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FACHETTI, Gilberto; MAGIOLI, Guilherme Pratti S. Em defesa dos métodos de abreviação da vida no Direito brasileiro

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www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 1 
 
 
Derecho y Cambio Social 
 
 
 
 EM DEFESA DOS MÉTODOS DE ABREVIAÇÃO DA VIDA NO 
DIREITO BRASILEIRO 
Gilberto Fachetti Silvestre1 
Guilherme Pratti dos Santos Magioli2 
 
 
Fecha de publicación: 01/10/2015 
 
 
 
 
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Métodos de abreviação da vida. 
2.1. Eutanásia ativa. 2.2. Eutanásia por duplo efeito. 2.3. 
Ortotanásia. 2.4. Distanásia. 2.5. Suicídio assistido. 2.6. Para 
encerrar. 3. Como ficam os métodos de abreviação da vida no 
direito brasileiro? 4. Estudo de casos no Brasil e a experiência 
estrangeira. 5. Considerações finais. 6. Referências 
bibliográficas. 
 
RESUMO: Analisa a possibilidade ou não de acolhimento dos 
métodos de abreviação da vida no Direito brasileiro, identificando 
a existência de um possível novo direito, o direito à morte à luz 
da dignidade da pessoa humana, após sistemática análise do 
ordenamento jurídico. Para tanto, foi utilizado o método 
qualitativo para abordagem do tema, através da pesquisa de 
caráter documental e bibliográfico, bem como da análise 
hipotético-dedutiva. Foi dividido em três partes, nas quais foram 
identificados os princípios que norteiam o tema, o viés 
interpretativo sedimentado pela doutrina acerca destes; 
diferenciados os métodos de abreviação da vida; analisada a 
possibilidade destes serem acolhidos pelo Direito pátrio; e 
exposta a experiência legislativa estrangeira no que tange aos 
métodos apontados. Dessa forma, foi possível perceber que há a 
necessidade de alterar o modo de interpretação das características 
 
1 Professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES); Advogado. 
E-mail: gilberto.silvestre@ufes.br 
2 Bacharel em Direito e Ciências Sociais (UFES); Advogado. 
E-mail: guilhermemagioli@oi.com.br 
 
 
www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 2 
 
 
do direito à vida, o que permitirá o reconhecimento do possível 
novo direito objeto deste trabalho. 
PALAVRAS-CHAVE: Abreviação da vida. Métodos. Vida 
digna. Dignidade humana. Morte. 
 
ABSTRACT: Analyzes the possibility or not of recognizing life 
shortening methods in the brazilian law system, identifying the 
existence of a new possible right, the right to die in light with the 
human person dignity, after a systematic analysis of the 
constitutional text. To do so, the qualitative method of 
approaching the subject was used, through bibliographic and 
documental research and the hypothetical-deductive analysis. 
This work was divided into three chapters, in which was 
identified the constitutional principles that guide the subject and 
the interpretative bias mainly utilized by the doctrine; set the 
differences between the life shortening methods; analyzed their 
possibility of acceptance under the brazilian law and; exposed 
foreign experience with the methods here discussed. 
Consequently, it was possible to notice the necessity of changing 
the way of interpretation of the right to life characteristics, in 
order to permit the recognizing of the possible new right subject 
of this work. 
KEYWORDS: Shortening life. Methods. Dignified life. Human 
dignity. Death. 
 
 
 
www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 3 
 
 
 
 
 
 
1. Introdução. 
 
Tópicos relativos à liberdade, à dignidade, à vida e à morte são, 
possivelmente, dentre tantos assuntos do Direito, alguns dos mais complexos 
e polêmicos, pois envolvem diversas áreas do conhecimento, como por 
exemplo, a medicina, a psicologia, a filosofia, o direito positivado, a 
teologia, a ética e a moral. É justamente do ponto de conexão entre tais áreas 
que surgem discussões e posicionamentos opostos, às vezes até mesmo 
radicais, quanto àqueles pontos. Isso porque não há resposta certeira às 
questões que envolvem vida e morte, nem às que abordam a extensão do 
direito à liberdade de dispor sobre a própria vida. 
A complexidade de tais temas é deveras interessante, pois estão 
intimamente entrelaçados e, juntos, configuram os aspectos mais 
fundamentais de qualquer ordenamento jurídico. Assim, tendo em vista que 
a possibilidade de exercício da liberdade pressupõe, a priori, a existência de 
vida, pressuposto de todos os direitos, parece correto afirmar que aquela 
depende diretamente desta, uma vez ser impossível imaginar algum morto 
que afirme ser livre. O mesmo ocorre com a dignidade. Dessa forma, 
justifica-se a proteção conferida ao direito à vida, o qual é tutelado, em 
âmbito universal (ou internacional, como queira), pela Declaração Universal 
dos Direitos do Homem, promulgada pela Organização das Nações Unidas 
em 1948. 
A magnitude do direito à vida já está sedimentada em ordenamentos 
jurídicos mundo afora. No Direito brasileiro, é tutelada através de 
dispositivos explicitamente voltados à sua proteção, os quais asseguram, 
também, a dignidade e a liberdade. 
Pretende-se, aqui, identificar um possível direito a abreviar a vida em 
caso de sofrimento e estágio terminal, que – pode até parecer uma ironia – é 
oriundo do direito à vida digna, aquela vivida segundo os ditames da 
liberdade e da autodeterminação. 
Preliminarmente, cabe fazer algumas observações quanto à 
metodologia empregada. Em primeiro lugar pretendeu-se, através da 
interpretação sistemática das premissas e princípios jurídicos, identificar a 
existência de um direito à morte a partir do dever geral de incolumidade dos 
direitos da personalidade. Para tanto, foi empregada uma abordagem 
qualitativa acerca do tema, através da pesquisa de caráter documental e 
bibliográfico, com especial enfoque na lei, nas posições doutrinárias e nos 
 
 
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julgados dos tribunais, nas resoluções do Conselho Federal de Medicina e no 
noticiário nacional. Em segundo lugar veio a análise do conteúdo abordado, 
embasada no método hipotético-dedutivo, ante a necessidade de ponderação 
entre bens, valores, princípio e normas jurídicas. 
É correto afirmar que o direito à vida, além de ser um direito 
fundamental por excelência, é pressuposto para o exercício daqueles que dele 
decorrem, já que é indispensável estar vivo para exercê-los. Nas palavras de 
Dias (2012, p. 117), “os direitos dependem da vida para existir”. 
A juridicidade da vida extrapola o ato nobre de garantir a existência das 
pessoas naturais. É justamente a garantia da vida que separa a humanidade 
de viver no estado de natureza, conforme identifica Thomas Hobbes (2004), 
para quem, antes da formação do Estado, cada indivíduo poderia, por suas 
próprias razões, utilizar-se de qualquer dos meios disponíveis para se 
preservar, inclusive exterminando o próximo. Coube ao Estado assegurar a 
existência de seus cidadãos para a manutenção da paz e harmonia social. 
A interpretação sempre feita de que o direito à vida – assim como 
qualquer outro direito da personalidade – é indisponível parece equivocada 
quando se considera a realidade e, principalmente, uma das máximas da 
experiência jurídica: toda regra tem sua exceção. Não se pode confundir 
“garantia fundamental” com “obrigação fundamental”, o que teria como uma 
de suas consequências o dever do Estado de garantir que a pessoa humana 
permaneça viva, independentemente de sua escolha ou das circunstâncias 
físicas em que se encontra. Que fique claro, antes de qualquer patrulha 
odiosa, que aqui se refere unicamente àqueles acometidos de doenças 
incuráveise/ou em estado terminal e vegetativo, cujo sofrimento físico ou 
psíquico é incessante e sabidamente insanável. 
Segundo Dias (2012, p. 125), a inviolabilidade da vida amparada pela 
legislação brasileira serve para impedir que indivíduos tenham a vida 
“ceifada arbitrariamente” pelo Estado ou por terceiros. 
Não parece razoável interpretar o direito à vida como um “dever de 
vida” ou uma obrigação de manter-se vivo custe o que custar, ou tudo ou 
nada (“all or nothing”). Isso porque, o prolongamento excessivo da vida, 
sob determinadas condições, pode suprimir a dignidade inerente ao ser 
humano. 
É possível perceber que há a urgente necessidade de rompimento dos 
paradigmas envoltos na interpretação das características próprias do direito 
à vida, relativizando sua interpretação como absoluto e indisponível, pois 
somente assim será reconhecido esse novo direito. Muitos o chamam de 
“direito à morte digna”. Preferimos, no entanto, chamá-lo de “direito à morte 
sem sofrimento”, que aquele que surge para a esfera jurídica do sujeito 
quando sua morte é certa e iminente, havendo o risco de profundo sofrimento 
 
