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www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 1 Derecho y Cambio Social EM DEFESA DOS MÉTODOS DE ABREVIAÇÃO DA VIDA NO DIREITO BRASILEIRO Gilberto Fachetti Silvestre1 Guilherme Pratti dos Santos Magioli2 Fecha de publicación: 01/10/2015 SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Métodos de abreviação da vida. 2.1. Eutanásia ativa. 2.2. Eutanásia por duplo efeito. 2.3. Ortotanásia. 2.4. Distanásia. 2.5. Suicídio assistido. 2.6. Para encerrar. 3. Como ficam os métodos de abreviação da vida no direito brasileiro? 4. Estudo de casos no Brasil e a experiência estrangeira. 5. Considerações finais. 6. Referências bibliográficas. RESUMO: Analisa a possibilidade ou não de acolhimento dos métodos de abreviação da vida no Direito brasileiro, identificando a existência de um possível novo direito, o direito à morte à luz da dignidade da pessoa humana, após sistemática análise do ordenamento jurídico. Para tanto, foi utilizado o método qualitativo para abordagem do tema, através da pesquisa de caráter documental e bibliográfico, bem como da análise hipotético-dedutiva. Foi dividido em três partes, nas quais foram identificados os princípios que norteiam o tema, o viés interpretativo sedimentado pela doutrina acerca destes; diferenciados os métodos de abreviação da vida; analisada a possibilidade destes serem acolhidos pelo Direito pátrio; e exposta a experiência legislativa estrangeira no que tange aos métodos apontados. Dessa forma, foi possível perceber que há a necessidade de alterar o modo de interpretação das características 1 Professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES); Advogado. E-mail: gilberto.silvestre@ufes.br 2 Bacharel em Direito e Ciências Sociais (UFES); Advogado. E-mail: guilhermemagioli@oi.com.br www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 2 do direito à vida, o que permitirá o reconhecimento do possível novo direito objeto deste trabalho. PALAVRAS-CHAVE: Abreviação da vida. Métodos. Vida digna. Dignidade humana. Morte. ABSTRACT: Analyzes the possibility or not of recognizing life shortening methods in the brazilian law system, identifying the existence of a new possible right, the right to die in light with the human person dignity, after a systematic analysis of the constitutional text. To do so, the qualitative method of approaching the subject was used, through bibliographic and documental research and the hypothetical-deductive analysis. This work was divided into three chapters, in which was identified the constitutional principles that guide the subject and the interpretative bias mainly utilized by the doctrine; set the differences between the life shortening methods; analyzed their possibility of acceptance under the brazilian law and; exposed foreign experience with the methods here discussed. Consequently, it was possible to notice the necessity of changing the way of interpretation of the right to life characteristics, in order to permit the recognizing of the possible new right subject of this work. KEYWORDS: Shortening life. Methods. Dignified life. Human dignity. Death. www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 3 1. Introdução. Tópicos relativos à liberdade, à dignidade, à vida e à morte são, possivelmente, dentre tantos assuntos do Direito, alguns dos mais complexos e polêmicos, pois envolvem diversas áreas do conhecimento, como por exemplo, a medicina, a psicologia, a filosofia, o direito positivado, a teologia, a ética e a moral. É justamente do ponto de conexão entre tais áreas que surgem discussões e posicionamentos opostos, às vezes até mesmo radicais, quanto àqueles pontos. Isso porque não há resposta certeira às questões que envolvem vida e morte, nem às que abordam a extensão do direito à liberdade de dispor sobre a própria vida. A complexidade de tais temas é deveras interessante, pois estão intimamente entrelaçados e, juntos, configuram os aspectos mais fundamentais de qualquer ordenamento jurídico. Assim, tendo em vista que a possibilidade de exercício da liberdade pressupõe, a priori, a existência de vida, pressuposto de todos os direitos, parece correto afirmar que aquela depende diretamente desta, uma vez ser impossível imaginar algum morto que afirme ser livre. O mesmo ocorre com a dignidade. Dessa forma, justifica-se a proteção conferida ao direito à vida, o qual é tutelado, em âmbito universal (ou internacional, como queira), pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, promulgada pela Organização das Nações Unidas em 1948. A magnitude do direito à vida já está sedimentada em ordenamentos jurídicos mundo afora. No Direito brasileiro, é tutelada através de dispositivos explicitamente voltados à sua proteção, os quais asseguram, também, a dignidade e a liberdade. Pretende-se, aqui, identificar um possível direito a abreviar a vida em caso de sofrimento e estágio terminal, que – pode até parecer uma ironia – é oriundo do direito à vida digna, aquela vivida segundo os ditames da liberdade e da autodeterminação. Preliminarmente, cabe fazer algumas observações quanto à metodologia empregada. Em primeiro lugar pretendeu-se, através da interpretação sistemática das premissas e princípios jurídicos, identificar a existência de um direito à morte a partir do dever geral de incolumidade dos direitos da personalidade. Para tanto, foi empregada uma abordagem qualitativa acerca do tema, através da pesquisa de caráter documental e bibliográfico, com especial enfoque na lei, nas posições doutrinárias e nos www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 4 julgados dos tribunais, nas resoluções do Conselho Federal de Medicina e no noticiário nacional. Em segundo lugar veio a análise do conteúdo abordado, embasada no método hipotético-dedutivo, ante a necessidade de ponderação entre bens, valores, princípio e normas jurídicas. É correto afirmar que o direito à vida, além de ser um direito fundamental por excelência, é pressuposto para o exercício daqueles que dele decorrem, já que é indispensável estar vivo para exercê-los. Nas palavras de Dias (2012, p. 117), “os direitos dependem da vida para existir”. A juridicidade da vida extrapola o ato nobre de garantir a existência das pessoas naturais. É justamente a garantia da vida que separa a humanidade de viver no estado de natureza, conforme identifica Thomas Hobbes (2004), para quem, antes da formação do Estado, cada indivíduo poderia, por suas próprias razões, utilizar-se de qualquer dos meios disponíveis para se preservar, inclusive exterminando o próximo. Coube ao Estado assegurar a existência de seus cidadãos para a manutenção da paz e harmonia social. A interpretação sempre feita de que o direito à vida – assim como qualquer outro direito da personalidade – é indisponível parece equivocada quando se considera a realidade e, principalmente, uma das máximas da experiência jurídica: toda regra tem sua exceção. Não se pode confundir “garantia fundamental” com “obrigação fundamental”, o que teria como uma de suas consequências o dever do Estado de garantir que a pessoa humana