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Falácias informais
(Notas de aula)
Cezar A. Mortari
UFSC
1 Introdução
Falácias são erros de argumentação, ou, num sentido mais estrito, argumentos que
dão, enganosamente, a impressão de serem válidos ou mesmo corretos, mas que
não são. Aristóteles, além de ter criado a teoria do silogismo, também ocupou-se
de vários tipos de falácias em seu livro “Das refutações sofísticas”.
Não há uma classificação aceita de falácias. (Já dizia o lógico Augustus De
Morgan, no século XIX, que é difícil classificar todas as formas que o ser humano
encontra para chegar ao erro . . . ) Uma primeira divisão costuma ser feita entre
falácias formais e falácias informais. Falácias formais são argumentos cuja forma
lembra alguma forma tradicional de argumento válido. Não trataremos delas agora,
mas talvez um pequeno exemplo possa ilustrar isso. Considere a seguinte forma de
argumento, em que P e Q são proposições quaisquer:
Se P então Q.
P.
Portanto, Q.
Essa forma de argumento, que é válida, é chamada de Modus ponens, ou Afirmação
do antecedente. Essa forma é válida porque, como você pode facilmente perceber,
qualquer argumento que se enquadre nessa forma é válido (se você tentar encon-
trar um exemplo de argumento, dessa forma, em que as premissas sejam verdadei-
ras e a conclusão falsa, não vai ter sucesso).
Por outro lado, a forma a seguir, muito parecida com a anterior, não é válida:
Se P então Q.
Q.
Portanto, P.
Temos aqui a conhecida Falácia de afirmação do conseqüente. Ela é classificada como
uma falácia formal pois tem uma forma que lembra muito o modus ponens. Mas
é fácil de ver que não é uma forma válida: substitua P e Q por ‘Pelé é catarinense’
e ‘Pelé é brasileiro’, que você terá um argumento com premissas verdadeiras e
conclusão falsa. Inválido, portanto.
Não trataremos aqui de falácias formais; nosso objetivo é discutir um pouco as
falácias informais, e é disso que vamos nos ocupar a partir de agora.
1
Não há uma classificação única de falácias informais; não há nem mesmo con-
senso sobre os tipos: alguns autores classificam como cometendo uma mesma fa-
lácia argumentos que outros autores separam em três tipos diferentes. Sem querer
entrar em uma controvérsia sobre qual classificação é a mais adequada, vamos
utilizar aqui a conhecida classificação do lógico norte-americano Irving Copi, apre-
sentada em seu livro Introdução à lógica (ver referência completa na bibliografia ao
final). Copi separa as falácias informais em dois grandes grupos, as falácias de rele-
vância e as falácias de ambigüidade. Cada um desses grupos, então, engloba várias
formas de falácia.
2 Falácias de Relevância
Também chamadas de non sequitur, as falácias de relevância ocorrem quando as
premissas de um argumento não têm relevância lógica para a sua conclusão. Essa
falta de relevância, deve-se dizer, é lógica: as premissas podem muito bem estar
psicologicamente associadas com a conclusão, e em geral estão, o que dá ao argu-
mento uma aparência, um efeito psicológico, de validade ou correção. Ou seja, o
argumento falacioso tem um bom efeito persuasivo, mas é inválido do ponto de
vista lógico.
Há muitos tipos de falácias de relevância, apenas alguns dos quais, os mais
conhecidos, estão expostos a seguir. Alguns desses tipos já haviam sido investigados
pelo próprio Aristóteles, e receberam posteriormente nomes em latim. E como falei
anteriormente, há grande diversidade de opiniões sobre os tipos. Vamos examinar
então somente alguns deles.
2.1 Argumento contra o homem (Argumentum ad hominem)
Como o nome da falácia sugere, ela ocorre quando alguém, em vez de atacar al-
guma afirmação que alguém faz, ataca o autor da afirmação. Dependendo do tipo
de ataque, fala-se em ad hominem ofensivo, ou ad hominem circunstancial, ou ar-
gumento por hipocrisia etc. Aqui, vamos tratar todos esses subtipos indistintamente
como casos de argumento contra o homem.
Comecemos com um exemplo:
Nietzsche morreu louco, portanto, podemos desconsiderar tudo o que
ele disse sobre filosofia.
Não há, obviamente, qualquer relevância entre o fato de Nietzsche ter morrido
louco e a validade ou não de sua filosofia. Como fica claro no exemplo, procura-se
atacar a pessoa que faz a afirmação, em vez daquilo que foi afirmado (no caso, as
opiniões filosóficas de Nietzsche). Procura-se, assim, estabelecer um vínculo psico-
lógico de conotação negativa entre o caráter, digamos, de uma pessoa, e as afirma-
ções que ela faz. A pessoa tem alguma característica “ruim”, “reprovável” (seja lá
o que entender aí por “reprovável”: é louco, ou é católico, ou não é católico, ou
é politicamente de esquerda, ou é politicamente de direita, ou é analfabeto etc.);
assim, havendo alguma razão para “desaprovar” a pessoa, procura-se estender isso
para o que ela diz, desaprovando suas afirmações.