 
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e dor física. Daí nossa dúvida: é melhor prolongar o sofrimento para 
prolongar uma vida? A quem favorece o prolongamento do sofrimento? Se 
apenas aos familiares, não seria um egoísmo, tão combatido na Teoria do 
Direito? 
 
2. Métodos de abreviação da vida. 
 
Os avanços tecnológicos diários influenciam positivamente no campo 
médico, já que os procedimentos atuais possibilitam a cura de doenças 
outrora vistas como incuráveis. Drogas poderosas fornecem conforto aos 
enfermos terminais, e técnicas e tratamentos inovadores permitem sobrevida 
às pessoas em estado clínico crítico. Perceba, então, que existem hoje 
diversas maneiras de se prolongar a vida humana. 
No entanto, é possível notar que, em muitos casos, não se prolonga a 
vida do paciente, mas sim o processo de morrer, através de repetidas 
intervenções cirúrgicas e de fármacos com efeitos colaterais nefastos. Em 
situações extremas, equipamentos e máquinas de sustentação da vida 
tornam-se inseparáveis do corpo do enfermo, e práticas médicas dolorosas 
viram rotina. A dignidade do indivíduo é posta em xeque, de variadas 
formas: dor, sofrimento, constrangimento público, restrições... 
É justamente em casos análogos à hipótese acima ventilada que os 
métodos de abreviação da vida, – a saber, eutanásia, ortotanásia e, 
consequentemente, a distanásia, além de práticas a eles semelhantes, como 
por exemplo, o suicídio assistido e a agatanásia – ganham espaço no debate 
acadêmico, jurídico, médico, ético e filosófico. Este capítulo trata dos 
referidos métodos e das práticas a eles semelhantes, como por exemplo, o 
suicídio assistido e a agatanásia. 
 
2.1. Eutanásia ativa. 
 
A eutanásia ativa consiste no ato deliberado de pôr fim à vida do 
indivíduo acometido de moléstia incurável, em estado terminal, a pedido seu 
ou de seus familiares, devido à incurabilidade ou sofrimento que a doença 
lhe impõe e à inutilidade do tratamento médico que lhe é dispensado. Tal 
ação pauta-se, em tese, no princípio basilar da bioética, a benevolência. 
Tal prática é também denominada de benemortásia ou sanicídio 
(DINIZ, 2006) e a etimologia da palavra advém da união dos vocábulos 
gregos καλός (eu), ou seja, boa, e θάνατος (thanatos), que significa morte. 
Seu significado remete à ideia de “boa morte” ou “morte sem sofrimento” 
(DIAS, 2012). 
 
 
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A eutanásia ativa é, sem dúvidas, o meio de abreviação da vida mais 
polêmico e controverso de todos, sendo capaz de provocar reflexões no 
campo ético, médico, jurídico, social e religioso. Vale salientar que a prática 
em tela não é permitida pela maioria dos países, incluindo o Brasil, sendo 
comparada ao homicídio. 
Dias (2012) atribui parte da controvérsia em torno do tema à equivocada 
assimilação da eutanásia ativa com questões que não lhe dizem respeito, 
como por exemplo, ao genocídio, à eugenia e até mesmo à assustadora 
hipótese de eutanásia involuntária. Imprescindível, então, diferenciar tais 
termos. 
O genocídio se caracteriza como o extermínio de determinado grupo 
humano, impulsionado por diferenças étnicas, nacionais, religiosas, raciais 
e/ou políticas. A eugenia, por seu turno, é o estudo genético de determinado 
grupo social, norteado em premissas antropométricas, com o objetivo de 
catalogar grupos humanos de acordo com a superioridade de uns para com 
outros. 
Exemplo histórico mais famoso de genocídio com fulcro na eugenia foi 
o extermínio em massa de judeus praticado pela Alemanha nazista sob o 
comando de Adolf Hitler, no episódio que ficou conhecido como 
“Holocausto” (DIAS, 2012). 
Já a eutanásia involuntária, como o próprio nome sugere, há de ser 
praticada contra a vontade do indivíduo que sofrerá seus efeitos, ou seja, sua 
vida será tolhida arbitrariamente. Tal denominação é sinônima do crime de 
homicídio (art. 121 do Código Penal). 
Fatalmente, a confusão terminológica tende a embaraçar o debate 
acerca do tema. Entretanto, o emprego cauteloso da expressão “eutanásia 
ativa”, no sentido aqui proposto, obstará eventual equívoco por trazer em si 
a voluntariedade, que consiste no desígnio do paciente terminal, em antecipar 
a própria morte. 
Acerca do tema, Roberto Dias (2012, p. 148) diz que a 
 
“[...] eutanásia deve ser entendida como o comportamento 
médico que antecipa ou não adia a morte de uma pessoa, por 
motivos humanitários, mediante requerimento expresso ou por 
vontade presumida – mas sempre em atenção aos interesses 
fundamentais – daquele que sofre uma enfermidade terminal 
incurável, lesão ou invalidez irreversível, que lhe cause 
sofrimentos insuportáveis, do ponto de vista físico ou moral, 
considerando sua própria noção de dignidade”. 
 
Assim, o uso da palavra “eutanásia” deve se referir apenas ao sentido 
estrito do termo “eutanásia ativa”, ou seja, à abreviação da vida realizada por 
 
 
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equipe médica, mediante ação (conduta ativa) em paciente 
reconhecidamente incurável, que tenha manifestado interesse na prática 
terminativa, em pôr fim à própria vida. 
 
2.2. Eutanásia por duplo efeito. 
 
Também conhecida como “eutanásia indireta”, “acidental” ou 
agatanásia, ocorre quando a morte é consequência indireta de ações 
paliativas para evitar o sofrimento do paciente terminal. Exemplo é a 
dosagem de determinado narcótico para alívio imediato de dores que, 
acidentalmente, causa a morte do sujeito por depressão respiratória 
imprevisível (FARIA, 1997). 
Faria (1997, p. 252) diz que o termo agatanásia, embora menos 
conhecido, “[...] e raramente usado, tem o sentido de morte conseqüente (sic) 
ao duplo efeito medicamentoso, administrado o fármaco com a intenção de 
propiciar alívio ao paciente, mas que acaba por lhe acarretar a morte não 
buscada intencionalmente”. 
Embora exista leve semelhança entre a eutanásia por duplo efeito e a 
eutanásia ativa, já que ambas acarretam a aceleração da morte após ação 
médica, não parece razoável considerá-las situações idênticas. Isso porque a 
primeira visa preservar a vida do enfermo, reduzindo o sofrimento físico, 
mas acaba por gerar seu falecimento, enquanto a segunda visa diretamente o 
resultado morte. 
Em contrapartida, tal forma de abreviação da vida em nada se 
assemelha à “eutanásia involuntária”, que ceifa a vida do enfermo de forma 
despótica, tratando-se,consequentemente, de homicídio. 
 