permaneça viva, independentemente de sua escolha ou das circunstâncias físicas em que se encontra. Que fique claro, antes de qualquer patrulha odiosa, que aqui se refere unicamente àqueles acometidos de doenças incuráveise/ou em estado terminal e vegetativo, cujo sofrimento físico ou psíquico é incessante e sabidamente insanável. Segundo Dias (2012, p. 125), a inviolabilidade da vida amparada pela legislação brasileira serve para impedir que indivíduos tenham a vida “ceifada arbitrariamente” pelo Estado ou por terceiros. Não parece razoável interpretar o direito à vida como um “dever de vida” ou uma obrigação de manter-se vivo custe o que custar, ou tudo ou nada (“all or nothing”). Isso porque, o prolongamento excessivo da vida, sob determinadas condições, pode suprimir a dignidade inerente ao ser humano. É possível perceber que há a urgente necessidade de rompimento dos paradigmas envoltos na interpretação das características próprias do direito à vida, relativizando sua interpretação como absoluto e indisponível, pois somente assim será reconhecido esse novo direito. Muitos o chamam de “direito à morte digna”. Preferimos, no entanto, chamá-lo de “direito à morte sem sofrimento”, que aquele que surge para a esfera jurídica do sujeito quando sua morte é certa e iminente, havendo o risco de profundo sofrimento www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 5 e dor física. Daí nossa dúvida: é melhor prolongar o sofrimento para prolongar uma vida? A quem favorece o prolongamento do sofrimento? Se apenas aos familiares, não seria um egoísmo, tão combatido na Teoria do Direito? 2. Métodos de abreviação da vida. Os avanços tecnológicos diários influenciam positivamente no campo médico, já que os procedimentos atuais possibilitam a cura de doenças outrora vistas como incuráveis. Drogas poderosas fornecem conforto aos enfermos terminais, e técnicas e tratamentos inovadores permitem sobrevida às pessoas em estado clínico crítico. Perceba, então, que existem hoje diversas maneiras de se prolongar a vida humana. No entanto, é possível notar que, em muitos casos, não se prolonga a vida do paciente, mas sim o processo de morrer, através de repetidas intervenções cirúrgicas e de fármacos com efeitos colaterais nefastos. Em situações extremas, equipamentos e máquinas de sustentação da vida tornam-se inseparáveis do corpo do enfermo, e práticas médicas dolorosas viram rotina. A dignidade do indivíduo é posta em xeque, de variadas formas: dor, sofrimento, constrangimento público, restrições... É justamente em casos análogos à hipótese acima ventilada que os métodos de abreviação da vida, – a saber, eutanásia, ortotanásia e, consequentemente, a distanásia, além de práticas a eles semelhantes, como por exemplo, o suicídio assistido e a agatanásia – ganham espaço no debate acadêmico, jurídico, médico, ético e filosófico. Este capítulo trata dos referidos métodos e das práticas a eles semelhantes, como por exemplo, o suicídio assistido e a agatanásia. 2.1. Eutanásia ativa. A eutanásia ativa consiste no ato deliberado de pôr fim à vida do indivíduo acometido de moléstia incurável, em estado terminal, a pedido seu ou de seus familiares, devido à incurabilidade ou sofrimento que a doença lhe impõe e à inutilidade do tratamento médico que lhe é dispensado. Tal ação pauta-se, em tese, no princípio basilar da bioética, a benevolência. Tal prática é também denominada de benemortásia ou sanicídio (DINIZ, 2006) e a etimologia da palavra advém da união dos vocábulos gregos καλός (eu), ou seja, boa, e θάνατος (thanatos), que significa morte. Seu significado remete à ideia de “boa morte” ou “morte sem sofrimento” (DIAS, 2012). www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 6 A eutanásia ativa é, sem dúvidas, o meio de abreviação da vida mais polêmico e controverso de todos, sendo capaz de provocar reflexões no campo ético, médico, jurídico, social e religioso. Vale salientar que a prática em tela não é permitida pela maioria dos países, incluindo o Brasil, sendo comparada ao homicídio. Dias (2012) atribui parte da controvérsia em torno do tema à equivocada assimilação da eutanásia ativa com questões que não lhe dizem respeito, como por exemplo, ao genocídio, à eugenia e até mesmo à assustadora hipótese de eutanásia involuntária. Imprescindível, então, diferenciar tais termos. O genocídio se caracteriza como o extermínio de determinado grupo humano, impulsionado por diferenças étnicas, nacionais, religiosas, raciais e/ou políticas. A eugenia, por seu turno, é o estudo genético de determinado grupo social, norteado em premissas antropométricas, com o objetivo de catalogar grupos humanos de acordo com a superioridade de uns para com outros. Exemplo histórico mais famoso de genocídio com fulcro na eugenia foi o extermínio em massa de judeus praticado pela Alemanha nazista sob o comando de Adolf Hitler, no episódio que ficou conhecido como “Holocausto” (DIAS, 2012). Já a eutanásia involuntária, como o próprio nome sugere, há de ser praticada contra a vontade do indivíduo que sofrerá seus efeitos, ou seja, sua vida será tolhida arbitrariamente. Tal denominação é sinônima do crime de homicídio (art. 121 do Código Penal). Fatalmente, a confusão terminológica tende a embaraçar o debate acerca do tema. Entretanto, o emprego cauteloso da expressão “eutanásia ativa”, no sentido aqui proposto, obstará eventual equívoco por trazer em si a voluntariedade, que consiste no desígnio do paciente terminal, em antecipar a própria morte. Acerca do tema, Roberto Dias (2012, p. 148) diz que a “[...] eutanásia deve ser entendida como o comportamento médico que antecipa ou não adia a morte de uma pessoa, por motivos humanitários, mediante requerimento expresso ou por vontade presumida – mas sempre em atenção aos interesses fundamentais – daquele que sofre uma enfermidade terminal incurável, lesão ou invalidez irreversível, que lhe cause sofrimentos insuportáveis, do ponto de vista físico ou moral, considerando sua própria noção de dignidade”. Assim, o uso da palavra “eutanásia” deve se referir apenas ao sentido estrito do termo “eutanásia ativa”, ou seja, à abreviação da vida realizada por www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 7 equipe médica, mediante ação (conduta ativa) em paciente reconhecidamente incurável, que tenha manifestado interesse na prática terminativa, em pôr fim à própria vida. 2.2. Eutanásia por duplo efeito. Também conhecida como “eutanásia indireta”, “acidental” ou agatanásia, ocorre quando a morte é consequência indireta de ações paliativas para evitar o sofrimento do paciente terminal. Exemplo é a dosagem de determinado narcótico para alívio imediato de dores que, acidentalmente, causa a morte do sujeito por depressão respiratória imprevisível (FARIA, 1997). Faria (1997, p. 252) diz que o termo agatanásia, embora menos conhecido, “[...] e raramente usado, tem o sentido de morte conseqüente (sic) ao duplo efeito medicamentoso, administrado o fármaco com a intenção de propiciar alívio ao paciente, mas que acaba por lhe acarretar a morte não buscada intencionalmente”. Embora exista leve semelhança entre a eutanásia por duplo efeito e a eutanásia ativa, já que ambas acarretam a aceleração da morte após ação médica, não parece razoável considerá-las situações idênticas. Isso porque a primeira visa preservar a vida do enfermo, reduzindo o sofrimento físico, mas acaba por gerar seu falecimento, enquanto a segunda visa diretamente o resultado morte. Em contrapartida, tal forma de abreviação da vida em nada se assemelha à “eutanásia involuntária”, que ceifa a vida do enfermo de forma despótica, tratando-se,consequentemente, de homicídio. 