Em geral, então, esse tipo de falácia tem a seguinte estrutura:
A pessoa X afirma que P.
2
X tem alguma característica reprovável.
Portanto, o que X diz não é verdade.
Ou seja, essa falácia ocorre quando alguma pessoa, X , faz uma afirmação P, e o
interlocutor, em vez de refutar essa afirmação apresentando um argumento correto,
passa a atacar a pessoa X que fez a afirmação.
Essa falácia também é chamada de falácia genética, pois ataca-se a origem (gê-
nese) de uma afirmação P (ou seja, a pessoa que a fez), e não a própria afirmação.
Um outro exemplo. Digamos que um advogado argumente num tribunal da
seguinte maneira:
João afirma que meu cliente cometeu o crime. Ora, mas João é um
bêbado inveterado, portanto, seu testemunho de João não tem valor
algum.
O argumento assim apresentado é falacioso porque, mesmo sendo João um bêbado
inveterado, ele pode estar dizendo a verdade. Talvez não tivesse bebido justamente
no dia em que aconteceu o crime, por exemplo. Temos então um caso de argumento
contra o homem.
Note, porém, que isso não ocorreria se o advogado argumentasse da seguinte
maneira:
João afirma que meu cliente cometeu o crime na noite de 30 de junho.
João estava completamente bêbado na noite de 30 de junho.
Portanto, o testemunho de João sobre o que ocorreu na noite de 30 de junho
não é digno de confiança.
Nesse caso particular, há boas razões para desconsiderar o testemunho de João
(mas que não são, obviamente, conclusivas).
Uma outra variante de argumento contra o homem ocorre quando rejeita-se
o que alguém diz em virtude das circunstâncias especiais em que essa pessoa se
encontra. Ou seja:
X afirma que P.
X é tendencioso ou está influenciado pelas circunstâncias especiais em que
se encontra.
Portanto, não-P.
Vejamos um exemplo disso:
O filósofo X diz que apresentou uma prova da existência de Deus. Mas
X é católico (ou luterano, ou o que seja), então é claro que vai defender
que Deus existe. Portanto, podemos ignorar essa “prova” que ele diz ter
encontrado.
A idéia subjacente a essa variante da falácia de argumento contra o homem (tam-
bém chamada de “argumento contra o homem circunstancial” ou às vezes de “enve-
nenar o poço”) é atacar uma pessoa que faz uma afirmação (X no exemplo acima)
dizendo que ela faz tal afirmação somente por causa das circunstâncias especiais
em que se encontra (ter algum tipo de crença religiosa), e não por ter argumentos
corretos. Ou seja, que a pessoa está sendo guiada apenas por preconceitos e/ou por
interesse próprio nas afirmações que faz.
3
Temos ainda a falácia de argumento contra o homem quando se aponta para
alguma incoerência entre o que uma pessoa X afirma e como se comporta. Por
exemplo:
João afirma que não devemos caçar animais por esporte. Mas João não
é vegetariano, ele também come carne. Assim, o que ele diz pode ser
desconsiderado.
Ou então:
Você diz que fumar faz mal para a sáude — mas você fuma!
Em ambos os casos, quem comete a falácia, em vez de apresentar razões para
rejeitar o que alguém afirma, mais uma vezataca-se a pessoa que afirma — no
caso, de certa forma acusando a pessoa de hipocrisia.
Ainda uma variante da versão circunstancial do argumento contra o homem é,
por exemplo num debate, tentar forçar o adversário a aceitar uma conclusão por
causa das circunstâncias especiais em que se encontra. Por exemplo, que X deveria
aceitar a afirmação P, pois tal afirmação faz parte do programa do partido a que X
pertence.
2.2 Apelo à autoridade (Argumentum ad verecundiam)
Esse tipo de falácia tem a seguinte forma geral:
X afirma que P.
X é uma “autoridade”.
Portanto, P.
A forma geral é argumentar em favor da aceitação de alguma afirmação apenas
porque certa pessoa, geralmente alguém famoso ou muito conhecido (uma “au-
toridade”, alguém digno de respeito ou admiração) disse tal coisa. Um exemplo
comum é “Einstein disse que tudo é relativo, portanto tudo é relativo”. Esse ar-
gumento, obviamente, não é válido. Mesmo que Einstein tivesse dito isso, não se
segue que a afirmação é verdadeira.
É claro que nem sempre um argumento que recorre a alguma autoridade é
falacioso. Se uma pessoa X que é competente em certa área (por exemplo, Einstein
em física) fizer alguma afirmação a respeito de física, isso dá um certo peso a tal
afirmação no que diz respeito aos não-físicos. Para um outro exemplo, se você vai
ao médico e ele diz que você está com um certo problema de saúde, você tem boas
razões para aceitar isso — afinal, o médico é especialista em medicina (isto é, uma
autoridade nesse campo do saber) e você não. Ou seja:
X afirma que P.
X é uma autoridade reconhecida no assunto a que P diz respeito.
Portanto, há boas razões para crer que P.
Nesse caso, em que você vai a um médico especialista e ele diz que você tem uma
doença D qualquer, há boas razões para que se aceite a afirmação. Mas ter boas
razões para aceitar uma proposição não significa que ela seja verdadeira, claro.
