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A CRIANÇA ESEUS DIREITOS
ESTATUTO DA CRIANÇA EDO ADOLESCENTE
ECÓDIGO DE MENORES EM DEBATE
•
MINISTÉRIO
DO
INTERIOR
Mini"'''' João Alves Filho ~
funobem
Presidente: Marina Bandeira
Chefe de Gabinete: Francisco José da Silveira Lobo Neto
Diretora de Promoção Social do Menor: Wilmarina do Couto Maranhao
Diretor de Administração e Finanças: Telirio Gomes da Silva Netto
Diretor Executivo: Nilton Nascimento
Procurador Geral: Manuel de Jesus Soares
Assessor Chefe de Comunicação Social: Carlos Eduardo Bortolot
Coordenador de Auditoria: Jair Machado Pereira
Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
PUC-RIO
Reitor:
Pe. Laércio Dias de Moura
Comissão Organizadora:
PesqUisadoras
Esther Maria de Magalhaes Arantes (Dept. Psicologia)
Hedy S. R. de Vasconcelos (NEAM/Dept. Educação)
Letícia Fiorillo Bogado (Dept. Psicologia)
Maria Aparecida Barbosa Marques (Dept. Serviço Social)
Maria Euchares de Senna Motta (Dept. Psicologia)
Marina Moreira (NEAM)
Terezinha Arnaut (Dept. Serviço Social)
Estagiárias
Cynthia Ozon Boghossian (Dept. Psicologia)
Daniele Ruppert G. Assis Salles (Dept. Psicologia)
Dulce Helena Seixas Cardoso (Dept. Psicologia)
Mônica Azevedo Araujo (Dept. Psicologia)
Natalie Mirilli Lucas (NEAM)
Co-Editado pela
Coordenadoria de Comunicação Social da FUNABEM
Rua Visconde de Inhaúma, 39 - 6.° andar - Rio de Janeiro - RJ
CEP 20091 - TELEX (021) 32452 - Tel.: 253-1834- Brasil- I
e pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-RIO
Rua Marquês de São Vicente, 225 - Gávea - Rio de Janeiro
CEP 22453 - Brasil - Tel.: 529-9922 - TELEX (021) 31048
/
índice
1.a Mesa: "O Estatuto da Criança e do Adolescente
e o Código de Menores" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 7
Componentes:
- Hedy S. R. Vasconcelos
- Antônio Fernando do Amaral
- Alyrio Cavallieri
Debate 25
2.a mesa: "Posicionamento da Sociedade Civil frente ao
Estatuto e ao Código de Menores" 39
Componentes:
- Esther Maria de Magalhães Arantes
- Person Cândido Matias
- Rodrigo de Souza Filho
- Altamir N. de Freitas
Deodato Rivera
Edson Sêda de Moraes
Eliana Athayde
Debate 60
Anexo: Quadro comparativo entre as Leis 6697/79
e 4513/64 e os Projetos de Lei 1506/89 e 193/89 85
CAPA:
Ricardo José Pires Cruz
AGRADECIMENTOS
Ao Departamento de Psicologia da PUe/RJ na pessoa
da prot- Maria Elizabeth RibeirodosSantos, eà FINEP
e à FAPERJpelo apoio à pesquisa Em Busca de Alter-
nativas ao Internamento de Crianças. Aos participan-
tes, que gentilmente se dispuseram a comparecer ao
debate e que, em confiança, liberaram a publicação
de suas falas e depoimentos.
APOIO:
Núcleo de Estudos e Ação sobre o Menor (NEAM) da PUC/RJ
FUNABEM
Banco Itaú
Fundação Emílio Odebrecht
Apresentação
o evento A Criança e seus Direitos: Estatuto da Criança e do Adolescen-
te e Código de Menores em Debate, que teve lugar na Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, no dia 31 de outubro de 1989, representa a
disposição da comunidade acadêmica de solidarizar-se com a sociedade,
oferecendo seu potencial de reflexão e busca de alternativas para o enca-
minhamento dos problemas sociais. Ciente de seu compromisso, a Univer-
sidade tem um papel importante a desempenhar no momento em que a
Nação se mobiliza para a construção de uma sociedade mais justa e demo-
crática
A legislação acerca dos direitos da criança foi amplamente abordada
por defensores do Código de Menores e do Estatuto da Criança e do
Adolescente. Como momentos significativos do debate pode-se apontar as
discussões em torno da possibilidade de integração Código/Estatuto e
explicitação das doutrinas subjacentes a ambos, juntamente com suas impli-
cações; a participação da sociedade na formulação da legislação; e, a contra-
dição entre país legal/país real.
Em síntese, acreditamos que o evento tenha contribuído para esclare-
cer que qualquer mudança substancial deverá necessariamente passar não
apenas por um reordenamento jurídico como também pelo reordenamento
das instituições e mudança das práticas de atendimento à criança e ao
adolescente.
Esther Maria de Magalhães Arantes
Maria Euchares de Senna Motta
1~MESA:
"O Estatuto da Criança e do Adolescente
e o Código de Menores"
COMPONENTES:
Hedy S. R. Vasconcelos
Coordenadora (NEAM/PUC/RIO)
Antônio Fernando do Amaral
Estatuto (Juiz de Menores de Blumenau)
Alyrio Cavallieri
Código (Ex-Juiz de Menores do Rio de Janeiro)
Prof? Hedy S. R. Vasconcelos
(Coordenadora)
Dando início à nossa programação eu gostaria de dizer que era do
interesse da Administração Central da Universidade estar aqui presente,
prestigiando e cumprimentando nossos visitantes. Encontram-se, no entan-
to, em reunião extraordinária e eu então, em nome da Universidade, gostaria
de dar as boas vindas aos nossos conferencistas e a todos os participantes.