2.3. Ortotanásia. A palavra “ortotanásia” é formada pela junção dos verbetes gregos σωστός (orto), cujo significado é reto, correto, justo, e θάνατος (thanatos), que significa morte, de forma a transmitir o sentido de morte justa, no tempo certo. É também conhecida como “eutanásia passiva”, “eutanásia por omissão” ou “para-eutanásia”, – já praticada na França, inclusive – e se caracteriza pela recusa ao tratamento invasivo e/ou doloroso por parte do indivíduo acometido por moléstia irrecuperável ou em estado terminal (DINIZ, 2006). Mantém-se, contudo, as medidas paliativas e os medicamentos para redução do desconforto do paciente. Não se busca, portanto, nem acelerar nem adiar a morte. Segundo Pessini (2001, p. 217), “[...] a medicina paliativa afirma a vida e reconhece o processo de morrer como parte da vida”. www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 8 Por ser assim, a eutanásia passiva é vista como uma maneira nobre de encarar a morte inadiável, por “[...] deixar morrer em seu tempo certo, sem abreviação ou prolongamento desproporcionado, mediante a suspensão de uma medida vital ou de desligamento de máquinas sofisticadas” (DINIZ, 2006, p. 393). Em outras palavras, a prática ortotanásica consiste no desligamento de aparelhos de suporte vital, sem os quais o enfermo não sobreviveria, deixando assim, a vida seguir seu curso natural. Exemplo clássico do acima exposto é o desligamento de aparelhos que controlam ou substituem órgãos problemáticos em paciente em estado comatoso longo e irreversível, cuja manutenção da vida depende exclusivamente de suporte mecânico. No mesmo sentido, Dias (2012, p. 186) afirma: “A pessoa não está obrigada a se submeter a tratamento médico se entender que o procedimento, além de violar sua dignidade, assola seu corpo, devasta sua honra ou denigre a imagem que ela tem dela mesma. Receber um tratamento pode ser mais aviltante do que a morte, mostrando-se incompatível com sua história de vida, com suas convicções e com seus interesses fundamentais”. Trata-se, assim, de manifestação da vontade do enfermo em não se submeter a determinados tratamentos médicos por motivo de foro íntimo, a exemplo do seguidor da denominação testemunha de Jeová que se recusa a realizar transfusão de sangue; do paciente que não deseja tratar um câncer em estado avançado, por entender que o tratamento será deveras penoso e o resultado insuficiente; e do diabético que se recusa a amputar um dos membros. Deve-se ter sempre em mente que os métodos de abreviação da vida envolvem equipe médica especializada e ambiente hospitalar adequado às necessidades do paciente. Dessa forma, há de ser salientado que os tratamentos paliativos e a própria eutanásia passiva comumente ocorrem nos Centros de Tratamento Intensivo (CTI’s), formados por diversas Unidades de Tratamento Intensivo (UTI’s) – repartições hospitalares com o objetivo de monitorar incessantemente os pacientes com necessidades especiais, através da combinação de cuidados intensivos de enfermeiros, médicos e profissionais de diversas áreas, como fisioterapeutas, técnicos de enfermagem, farmacêuticos e psicólogos (SILVA, et al, 2008). Nas palavras de Silva (2008, p. 313), “[...] nos Centros de Tratamento Intensivo, a morte existe, mas o cuidado persiste”. Para esse autor autor, os cuidados paliativos fornecidos aos enfermos incuráveis estão em www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 9 consonância a um antigo preceito da medicina que enuncia sedare dolorem opus divinum est – que significa “aliviar a dor é obra divina”. Logo, embora o suporte mecânico da vida do enfermo seja retirado e tratamentos invasivos cessados, a ortotanásia implica na manutenção de todas as medidas paliativas para conforto psicossomático do enfermo sem possibilidade de cura, proporcionando-lhe dignidade no fim de sua vida. Importante ressaltar que a ortotanásia vem ganhando destaque em diversos ordenamentos jurídicos, inclusive no Direito brasileiro, como se verá doravante. 2.4. Distanásia. A distanásia é o oposto da eutanásia e configura verdadeira obstinação terapêutica à morte. Isso porque, embora a medicina mostre-se ineficiente em determinados casos, ante a gravidade da doença ou do quadro clínico, procedimentos médicos invasivos continuam a ser empregados apenas para evitar a morte do paciente, e não para prolongar-lhe a vida. Segundo Diniz (2010), tal prática é uma futilidade médica por não objetivar o prolongamento da vida, mas sim adiar a morte do enfermo. De forma que esse procedimento possui efeitos talvez mais nocivos que o mal que se busca curar, fazendo com que a máquina de sustentação da vida torne- se parte do corpo do paciente. A própria palavra distanásia traz em si tal significado. É oriunda dos termos gregos αργός (dys), de difícil, demorado, lento, e θάνατος (thanatos), morte, representando a morte lenta, sofrida (FARIA, 1997). Se depois de repetidas intervenções cirúrgicas, do excessivo uso de fármacos, máquinas, cateteres e tubos para manter o indivíduo vivo, ainda não for possível reverter o quadro clínico em que se encontra, não é de todo errado imaginar que mais cedo ou mais tarde os sentimentos de inutilidade, abandono e desesperança surjam no enfermo. Vieira (2012), alerta que a transformação do enfermo em mero objeto da prática médica, através de sucessivos procedimentos cirúrgicos invasivos apenas para mantê-lo vivo, sem preocupação com seu bem-estar. Em casos assim, há de se admitir parecer que o tratamento humanista, caridoso e piedoso perde espaço para as tentativas desenfreadas de prolongar a vida simplesmente por prolongar, por não bem aceitarmos a chegada da morte. Em suma, a distanásia objetiva apenas não deixar o indivíduo morrer. 