essa convivência nem sempre atende aos anseios do Grupo de Formação e da RTF como um todo. O ambiente é complexo nesse sentido. Se por um lado a RTF tenta alcançar um objetivo estratégico, garantir a participação ativa desses jovens e cuidar do processo de formação dos mesmos a partir do ECA; por outro, as divergências e conflitos se manifestam no fazer cotidiano, na forma de pensar, de organizar e conduzir os processos, em função, muito provavelmente das diferentes visões, das experiências, da linguagem e expectativas; gerando desconforto e distanciamento de grande parte desses jovens. Outro importante aspecto da estrutura de trabalho diz respeito às reuniões ordinárias, que são a última instância consultiva e decisória da RTF. As reuniões acontecem uma vez por mês com duração de 3 horas. Em relação ao formato dessas reuniões, as Regras de Convivência5 (Anexo B) estabelecem que: Quanto ao formato das reuniões ordinárias, elas devem contemplar as seguintes preocupações em sua dinâmica: a) Integração: importante para descontrair, conhecer, assim como adquirir confiança entre os membros da RTF; b) Tema Central - Discussão/Análise: será o principal tema a ser aprofundado pelo grupo. A discussão poderá ser feita em grupos ou coletivamente, de acordo com a necessidade; 5 O documento do Anexo B foi alterado em relação ao nome verdadeiro da organização para um nome fictício a fim de preservar a identidade da rede. 27 c) Encaminhamentos: é o fechamento da discussão. Deverá ser feito sempre em plenária para que esta delibere sobre o assunto; d) Sugestões para a pauta: poderão ser encaminhadas à comissão de planejamento, que organizará, com antecedência, a próxima reunião; e) Informes: espaço garantido ao final de cada reunião para trocas de experiências, avaliações, dicas, etc. Essa ordem não foi rigidamente seguida nas reuniões observadas. Os três encontros iniciaram com a dinâmica de integração, mas segundo o entrevistado sobre a história da RTF, isso não ocorre sempre e, na maioria das vezes, inicia-se com uma breve apresentação dos participantes, partindo-se posteriormente para os informes ou para a definição da pauta da reunião. A pauta pode ser definida no encontro anterior, através de mensagens pelo grupo eletrônico e, geralmente, não são organizadas com antecedência por uma comissão ou mesmo pela pessoa que fará a coordenação da reunião. Considerando essa estrutura das reuniões e os momentos em que houve dinâmica de integração, observamos um clima de afetividade, cordialidade e cooperação entre os presentes; com os participantes antigos demonstrando abertura para receber novos membros, característica essencial para a continuidade de uma rede. Quanto às funções durante as reuniões, as Regras de Convivência definem que: As reuniões ordinárias deverão ter sempre um (a) coordenador(a); um(a) relator(a), responsável pela ata; um(a) secretário(a), responsável pelas inscrições, pela coleta e distribuição de materiais e registros. O coordenador deverá ser escolhido em assembléia, por um período fixo de três meses. As demais funções deverão ser preenchidas por reunião, também em decisão coletiva. Nas observações das reuniões de maio a julho de 2004 da RTF, verificamos três atuações distintas de coordenadores. A função de coordenar tem um caráter organizativo, de fazer cumprir a tarefa proposta pelos participantes. Fica a cargo do coordenador dar início à reunião, cuidar que tenha um relator e um secretário e conduzir a pauta pré-estabelecida. O cumprimento da norma que define o rodízio trimestral do coordenador foi observada somente na reunião de maio, que fechou um ciclo de quatro encontros com o mesmo coordenador. Para o mês de junho definiu-se uma coordenadora, que não pode estar presente na reunião e, a partir disso, o coordenador foi escolhido, 28 em junho e julho, na hora do encontro. As funções citadas foram definidas espontaneamente e sem necessidade de consulta formal à assembléia. 