2.3. Ortotanásia. 
 
A palavra “ortotanásia” é formada pela junção dos verbetes gregos 
σωστός (orto), cujo significado é reto, correto, justo, e θάνατος (thanatos), 
que significa morte, de forma a transmitir o sentido de morte justa, no tempo 
certo. É também conhecida como “eutanásia passiva”, “eutanásia por 
omissão” ou “para-eutanásia”, – já praticada na França, inclusive – e se 
caracteriza pela recusa ao tratamento invasivo e/ou doloroso por parte do 
indivíduo acometido por moléstia irrecuperável ou em estado terminal 
(DINIZ, 2006). Mantém-se, contudo, as medidas paliativas e os 
medicamentos para redução do desconforto do paciente. 
Não se busca, portanto, nem acelerar nem adiar a morte. Segundo 
Pessini (2001, p. 217), “[...] a medicina paliativa afirma a vida e reconhece 
o processo de morrer como parte da vida”. 
 
 
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Por ser assim, a eutanásia passiva é vista como uma maneira nobre de 
encarar a morte inadiável, por “[...] deixar morrer em seu tempo certo, sem 
abreviação ou prolongamento desproporcionado, mediante a suspensão de 
uma medida vital ou de desligamento de máquinas sofisticadas” (DINIZ, 
2006, p. 393). Em outras palavras, a prática ortotanásica consiste no 
desligamento de aparelhos de suporte vital, sem os quais o enfermo não 
sobreviveria, deixando assim, a vida seguir seu curso natural. 
Exemplo clássico do acima exposto é o desligamento de aparelhos que 
controlam ou substituem órgãos problemáticos em paciente em estado 
comatoso longo e irreversível, cuja manutenção da vida depende 
exclusivamente de suporte mecânico. No mesmo sentido, Dias (2012, p. 186) 
afirma: 
 
“A pessoa não está obrigada a se submeter a tratamento 
médico se entender que o procedimento, além de violar sua 
dignidade, assola seu corpo, devasta sua honra ou denigre a 
imagem que ela tem dela mesma. Receber um tratamento pode 
ser mais aviltante do que a morte, mostrando-se incompatível 
com sua história de vida, com suas convicções e com seus 
interesses fundamentais”. 
 
Trata-se, assim, de manifestação da vontade do enfermo em não se 
submeter a determinados tratamentos médicos por motivo de foro íntimo, a 
exemplo do seguidor da denominação testemunha de Jeová que se recusa a 
realizar transfusão de sangue; do paciente que não deseja tratar um câncer 
em estado avançado, por entender que o tratamento será deveras penoso e o 
resultado insuficiente; e do diabético que se recusa a amputar um dos 
membros. 
Deve-se ter sempre em mente que os métodos de abreviação da vida 
envolvem equipe médica especializada e ambiente hospitalar adequado às 
necessidades do paciente. Dessa forma, há de ser salientado que os 
tratamentos paliativos e a própria eutanásia passiva comumente ocorrem nos 
Centros de Tratamento Intensivo (CTI’s), formados por diversas Unidades 
de Tratamento Intensivo (UTI’s) – repartições hospitalares com o objetivo 
de monitorar incessantemente os pacientes com necessidades especiais, 
através da combinação de cuidados intensivos de enfermeiros, médicos e 
profissionais de diversas áreas, como fisioterapeutas, técnicos de 
enfermagem, farmacêuticos e psicólogos (SILVA, et al, 2008). 
Nas palavras de Silva (2008, p. 313), “[...] nos Centros de Tratamento 
Intensivo, a morte existe, mas o cuidado persiste”. Para esse autor autor, os 
cuidados paliativos fornecidos aos enfermos incuráveis estão em 
 
 
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consonância a um antigo preceito da medicina que enuncia sedare dolorem 
opus divinum est – que significa “aliviar a dor é obra divina”. 
Logo, embora o suporte mecânico da vida do enfermo seja retirado e 
tratamentos invasivos cessados, a ortotanásia implica na manutenção de 
todas as medidas paliativas para conforto psicossomático do enfermo sem 
possibilidade de cura, proporcionando-lhe dignidade no fim de sua vida. 
Importante ressaltar que a ortotanásia vem ganhando destaque em 
diversos ordenamentos jurídicos, inclusive no Direito brasileiro, como se 
verá doravante. 
 
2.4. Distanásia. 
 
A distanásia é o oposto da eutanásia e configura verdadeira obstinação 
terapêutica à morte. Isso porque, embora a medicina mostre-se ineficiente 
em determinados casos, ante a gravidade da doença ou do quadro clínico, 
procedimentos médicos invasivos continuam a ser empregados apenas para 
evitar a morte do paciente, e não para prolongar-lhe a vida. 
Segundo Diniz (2010), tal prática é uma futilidade médica por não 
objetivar o prolongamento da vida, mas sim adiar a morte do enfermo. De 
forma que esse procedimento possui efeitos talvez mais nocivos que o mal 
que se busca curar, fazendo com que a máquina de sustentação da vida torne-
se parte do corpo do paciente. A própria palavra distanásia traz em si tal 
significado. É oriunda dos termos gregos αργός (dys), de difícil, demorado, 
lento, e θάνατος (thanatos), morte, representando a morte lenta, sofrida 
(FARIA, 1997). 
Se depois de repetidas intervenções cirúrgicas, do excessivo uso de 
fármacos, máquinas, cateteres e tubos para manter o indivíduo vivo, ainda 
não for possível reverter o quadro clínico em que se encontra, não é de todo 
errado imaginar que mais cedo ou mais tarde os sentimentos de inutilidade, 
abandono e desesperança surjam no enfermo. 
Vieira (2012), alerta que a transformação do enfermo em mero objeto 
da prática médica, através de sucessivos procedimentos cirúrgicos invasivos 
apenas para mantê-lo vivo, sem preocupação com seu bem-estar. Em casos 
assim, há de se admitir parecer que o tratamento humanista, caridoso e 
piedoso perde espaço para as tentativas desenfreadas de prolongar a vida 
simplesmente por prolongar, por não bem aceitarmos a chegada da morte. 
Em suma, a distanásia objetiva apenas não deixar o indivíduo morrer. 
 