Mesmo os especialistas se enganam.
4
Por outro lado, se estivermos em uma discussão filosófica, e alguém diz que uma
certa afirmação em filosofia deve ser verdadeira porque Platão disse isso, temos
uma falácia de apelo à autoridade.
O recurso de recorrer ao nome de alguém famoso para dar peso a alguma opi-
nião é muito utilizado na propaganda, onde figuras conhecidas da música, cinema,
esportes ficam advocando as vantagens e maravilhas de um certo produto. Nes-
ses casos, poderíamos ter também exemplos da falácia de apelo à autoridade. Por
exemplo:
Pelé afirma que o refrigerante R é ótimo. Logo, o refrigerante R é ótimo
— e você deve bebê-lo.
Isso é claramente uma falácia de apelo à autoridade, da mesma forma que beber a
cerveja B porque algum músico famoso está cantando as virtudes da dita cuja.
2.3 Apelo à piedade (Argumentum ad misericordiam)
Como diz o nome, essa falácia é cometida quando se faz um apelo à piedade, à
compaixão, para conseguir a aceitação de uma certa conclusão.
Exemplo:
Você precisa me dar um ponto a mais na média da disciplina, professor,
pois se eu não passar não vou me formar, os convites para a festa já
estão feitos, etc., etc.
Acho que sobre esse tipo de falácia não é preciso dizer mais, certo? :)
2.4 Apelo à galeria (Argumentum ad populum)
Busca-se a aceitação de uma conclusão apelando para o entusiasmo das pessoas,
geralmente através de um discurso emotivamente carregado. Isso também acontece
muito na propaganda. Por exemplo, você deve comprar o automóvel A — e quais as
“razões” apresentadas? Ora, veja só as moças de biquini que estão acompanhando
o sujeito que está dirigindo o carro! Ou então você deve usar um certo sabonete,
pois tomar banho com ele é uma experiência emocionante. E por aí vai.
Além disso, outras formas usuais de apelo à galeria são:
Todo mundo diz que/“sabe” que P.
Portanto, P.
Ou então:
A maioria das pessoas diz que/é de opinião de que P.
Portanto, P.
Esse tipo de argumento é falacioso por que mesmo que “todo mundo” acredite
em alguma proposição, que todo mundo afirme alguma proposição, disso não se
segue que ela é verdadeira. (Poderíamos chamar essa falácia de “Maria-vai-com-as-
outras”, não?)
Nove entre dez estrelas de cinema preferem o sabonete S (ou o creme
de beleza C etc.); use você também.
5
Ainda uma variante de apelo à galeria ocorre quando se faz algum tipo de
“apelo ao esnobismo”. Por exemplo:
É claro que você deve colar na prova; todo mundo que é cool faz isso.
Por associação, então, se você colar na prova vai ser uma pessoa cool também,
melhor que as demais.
2.5 Apelo à ignorância (Argumentum ad ignorantiam)
Esse tipo de falácia consiste em afirmar que alguma conclusão deve ser verdadeira
simplesmente porque não está demonstrado que é falsa, ou que é falsa simples-
mente porque não se provou que é verdadeira. Ou seja, temos as seguintes formas
gerais:
Ninguém provou que P.
Portanto, não-P.
Ninguém provou que não-P.
Portanto, P.
Para um exemplo, considere o argumento a seguir:
Fantasmas existem, pois ninguém mostrou que não existem.
É claro que, em geral, a falta de provas para alguma coisa não significa que
o contrário seja a verdade, e argumentar dessa maneira é cometer a falácia de
Apelo à ignorância. Note, porém, que em um tribunal, num julgamento, a situação
é diferente; a falta de provas deve levar à conclusão de que o acusado é inocente.
A pessoa acusada pode até ser culpada, mas, se não houver provas disso, ela deve,
por um princípio legal, ser considerada inocente.
2.6 Petição de princípio (Petitio principii)
Também chamada de círculo vicioso, ou argumento circular.
A forma mais simples seria (onde P é uma proposição qualquer):
P.
Portanto, P.
Ou seja, P porque P. Mas é claro que as falácias de petição de princípio não são
tão óbvias assim. Em geral acaba-se tendo algum tipo de círculo mais complexo,
como: P porque Q; Q porque R; R porque P.
Algo parecido ocorre no diálogo a seguir:
A: Érico Veríssimo é um escritor bem melhor que Jorge Amado.
B: Por que você diz isso?
A: As pessoas de bom gosto literário preferem Érico Veríssimo a Jorge Amado.
B: E o que é uma pessoa com bom gosto literário?
A: Uma pessoa que prefere Érico Veríssimo a Jorge Amado.
6
Neste exemplo, fica óbvio o círculo vicioso que existe na argumentação da pessoa A.
Outros exemplos são menos óbvios; em geral o que temos é que a razão apresen-
tada para a conclusão é apenas a conclusão dita de outra maneira, usando outras
palavras. Por exemplo, é o que acontece no trecho a seguir:
Permitir a todas as pessoas uma liberdade ilimitade de expressão deve
ser sempre vantajoso para a sociedade, pois é altamente propício aos
interesses da sociedade que cada indivíduo desfrute de liberdade, to-
talmente ilimitada, para expressar seus sentimentos.