2.5. Suicídio assistido. www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 10 Como o próprio nome sugere, deve o próprio sujeito praticar o ato por si só, sob a orientação e auxílio de outrem. Assim, é possível imaginar que tal ato não esteja relacionado às técnicas de abreviação da vida propriamente ditas, uma vez que qualquer um pode, em tese, suicidar-se. Fala-se pode porque não se trata de ilícito (civil e penal), mas ato imoral. Lembre-se que o crime do art. 122 do Código Penal é instigação e auxílio ao suicídio, cujo agente do crime é terceiro, e não pelo próprio suicida. Todavia, nem sempre quem deseja suicidar-se possui condições físicas plenas para tanto, sendo este o momento em que o suicídio assistido adentra o campo dos métodos de abreviação da vida. Exemplo de assistência ao suicídio ocorreu nos Estados Unidos, no estado de Michigan, onde o médico patologista Jack Kevorkian, inventou uma máquina de suicídio, com o intuito único de auxiliar pacientes em quadros clínicos irreversíveis a terminarem as próprias vidas para cessar o sofrimento. A máquina inventada foi chamada por seu inventor de “mercitron” ou, em tradução livre, “máquina de misericórdia” (DINIZ, 2006). Seu mecanismo consistia num aparelho de eletrocardiograma modificado que, ao ser acionado pelo paciente, injetava em sua veia determinadas substâncias que combinadas paralisavam o coração de forma indolor (DINIZ, 2006). Importante destacar que no Brasil tal prática é proibida, consistindo no crime de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (art. 122 do CP). Percebe-se, então, que o crime mencionado possui núcleo típico composto por três verbos:induzir, instigar e auxiliar. Importa dizer, portanto, que o Direito Penal brasileiro punirá aquele que suscitar e sugerir o suicídio, inserindo tal ideia na mente de outrem, o que corresponde ao verbo induzir; aquele que encorajar o suicida a destruir a própria vida, incorre no verbo instigar; aquele que auxiliá-lo, irá fornecer suporte material para acabar com a própria vida. 2.6. Para encerrar. O ordenamento jurídico brasileiro tem como valor supremo a dignidade da pessoa humana, a qual deve servir como parâmetro para a tomada de decisões e interpretação em todas as áreas do Direito. Denota-se, contudo, que a interpretação acerca da referida dignidade está tão enraizada no direito à vida plena, que a mesma perde força quando contrastada com a dignidade à beira da morte – de forma que, aparentemente, exsurge uma dicotomia entre “dignidade e morte”, como se ambas fossem mutuamente excludentes e o indivíduo em quadro clínico terminal não pudesse optar por parar de www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 11 sofrer, por fazer cessar a redução diária de sua própria dignidade. Trata-se de um equívoco: é inerente à vida morrer; morrer faz parte da vida; e não sofrer é garantir uma vida saudável. 3. Como ficam os métodos de abreviação da vida no direito brasileiro? É importante refletir, agora, se os métodos que envolvem a abreviação da vida poderiam ser adotados no Brasil. Para tanto, é necessário abordar pontos específicos a respeito da personalidade jurídica da pessoa natural e os direitos daí decorrentes, os quais são comumente chamados de “direitos da personalidade” e detém íntima relação com o valor supremo do ordenamento jurídico brasileiro: a dignidade da pessoa humana. Ao final se concluirá se existe ou não eventual “choque” (ou incompatibilidade) entre direitos da personalidade e a técnica utilizada para solução deste tipo de problema. Os direitos da personalidade possuem características próprias, a saber, são absolutos, imprescritíveis, extrapatrimoniais, inalienáveis e indisponíveis, já que intransmissíveis e irrenunciáveis. Nesse sentido, são, como dizem Faria e Rosenvald (2011, p. 153): Absolutos, pois oponíveis erga omnes, devendo ser respeitados por toda a sociedade; Vitalícios, porque somente se extinguem com a morte de seu titular; Extrapatrimoniais, já que não podem ser aferidos em pecúnia; Imprescritíveis, pois sua violação não é ratificada pelo tempo, de forma que seu titular pode exigir, a qualquer tempo, que cesse a ameaça ou lesão a direito da personalidade; Intransmissíveis e irrenunciáveis, por expressa vedação legal, contida no art. 11 Código Civil. No entanto, no que tange à indisponibilidade, Faria e Rosenvald (2011, p. 153) sustentam que há de ser relativizada, de modo a autorizar o titular de direitos cedê-los, desde que respeitados certos limites e que tal cessão seja parcial e meramente transitória. Oportuno, neste momento, relembrar que, a respeito da interpretação do direito à vida, ele pode sim ser renunciado por seu titular. Sua oponibilidade e inviolabilidade erga omnes é em relação a terceiros (DIAS, 2012). Por isso, deve ser assegurada a autonomia do paciente, – manifestação da autonomia da vontade de seu titular no âmbito de sua integridade física, moral e intelectual –, caso queira a tal direito renunciar, garantindo a não intervenção www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 12 estatal em esfera tão individual e íntima, ao mesmo tempo em que o indivíduo é protegido de eventual atentado à sua vida por parte de terceiros. Sói irônico constatar que a lei não pune a tentativa de suicídio. Pune, acertadamente, o homicídio. Quer dizer, se o paciente quisesse, ele poderia se matar. O problema é que ele não consegue dar cabo de sua vida; encontra- se impossibilitado por causa de suas condições físicas. Inclusive, no âmbito fático e jurídico, matar-se é possível (o aspecto moral não interessa aqui). Tendo em vista que os direitos da personalidade visam à proteção do homem, em todos os aspectos de sua vida, Faria e Rosenvald (2011) e Francisco Amaral (2008) ensinam que os referidos direitos são multifacetários, dividindo-os em três categorias, as quais compreendem a integridade intelectual, física e moral ou psíquica do indivíduo, tendo como dever geral de incolumidade a chamada dignidade humana (AMARAL, 2008). Veja, não basta assegurar o direito à vida; é preciso assegurar o direito à vida com dignidade. De conseguinte, tendo em mente que a dignidade da pessoa humana norteia o direito à vida, é possível conceber que a fruição de uma vida digna há de levar, inevitavelmente, a uma morte sem sofrimento – o chamado “direito de morrer dignamente” ou “direito à morte digna”. No mesmo sentido, Faria e Rosenvald (2011, p. 340): “Em palavras mais claras, ao direito de viver com dignidade, haverá de corresponder como espelho invertido o direito de morrer dignamente. Até mesmo porque uma morte digna há de ser a consequência natural de toda e qualquer vida digna. Trata- se, pois, tão somente de permitir que a natureza siga seu rumo, fazendo o seu inexorável papel, sem que isso atinja a dignidade da pessoa, em determinadas situações”. Isto posto, parece correto afirmar que tal direito – a morrer dignamente – tem sua razão de ser justificada na influência que a garantia dos direitos da personalidade exerce sobre a vida. Todavia, sabe-se que argumentar em defesa de um suposto direito à morte com dignidade, a partir do direito à vida, pode, em um primeiro momento, parecer uma antinomia, um contrassenso ou até mesmo suposta incompatibilidade entre direitos. Porém, este aparente antagonismo não sobrevive às reflexões mais profundas, baseadas na técnica da ponderação defendida por Ana Paula de Barcellos (2005). É importante ressaltar que aqui se defende uma “disponibilidade” da vida não de maneira geral e irrestrita, muito menos vulgarizada. Essa renúncia à vida deve estar relacionada ao direito à vida com dignidade daqueles acometidos por doenças incuráveis, em estado terminal, cujo www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 13 tratamento médico é incapaz de reverter o quadro clínico já instalado e a dor física e/ou psíquica é incessante, somente se fazendo ausente através do uso de medicamentos. Não se busca, portanto, defender o