2.5. Suicídio assistido. 
 
 
 
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Como o próprio nome sugere, deve o próprio sujeito praticar o ato por 
si só, sob a orientação e auxílio de outrem. Assim, é possível imaginar que 
tal ato não esteja relacionado às técnicas de abreviação da vida propriamente 
ditas, uma vez que qualquer um pode, em tese, suicidar-se. Fala-se pode 
porque não se trata de ilícito (civil e penal), mas ato imoral. Lembre-se que 
o crime do art. 122 do Código Penal é instigação e auxílio ao suicídio, cujo 
agente do crime é terceiro, e não pelo próprio suicida. Todavia, nem sempre 
quem deseja suicidar-se possui condições físicas plenas para tanto, sendo 
este o momento em que o suicídio assistido adentra o campo dos métodos de 
abreviação da vida. 
Exemplo de assistência ao suicídio ocorreu nos Estados Unidos, no 
estado de Michigan, onde o médico patologista Jack Kevorkian, inventou 
uma máquina de suicídio, com o intuito único de auxiliar pacientes em 
quadros clínicos irreversíveis a terminarem as próprias vidas para cessar o 
sofrimento. A máquina inventada foi chamada por seu inventor de 
“mercitron” ou, em tradução livre, “máquina de misericórdia” (DINIZ, 
2006). 
Seu mecanismo consistia num aparelho de eletrocardiograma 
modificado que, ao ser acionado pelo paciente, injetava em sua veia 
determinadas substâncias que combinadas paralisavam o coração de forma 
indolor (DINIZ, 2006). 
Importante destacar que no Brasil tal prática é proibida, consistindo no 
crime de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (art. 122 do CP). 
Percebe-se, então, que o crime mencionado possui núcleo típico composto 
por três verbos:induzir, instigar e auxiliar. 
Importa dizer, portanto, que o Direito Penal brasileiro punirá aquele que 
suscitar e sugerir o suicídio, inserindo tal ideia na mente de outrem, o que 
corresponde ao verbo induzir; aquele que encorajar o suicida a destruir a 
própria vida, incorre no verbo instigar; aquele que auxiliá-lo, irá fornecer 
suporte material para acabar com a própria vida. 
 
2.6. Para encerrar. 
 
O ordenamento jurídico brasileiro tem como valor supremo a dignidade 
da pessoa humana, a qual deve servir como parâmetro para a tomada de 
decisões e interpretação em todas as áreas do Direito. Denota-se, contudo, 
que a interpretação acerca da referida dignidade está tão enraizada no direito 
à vida plena, que a mesma perde força quando contrastada com a dignidade 
à beira da morte – de forma que, aparentemente, exsurge uma dicotomia 
entre “dignidade e morte”, como se ambas fossem mutuamente excludentes 
e o indivíduo em quadro clínico terminal não pudesse optar por parar de 
 
 
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sofrer, por fazer cessar a redução diária de sua própria dignidade. Trata-se 
de um equívoco: é inerente à vida morrer; morrer faz parte da vida; e não 
sofrer é garantir uma vida saudável. 
 
3. Como ficam os métodos de abreviação da vida no direito brasileiro? 
 
É importante refletir, agora, se os métodos que envolvem a abreviação da 
vida poderiam ser adotados no Brasil. Para tanto, é necessário abordar pontos 
específicos a respeito da personalidade jurídica da pessoa natural e os 
direitos daí decorrentes, os quais são comumente chamados de “direitos da 
personalidade” e detém íntima relação com o valor supremo do ordenamento 
jurídico brasileiro: a dignidade da pessoa humana. Ao final se concluirá se 
existe ou não eventual “choque” (ou incompatibilidade) entre direitos da 
personalidade e a técnica utilizada para solução deste tipo de problema. 
Os direitos da personalidade possuem características próprias, a saber, 
são absolutos, imprescritíveis, extrapatrimoniais, inalienáveis e 
indisponíveis, já que intransmissíveis e irrenunciáveis. Nesse sentido, são, 
como dizem Faria e Rosenvald (2011, p. 153): 
 Absolutos, pois oponíveis erga omnes, devendo ser 
respeitados por toda a sociedade; 
 Vitalícios, porque somente se extinguem com a morte de seu 
titular; 
 Extrapatrimoniais, já que não podem ser aferidos em 
pecúnia; 
 Imprescritíveis, pois sua violação não é ratificada pelo tempo, 
de forma que seu titular pode exigir, a qualquer tempo, que 
cesse a ameaça ou lesão a direito da personalidade; 
 Intransmissíveis e irrenunciáveis, por expressa vedação 
legal, contida no art. 11 Código Civil. 
No entanto, no que tange à indisponibilidade, Faria e Rosenvald (2011, 
p. 153) sustentam que há de ser relativizada, de modo a autorizar o titular de 
direitos cedê-los, desde que respeitados certos limites e que tal cessão seja 
parcial e meramente transitória. 
Oportuno, neste momento, relembrar que, a respeito da interpretação do 
direito à vida, ele pode sim ser renunciado por seu titular. Sua oponibilidade 
e inviolabilidade erga omnes é em relação a terceiros (DIAS, 2012). Por isso, 
deve ser assegurada a autonomia do paciente, – manifestação da autonomia 
da vontade de seu titular no âmbito de sua integridade física, moral e 
intelectual –, caso queira a tal direito renunciar, garantindo a não intervenção 
 
 
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estatal em esfera tão individual e íntima, ao mesmo tempo em que o 
indivíduo é protegido de eventual atentado à sua vida por parte de terceiros. 
Sói irônico constatar que a lei não pune a tentativa de suicídio. Pune, 
acertadamente, o homicídio. Quer dizer, se o paciente quisesse, ele poderia 
se matar. O problema é que ele não consegue dar cabo de sua vida; encontra-
se impossibilitado por causa de suas condições físicas. Inclusive, no âmbito 
fático e jurídico, matar-se é possível (o aspecto moral não interessa aqui). 
Tendo em vista que os direitos da personalidade visam à proteção do 
homem, em todos os aspectos de sua vida, Faria e Rosenvald (2011) e 
Francisco Amaral (2008) ensinam que os referidos direitos são 
multifacetários, dividindo-os em três categorias, as quais compreendem a 
integridade intelectual, física e moral ou psíquica do indivíduo, tendo como 
dever geral de incolumidade a chamada dignidade humana (AMARAL, 
2008). Veja, não basta assegurar o direito à vida; é preciso assegurar o direito 
à vida com dignidade. 
De conseguinte, tendo em mente que a dignidade da pessoa humana 
norteia o direito à vida, é possível conceber que a fruição de uma vida digna 
há de levar, inevitavelmente, a uma morte sem sofrimento – o chamado 
“direito de morrer dignamente” ou “direito à morte digna”. No mesmo 
sentido, Faria e Rosenvald (2011, p. 340): 
 
“Em palavras mais claras, ao direito de viver com dignidade, 
haverá de corresponder como espelho invertido o direito de 
morrer dignamente. Até mesmo porque uma morte digna há de 
ser a consequência natural de toda e qualquer vida digna. Trata-
se, pois, tão somente de permitir que a natureza siga seu rumo, 
fazendo o seu inexorável papel, sem que isso atinja a dignidade 
da pessoa, em determinadas situações”. 
 