Como você pode ver, a conclusão apenas diz, de outra forma, o que já estava afir-
mado nas premissas.
Uma observação final sobre esse tipo de falácia. Em um argumento da forma
“P, portanto P”, a premissa tem relevância lógica para a conclusão: afinal, premissa
e conclusão são a mesma, e, formalmente, o argumento é válido. (Note que não é
possível que P seja verdadeira e, ao mesmo tempo, falsa.) Contudo, a premissa
é logicamente irrelevante para demonstrar a conclusão. Se a conclusão for uma
proposição auto-evidente, digamos, que não precisa de justificação, então não é
necessário apresentar um argumento para isso. E se não for auto-evidente, então
afirmar que P porque P não vai melhorar as coisas — seria preciso ter razões
independentes para aceitar P.
2.7 Acidente (Dicto simpliciter)
Consiste em tomar uma afirmação geral como se não tivesse exceções; aplicar uma
regra geral a um caso particular cujas circunstâncias “acidentais” tornam a regra
inaplicável. A idéia, que tem a ver com a distinção entre essência e acidente, vem de
aplicar algo que vale para a essência de alguma coisa também deve valer para seusacidentes, ou seja, suas propriedades acidentais.
O que você comprou hoje no supermercado para comer no almoço você
vai comer no almoço. Você comprou carne crua, logo, vai comer carne
crua.
No exemplo acima, podemos aceitar a verdade de que, se você comprou algo
no supermercado para fazer no almoço, você vai comer isso no almoço. Mas tal
afirmação aplica-se somente à substância do que foi comprado (carne), não ao seu
estado (crua).
Um outro exemplo, que encontramos na República de Platão, em uma discussão
sobre como definir justiça. Temos lá mencionada uma regra geral de que “devemos
sempre pagar nossas dívidas”. Lemos: “Suponhamos que um amigo, quando em seu
perfeito juízo, confiou-me, em depósito, suas armas e me pediu que lhas devolvesse,
quando seu espírito estivesse conturbado. Deveria devolver-lhas? Ninguém diria
que sim ou que eu faria a coisa certa, se assim procedesse . . . ” Nesse caso, é óbvio
que a regra geral de sempre devemos pagar nossas dívidas, ou devolver o que nos
foi emprestado, não pode ser aplicada irrestritamente a qualquer tipo de situação.
Para um outro exemplo:
O exercício é bom; logo, todos devem se exercitar.
Embora a regra geral de que exercício é bom seja verdadeira, há certamente cir-
cunstâncias especiais em que alguém não deve se exercitar. Alguém que acaba de
7
passar por uma cirurgia complicada, por exemplo. Tratar a regra de que o exercício
é bom como se não tivesse exceção alguma é cometer a falácia de acidente.
2.8 Generalização apressada
Esta falácia é também chamada de Estatística insuficiente ou Acidente convertido.
Consiste em tirar uma conclusão de caráter geral a partir de um ou poucos casos.
O nome “acidente convertido” vem do erro de converter algo acidental em uma
regra geral, ou seja, algo como converter uma exceção em uma regra. Por exemplo,
invertendo o exemplo anterior a respeito de exercício ser bom:
Correr faria mal para João, que acaba de passar por uma cirurgia car-
díaca. Logo, exercício faz mal à saúde.
É claro que, num caso especial como o de alguém que acaba de passar por uma
cirurgia, exercícios físicos pesados como correr são contra-indicados. Mas esse é
justamente um caso especial; não podemos inferir a partir disso uma regra geral.
Ou então:
Conheci no verão uma pessoa da nacionalidade N , e era uma pessoa
arrogante. Semana passada fiquei conhecendo outra pessoa da mesma
nacionalidade, também arrogante. As pessoas de nacionalidade N são
todas arrogantes!
Esse é um exemplo de estatística insuficiente. A pessoa que apresenta o argu-
mento está tirando uma conclusão geral a partir de apenas uns poucos exemplos.
Naturalmente, há uma questão difícil de responder a respeito de argumentos
estatísticos em geral: o que faz com que um argumento estatístico deixe de ser uma
falácia de generalização apressada e passe a ser um bom argumento indutivo? Por
exemplo, suponhamos que haja 30 pessoas na sua sala de aula, você pergunta a três
delas se falam alemão e elas respondem que não. Se você concluir, a partir desses
três casos, que ninguém em sua sala de aula fala alemão, você estará cometendo
a falácia de generalização apressada. Por outro lado, se você tiver perguntado a
27 colegas e nenhum deles fala alemão, sua conclusão de que ninguém em sua
sala fala alemão tem um suporte muito maior, e não diríamos que o argumento é
falacioso. Contudo, não é muito claro onde fica o limite entre um bom e um mau
argumento estatístico desse tipo.
2.9 Falsa causa
Essa falácia consiste em tomar como causa de algum evento algo que não é a causa,
ou inverter a relação de causa e efeito. Por isso também chamada de Non causa pro
causa. Um outro nome é Post hoc, em virtude da expressão latina post hoc, ergo
propter hoc (“depois disso, logo, por causa disso”). Essa versão particular tem a
forma:
X ocorreu antes de Y .