suicídio como direito imanente ao homem, nem mesmo justificar o sacrifício da vida humana por quaisquer motivos. É esse tipo de influência que a Moral tem sobre o Direito. Mas, surge uma pergunta: haveria incompatibilidade entre o direito à vida digna, o direito à morte digna e a autonomia privada do enfermo terminal? Ou, por outras palavras, o paciente que deseja abreviar a própria vida, o próprio sofrimento, não poderá assim requerer ao Estado que o ajude a cessar seu sofrimento? Atualmente, a medicina está impedida de agir por causa da incidência da lei penal. E mais uma pergunta: há, de fato, antinomia nessas situações? Pois bem, para a solução de antinomias, a hermenêutica jurídica clássica dispõe dos critérios temporal (lex posteriori derogat anterior), hierárquico (lex superiori derogat inferior) e da especialidade (lex speciali derogat generali), assim como dos métodos histórico, sistemático e teleológico de interpretação. No entanto, o problema a solucionar não envolve um conflito normativo clássico, no qual há choque direto entre um dispositivo legal da “lei A” e outro da “lei B” e possibilidade de serresolvido pelos métodos hermenêuticos tradicionais. O imbróglio em questão envolve direitos de hierarquia, importância e imprescindibilidade equivalentes. Barcellos (2005, p. 32) afirma ser inviável o método tradicional, pois este “[...] não tem elementos para produzir uma conclusão que seja capaz de considerar todos os elementos normativos pertinentes: sua lógica de funcionamento tentará isolar uma única premissa maior para o caso”. Isso porque, sendo o direito à vida e o direito à morte digna direitos da personalidade, ambos têm a mesma origem, a mesma hierarquia e a mesma matéria. Deste modo, tendo em vista as peculiaridades do caso apresentado, que envolve conflito de enunciados normativos oriundos da própria Constituição e incompatibilidade com os métodos hermenêuticos clássicos, não resta saída senão a utilização de um método ponderativo, etapa por etapa, conforme defendido por Barcellos (2005). Sistematizando as etapas de ponderação, tem-se o seguinte: ETAPA DESCRIÇÃO 1ª Há a identificação dos enunciados normativos em aparente conflito. Nesse caso, é possível verificar um enunciado explícito, a saber, a inviolabilidade do direito à vida (art. 5º, caput, da Constituição Federal), e um implícito, o direito à morte digna, ambos interligados pelo princípio geral da dignidade da pessoa humana. No entanto, tendo www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 14 em vista que o direito à morte digna – à morte sem sofrimento – foi sustentado como forma de cessar a dor experimentada pelo enfermo incurável, é preciso apontar outro enunciado normativo explícito no texto constitucional. Trata-se da vedação à tortura, ao tratamento desumano ou degradante. Assim, foram identificados quatro enunciados normativos em âmbito constitucional: a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF); a inviolabilidade do direito à vida (art. 5º, caput, CF); o direito à morte digna (implícito); e a vedação à tortura (art. 5º, III, CF). 2ª Nessa fase, Barcellos (2005, p. 116) alerta que se deve “examinar as circunstâncias concretas do caso e suas repercussões sobre os elementos normativos”. Entenda-se por “fatos relevantes” aqueles assim considerados pelo senso comum da sociedade e aqueles regulados por disposições normativas. Assim, sendo a dignidade da pessoa humana um preceito fundamental de nossa Constituição, regulado, ainda, pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, resta preenchido o quesito ora analisado. Há de ser ressaltada a indisponibilidade e inviolabilidade que recai sobre a vida humana, por expressa previsão do texto constitucional. 3ª Haverá a justaposição dos fatos relevantes levantados com os enunciados normativos identificados para, enfim, ponderar a respeito de como será dada a resolução do caso proposto, devendo o intérprete “[...] ter por meta a concordância prática dos enunciados normativos em conflito” (BARCELLOS, 2005, p. 125). Ora, lançando mão da premissa anteriormente estabelecida (DIAS: 2012), é possível perceber que o elemento de incongruência presente nos enunciados em tela resume-se à irrenunciabilidade concedida ao direito à vida, transmutando-o em um dever de vida em qualquer circunstância. Isso porque, a dignidade da pessoa humana é, logicamente, compatível com o direito à vida e com a vedação à tortura e ao tratamento desumano ou degradante, o qual é, por sua vez, compatível com o direito à morte digna – já que inconcebível imaginar algum resquício de dignidade em morrer sob tortura. A inviolabilidade do direito à vida, por sua vez, é também plenamente compatível com a vedação à tortura. Resta, portanto, analisar sua compatibilidade com o direito a não morrer com sofrimento. Dias (2012, p. 101) ensina que o princípio da dignidade da pessoa humana “[...] se dirige à pessoa concreta e individual e não a um ser ideal e abstrato”, pelo que deve ser interpretado de forma a excluir possíveis abusos www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 15 sob o pretexto de assegurar direitos coletivos em detrimento dos individuais. Desta feita, claro está que a dignidade retratada no ordenamento jurídico brasileiro visa a amparar cada pessoa natural, levando em conta sua singularidade. Nesse diapasão, sabendo que o princípio em comento norteia a interpretação dos demais preceitos constitucionais, inclusive, o direito à vida, conforme exposto anteriormente, mister se faz transcrever outra lição de Dias (2012, p. 122): “A expressão ‘inviolabilidade do direito à vida’, consagrada constitucionalmente, não indica que a vida é um dever para consigo mesmo e para com os outros, tampouco pode ser entendida como um direito absoluto, indisponível e irrenunciável. Nos termos da Constituição, a ‘inviolabilidade’ de tal direito significa que ele não tem conteúdo econômico-patrimonial e, mais do que isso, ninguém pode ser privado dele arbitrariamente. Nesse sentido é que ele deve ser entendido como indisponível: ninguém pode dispor da vida de outrem”. É nesse contexto que novamente se sustenta a relativização da interpretação do direito à vida como absoluto e indisponível, lembrando, mais uma vez, que tal cenário tem como protagonista pessoa natural em estado terminal, cuja doença é sabidamente incurável e capaz de infligir sofrimento. Ante todo o exposto, resta afirmar que a aparente incompatibilidade entre direitos cedeu lugar a um “novo” direito, ao direito à morte digna ou, em nomenclatura diversa, o direito a morrer dignamente. Poder-se-ia, inclusive, chamá-lo de “direito de morrer sem sofrimento”, já que se traduz em verdadeiro direito de livrar-se, permanentemente, de quadro clínico incurável e penoso. Trata-se, portanto, de proposta que quebra os paradigmas que envolvem a interpretação das características próprias do direito à vida, fundamentada em uma repercussão lógica da dignidade da pessoa humana. Isso possibilita a transferência da prática eutanásica do campo de incidência do Direito Penal para a guarida do Direito Civil, fazendo valer, ainda