Isto posto, parece correto afirmar que tal direito – a morrer dignamente 
– tem sua razão de ser justificada na influência que a garantia dos direitos da 
personalidade exerce sobre a vida. Todavia, sabe-se que argumentar em 
defesa de um suposto direito à morte com dignidade, a partir do direito à 
vida, pode, em um primeiro momento, parecer uma antinomia, um 
contrassenso ou até mesmo suposta incompatibilidade entre direitos. Porém, 
este aparente antagonismo não sobrevive às reflexões mais profundas, 
baseadas na técnica da ponderação defendida por Ana Paula de Barcellos 
(2005). 
É importante ressaltar que aqui se defende uma “disponibilidade” da 
vida não de maneira geral e irrestrita, muito menos vulgarizada. Essa 
renúncia à vida deve estar relacionada ao direito à vida com dignidade 
daqueles acometidos por doenças incuráveis, em estado terminal, cujo 
 
 
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tratamento médico é incapaz de reverter o quadro clínico já instalado e a dor 
física e/ou psíquica é incessante, somente se fazendo ausente através do uso 
de medicamentos. Não se busca, portanto, defender o suicídio como direito 
imanente ao homem, nem mesmo justificar o sacrifício da vida humana por 
quaisquer motivos. É esse tipo de influência que a Moral tem sobre o Direito. 
Mas, surge uma pergunta: haveria incompatibilidade entre o direito à 
vida digna, o direito à morte digna e a autonomia privada do enfermo 
terminal? Ou, por outras palavras, o paciente que deseja abreviar a própria 
vida, o próprio sofrimento, não poderá assim requerer ao Estado que o ajude 
a cessar seu sofrimento? Atualmente, a medicina está impedida de agir por 
causa da incidência da lei penal. 
E mais uma pergunta: há, de fato, antinomia nessas situações? 
Pois bem, para a solução de antinomias, a hermenêutica jurídica 
clássica dispõe dos critérios temporal (lex posteriori derogat anterior), 
hierárquico (lex superiori derogat inferior) e da especialidade (lex speciali 
derogat generali), assim como dos métodos histórico, sistemático e 
teleológico de interpretação. No entanto, o problema a solucionar não 
envolve um conflito normativo clássico, no qual há choque direto entre um 
dispositivo legal da “lei A” e outro da “lei B” e possibilidade de serresolvido 
pelos métodos hermenêuticos tradicionais. O imbróglio em questão envolve 
direitos de hierarquia, importância e imprescindibilidade equivalentes. 
Barcellos (2005, p. 32) afirma ser inviável o método tradicional, pois 
este “[...] não tem elementos para produzir uma conclusão que seja capaz de 
considerar todos os elementos normativos pertinentes: sua lógica de 
funcionamento tentará isolar uma única premissa maior para o caso”. Isso 
porque, sendo o direito à vida e o direito à morte digna direitos da 
personalidade, ambos têm a mesma origem, a mesma hierarquia e a mesma 
matéria. 
Deste modo, tendo em vista as peculiaridades do caso apresentado, que 
envolve conflito de enunciados normativos oriundos da própria Constituição 
e incompatibilidade com os métodos hermenêuticos clássicos, não resta 
saída senão a utilização de um método ponderativo, etapa por etapa, 
conforme defendido por Barcellos (2005). Sistematizando as etapas de 
ponderação, tem-se o seguinte: 
 
ETAPA DESCRIÇÃO 
 
1ª 
 
Há a identificação dos enunciados normativos em aparente conflito. 
Nesse caso, é possível verificar um enunciado explícito, a saber, a 
inviolabilidade do direito à vida (art. 5º, caput, da Constituição 
Federal), e um implícito, o direito à morte digna, ambos interligados 
pelo princípio geral da dignidade da pessoa humana. No entanto, tendo 
 
 
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em vista que o direito à morte digna – à morte sem sofrimento – foi 
sustentado como forma de cessar a dor experimentada pelo enfermo 
incurável, é preciso apontar outro enunciado normativo explícito no 
texto constitucional. Trata-se da vedação à tortura, ao tratamento 
desumano ou degradante. Assim, foram identificados quatro 
enunciados normativos em âmbito constitucional: a dignidade da 
pessoa humana (art. 1º, III, da CF); a inviolabilidade do direito à vida 
(art. 5º, caput, CF); o direito à morte digna (implícito); e a vedação à 
tortura (art. 5º, III, CF). 
 
 
2ª 
 
Nessa fase, Barcellos (2005, p. 116) alerta que se deve “examinar as 
circunstâncias concretas do caso e suas repercussões sobre os 
elementos normativos”. Entenda-se por “fatos relevantes” aqueles 
assim considerados pelo senso comum da sociedade e aqueles 
regulados por disposições normativas. Assim, sendo a dignidade da 
pessoa humana um preceito fundamental de nossa Constituição, 
regulado, ainda, pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, 
resta preenchido o quesito ora analisado. Há de ser ressaltada a 
indisponibilidade e inviolabilidade que recai sobre a vida humana, por 
expressa previsão do texto constitucional. 
 
3ª 
Haverá a justaposição dos fatos relevantes levantados com os 
enunciados normativos identificados para, enfim, ponderar a respeito 
de como será dada a resolução do caso proposto, devendo o intérprete 
“[...] ter por meta a concordância prática dos enunciados normativos 
em conflito” (BARCELLOS, 2005, p. 125). 
 
 
Ora, lançando mão da premissa anteriormente estabelecida (DIAS: 
2012), é possível perceber que o elemento de incongruência presente nos 
enunciados em tela resume-se à irrenunciabilidade concedida ao direito à 
vida, transmutando-o em um dever de vida em qualquer circunstância. Isso 
porque, a dignidade da pessoa humana é, logicamente, compatível com o 
direito à vida e com a vedação à tortura e ao tratamento desumano ou 
degradante, o qual é, por sua vez, compatível com o direito à morte digna – 
já que inconcebível imaginar algum resquício de dignidade em morrer sob 
tortura. 
A inviolabilidade do direito à vida, por sua vez, é também plenamente 
compatível com a vedação à tortura. Resta, portanto, analisar sua 
compatibilidade com o direito a não morrer com sofrimento. 
Dias (2012, p. 101) ensina que o princípio da dignidade da pessoa 
humana “[...] se dirige à pessoa concreta e individual e não a um ser ideal e 
abstrato”, pelo que deve ser interpretado de forma a excluir possíveis abusos 
 
 
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sob o pretexto de assegurar direitos coletivos em detrimento dos individuais. 
Desta feita, claro está que a dignidade retratada no ordenamento jurídico 
brasileiro visa a amparar cada pessoa natural, levando em conta sua 
singularidade. 
Nesse diapasão, sabendo que o princípio em comento norteia a 
interpretação dos demais preceitos constitucionais, inclusive, o direito à 
vida, conforme exposto anteriormente, mister se faz transcrever outra lição 
de Dias (2012, p. 122): 
 
“A expressão ‘inviolabilidade do direito à vida’, consagrada 
constitucionalmente, não indica que a vida é um dever para 
consigo mesmo e para com os outros, tampouco pode ser 
entendida como um direito absoluto, indisponível e 
irrenunciável. Nos termos da Constituição, a 
‘inviolabilidade’ de tal direito significa que ele não tem 
conteúdo econômico-patrimonial e, mais do que isso, 
ninguém pode ser privado dele arbitrariamente. Nesse 
sentido é que ele deve ser entendido como indisponível: 
ninguém pode dispor da vida de outrem”. 
 