Portanto, X é causa de Y .
Por exemplo, há indivíduos que pertencem a uma certa tribo e que, por ocasião
de um eclipse solar, começam a bater tambores. A razão pela qual fazem isso é que,
8
toda vez que tocam tambores por ocasião de um eclipse, o sol volta a aparecer. Mas
isso certamente não é a causa do reaparecimento do sol.
Ou então:
Há mais pessoas dirigindo carros agora do que há 20 anos atrás, mas
também há mais pessoas morrendo de câncer agora do que há 20 anos
atrás. Portanto, dirigir carros causa câncer.
Naturalmente, o problema de identificar as causas corretas de um determinado
efeito não é simples, e há bastante discussão filosófica a respeito, como você verá
em disciplinas como teoria do conhecimento e filosofia da ciência.
Exercício 1. Identifique nos trechos abaixo as falácias de relevância cometidas:
1. Você não pode levar a sério o que aquele professor diz sobre a importância de salários
mais elevados para os professores. Como professor, ele é naturalmente favorável a
um aumento dos salários dos professores.
2. Os estudantes que obtêm nota 10 estudam muito. Portanto, se quer que eu estude
muito, professor, o melhor que o senhor tem a fazer é me dar nota 10 em todas as
provas.
3. Mas você pode duvidar de que o ar tenha peso, quando você tem o claro testemunho
de Aristóteles afirmando que todos os elementos têm peso, incluindo o ar, e excetu-
ando apenas o fogo?
4. “Sou a favor de que mulheres tenham direitos iguais”, disse o presidente da Associa-
ção de Toureiros. “Mas, repito, as mulheres não devem tourear porque só os homens
podem ser toureiros.”
5. Estou absolutamente certo de quão rápido eu estava dirigindo, seu guarda, e era bem
abaixo do limite de velocidade. Olhe, eu já tive algumas multas antes, e se o senhor
me der mais uma, isso vai me custar mais de duzentos reais. E seu eu tiver que pagar
uma tal multa não vou ser capaz de financiar a operação da minha mulher — ela está
doente faz tempo e e precisa muito de uma operação.
6. Durante a Segunda Guerra, redes de espionagem inimigas foram expostas através
da gravação de telefonemas de suspeitos. Portanto, as autoridades devem adotar a
escuta dos telefones de todas as pessoas suspeitas.
7. Nenhum matemático foi capaz, até hoje, de demonstrar a verdade da Conjectura de
Goldbach. Portanto, ela deve ser falsa.
8. O Véio Zé jura que viu um disco voador pousar no sítio dele. Mas o Véio Zé nunca
passou da segunda série do primeiro grau, e mal sabe ler ou escrever. Ele não tem a
menor idéia do que os cientistas escreveram sobre o assunto. Portanto, o relato que
ele fez não tem possibilidade alguma de ser verdadeiro.
9. Toda pessoa que agride, deliberadamente, uma outra pessoa deve ser punida. Por-
tanto, um lutador de boxe deve ser punido com severidade, porque agride, delibera-
damente, seus adversários.
10. As esposas de homens bem-sucedidos na vida vestem roupas caras, de modo que a
melhor maneira de uma mulher ajudar seu marido a triunfar é comprar um guarda-
roupa caro.
11. A Inquisição deve ter sido justificada e benéfica, se povos inteiros a invocaram e
defenderam, e se até seus próprios adversários a aplicaram por conta própria.
12. O Congresso não deveria se preocupar em consultar o Estado-Maior das Forças Ar-
madas a respeito de verbas para as corporações militares. É claro que eles desejarão
tanto dinheiro para fins militares quanto julgarem que lhes será possível obter.
9
13. Ninguém conseguiu mostrar que o cigarro causa de fato doenças pulmonares. Por-
tanto, não há perigo algum em continuar fumando.
14. Todos estão dizendo que aquele jogador de futebol aceitou dinheiro para deixar o
adversário fazer mais gols. Portanto, deve ser verdade.
15. É impossível, para o homem educado de hoje, ter alguma crença religiosa. O próprio
Dr. Freud, um dos grandes teóricos europeus, afirmou isso.
16. Os narcóticos criam dependência. Portanto, se permitir que seu médico lhe alivie as
dores com um narcótico, você se converterá num viciado.
17. Meus pais não me deixaram ir aocinema à noite passada, nem me deixaram ficar até
mais tarde vendo televisão. Eles nunca permitem que eu me divirta!
18. Meu cliente é o único amparo de seus idosos pais. Se for enviado para a prisão, eles
terão seus corações despedaçados e ficaram sem casa e sem dinheiro. Certamente
não podereis encontrar em vosso íntimo, senhores do júri, outro veredito que não o
de “inocente”.
19. Aquele novo estudante diz que sou seu professor favorito. E deve estar dizendo a
verdade, pois nenhum estudante mentiria a seu professor favorito.
20. A Regra de Ouro é básica para todo sistema ético até hoje criado, e todos a aceitam
sob uma forma ou outra. Portanto, é um princípio moral inegavelmente sólido.