mais, a autonomia privada em momento tão íntimo da vida do enfermo. No entanto, os métodos de abreviação da vida não estão resumidos às formas de praticar a eutanásia ativa. Existe, também, a ortotanásia, a agatanásia, a distanásia e o suicídio assistido – métodos que podem ter sua legalidade, sua recepção pelo Direito brasileiro analisada sob a ótica ora www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 16 proposta, afinal, cui licet quod est plus, licet utique quod est minus (quem pode o mais, pode o menos). Não parece demais destacar que a renúncia ao direito à vida, por paciente terminal, nos ditames em que vem sendo proposta, configura a expressão máxima do exercício do direito de autodeterminação por representar o comando do próprio destino. Assim, em um primeiro momento, a escolha pelo direito à morte via eutanásia, pelo direito de deixar de existir, apenas nos parece plausível se tomada pelo seu titular quando em pleno exercício de suas faculdades mentais, como por exemplo, o desejo externado em escritura pública antes do surgimento da doença. Deve ser esclarecido, ainda, que a recepção da prática eutanásica como proposta, não implica em obrigatoriedade do médico responsável pelo paciente acatar a referida manifestação de vontade, uma vez que o profissional da saúde não é obrigado a praticar atos contrários à sua consciência. A escusa de consciência médica está prevista no Códigode Ética Médica, Capítulo I, incisos VII e XXI: “VII - O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente”. “XXI - No processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes, relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas”. A distanásia, por seu respectivo turno, é a utilização de tratamentos médicos sucessivos para manutenção da vida do paciente, embora o resultado prático seja apenas o prolongamento do processo de morrer e implica em três diferentes situações. Na primeira delas, é possível imaginar o médico acatando a vontade do paciente, previamente manifestada, de ser mantido vivo em qualquer hipótese e através de quaisquer meios. Em tal caso, o exercício da autonomia da vontade do indivíduo é em permanecer vivo, a qual deve ser respeitada pela equipe médica. Já em uma segunda hipótese, pode-se imaginar o médico atuando em total desconformidade com o manifesto desejo do paciente, submetendo-o a procedimentos cirúrgicos que ele não deseja realizar e que não trará solução definitiva a seu quadro de saúde. Ora, tal episódio configura constrangimento ilegal, o que viola claramente o previsto no art. 15 do Código Civil e traz, inclusive, www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 17 implicações na esfera cível, penal e administrativa em desfavor do médico: “Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”. Em um último caso, o médico age para manter o paciente que está inconsciente vivo, mas não há qualquer diretriz traçada por este para nortear a atuação do médico. Logo, o profissional da saúde está no exercício regular de sua profissão, utilizando-se de todos os meios ao seu alcance para manutenção da vida humana. Já na eutanásia por duplo efeito, o falecimento do paciente não decorre de ato que visava tal fim, mas sim de uma medida paliativa que gera o resultado morte, inesperado e indesejado, em decorrência da saúde já instável do enfermo. Logo, não há, em tese, hipótese apta a ensejar responsabilidade da equipe médica. O suicídio assistido, por sua vez, corresponde a uma conduta penalmente imputável, prevista no art. 122 do Código Penal Brasileiro, pela figura do crime de “induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio”. Embora seja possível vislumbrar grande semelhança entre a eutanásia e o suicídio assistido, ambos não devem ser confundidos: enquanto aquele é integralmente praticado por uma equipe médica, a pedido do paciente ou de seus familiares, o último é uma misto de atos praticados pelo próprio suicida e pelo terceiro que lhe presta auxílio. Por fim, a ortotanásia, consistente na manutenção de medidas paliativas e exclusão dos métodos de sustentação mecânica da vida, de procedimentos cirúrgicos e tratamentos invasivos, vem ganhando espaço junto ao Direito brasileiro como um todo. O Conselho Federal de Medicina editou a Resolução nº 1.805, datada de 09 de novembro de 2006, cuja eficácia foi suspensa por decisão judicial. A resolução possuía três artigos: “Art. 1º É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal. [...] Art. 2º O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar. Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário”. www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 18 Já no ano de 2010, entrou em vigor o novo Código de Ética Médica, trazendo vários apontamentos favoráveis à prática ortotanásica. Exemplos são os incisos VI e XXII do Capítulo I, que tratam dos princípios fundamentais da ética médica; e os artigos 26, 27, 28, 31 e 41. Merece destaque especial a redação do art. 41: “Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal. Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal”. É possível afirmar, portanto, que a ortotanásia é, por ora, o único método de abreviação da vida em completa consonância com o direito pátrio, já que o suicídio assistido e a eutanásia ativa são vedados e punidos pela lei penal em vigor e a agatanásia não é propriamente um método de abreviação da vida. Quanto à distanásia, só possui guarida legal se praticada em consonância com as diretrizes traçadas pelo paciente ou por seus familiares, pois, caso contrário, há de configurar constrangimento ilegal. 4. Análise de casos no Brasil e a experiência estrangeira. São diversos os exemplos de casos de abreviação da vida ao redor do mundo, os quais ocorrem das mais variadas formas e nem sempre nos ditames da legalidade. Apenas pequena parcela da comunidade internacional não pune rigorosamente a eutanásia e o suicídio assistido. Embora tais práticas sejam vedadas por diversos ordenamentos jurídicos, elas não deixam de ser empregadas com relativa frequência em todas as classes sociais, de países desenvolvidos, subdesenvolvidos e emergentes. Vale destacar que a análise de situações reais implica, inevitavelmente, no despertar de certa dose de sensibilidade e de empatia, uma vez que o tema em voga está conectado à esfera mais íntima dos indivíduos presentes caso a caso. No Brasil, no Código Penal, figura o homicídio privilegiado, previsto em seu artigo 121, § 1º, quando o agente comete o crime impelido por relevante valor social ou moral. Exemplo de homicídio privilegiado ocorreu dia 22 de outubro de 2011, no Estado de São Paulo, quando Roberto Rodrigues de Oliveira, de 22 anos, matou seu irmão mais velho, Geraldo Rodrigues de Oliveira, 28 anos, com dois tiros (ITALLIANI, 2014). Geraldo www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 19 tornara-se tetraplégico dois anos antes, em decorrência de um acidente de carro durante um “racha” com Roberto. Após dois meses na UTI, Geraldo não aceitava ser completamente dependente de seus parentes para viver e sentia vergonha em fazer uso de fraldas. Passou, então, a pedir