É nesse contexto que novamente se sustenta a relativização da 
interpretação do direito à vida como absoluto e indisponível, lembrando, 
mais uma vez, que tal cenário tem como protagonista pessoa natural em 
estado terminal, cuja doença é sabidamente incurável e capaz de infligir 
sofrimento. 
Ante todo o exposto, resta afirmar que a aparente incompatibilidade 
entre direitos cedeu lugar a um “novo” direito, ao direito à morte digna ou, 
em nomenclatura diversa, o direito a morrer dignamente. Poder-se-ia, 
inclusive, chamá-lo de “direito de morrer sem sofrimento”, já que se traduz 
em verdadeiro direito de livrar-se, permanentemente, de quadro clínico 
incurável e penoso. 
Trata-se, portanto, de proposta que quebra os paradigmas que envolvem 
a interpretação das características próprias do direito à vida, fundamentada 
em uma repercussão lógica da dignidade da pessoa humana. Isso possibilita 
a transferência da prática eutanásica do campo de incidência do Direito Penal 
para a guarida do Direito Civil, fazendo valer, ainda mais, a autonomia 
privada em momento tão íntimo da vida do enfermo. 
No entanto, os métodos de abreviação da vida não estão resumidos às 
formas de praticar a eutanásia ativa. Existe, também, a ortotanásia, a 
agatanásia, a distanásia e o suicídio assistido – métodos que podem ter sua 
legalidade, sua recepção pelo Direito brasileiro analisada sob a ótica ora 
 
 
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proposta, afinal, cui licet quod est plus, licet utique quod est minus (quem 
pode o mais, pode o menos). 
Não parece demais destacar que a renúncia ao direito à vida, por 
paciente terminal, nos ditames em que vem sendo proposta, configura a 
expressão máxima do exercício do direito de autodeterminação por 
representar o comando do próprio destino. Assim, em um primeiro momento, 
a escolha pelo direito à morte via eutanásia, pelo direito de deixar de existir, 
apenas nos parece plausível se tomada pelo seu titular quando em pleno 
exercício de suas faculdades mentais, como por exemplo, o desejo externado 
em escritura pública antes do surgimento da doença. 
Deve ser esclarecido, ainda, que a recepção da prática eutanásica como 
proposta, não implica em obrigatoriedade do médico responsável pelo 
paciente acatar a referida manifestação de vontade, uma vez que o 
profissional da saúde não é obrigado a praticar atos contrários à sua 
consciência. A escusa de consciência médica está prevista no Códigode 
Ética Médica, Capítulo I, incisos VII e XXI: 
 
“VII - O médico exercerá sua profissão com autonomia, não 
sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de 
sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de 
ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, 
ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente”. 
“XXI - No processo de tomada de decisões profissionais, de 
acordo com seus ditames de consciência e as previsões legais, o 
médico aceitará as escolhas de seus pacientes, relativas aos 
procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, 
desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas”. 
 
A distanásia, por seu respectivo turno, é a utilização de tratamentos 
médicos sucessivos para manutenção da vida do paciente, embora o 
resultado prático seja apenas o prolongamento do processo de morrer e 
implica em três diferentes situações. Na primeira delas, é possível imaginar 
o médico acatando a vontade do paciente, previamente manifestada, de ser 
mantido vivo em qualquer hipótese e através de quaisquer meios. Em tal 
caso, o exercício da autonomia da vontade do indivíduo é em permanecer 
vivo, a qual deve ser respeitada pela equipe médica. Já em uma segunda 
hipótese, pode-se imaginar o médico atuando em total desconformidade com 
o manifesto desejo do paciente, submetendo-o a procedimentos cirúrgicos 
que ele não deseja realizar e que não trará solução definitiva a seu quadro de 
saúde. 
Ora, tal episódio configura constrangimento ilegal, o que viola 
claramente o previsto no art. 15 do Código Civil e traz, inclusive, 
 
 
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implicações na esfera cível, penal e administrativa em desfavor do médico: 
“Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, 
a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”. 
Em um último caso, o médico age para manter o paciente que está 
inconsciente vivo, mas não há qualquer diretriz traçada por este para nortear 
a atuação do médico. Logo, o profissional da saúde está no exercício regular 
de sua profissão, utilizando-se de todos os meios ao seu alcance para 
manutenção da vida humana. 
Já na eutanásia por duplo efeito, o falecimento do paciente não decorre 
de ato que visava tal fim, mas sim de uma medida paliativa que gera o 
resultado morte, inesperado e indesejado, em decorrência da saúde já instável 
do enfermo. Logo, não há, em tese, hipótese apta a ensejar responsabilidade 
da equipe médica. 
O suicídio assistido, por sua vez, corresponde a uma conduta 
penalmente imputável, prevista no art. 122 do Código Penal Brasileiro, pela 
figura do crime de “induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio”. 
Embora seja possível vislumbrar grande semelhança entre a eutanásia e 
o suicídio assistido, ambos não devem ser confundidos: enquanto aquele é 
integralmente praticado por uma equipe médica, a pedido do paciente ou de 
seus familiares, o último é uma misto de atos praticados pelo próprio suicida 
e pelo terceiro que lhe presta auxílio. 
Por fim, a ortotanásia, consistente na manutenção de medidas paliativas 
e exclusão dos métodos de sustentação mecânica da vida, de procedimentos 
cirúrgicos e tratamentos invasivos, vem ganhando espaço junto ao Direito 
brasileiro como um todo. 
O Conselho Federal de Medicina editou a Resolução nº 1.805, datada 
de 09 de novembro de 2006, cuja eficácia foi suspensa por decisão judicial. 
A resolução possuía três artigos: 
 
“Art. 1º É permitido ao médico limitar ou suspender 
procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente 
em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a 
vontade da pessoa ou de seu representante legal. [...] 
Art. 2º O doente continuará a receber todos os cuidados 
necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, 
assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, 
social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta 
hospitalar. 
Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação, 
revogando-se as disposições em contrário”. 
 
 
 
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Já no ano de 2010, entrou em vigor o novo Código de Ética Médica, 
trazendo vários apontamentos favoráveis à prática ortotanásica. Exemplos 
são os incisos VI e XXII do Capítulo I, que tratam dos princípios 
fundamentais da ética médica; e os artigos 26, 27, 28, 31 e 41. Merece 
destaque especial a redação do art. 41: 
 
“Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou 
de seu representante legal. 
Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve 
o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem 
empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou 
obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa 
do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante 
legal”. 
 
É possível afirmar, portanto, que a ortotanásia é, por ora, o único 
método de abreviação da vida em completa consonância com o direito pátrio, 
já que o suicídio assistido e a eutanásia ativa são vedados e punidos pela lei 
penal em vigor e a agatanásia não é propriamente um método de abreviação 
da vida. Quanto à distanásia, só possui guarida legal se praticada em 
consonância com as diretrizes traçadas pelo paciente ou por seus familiares, 
pois, caso contrário, há de configurar constrangimento ilegal. 
 
4. Análise de casos no Brasil e a experiência estrangeira. 
 
São diversos os exemplos de casos de abreviação da vida ao redor do mundo, 
os quais ocorrem das mais variadas formas e nem sempre nos ditames da 
legalidade. Apenas pequena parcela da comunidade internacional não pune 
rigorosamente a eutanásia e o suicídio assistido. 
Embora tais práticas sejam vedadas por diversos ordenamentos 
jurídicos, elas não deixam de ser empregadas com relativa frequência em 
todas as classes sociais, de países desenvolvidos, subdesenvolvidos e 
emergentes. Vale destacar que a análise de situações reais implica, 
inevitavelmente, no despertar de certa dose de sensibilidade e de empatia, 
uma vez que o tema em voga está conectado à esfera mais íntima dos 
indivíduos presentes caso a caso. 
No Brasil, no Código Penal, figura o homicídio privilegiado, previsto 
em seu artigo 121, § 1º, quando o agente comete o crime impelido por 
relevante valor social ou moral. Exemplo de homicídio privilegiado ocorreu 
dia 22 de outubro de 2011, no Estado de São Paulo, quando Roberto 
Rodrigues de Oliveira, de 22 anos, matou seu irmão mais velho, Geraldo 
Rodrigues de Oliveira, 28 anos, com dois tiros (ITALLIANI, 2014). Geraldo 
 