21. Pessoalmente, Nietzsche era mais filosófico do que sua filosofia. Suas considerações
sobre o poder, a severidade e a soberba imoralidade eram o passa- tempo de um
jovem escolar inofensivo e um inválido constitucional. (George Santayana, Egotism in
German Philosophy)
22. Enquanto o General Grant estava ganhando batalhas no Oeste, o Presidente Lincoln
recebia muitas queixas a respeito de Grant ser um bêbado. Quando uma delegação
lhe disse, um dia, que Grant estava irremediavelmente viciado no uísque, o Presidente
teria replicado: “Eu bem que gostaria que o General Grant enviasse um barril do seu
uísque para cada um de meus outros generais!”
23. É necessário confinar os criminosos e encerrar os maníacos perigosos. Portanto, nada
existe de errado em privar as pessoas de sua liberdade.
24. Deus existe, porque a Bíblia assim nos diz, e sabemos que deve ser verdade o que a
Bíblia nos diz, porque é a palavra revelada de Deus.
25. Quando chegamos a este ponto da discussão, e todos viram que a definição de justiça
tinha sido completamente deturpada, Trasímaco, em vez de me responder, perguntou:
— Dizei-me uma coisa, Sócrates: Tiveste ama?
— Por que me fazeis semelhante pergunta — disse eu —, quando deveríeis estar
respondendo?
— Porque vos vejo tão ranhoso e nunca assoais o nariz. Ela, certamente, não vos terá
ensinado, sequer, a distinguir um pastor de uma ovelha. (Platão, República)
26. Mais jovens freqüentam hoje ginásios e colégios do que em qualquer outra época da
história de nosso país. Mas existe hoje mais delinqüência juvenil do que em qualquer
outro tempo. Isso torna evidente que para eliminar a delinqüência entre os jovens
devemos abolir as escolas.
27. Não há prova alguma de que o secretário vazou a notícia para os jornais. Portanto,
não pode tê-lo feito.
28. Devemos rejeitar as sugestões do sr. Silva para aumentar a eficiência de nossos colé-
gios. Como industrial, não se pode esperar que compreenda que nossa finalidade é
educar a juventude, não a de obter lucro. Suas recomendações não podem ter valor
para nós.
10
29. Nosso time é o mais destacado do torneio, porque tem os melhores jogadores e o
melhor treinador. Sabemos que possui os melhores jogadores e o melhor treinador,
por conseguinte, é óbvio que vai ganhar o título. E ganhará o título, pois merece
conquistá-lo. E merece conquistá-lo porque é, de há muito, a melhor equipe do tor-
neio.
30. Contudo, pouco interessa agora o que o rei da Inglaterra diga ou faça; violou, per-
versamente, todas as obrigações morais e humanas, calcou aos pés a natureza e a
consciência e, por um pertinaz e constitucional espírito de insolência e crueldade,
granjeou para si próprio uma aversão universal. (Thomas Paine, Common Sense)
31. Benjamin Fernandez, candidato à nomeação como candidato republicano à presidên-
cia, nasceu num vagão de carga em Kansas City, de imigrantes mexicanos, 53 anos
atrás. Quando lhe perguntaram por que ele é um republicano, ele disse que, quando
estava na Universidade da Califórnia, alguém lhe disse que o partido republicano era
o partido dos ricos. “E eu disse: ‘Filiem-me! Tenho pobreza que chega!’ ”
32. Na segunda-feira passada eu bati meu carro. Na segunda anterior, meu televisor que-
brou. Logo, coisas más acontecem comigo sempre às segundas-feiras.
33. Como você se atreve a criticar minha lógica? Você comete uma falácia cada vez que
escreve um artigo!
34. Os alarmistas não conseguiram provar que as chuvas radioativas são nocivas à vida
humana. Portanto, é perfeitamente seguro continuar nosso programa de provas com
armas termonucleares.
35. Em seu trabalho, um advogado é sempre livre para consultar os livros de direito que
quiser, e um médico, freqüentemente, estuda casos em seus manuais de medicina. A
todos é permitida uma liberdade semelhante de referência e consulta. Portanto, aos
estudantes deveria ser consentido usarem seus compêndios, durante os exames.
36. Mas para que não pensem que minha religiosidade, neste ponto, levou a me- lhor so-
bre minha filosofia, apoiarei minha opinião, se porventura necessita de algum apoio,
numa grande autoridade. Poderia citar quase todos os teólogos, desde a fundação do
Cristianismo, que trataram deste ou de outro tema teológico, mas limitar-me-ei, no
momento, a alguém igualmente famoso por sua religiosidade e sua filosofia. É o Padre
Malebranche . . . (David Hume, Diálogos sobre a Religião Natural)
37. O que o agricultor semeia na primavera, colhe no outono. Na primavera, semeia feijão
que custa cinco reais por saca. Portanto, no outono, o agricultor colhe feijão que custa
cinco reais por saca.