2.2.2. Questionário O questionário denominado Pesquisa de Opinião (Apêndice A) foi elaborado e aplicado para verificar o entendimento dos participantes e a coesão em relação à visão, missão e objetivos da RTF. Em segundo plano, verificou a relação de contribuição entre a RTF e a organização representada por cada participante. O questionário foi respondido por dez participantes da RTF presentes na reunião de junho de 2004 (50%), representando dez instituições diferentes. A visão da RTF não é claramente mencionada em seu principaldocumento, a Carta de Compromisso, a qual caracteriza mais a missão, os objetivos e princípios da RTF. Através do questionário (questão 1), verificamos que 70% responderam relacionando a visão ao cumprimento, consolidação e respeito aos direitos das crianças e dos adolescentes, mais especificamente, ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Considerando que o ECA é uma Lei Federal que vigorava, à época da aplicação do questionário, há 14 anos, verificamos que os participantes percebem uma defasagem acentuada entre a lei e sua prática. Dos participantes pesquisados, 20% responderam que a visão está relacionada a uma sociedade democrática, igualitária e justa. Quanto à missão e aos objetivos, verificados através das respostas à questão 2, constatamos que 70% também relacionam ao ECA, mas de uma maneira mais prática do que em relação à questão 1; com um sentido de divulgação, formação, mobilização, conhecimento e aplicação prática do Estatuto nas ações que ocorrem na região. De maneira geral, observamos que a missão e objetivos demonstrados nas respostas estão em consonância com a Carta de Compromisso da RTF, embora não tenham abarcado todos os objetivos relacionados na mesma. 29 2.2.3. Entrevista com lideranças Buscando compreender melhor o entendimento da RTF sobre o papel e as competências de um coordenador e sobre a prioridade e funcionamento da RTF em relação a ser um espaço de aprendizado e formação ou um espaço produtivo e de ação, entrevistamos três lideranças da RTF durante o segundo semestre de 2004 (Apêndice B apresenta o roteiro de entrevista). Verificamos que não há um consenso sobre a prioridade que o espaço da RTF representa. Para um entrevistado significa um espaço de formação em relação ao ECA, complementando o que deveria ser o papel do Estado. Para outro, representa um momento de compartilhar experiências, informações e conhecimento; um espaço de pesquisa e mapeamento da realidade da região em relação à questão da infância e juventude e, também; um espaço de mobilização, sobretudo, de jovens. Para o outro entrevistado, significa um espaço de formação de cidadania e de valores coletivos, bem como, uma oportunidade de prática desses mesmos valores. Quanto ao papel do coordenador, há certo consenso de que é uma função organizativa da reunião. No entanto, alguns detalhes citados diferenciam consideravelmente esse papel. Para um dos entrevistados, o coordenador também é um articulador entre uma reunião e outra, devendo acompanhar os encaminhamentos deliberados em plenária e informar os participantes na reunião seguinte. Para outro, o papel se restringe mais ao momento do encontro, podendo o coordenador ser escolhido no início do mesmo, sendo que a RTF como um todo deve assumir e dividir as responsabilidades por todas as ações. O outro entrevistado coloca o coordenador como parte de uma questão mais ampla de organização e metodologia necessárias para a prática dos valores cidadãos e coletivos, que devem prevalecer em relação aos interesses individuais. Quanto às competências necessárias para coordenar a reunião presencial, também há certo consenso, mas fica claro que essas competências serão usadas com o fim de caracterizar o espaço da RTF e o papel do coordenador que cada um dos entrevistados percebe e foram citados anteriormente. As principais competências citadas foram: ser participativo na RTF; conhecer o grupo de participantes, os objetivos da RTF e, minimamente, a temática da criança 30 e adolescente; possuir habilidades de comunicação e argumentação, como se fazer entender em suas falas, sintetizar as falas dos demais, ouvir todos com a mesma atenção e estabelecer relações entre o que foi dito; possuir capacidades para operacionalizar o momento da reunião, organizando o tempo dos itens da pauta e das falas, mantendo o foco no assunto, mas tendo sensibilidade caso surja algum ponto importante e, fazendo os encaminhamentos coletivos e deliberativos necessários. Todos os entrevistados também concordaram que não é fácil possuir todas essas competências e, para dois deles, coordenar uma reunião também é uma experiência de formação e um desafio individual que necessita da compreensão e colaboração dos demais participantes da RTF. 2.2.4. Comunicação através do grupo eletrônico O grupo eletrônico