que Roberto o ajudasse a morrer (IRMÃO, 2014). Em entrevista, Roberto afirma: “Não fiz por maldade, infelizmente, tive que fazer isso por amor. Não víamos outra solução e ele (Geraldo) estava decidido sobre o que queria” (ITALLIANI, 2014). O caso acima em nada se confunde com a eutanásia ativa ou com o suicídio assistido, pois diferem na forma de execução. A eutanásia envolve equipe médica e no suicídio assistido o indivíduo deve ser orientado ou auxiliado por terceiro, para praticar o ato por si só. Ou seja, deve realizar determinadoato para dispor de sua própria vida. Outro caso ocorrido no Brasil e que merece ser destacado, foi noticiado pela mídia nacional em fevereiro de 2013 e ocorreu no Hospital Evangélico de Curitiba, no Paraná, onde uma equipe de profissionais da área médica foi acusada de praticar eutanásia ativa em pacientes internados em Unidades de Tratamento Intensivo (MÉDICA..., 2014). Os episódios relatados causaram repulsa, visto que a equipe médica, então encarregada de zelar pela vida dos pacientes internados, acabava por realizar o oposto. Ou seja, utilizava dos meios ao seu alcance, através de superdosagens de medicamentos e redução do suporte ventilatório para desocupar leitos e, nas palavras da responsável pela equipe, “desentulhar a UTI” (MÉDICA..., 2014). Diante dessas circunstâncias, o Ministério Público Estadual (MPPR) ofereceu denúncia acusando os supostos envolvidos de crimes de homicídio duplamente qualificado e formação de quadrilha, devido ao modus operandi. O MPE aponta na referida denúncia que há provas de que as vítimas não desejavam morrer. Se assim o for, estaria ausente o elemento essencial da manifestação da autonomia da vontade, o que demonstraria o equívoco nos termos empregados pela mídia ao classificar as condutas praticadas como eutanásia ativa. O caso ainda não foi julgado, mas se prevalecer a tese do MPE, essa situação não poderia ser confundida com suicídio assistido, eutanásia ativa ou homicídio privilegiado, já que nada teria a ver com piedade e compaixão, mas sim com o animus necandi. No que tange ao direito de morrer, os Estados Unidos da América possuem como caso paradigma do direito à recusa a tratamentos médicos na retirada da ventilação mecânica da jovem Karen Ann Quinlan em 1976 no Estado de New Jersey. Em 15 de abril de 1975, aos 21 anos de idade, durante a festa de aniversário de um amigo, Karen ingeriu bebidas alcóolicas e comprimidos do fármaco tranquilizante conhecido como Valium, o que lhe causou danos cerebrais e a induziu a um estado comatoso profundo e www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 20 irreversível. Seus pais concluíram que a jovem não gostaria de ser mantida viva por suportes mecânicos e optaram pelo desligamento dos aparelhos de ventilação que a mantinham viva, recebendo apoio, inclusive, da Igreja Católica. (MORROW, 2014). Em 31 de julho do mesmo ano, os responsáveis pela direção do Hospital Saint Claire, onde Karen estava internada, se recusaram a acatar o desejo da família, que, então, ingressou em juízo requerendo autorização para tanto. A batalha judicial foi perdida nas primeiras instâncias, mas a Suprema Corte do Estado de New Jersey concedeu autorização judicial para desligar os aparelhos de ventilação artificial. Ao final do comovente comando judicial, os juízes envolvidos foram unânimes em conceder a referida autorização. Disseram eles: “We repeat for the sake of emphasis and clarity that upon the concurrence of the guardian and family of Karen, should the responsible attending physicians conclude that there is no reasonable possibility of Karen’s ever emerging from her present comatose condition to a cognitive, sapient state and that the life- support apparatus now being administered to Karen should be discontinued, they shall consult with the hospital “Ethics Committee” or like body of the institution in which Karen is then hospitalized. If that consultative body agrees that there is no reasonable possibility of Karen’s ever emerging from her present comatose condition to a cognitive, sapient state, the present life- support system may be withdrawn and said action shall be without any civil or criminal liability therefor, on the part of any participant, whether guardian, physician, hospital or others” (NEW JERSEY, 2014). Ou, em tradução livre: “Repetimos, por uma questão de clareza e ênfase, que com a concordância do guardião e dos familiares de Karen, caso os médicos responsáveis concluam que não há a razoável possibilidade de Karen emergir do presente estado comatoso, para um estado consciente e alerta, e que o aparato de suporte à vida que vem sendo administrado à Karen deva ser descontinuado, deve ser consultado o “Comitê de Ética” do hospital ou órgão semelhante da instituição em que Karen está internada. Se o respectivo órgão consultivo concordar que não há razoável possibilidade de Karen emergir de seu estado comatoso para um estado consciente e alerta, o sistema de suporte à vida poderá ser retirado sem quaisquer implicações cíveis ou criminais, a qualquer um dos participantes, a seu guardião, médicos, hospital e outros envolvidos”. Todavia, após desligados os referidos suportes, Karen Ann Quinlan continuou a receber alimentação através de sonda nasogástrica e viveu em coma por mais 09 anos. Ela faleceu em decorrência de uma pneumonia no dia 11 de julho de 1985 (McFADDEN, 2014). www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 21 Já no que tange ao suicídio assistido, o expoente de tal prática nos Estados Unidos da América é o médico Jack Kevorkian, do Estado de Michigan, que ficou conhecido como “Dr. Morte”, por ter inventado um aparelho de suicídio descrito anteriormente, o qual foi utilizado por aproximadamente 130 pacientes (DINIZ, 2006). Tal aparelho foi apelidado de mercitron ou, “máquina de misericórdia”. Diniz (2006, p. 381) explica o funcionamento da máquina: “ao ser acionado pelo próprio paciente, injeta em sua veia uma substância salina neutra, contendo o anestésico Thipental, que acarreta inconsciência, e depois uma dose letal de cloreto de potássio, que paralisa o coração”. Diniz (2006) expõe, ainda, que embora no Estado de Michigan, não seja crime colaborar com um suicida na destruição da própria vida, o Dr. Kevorkian foi condenado à prisão pela morte de duas pessoas, Janet Elkins e Thomas Youk, e considerou incoerente a proibição do auxílio médico ao suicídio em um Estado que autoriza o aborto. Todavia, em 1998 um plebiscito aprovou o suicídio assistido por médico naquele Estado americano. A história de Jack Kevorkian e de suas complicações legais em decorrência de reiterados auxílios a suicídios é retratada no filme You don’t Know Jack, lançado pela HBO em 2010, no qual o ator Al Pacino interpreta o “Dr. Morte”. Em tal filme, é utilizada a filmagem original do momento da morte de Thomas Youk. Atualmente, o suicídio assistido é legal em seis Estados americanos, a saber, Michigan, Oregon, New Mexico, Montana, Washington e Vermont (SIEBOLD, 2014). Já a eutanásia, somente nos Estados de Oregon, Vermont e Washington (TEIXEIRA, 2014). Em 04 de junho de 2015, o