38. “Mas observo”, disse Cleanthes, “a respeito de você, Philo, e de todos os céticos es-
peculativos, que sua doutrina e sua prática estão tanto em discordância nos mais
confusos pontos da teoria como na conduta da vida comum”. (David Hume, Diálogos
sobre a religião natural)
39. Em São Paulo, mais pessoas bebem leite, e mais pessoas morrem de câncer, do que
em qualquer outro estado do Brasil. Portanto, podemos concluir que o consumo de
leite provoca câncer.
40. No Senado, em 1950, Joe McCarthy anunciou que havia penetrado a “cortina de
segredo de Truman”. Ele tinha arquivos sobre 81 pessoas do Departamento de Estado
que ele considerava que fossem comunistas. Sobre a pessoa do arquivo número 40,
ele disse: “Não tenho muita informação a respeito deste, exceto a afirmação geral da
agência de que não há nada nos arquivos que prove que ele não é comunista”.
41. Durante os períodos Colonial e Revolucionário da História Americana, Thomas Paine
opôs-se, veementemente, à reconciliação com a Inglaterra. Em seu livro Common
Sense, ele argumentou assim:
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Embora eu seja partidário de que se evitem afrontas desnecessárias,
sou propenso a acreditar, entretanto, que todos os que favo- recem e pro-
põem a doutrina de reconciliação podem ser incluídos nas seguintes des-
crições.
Homens interesseiros, em quem não se pode confiar; homens pusilâ-
nimes, que não podem ver; homens tendenciosos que não que- rem ver, e
um certo grupo de homens moderados que têm sobre o mundo europeu
uma opinião melhor do que ele merece; e esta última categoria, por uma
deliberação mal interpretada, será a causa de mais calamidades para este
Continente do que todas as outras três reunidas.
42. Você não pode provar que ele foi o culpado daquele acidente, portanto, o responsável
deve ter sido outra pessoa.
3 Falácias de ambigüidade (ou falácias semânticas)
Passemos agora a um segundo grande grupo de falácias informais, as chamadas
falácias de ambigüidade. Esse tipo de falácia ocorre em argumentos que contêm
palavras ou frases ambíguas, expressões que mudam de significado — daí o nome
de falácias de ambigüidade, ou falácias semânticas. Veremos três falácias desse
tipo.
3.1 Equívoco
O primeiro tipo de falácia é de um simples equívoco: uma palavra ou expressão
ocorre com significados diferentes em um mesmo argumento. Grande parte, se não
a maioria, das palavras de uma língua tem diferentes sentidos lexicais. Um exemplo
clássico em português é o da palavra ‘pena’, que pode estar se referindo à pena de
uma ave, ou a uma punição para algum crime, ou mesmo à compaixão. Assim,se
um argumento tiver a palavra ‘pena’ em uma premissa com um certo signficado, e a
mesma palavra em outra premissa, ou na conclusão, com um significado diferente,
estará cometendo a falácia de equívoco.
Por exemplo:
O fim de uma coisa é sua perfeição.
A morte é o fim da vida.
Portanto, a morte é a perfeição da vida.
Nesse exemplo, a palavra ‘fim’ está sendo usada com dois sentidos diferentes: ‘ob-
jetivo’ e ‘último acontecimento’.
Para um outro exemplo humorístico:
Nada é melhor do que uma vida tranqüila e feliz.
Um misto quente é melhor do que nada.
Portanto, um misto quente é melhor do que uma vida tranqüila e feliz.
Ou ainda:
É bobagem discutir por meras palavras. Racismo é uma palavra. Por-
tanto, é bobagem discutir por causa de racismo.
Ou então:
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Somente os homens são racionais. Mulheres não são homens. Logo,
mulheres não são racionais.
Nesse caso a palavra ‘homem’ é ambígua entre ‘ser humano’ e ‘ser humano do sexo
masculino’. O argumento, claro, não poderia ser mais falacioso.
Uma outra versão da falácia de equívoco pode ocorrer quando do uso de termos
relativos. Por exemplo, parece não haver nada de errado com o seguinte argumento:
Uma formiga é um animal. Logo, uma formiga que nasceu em Floria-
nópolis é um animal que nasceu em Florianópolis.
Por outro lado, o argumento a seguir comete uma falácia de equívoco:
Uma formiga é um animal. Logo, uma formiga grande é um animal
grande.
Termos como ‘grande’, ‘pequeno’, ‘bom’, ‘mau’, etc., são termos relativos. Para uma
formiga, ‘grande’ é uma coisa; para um elefante, uma outra.
Um outro exemplo:
X é um bom cientista. Logo, X é um bom professor.
Da mesma forma, a palavra ‘bom’ é um termo relativo. Ser um bom cientista é uma
coisa; ser um bom professor é outra.
3.2 Composição
Este tipo de falácia é cometido quando se aplica a propriedade de partes de um
todo ao próprio todo, ou quando se aplica uma propriedade que têm os elementos
de um conjunto ou coleção ao próprio conjunto. Por exemplo:
Todas as peças deste computador são baratas. Logo, este computador é
barato.
Ainda que cada peça do computador seja barata, não se segue que o computador
como um todo seja barato. A falácia, então, aplica uma característica que vale para
cada parte como se devesse valer também para o todo.