parece ser a ferramenta de comunicação interna mais importante e ativa da RTF. O fluxo de informação que ocorre por meio eletrônico serve para socializar informações, aprofundar discussões sobre temas de interesse comum e permitir a participação intensa e contínua de todos os membros da RTF, inclusive daqueles que não podem comparecer periodicamente às reuniões. O registro das reuniões, feito pelo relator, é enviado eletronicamente para todos os membros da RTF, possibilitando que encaminhamentos e ações ocorram e sejam acompanhados continuamente. Isso demonstra e favorece um maior comprometimento dos participantes e das organizações as quais representam, não somente com a participação na reunião mensal, mas com um processo mais contínuo em defesa dos direitos e do pleno desenvolvimento das crianças e adolescentes, o objetivo maior da RTF. Durante o ano de 2004 foram compartilhados 498 e-mails, uma média de 41,5 mensagens por mês. Ao final do ano, 75 participantes estavam cadastrados no grupo eletrônico da RTF. 31 2.2.5. Observações das reuniões Algumas das observações feitas sobre as três reuniões acompanhadas - de maio, junho e julho de 2004 - serviram como complemento às fontes anteriores de diagnóstico. No entanto, alguns pontos adicionais são relevantes para melhor compreensão do funcionamento da RTF. A média de presença nas reuniões foi de dezessete pessoas, sendo quinze adultos e dois jovens. Em média, 85% dos participantes representaram instituições e 15% corresponderam a participações individuais. O ponto central da pauta desses encontros foi a organização da “III Semana do Estatuto da Criança e do Adolescente”, principal ação de divulgação do ECA realizada pela RTF. Observamos que o evento contribui com os objetivos declarados na Carta Compromisso da RTF (Anexo A), que são objetivos gerais. No entanto, verificamos que os próprios participantes da RTF manifestam alguns questionamentos: “o que queremos com a Semana do ECA?”; “como mobilizar a participação das escolas?”; “qual o público que queremos atingir?”; “porque algumas organizações não estão mais participando?”, “como garantir a participação dos adolescentes?”. Embora surjam essas questões, verificamos que a RTF acaba priorizando a operação e os encaminhamentos pontuais, por vezes, em prejuízo do aprofundamento de discussões e do desenvolvimento de análises estratégicas para o objetivo maior da RTF. Em geral, nesses momentos, o coordenador não se distingue do grupo e se limita a garantir o retorno ao ponto central da pauta. 2.3. Possibilidades de caminhos para esse projeto A partir do levantamento de dados e da estruturação do mapa estratégico, verificamos algumas necessidades e possibilidades de intervenções nos seguintes aspectos da RTF: a) A relação entre adolescentes e adultos, e como compartilhar as experiências, competências e potencialidades desses participantes, 32 praticando com mais coerência na própria RTF o que está previsto no ECA; b) O processo de formação dos jovens e adultos a partir do ECA; c) A potencialização das relações e articulações entre as organizações participantes, e um maior compromisso das organizações com a RTF; d) O desenvolvimento de parcerias entre sociedade civil e poder público local; e) O desenvolvimento de competências de mediação; f) A definição de visão estratégica alinhada ao planejamento, execução e avaliação das açõesda rede em função da missão e objetivos descritos na Carta Compromisso (Anexo A); g) A mudança de cultura imediatista para a cultura mediada com a finalidade de potencializar a cultura colaborativa e os processos de aprendizagem dos participantes da RTF. Analisando esses pontos em relação ao que é estratégico para a sobrevivência da RTF, escolhemos intervir no aspecto de mudança cultural, compreendendo que esse ponto relaciona-se com os outros aspectos, porque ao mudar cultura é um processo que alavanca melhorias nos demais. Uma transformação cultural perdura e é de difícil reversão. No entanto, a intervenção na cultura também é mais difícil e complexa. Por isso, a utilização de pontos mais concretos e de forte relação com a cultura é estratégica para a intervenção desse projeto. Os aspectos de relação mais direta com o foco escolhido são: o desenvolvimento de competências de mediação (item “e”) e o processo de planejamento estratégico (item “f”). A relação entre adolescentes e adultos (item “a”), ampliada como compreensão da diversidade dos participantes da RTF, também possui uma forte relação com o aspecto principal da intervenção. Os demais itens são objetivos estratégicos da RTF que serão alavancados por uma cultura colaborativa e mediada. O aspecto escolhido encontra-se no processo de desenvolver a cultura colaborativa/mediada da perspectiva de aprendizado, conforme assinalado no mapa estratégico. O caminho estratégico delineado serve de base para a descrição dos próximos itens desse projeto, bem como a relação entre esses tópicos facilitará a compreensão do aspecto estratégico da escolha. 