 
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tornara-se tetraplégico dois anos antes, em decorrência de um acidente de 
carro durante um “racha” com Roberto. Após dois meses na UTI, Geraldo 
não aceitava ser completamente dependente de seus parentes para viver e 
sentia vergonha em fazer uso de fraldas. Passou, então, a pedir que Roberto 
o ajudasse a morrer (IRMÃO, 2014). Em entrevista, Roberto afirma: “Não 
fiz por maldade, infelizmente, tive que fazer isso por amor. Não víamos outra 
solução e ele (Geraldo) estava decidido sobre o que queria” (ITALLIANI, 
2014). 
O caso acima em nada se confunde com a eutanásia ativa ou com o 
suicídio assistido, pois diferem na forma de execução. A eutanásia envolve 
equipe médica e no suicídio assistido o indivíduo deve ser orientado ou 
auxiliado por terceiro, para praticar o ato por si só. Ou seja, deve realizar 
determinadoato para dispor de sua própria vida. 
Outro caso ocorrido no Brasil e que merece ser destacado, foi noticiado 
pela mídia nacional em fevereiro de 2013 e ocorreu no Hospital Evangélico 
de Curitiba, no Paraná, onde uma equipe de profissionais da área médica foi 
acusada de praticar eutanásia ativa em pacientes internados em Unidades de 
Tratamento Intensivo (MÉDICA..., 2014). Os episódios relatados causaram 
repulsa, visto que a equipe médica, então encarregada de zelar pela vida dos 
pacientes internados, acabava por realizar o oposto. Ou seja, utilizava dos 
meios ao seu alcance, através de superdosagens de medicamentos e redução 
do suporte ventilatório para desocupar leitos e, nas palavras da responsável 
pela equipe, “desentulhar a UTI” (MÉDICA..., 2014). Diante dessas 
circunstâncias, o Ministério Público Estadual (MPPR) ofereceu denúncia 
acusando os supostos envolvidos de crimes de homicídio duplamente 
qualificado e formação de quadrilha, devido ao modus operandi. O MPE 
aponta na referida denúncia que há provas de que as vítimas não desejavam 
morrer. Se assim o for, estaria ausente o elemento essencial da manifestação 
da autonomia da vontade, o que demonstraria o equívoco nos termos 
empregados pela mídia ao classificar as condutas praticadas como eutanásia 
ativa. O caso ainda não foi julgado, mas se prevalecer a tese do MPE, essa 
situação não poderia ser confundida com suicídio assistido, eutanásia ativa 
ou homicídio privilegiado, já que nada teria a ver com piedade e compaixão, 
mas sim com o animus necandi. 
No que tange ao direito de morrer, os Estados Unidos da América 
possuem como caso paradigma do direito à recusa a tratamentos médicos na 
retirada da ventilação mecânica da jovem Karen Ann Quinlan em 1976 no 
Estado de New Jersey. Em 15 de abril de 1975, aos 21 anos de idade, durante 
a festa de aniversário de um amigo, Karen ingeriu bebidas alcóolicas e 
comprimidos do fármaco tranquilizante conhecido como Valium, o que lhe 
causou danos cerebrais e a induziu a um estado comatoso profundo e 
 
 
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irreversível. Seus pais concluíram que a jovem não gostaria de ser mantida 
viva por suportes mecânicos e optaram pelo desligamento dos aparelhos de 
ventilação que a mantinham viva, recebendo apoio, inclusive, da Igreja 
Católica. (MORROW, 2014). Em 31 de julho do mesmo ano, os 
responsáveis pela direção do Hospital Saint Claire, onde Karen estava 
internada, se recusaram a acatar o desejo da família, que, então, ingressou 
em juízo requerendo autorização para tanto. A batalha judicial foi perdida 
nas primeiras instâncias, mas a Suprema Corte do Estado de New Jersey 
concedeu autorização judicial para desligar os aparelhos de ventilação 
artificial. Ao final do comovente comando judicial, os juízes envolvidos 
foram unânimes em conceder a referida autorização. Disseram eles: 
 
“We repeat for the sake of emphasis and clarity that upon the 
concurrence of the guardian and family of Karen, should the 
responsible attending physicians conclude that there is no 
reasonable possibility of Karen’s ever emerging from her present 
comatose condition to a cognitive, sapient state and that the life-
support apparatus now being administered to Karen should be 
discontinued, they shall consult with the hospital “Ethics 
Committee” or like body of the institution in which Karen is then 
hospitalized. If that consultative body agrees that there is no 
reasonable possibility of Karen’s ever emerging from her present 
comatose condition to a cognitive, sapient state, the present life-
support system may be withdrawn and said action shall be without 
any civil or criminal liability therefor, on the part of any participant, 
whether guardian, physician, hospital or others” (NEW JERSEY, 
2014). Ou, em tradução livre: “Repetimos, por uma questão de 
clareza e ênfase, que com a concordância do guardião e dos 
familiares de Karen, caso os médicos responsáveis concluam que 
não há a razoável possibilidade de Karen emergir do presente 
estado comatoso, para um estado consciente e alerta, e que o 
aparato de suporte à vida que vem sendo administrado à Karen deva 
ser descontinuado, deve ser consultado o “Comitê de Ética” do 
hospital ou órgão semelhante da instituição em que Karen está 
internada. Se o respectivo órgão consultivo concordar que não há 
razoável possibilidade de Karen emergir de seu estado comatoso 
para um estado consciente e alerta, o sistema de suporte à vida 
poderá ser retirado sem quaisquer implicações cíveis ou criminais, 
a qualquer um dos participantes, a seu guardião, médicos, hospital 
e outros envolvidos”. 
 
Todavia, após desligados os referidos suportes, Karen Ann Quinlan 
continuou a receber alimentação através de sonda nasogástrica e viveu em 
coma por mais 09 anos. Ela faleceu em decorrência de uma pneumonia no 
dia 11 de julho de 1985 (McFADDEN, 2014). 
 
 
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Já no que tange ao suicídio assistido, o expoente de tal prática nos 
Estados Unidos da América é o médico Jack Kevorkian, do Estado de 
Michigan, que ficou conhecido como “Dr. Morte”, por ter inventado um 
aparelho de suicídio descrito anteriormente, o qual foi utilizado por 
aproximadamente 130 pacientes (DINIZ, 2006). Tal aparelho foi apelidado 
de mercitron ou, “máquina de misericórdia”. Diniz (2006, p. 381) explica o 
funcionamento da máquina: “ao ser acionado pelo próprio paciente, injeta 
em sua veia uma substância salina neutra, contendo o anestésico Thipental, 
que acarreta inconsciência, e depois uma dose letal de cloreto de potássio, 
que paralisa o coração”. Diniz (2006) expõe, ainda, que embora no Estado 
de Michigan, não seja crime colaborar com um suicida na destruição da 
própria vida, o Dr. Kevorkian foi condenado à prisão pela morte de duas 
pessoas, Janet Elkins e Thomas Youk, e considerou incoerente a proibição 
do auxílio médico ao suicídio em um Estado que autoriza o aborto. Todavia, 
em 1998 um plebiscito aprovou o suicídio assistido por médico naquele 
Estado americano. 
A história de Jack Kevorkian e de suas complicações legais em 
decorrência de reiterados auxílios a suicídios é retratada no filme You don’t 
Know Jack, lançado pela HBO em 2010, no qual o ator Al Pacino interpreta 
o “Dr. Morte”. Em tal filme, é utilizada a filmagem original do momento da 
morte de Thomas Youk. 
Atualmente, o suicídio assistido é legal em seis Estados americanos, a 
saber, Michigan, Oregon, New Mexico, Montana, Washington e Vermont 
(SIEBOLD, 2014). Já a eutanásia, somente nos Estados de Oregon, Vermont 
e Washington (TEIXEIRA, 2014). 
Em 04 de junho de 2015, o Senado da Califórnia aprovou o projeto de 
lei SB-128, que legaliza a eutanásia. São necessários dois requisitos: 1) 
doente em estado terminal; e 2) expectativa de vida inferior a 06 meses. O 
projeto segue para debate no órgão que corresponde à Assembleia de Estado 
no Brasil. Posteriormente deve ser sancionada pelo Governador. 
Em meados de maio de 2014, a jovem Brittany Maynard, de 29 anos, 
residente na Califórnia, foi diagnosticada com um câncer cerebral incurável 
e seus médicos lhe deram um prognóstico de aproximadamente 06 meses de 
vida. Após refletir com seus familiares sobre os possíveis tratamentos, 
Brittany e seu marido decidiram mudar para o Estado do Oregon, local em 
que é permitido o suicídio assistido (BEVER, 2014). 
Já de posse dos medicamentos necessários para pôr fim a seu 
sofrimento, a jovem elencou uma lista de afazeres e locais que deseja 
conhecer antes de morrer. Decidiu, ainda, tomar os remédios que lhe ceifarãoa vida no dia primeiro de novembro de 2014. Sobre a difícil decisão, Brittany 
disse: “Eu não sou uma suicida. Se fosse, já teria consumido a medicação. 
 