Ainda uma variante da falácia de composição consiste em aplicar uma proprie-
dade que têm, distributivamente, os elementos de uma coleção, e aplicá-la coletiva-
mente.
Um ônibus gasta mais combustível que um carro; logo, todos os ônibus
gastam mais combustível que todos os carros.
A conclusão não decorre da premissa, visto haver mais carros que os demais carros.
Assim, distributivamente, isoladamente, um ônibus de fato gasta mais combustível
que um carro — mas não se considerarmos a totalidade dos ônibus e a totalidade
dos carros.
3.3 Divisão
É a falácia inversa: consiste em aplicar uma propriedade do todo às partes, ou
propriedade do conjunto aos elementos.
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A firma F é conhecida internacionalmente, e João trabalha na firma F ;
logo, João é conhecido internacionalmente.
Ou então:
Este automóvel é caro, logo, todas as peças deste automóvel são caras.
Para finalizar, um exemplo humorístico que não enganaria ninguém, mas que
comete essa falácia:
Os chineses são numerosos.
Fu Manchu é chinês.
Portanto, Fu Manchu é numeroso.
Exercício 2. Identifique nos trechos abaixo as falácias de ambiguidade cometidas:
1. Estabelecer o mais rapidamente possível uma estrutura salarial adequada em cada
indústria é a primeira condição para controlar uma barganha competitiva, mas não há
razão para que esse processo pare por aí. O que é bom para cada indústria dificilmente
pode ser mau para a economia como um todo.
2. Os acidentes de trânsito estão aumentando. As batidas entre calhambeques são aci-
dentes de trânsito. Logo, as batidas entre calhambeques estão aumentando.
3. A felicidade de cada pessoa é um bem para esta pessoa, e a felicidade geral, portanto,
um bem para o conjunto de todas as pessoas.
4. Como em cada três crianças nascidas em Nova York a terceira é católica, as famílias
protestantes aí residentes não deviam ter mais do que dois filhos.
5. O pai dela tem uma aparência muito distinta; deve, portanto, ser um homem distinto.
6. Todos os fenômenos do universo estão saturados de valores morais. Portanto, pode-
mos chegar à conclusão de que o universo é um universo moral.
7. O mico-leão dourado está praticamente extinto. Este animal é um mico-leão dourado,
portanto, deve estar praticamente extinto.
8. Você é uma má jornalista, porque é uma mulher má.
9. Como todos os seres humanos são mortais, nossa espécie deve, mais dia menos dia,
chegar ao fim.
10. Cada fabricante está perfeitamente livre para fixar seu próprio preço no artigo que
produz. Assim, não há nada de errado se todos os fabricantes se reunirem para fixar
o preço dos artigos produzidos por todos eles.
11. Acontecimentos improváveis dão-se quase todos os dias, mas o que acontece quase
todos os dias é um acontecimento muito provável. Portanto, os acontecimentos im-
prováveis são acontecimentos muito prováveis.
12. Os cozinheiros vêm preparando comida há gerações e gerações, de modo que nosso
cozinheiro deve ser um autêntico especialista.
13. O búfalo americano está praticamente extinto. Este animal é um búfalo americano;
portanto, deve estar praticamente extinto.
14. A polícia é notoriamente ineficiente, de modo que não podemos esperar que o Capitão
Nascimento faça um trabalho eficiente.
15. Toda sentença neste livro está bem escrita. Portanto, este é um livro bem escrito.
16. Os sorvetes são doces, portanto, todos os ingredientes usados na fabricação de sorve-
tes são doces.
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17. O universo tem uma forma esférica, porque todas as partes constituintes do universo,
isto é, o sol, a lua, e os planetas, aparecem com esta forma.
18. João da Silva é um homem mau, e ele perde sempre que joga pôquer. Logo, ele é um
mau perdedor.
19. Se quisermos saber se uma nação é corajosa, devemos observar seu exército, não
porque os soldados sejam as únicas pessoas corajosas na comunidade, mas porque
é, unicamente, através da conduta deles que a coragem ou covardia da comunidade
pode manifestar-se.
20. É nosso dever fazer o que é direito. Temos o direito de ignorar bons conselhos. Logo,
é nosso dever ignorar os bons conselhos.
21. É raro encontrar diamantes nesta região; portanto, você deve ter cuidado em não
perder seu anel de noivado.
22. Se as partes do universo não são acidentais, como pode o universo inteiro ser consi-
derado o resultado do acaso? Assim, a existência do universo não é devida ao acaso.
23. Temos certeza que Hillary Clinton será uma boa presidente para os EUA, pois tem
sido uma boa senadora.
Referências
O acima exposto são apenas algumas notas de aula para o tópico sobre falácias. Se
você estiver interessado no tema, pode encontrar mais a respeito, e bem mais exer-
cícios, em vários livros de introdução à lógica. Por exemplo, nos livros seguintes:
Carney, J. D. Fundamentals of logic. Nova York: Macmillan, 1980.
Copi, I. M. Introdução à Lógica. Rio: Zahar, 1972.
Nolt, J. & Rohatyn, D. Lógica. São Paulo: McGraw-Hill, 1991.
Salmon, W. C. Lógica. Rio: Zahar, 1973.
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