33 2.4. Definição do problema desse projeto O funcionamento da RTF está baseado em uma cultura colaborativa, mas imediatista, o que a torna uma organização operante e com poucos processos reflexivos e avaliativos. O modelo de construção mental imediatista limita o aspecto colaborativo e, conseqüentemente, o desenvolvimento e a utilização das competências de seus participantes e da organização como um todo, não favorecendo a gestão estratégica. 2.5. Justificativa do problema levantado As redes sociais são potenciais espaços formativos, educativos e de transformação sócio-cultural. Devido a sua temática, a RTF necessita reforçar ainda mais essas características. Por isso, a valorização do processo de aprendizagem individual e coletiva é estratégica para a RTF. Conseqüentemente, é necessário criar, estimular e manter um ambiente propício para aprender e gerar conhecimento, o que demanda, no contexto estudado, uma cultura mediada e colaborativa. Esse ambiente propiciará uma autonomia para o grupo gerar conhecimentos significativos para seus participantes e, provavelmente, estratégicos para a RTF e sua causa. Esses novos conhecimentos provocarão constante aperfeiçoamento da sua organização, gestão, princípios, práticas, etc e; fortalecimento da cultura colaborativa. Esse aspecto é essencial para a RTF sobreviver e influenciar um ambiente que a rodeia e no qual predomina uma cultura competitiva e imediatista. Os princípios de participação democrática, horizontalidade nas relações e a comunicação ampla que norteiam a RTF oportunizam a criação de um espaço de cooperação e de aprendizagem contínua sobre o tema específico e sobre o processo de participação democrática. No entanto, esse espaço somente pode ser criado e mantido com a plena intencionalidade e uma prática reflexiva de seus participantes. A cultura de relação imediata com o mundo prioriza o fazer como sinal de avanço, dificultando a aprendizagem, a colaboração e o desenvolvimento de visão e planejamento estratégico, bem como a falta desses aspectos estratégicos de uma rede contribui com a manutenção da cultura imediatista. Uma mudança cultural é complexa e é preciso intervir em um foco mais 34 concreto e de curto prazo para, de forma consistente e contínua, gerar a mudança cultural de longo prazo. Na cultura imediata isso é impossível. Portanto, há necessidade de uma mediação. A relação de mediação é fundamental no sentido de cuidar e garantir o processo de participação democrática, ou seja, facilitar o diálogo e articular a discussão entre os participantes para a tomada de decisões, favorecendo a conscientização da capacidade coletiva de colaboração e de intervenção e, da comunicação de todos para todos. De forma concreta, essa mediação pode ser representada pelo coordenador da reunião, por um planejamento estratégico, pelos documentos norteadores da RTF, pelo ECA, pela comunicação através do grupo eletrônico, pelo contexto ou situação enfrentados e, principalmente, por um espaço que favoreça o diálogo e a discussão, equilibrando argumentação e indagação. Esses pontos são tangíveis para uma intervenção e podem alavancar uma transformação cultural mais profunda. A referência para a quebra da cultura imediatista será o desenvolvimento de uma gestão que contempla a construção e disseminação de uma visão estratégica, de uma missão e de valores, bem como a elaboração, execução e acompanhamento de um planejamento estratégico. Salientamos que todo esse processo será mediado pelos conceitos, princípios e práticas de “rede social”, de “democracia participativa”, de uma “organização que aprende” e de “espaço dialógico”. A utilização de ferramentas de análise e planejamento estratégico facilitará manter o foco e organizar as ações que mobilizem os participantes em torno de objetivos comuns. Além disso, o planejamento estratégico se transformará em um elemento mediador e servirá como referência para a discussão e o diálogo entre os participantes, aperfeiçoando continuamente a gestão estratégica da RTF. Dessa forma, encontramo-nos diante de uma oportunidade de aprimorar o ambiente de prática democrática e de aprendizagem. E esse espaço potencializará, além do conhecimento operacional que vem sendo produzido, a geração de conhecimento estratégico para a RTF atingir seus objetivos e ser uma referência da importância de estruturas em redes para a sustentabilidade da vida em comunidade. 