 
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Não quero morrer. Mas estou morrendo. E quero morrer nos meus próprios 
termos” (MAYNARD, 2014). 
A Bélgica legalizou em 2002 a eutanásia para maiores de idade 
acometidos por doenças incuráveis, cujo sofrimento é constante e 
insuportável. À época, apenas a Holanda havia legislado sobre o assunto. Em 
fevereiro de 2014, a legislação belga acerca da eutanásia foi alterada e passou 
a permitir tal prática em crianças de qualquer idade, afastando, assim, o 
limite etário anterior (PRESSLY, 2014). 
Recentemente dois irmãos gêmeos belgas, Marc e Eddy Verbessem, 
foram submetidos à eutanásia. Eles nasceram surdos e estavam 
progressivamente perdendo a visão, mas como eram muito unidos e faziam 
tudo juntos, decidiram que não suportariam não se ver e ouvir mais. Assim, 
optaram pela prática terminativa conhecida como eutanásia ativa. Em 14 de 
dezembro de 2012, tomaram café da manhã juntos pela última vez e médicos 
de Bruxelas lhes deram uma injeção letal (GÊMEOS, 2014). 
A legislação belga é deveras abrangente e, nos termos em que 
atualmente se encontra formulada, não poderia ser aplicada no Brasil – ainda 
que a eutanásia ativa fosse acolhida pelo ordenamento jurídico brasileiro. 
Conforme exposto no item anterior, os menores de dezesseis anos são 
considerados absolutamente incapazes e, via de consequência, não poderiam 
decidir pela prática terminativa da eutanásia ativa. Além disso, não se tratam 
de pacientes em estado terminal. 
Há na Suíça uma associação encarregada de prestar auxílio direto 
àqueles que pretendem suicidar-se, já que tal prática não é vedada no país. 
Trata-se da organização conhecida como DIGNITAS, cujo lema é to live with 
dignity, to die with dignity e que foi fundada em 17 de maio de 1998, próximo 
à cidade de Zurique, cujo objetivo é aconselhar em todos os níveis os 
membros interessados em eliminar a própria vida, prestando-lhes desde 
auxílio psicológico e legal até o fornecimento do medicamento letal diluído 
em água, que deixará o indivíduo inconsciente em poucos minutos e lhe 
permitirá morrer de forma indolor. Para tanto, é necessário que o sujeito seja 
membro da associação, esteja em posse de suas faculdades mentais, possua 
capacidade de ingerir o medicamento por si só, sofra de mal incurável, 
deficiência incapacitante permanente, dor física ou psíquica insuportável. 
Calcula-se que de 2008 a 2012, aproximadamente 611 (seiscentas e onze) 
pessoas cometeram suicídio com auxílio da DIGNITAS (BELLUCK, 2014) 
e que em junho de 2012 haviam dez brasileiros cadastrados como membros 
da referida instituição (PONTES, 2014). É possível ver o tipo de serviço 
prestado pela associação no documentário Dignitas, la mort sur ordonnance 
(em tradução livre, Dignitas, a morte sob receita), o qual mostra todo o 
procedimento de auxílio ao suicídio da escritora francesa Michelle Causse, 
 
 
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que sofria de doença degenerativa nos ossos e decidiu terminar a própria vida 
no dia de seu aniversário de 74 anos. 
Em 2015, ganhou repercussão o caso do francês Vincent Lambert, que 
se encontra tetraplégico e em coma desde 2008 e sobrevive com ajuda de 
aparelhos. Sua família se encontra dividida entre manter tais aparelhos 
ligados, ou desligá-los: os pais e alguns irmãos são contra o desligamento, e 
a esposa e outros irmãos são a favor. A justiça francesa decidiu 
favoravelmente à interrupção da alimentação de Lambert e o desligamento 
de seus aparelhos. Seus pais recorreram à Corte Europeia de Direitos 
Humanos, que decidiu pela manutenção da decisão da justiça francesa em 05 
de junho de 2015, o que possibilita o desligamento dos aparelhos. Contudo, 
deve-se esclarecer que a decisão do Tribunal Europeu de Direitos Humanos 
não foi no sentido de autorizar a eutanásia ou qualquer outro modo de 
abreviamento da vida; a decisão do TEDH foi no sentido de que cabe a cada 
país definir a questão. 
A eutanásia indireta é permitida na Itália, Hungria, Espanha e Irlanda. 
A Suécia admite o suicídio assistido em casos extraordinários. A eutanásia 
ativa é permitida nos Países Baixos, Bélgica, Luxemburgo e Israel. A 
eutanásia passiva tem lugar na França e na Áustria. 
No Uruguai, o Código Penal não pune o homicídio piedoso, de modo 
que se a conduta eutanásica se enquadrar nessa situação, não será punida. 
 
5. Considerações finais. 
 
A aparente incompatibilidade de coexistência entre o direito à morte com 
dignidade e o direito à vida pode ser solucionada através de uma 
reinterpretação deste último, de forma a torná-lo disponível para o próprio 
titular, o que não há de abalar sua oponibilidade erga omnes. Assim sendo, 
a possibilidade de aplicação dos métodos de abreviação da vida no Direito 
brasileiro, depende, exclusivamente, da modificação do viés interpretativo 
atualmente adotado no que tange ao direito à vida, de forma que o ele seja 
visto como renunciável por seu titular nas hipóteses de doença incurável que 
cause mal insuportável. 
Em outras palavras, há veemente necessidade de adaptação do direito à 
vida a novos paradigmas. Nesse sentido, parece ter razão Roberto Dias 
(2012), para quem a inviolabilidade do direito à vida não gera uma obrigação 
de manter-se vivo custe o que custar, independentemente das condições de 
vida a que seu titular esteja submetido, por este parecer ser o entendimento 
mais razoável à luz da ponderação dos valores envolvidos. 
Com base nisso, parece correto, plausível e até humano, afirmar que é 
iminente a necessidade de relativização da interpretação do direito à vida 
 
 
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como absoluto e indisponível para os casos em que o titular de direitos 
encontra-se em estado terminal ou acometido de doença incurável, 
submetido a sofrimento constante. 
 
 
 
6. Referências. 
 
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Renovar. 2008. 
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