Senado da Califórnia aprovou o projeto de lei SB-128, que legaliza a eutanásia. São necessários dois requisitos: 1) doente em estado terminal; e 2) expectativa de vida inferior a 06 meses. O projeto segue para debate no órgão que corresponde à Assembleia de Estado no Brasil. Posteriormente deve ser sancionada pelo Governador. Em meados de maio de 2014, a jovem Brittany Maynard, de 29 anos, residente na Califórnia, foi diagnosticada com um câncer cerebral incurável e seus médicos lhe deram um prognóstico de aproximadamente 06 meses de vida. Após refletir com seus familiares sobre os possíveis tratamentos, Brittany e seu marido decidiram mudar para o Estado do Oregon, local em que é permitido o suicídio assistido (BEVER, 2014). Já de posse dos medicamentos necessários para pôr fim a seu sofrimento, a jovem elencou uma lista de afazeres e locais que deseja conhecer antes de morrer. Decidiu, ainda, tomar os remédios que lhe ceifarãoa vida no dia primeiro de novembro de 2014. Sobre a difícil decisão, Brittany disse: “Eu não sou uma suicida. Se fosse, já teria consumido a medicação. www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 22 Não quero morrer. Mas estou morrendo. E quero morrer nos meus próprios termos” (MAYNARD, 2014). A Bélgica legalizou em 2002 a eutanásia para maiores de idade acometidos por doenças incuráveis, cujo sofrimento é constante e insuportável. À época, apenas a Holanda havia legislado sobre o assunto. Em fevereiro de 2014, a legislação belga acerca da eutanásia foi alterada e passou a permitir tal prática em crianças de qualquer idade, afastando, assim, o limite etário anterior (PRESSLY, 2014). Recentemente dois irmãos gêmeos belgas, Marc e Eddy Verbessem, foram submetidos à eutanásia. Eles nasceram surdos e estavam progressivamente perdendo a visão, mas como eram muito unidos e faziam tudo juntos, decidiram que não suportariam não se ver e ouvir mais. Assim, optaram pela prática terminativa conhecida como eutanásia ativa. Em 14 de dezembro de 2012, tomaram café da manhã juntos pela última vez e médicos de Bruxelas lhes deram uma injeção letal (GÊMEOS, 2014). A legislação belga é deveras abrangente e, nos termos em que atualmente se encontra formulada, não poderia ser aplicada no Brasil – ainda que a eutanásia ativa fosse acolhida pelo ordenamento jurídico brasileiro. Conforme exposto no item anterior, os menores de dezesseis anos são considerados absolutamente incapazes e, via de consequência, não poderiam decidir pela prática terminativa da eutanásia ativa. Além disso, não se tratam de pacientes em estado terminal. Há na Suíça uma associação encarregada de prestar auxílio direto àqueles que pretendem suicidar-se, já que tal prática não é vedada no país. Trata-se da organização conhecida como DIGNITAS, cujo lema é to live with dignity, to die with dignity e que foi fundada em 17 de maio de 1998, próximo à cidade de Zurique, cujo objetivo é aconselhar em todos os níveis os membros interessados em eliminar a própria vida, prestando-lhes desde auxílio psicológico e legal até o fornecimento do medicamento letal diluído em água, que deixará o indivíduo inconsciente em poucos minutos e lhe permitirá morrer de forma indolor. Para tanto, é necessário que o sujeito seja membro da associação, esteja em posse de suas faculdades mentais, possua capacidade de ingerir o medicamento por si só, sofra de mal incurável, deficiência incapacitante permanente, dor física ou psíquica insuportável. Calcula-se que de 2008 a 2012, aproximadamente 611 (seiscentas e onze) pessoas cometeram suicídio com auxílio da DIGNITAS (BELLUCK, 2014) e que em junho de 2012 haviam dez brasileiros cadastrados como membros da referida instituição (PONTES, 2014). É possível ver o tipo de serviço prestado pela associação no documentário Dignitas, la mort sur ordonnance (em tradução livre, Dignitas, a morte sob receita), o qual mostra todo o procedimento de auxílio ao suicídio da escritora francesa Michelle Causse, www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 23 que sofria de doença degenerativa nos ossos e decidiu terminar a própria vida no dia de seu aniversário de 74 anos. Em 2015, ganhou repercussão o caso do francês Vincent Lambert, que se encontra tetraplégico e em coma desde 2008 e sobrevive com ajuda de aparelhos. Sua família se encontra dividida entre manter tais aparelhos ligados, ou desligá-los: os pais e alguns irmãos são contra o desligamento, e a esposa e outros irmãos são a favor. A justiça francesa decidiu favoravelmente à interrupção da alimentação de Lambert e o desligamento de seus aparelhos. Seus pais recorreram à Corte Europeia de Direitos Humanos, que decidiu pela manutenção da decisão da justiça francesa em 05 de junho de 2015, o que possibilita o desligamento dos aparelhos. Contudo, deve-se esclarecer que a decisão do Tribunal Europeu de Direitos Humanos não foi no sentido de autorizar a eutanásia ou qualquer outro modo de abreviamento da vida; a decisão do TEDH foi no sentido de que cabe a cada país definir a questão. A eutanásia indireta é permitida na Itália, Hungria, Espanha e Irlanda. A Suécia admite o suicídio assistido em casos extraordinários. A eutanásia ativa é permitida nos Países Baixos, Bélgica, Luxemburgo e Israel. A eutanásia passiva tem lugar na França e na Áustria. No Uruguai, o Código Penal não pune o homicídio piedoso, de modo que se a conduta eutanásica se enquadrar nessa situação, não será punida. 5. Considerações finais. A aparente incompatibilidade de coexistência entre o direito à morte com dignidade e o direito à vida pode ser solucionada através de uma reinterpretação deste último, de forma a torná-lo disponível para o próprio titular, o que não há de abalar sua oponibilidade erga omnes. Assim sendo, a possibilidade de aplicação dos métodos de abreviação da vida no Direito brasileiro, depende, exclusivamente, da modificação do viés interpretativo atualmente adotado no que tange ao direito à vida, de forma que o ele seja visto como renunciável por seu titular nas hipóteses de doença incurável que cause mal insuportável. Em outras palavras, há veemente necessidade de adaptação do direito à vida a novos paradigmas. Nesse sentido, parece ter razão Roberto Dias (2012), para quem a inviolabilidade do direito à vida não gera uma obrigação de manter-se vivo custe o que custar, independentemente das condições de vida a que seu titular esteja submetido, por este parecer ser o entendimento mais razoável à luz da ponderação dos valores envolvidos. Com base nisso, parece correto, plausível e até humano, afirmar que é iminente a necessidade de relativização da interpretação do direito à vida www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 24 como absoluto e indisponível para os casos em que o titular de direitos encontra-se em estado terminal ou acometido de doença incurável, submetido a sofrimento constante. 6. Referências. AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 7 ed. Rio de Janeiro. Renovar. 2008. BELLUCK, Pam. More people going to Switzerland for assisted suicide, study finds. 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