35 2.6. Objetivos deste projeto 2.6.1. Objetivo geral Contribuir com o aprimoramento da cultura organizacional no aspecto colaborativo e com a transformação do modelo de construção mental imediato para o mediado visando à criação de um ambiente de aprendizagem e à geração de conhecimento significativo e estratégico para a RTF. 2.6.2. Objetivo específico Implementar ferramentas de análise e planejamento estratégico em um ambiente mediado e fundamentado por princípios e práticas de “rede social”, “democracia participativa”, “organizações que aprendem” e “espaço dialógico” tendo em vista aprimorar a gestão estratégica e favorecer o ambiente de aprendizagem da RTF. 36 3. METODOLOGIA DO PROJETO DE PESQUISA O primeiro passo da metodologia do projeto de pesquisa consistiu na escolha da organização objeto de estudo. Saindo do escopo do mundo corporativo, nos propusemos a estudar a Gestão do Conhecimento aplicada ao terceiro setor. Mas não escolhemos as organizações constituídas juridicamente; optamos por estudar uma estrutura organizacional em rede - uma rede social. Definido o contexto da pesquisa, algumas alternativas surgiram, tanto qual rede escolher, como que aspecto da rede estudar. A rede social escolhida foi uma rede temática, mas o segundo ponto necessitou de uma análise sobre: estudar a própria rede; uma organização representada na rede; a relação entre uma organização e a rede; a relação de parceria entre duas organizações representadas na rede. Nossa opção foi ter por objeto de estudo a própria rede. O segundo passo constituiu-se em conhecer a organização objeto de estudo e seu contexto. Para isso, solicitamos a um participanteos principais documentos norteadores e uma entrevista sobre a origem e principais fatos históricos da RTF. A nossa participação nas reuniões e a inclusão no grupo eletrônico foram as estratégias seguintes para uma aproximação com os participantes e para entendimento do funcionamento da organização. Para a adequada apropriação sobre o contexto da RTF fizemos um levantamento bibliográfico sobre redes sociais. O terceiro passo caracterizou-se como a elaboração de um pré-diagnóstico e iniciou-se com a análise do conceito de redes sociais e da prática dos mesmos pela RTF, permitindo verificar as primeiras oportunidades de intervenção. Esses pontos geraram a necessidade de um levantamento bibliográfico a respeito de cultura e capital social. A partir dessas informações, principalmente dos documentos norteadores da RTF, começamos a estruturação do mapa estratégico da organização. Posteriormente, agregamos ao processo de montagem do mapa elementos de outras fontes de informações. Durante a elaboração do mapa estratégico surgiram dúvidas sobre a apropriação dos participantes da RTF em relação à missão e objetivos expressos nos documentos, bem como verificamos a falta de uma visão explícita da organização. Para esclarecer esses pontos, elaboramos e aplicamos um questionário para verificar o entendimento dos participantes em relação à missão e 37 objetivos da RTF e, a visão da organização compreendida por cada pesquisado. Como uma ação de complementação do diagnóstico fizemos a análise da RTF a partir da teoria de aprendizagem organizacional das cinco disciplinas (Peter Senge). O quarto passo foi a conclusão do diagnóstico. Partindo-se do pré- diagnóstico, sistematizamos todas as informações consultadas (documentos, entrevista histórica, questionários, reuniões e grupo eletrônico) e concluímos o mapa estratégico da organização. O mapa estratégico possibilitou definir o foco de intervenção e os problemas e oportunidades relacionados. Para uma escolha estratégica do problema/oportunidade de intervenção verificamos a necessidade de informações complementares, o que nos levou à elaboração e aplicação de uma entrevista com três lideranças da RTF. As entrevistas possibilitaram a conclusão do diagnóstico e a definição do foco de intervenção. Diante da definição de um problema, o quinto passo da metodologia do projeto de pesquisa focará a análise e proposição de soluções. A base para esse passo foi o aprofundamento do estudo das teorias da “organização que aprende” (SENGE, 2003), de “espaço de diálogo” (BOHM6 e MARIOTTI, s.d.) e de “estratégia organizacional” (PORTER, 1986 e KAPLAN; NORTON, 2004) e; o estabelecimento de relações entre o diagnóstico e essas teorias e, entre os próprios conceitos de Gestão do Conhecimento, rede social, organização que aprende e espaço de diálogo. O sexto passo da metodologia consolidará a proposição da solução para o problema/oportunidade diagnosticado, levando-nos à construção de uma metodologia de implantação específica ao contexto da organização e à solução proposta. Além da estruturação das etapas da metodologia de implantação, também definiremos os indicadores de acompanhamento e avaliação e, elaboraremos a análise de gastos da implantação da solução. 6 As informações foram retiradas de um texto traduzido de um registro de um encontro que aconteceu em 06 de Novembro de 1989, na cidade de Ojai, próxima a Ventura ao Norte de Los Angeles. Em 2005 foi publicada pela Editora Palas Athena com o titulo de Diálogo: comunicação e redes de convivência. Título do texto original: O Dialogo. 38 4. ANÁLISE DE DADOS E PROPOSIÇÃO DE SOLUÇÃO Analisar dados de uma rede requer considerações especiais em relação ao seu contexto específico e ao desafio que se propõe superar – o desafio de perceber e agir intencionalmente para mudar modos de pensar e fazer. Essa etapa do projeto realiza uma análise preliminar do ambiente de redes sociais, identificando princípios e relacionando-os às cinco disciplinas de uma organização que aprende concebidas por Peter Senge em sua obra “A Quinta Disciplina” (SENGE, 2003), a fim de servir de base para a análise dos dados da RTF. Apresenta a seguir um modo de entendimento para analisar o contexto especifico da experiência observada entre os participantes da RTF. 4.1. Análise de ambiente de redes A estrutura de organização em rede propicia ambiente favorável ao compartilhamento de valores que sustentam a criação de cultura colaborativa. Esses valores e princípios de rede possuem forte relação com as cinco disciplinas de uma organização que aprende, pois igualmente propiciam a criação de conhecimento de forma colaborativa. Segundo Senge (1995, p. 19): O conjunto de crenças e suposições profundas - a história - que se desenvolve ao longo do tempo numa organização que aprende difere tanto da tradicional visão do mundo organizacional, hierárquica e autoritária, que parece descrever um mundo totalmente diverso. O princípio da horizontalidade estimula a convivência das pessoas de maneira diferente da vivida no cotidiano competitivo. Exige que as relações interpessoais sejam igualitárias, não havendo papéis hierárquicos. Um ambiente organizado por essa proposta requer que a própria horizontalidade seja compartilhada e construída por uma visão comum. Essa experiência permite a definição de um processo de aprendizagem coletivo, onde todos podem colocar suas idéias para serem trabalhadas por uma equipe que aprende, construindo uma 39 visão compartilhada, uma força especial em direção à mudança almejada. A visão compartilhada não é uma idéia segundo Senge (2003, p. 233); ele esclarece que ”é uma força no coração das pessoas, uma força de impressionante poder”, podendo até surgir de uma idéia, mas, quando obtém o apoio das pessoas deixa de ser abstração. O poder a que Senge (2003, p.236) se refere: ...muda o relacionamento das pessoas com a empresa. Em lugar de ”sua empresa”, ela se transforma em “nossa empresa”. Uma visão compartilhada é o primeiro passo para conseguir que pessoas que não confiam umas nas outras comecem a trabalhar em conjunto. Cria uma identidade comum. Assim, para realizar ações coletivas a rede precisa desenvolver relações de confiança e estabelecer comprometimento entre os participantes, que surgem do próprio fazer coletivo compartilhado. A visão compartilhada do significado do compromisso com o exercício da democracia participativa e com a missão estratégica elegida pela rede, permite gerar uma força extraordinária de busca da mudança, que fortalece a união, que favorece a negociação política. Isso é pensar sistemicamente, porque a visão configura uma força propulsora que favorece uma espiral de fortalecimento político. Estar diante de constantes incertezas e na situação de mudança de modos de pensar hierárquicos para modelos mentais de horizontalidade é estar diante de uma exigência de desenvolvimento humano que solicita muita compreensão do processo de aprendizagem e mudança de cada pessoa e, muito respeito e consideração pelo limite do outro companheiro. O princípio ético presente na cultura de redes é o de não fazer ao próximo aquilo que não se quer para si. Se a busca de mudança da forma de pensar e agir não for consciente, não há foco e; não sabendo para onde dirigir a atenção, não é possível desenvolver um caminho para atingir objetivos comuns. Pensar de forma sistêmica é uma ação para ver o todo; para ver os inter- relacionamentos e não o evento isolado; é conseguir ver os padrões de mudança e não apenas um momento (SENGE, 2003). A visão compartilhada está relacionada ao desenvolvimento do pensamento sistêmico na medida em que cria uma espiral de reforço, que segundoSenge (2003, p. 254), funciona da seguinte forma: A disseminação de uma visão resulta de um processo de reforço de crescimento da clareza, do entusiasmo, da comunicação e do comprometimento. À medida que as pessoas falam nela, a visão fica mais clara. À medida que fica mais clara, cresce o entusiasmo pelos seus 40 benefícios. Rapidamente, a visão começa a se disseminar em uma espiral de reforço de comunicação e entusiasmo. Ao cultivar essas disciplinas no ambiente de relações horizontais, estimula-se grande potencial para a criação de valores que disseminam uma cultura de aprendizagem colaborativa. Uma pessoa pode aprender com a visão de outra e vice-versa. Um desafio interessante coloca-se diante dessa questão: se por um lado observa-se o desenvolvimento da cultura colaborativa, por outro, a cultura oriunda das relações piramidais, hierarquizadas e de poder está coexistindo na forma de pensar e agir das pessoas. Essa dinâmica que facilmente poderia ser interpretada como contraditória ou incoerente, é a manifestação dialética do processo de mudança, tanto da estrutura de organização como do modelo mental dos participantes. Senge (2003, p. 201) esclarece que “o que temos em nossas mentes são imagens, premissas e histórias” e que são esses modelos mentais que “determinam não apenas a forma como entendemos o mundo, mas também como agimos”. Assim, para fazer funcionar uma estrutura em rede, será necessária a lapidação dos modelos mentais presentes, a fim de estabelecer a horizontalidade como princípio norteador da democracia participativa e da cultura colaborativa. Pessoas reunidas por um objetivo comum e compartilhando uma mesma visão fortalecem-se e se revelam protagonistas da mudança social desejada, se envolvem com as ações planejadas e se desenvolvem mais do que poderiam fazer individualmente. Esse fortalecimento individual permite o que alguns autores do terceiro setor chamam de “empoderamento”7 de um grupo. É possível afirmar que pessoas fortalecidas em um grupo “empoderado” criam cultura. Segundo Edgar Morin (1999 p. 56): A Cultura é constituída por um conjunto de saberes, fazeres, regras, normas, proibições, estratégias, crenças, idéias, valores, mitos, que se transmite de geração em geração, se reproduz em cada indivíduo, controla a existência da sociedade e mantém a complexidade psicológica e social. Se pensarmos que criar cultura representa o incentivo ao processo de aprendizagem contínua, ascendente e geradora de valores, onde o resultado será uma mudança perceptível nos modelos mentais e na estruturação da organização 7 Neologismo usado no Terceiro Setor 41 estratégica, estaremos fazendo uma relação bem próxima ao que Senge chama de “triângulo da arquitetura organizacional e ciclo de aprendizado profundo” (veja esquema 2). Nossa escolha por intervir em níveis mais profundos de aprendizagem está baseada na crença de que dessa forma as mudanças serão mais significativas. Também está baseada na observação de que o conflito não explorado necessita ser superado é a mudança cultural do individualismo para o contexto coletivo (PICHON- RIVIÈRE, 1994). O principal desafio de grupos que atuam com o princípio da horizontalidade é a superação desta suposta contradição e a formulação de novos modelos mentais para uma convivência democrática. Se o conflito é superado, e novas visões fomentarem outras crenças e valores de colaboração, as mudanças mais tangíveis serão na “arquitetura organizacional”. A prática do diálogo, da discussão, a empatia com os outros e a liberdade de expressão são instrumentos auxiliares para enfrentar esse desafio. O que pode dar sentido para uma cultura colaborativa é um ambiente de confiança e segurança para aproximar as pessoas e despertar o desejo de aprender. No processo de transição cultural, mediar os conflitos e as oportunidades de aprendizagem é fundamental. O papel de um elemento mediador dos processos de aprendizagem e relacionamento interpessoal é necessário até o momento em que o grupo passe a funcionar de modo autônomo, auto-gerido, auto-regulado e de forma mediada, ou seja, com questionamentos e reflexões sobre as relações entre os objetivos, as ações e os resultados. 4.2. Análise de dados da RTF O diagnóstico do funcionamento da RTF demonstra uma defasagem entre as normas registradas em documentos e as ações que de fato ocorrem, apresentadas no quadro abaixo. Possibilita interpretar que é mais fácil assimilar e reproduzir o discurso do que efetivá-lo na prática cotidiana. 42 Elaboração de documento Ações efetivas Potencial de aprendizagem Papel da coordenação, que prevê rodízio de pessoas por trimestre De fato acontece conforme a circunstância Oportunidade de aprender com a vivência dessa experiência Funcionamento das comissões, que prevê subgrupos de trabalho Maioria dessas comissões é formada por uma pessoa Limitação a aprendizagem em equipe Uso de dinâmicas de integração e acolhimento As técnicas de dinâmicas deixaram de ser utilizadas Subtração de valor desse momento como espaço de aproximação colaborativa (para aprendizagem de todos) Atingir objetivo estratégico descrito em documento As ações são planejadas sem a intenção e sem reflexão relacionada Limita evolução no sentido de atingir objetivos estratégicos Registros Onde estão? São usados? Domínio Pessoal - pode haver lições aprendidas? Quadro 1. Principais defasagens identificadas no diagnóstico da RTF. Peter Senge (2003, p. 229) considera vital “identificar a defasagem entre as teorias esposadas (o que dizemos) e as ‘teorias-em-uso’ (as teorias subjacentes às nossas ações)”. A relevância dessa identificação é pelo fato de que não aprendemos enquanto nossa ação não muda, mesmo que utilizemos determinados conceitos. Para fazer sentido e promover aprendizagem colaborativa é fundamental que essas questões sejam explicitadas e reconhecidas pela RTF, caso contrário não ocorrerá aprendizagem (SENGE, 2003, p. 229). O papel assumido pelo coordenador se limita ao aspecto organizativo da reunião, como cumprir a pauta, controlar o tempo e propor ao grupo de participantes que façam encaminhamentos. A definição da dinâmica e função de coordenador descrita nas Regras de Convivência da RTF (Anexo B) oferece possibilidades de criação de conhecimento. No entanto, a prática privilegiou o aspecto organizativo e houve desconsideração por outros processos, como a aprendizagem e as relações humanas, que se inter-relacionam e caracterizam uma realidade complexa e dinâmica. Modelos mentais lineares dificultam a imagem compartilhada do sistema como um todo. Senge (1990, p. 294) aborda essa questão nas equipes colocando que os maiores passivos são elas confrontarem as “realidades complexas e 43 dinâmicas com uma linguagem elaborada para problemas simples, estáticos” e, cita como referência: O consultor de empresas Charles Kiefer coloca da seguinte forma: “A realidade é composta de relacionamentos múltiplos-simultâneos e interdependentes de causa-efeito-causa. A partir dessa realidade, a linguagem verbal normal extrai cadeias simples e lineares de causa e efeito. Essa é uma das razões pelas quais os gerentes são tão propensos a intervenções de baixa alavancagem”. Por exemplo, se o problema é o tempo prolongado de desenvolvimento do produto, contratamos mais engenheiros para reduzir o tempo; se o problema é a queda dos lucros, cortamos os custos; se o problema é a redução da fatia de mercado, diminuímos o preço para aumentar a fatia. O problema de precisarem se reunir para realizarem ações na RTF foi analisado com a visão simples e linear de que a solução
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