Eu vou apenas ler o artigo 227 da Constituição pois o considero muito
expressivo.
"É dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança e ao
eaotescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alim~ntação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidàde,-ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitá-
ria, além de colocá-lo a salvo de toda forma de negligência, discrimi-
nação, exploração, violência, crueldade e opressão."
Assim possamos nós fazer.
Dr. Amaral; com a palavra
Dr. Antônio Fernando do Amaral
(juiz de Menores de 8lumenau)
Em primeiro lugar, quero dizer da grande satisfação em encontrar-me
numa universidade tão ligada à nossa cultura, à nossa história, e, principal-
mente tão ligada à defesa dos direitos humanos; é em nome destes direitos,
principalmente da parte mais sofrida da nossa população, que venho defen-
der o ponto de vista, que não é meu, mas que pertence a toda a sociedade
civil, principalmente àqueles grupos e àquelas pessoas comprometidas com
a criança e com o adolescente. Gostaria de agradecer a oportunidade deste
contacto, principalmente o contacto com ajuventude, com os universitários,
já que como professor de uma pequena universidade, tenho o grande prazer
de sempre me renovar quando participo e tenho a ocasião de debater com a
juventude a respeito de programas e de problemas tão sérios, tão importan-
tes quanto estes ligados à criança e ao adolescente.
Quero também, antes de entrar no assunto, fazer uma saudação
especial a uma pessoa muito querida que é o professor Alyrio Cavallieri.
Tenho pelo mestre Alyrio Cavallieri um carinho e uma amizade muito grande
9
e de longa data. De modo que nossas divergências - no campo doutrinário,
nocampo jurídico, no campo científico- serviram ainda mais paraestreitaro
nosso relacionamento de amizade. Sempre, nas exposições e nas ocasiões
que tive de manifestar a minha posição, destaquei que, embora divergís-
semos sobre pontos jurídicos, concordamos em que é preciso lutar pelas
nossas crianças e jovens; e quero registrar essa luta do professor Alyrio
Cavallieri, que é feita com o maior interesse pela juventude.
O Direito do Menor tem reconhecidas três Doutrinas: a Doutrina do
Direito Penal do Menor, que preconiza que o Direito do Menor - direito
formal, direito objetivo, direito-Iei, legislação, direito-norma - só deve se
interessar por menores quando eles praticam um fato definido como infração
penal. Por isto se diz Doutrina do Direito Penal do Menor.
Existe uma outra Doutrina intermediária, a Doutrina da Situação Irregu-
lar, que enfatiza que o menor é sujeito deste novo ramo do Direito, e,
também tratado pela respectiva legislação, sempre que esteja numa situação
irregular - como tal, definida legalmente. Uma situação de patologia, uma
situação de doença social. De modo que este ramo do Direito só se ocupa
desses menores - não de todaa menoridade- a não ser quanto às medidas
de caráter preventivo. Ese associa muito o Direito do Menor, a Doutrina da
Situação Irregular, b. Medicina. De modo que as medidas são medidas
terapêuticas, de tratamento dessa "patologia social", que é a pobreza,
segundo essa Doutrina.
Existe finalmente uma outra Doutrina - a Doutrina da Proteção Inte-
graI. Esta preconiza que o Direito do Menor não deve se dirigir apenas a um
tipo de menor, mas deve se dirigir à toda juventude e à toda infância, e suas
medidas de caráter geral devem ser aplicáveis a todos os jovens e a todas as
crianças. Elas devem ser medidas de proteção e devem abranger todos os
direitos fundamentais: à vida, à saúde, à educação, ao lazer, à recreação, à
convivência familiar e comunitária E esta Doutrina preconiza ainda que
esses direitos devem ser fundamentados na Declaração Universal dos Direi-
tos Humanos e nos outros documentos emanados das Nações Unidas, como
a Declaração Universal dos Direitos da Criança - o pré-texto da Convenção
destes mesmos direitos -, as regras mínimas das Nações Unidas para a
administração da Justiça de Menores e os diversos Tratados e Convenções
Internacionais que tratem de crianças ou jovens.
Ora, o Brasil, a partir de outubro de 88, optou por um novo sistema Até
1988, vigorava o sistema da Doutrina da Situação Irregular, tanto que o nosso
Código de Menores de 1979 foi todo ele baseado nesta Doutrina Mas com o
advento da Constituição de 88 o Brasil saltou de uma Doutrina intermediária
para uma Doutrina muito mais avançada: a Doutrina da Proteção Integral.
Como chegaram a esta certeza aqueles que defendem a nova posição?
Se nós fizermos uma interpretação meramente literal, gramatical, que é o
mais simples dos métodos de interpretação preconizados pela hermenêu-
10
ticajurídica, nós vamos chegar à certeza, à íntima convicção de que o Brasil
adotou a Doutrina da Proteção Integral. A professora coordenadora leu o
artigo 227, mas eu me permito repeti-lo para mostrar que, numa simples
interpretação gramatical, aqui estão contidos todos os direitos fundamentais
de crianças e jovens ealém destes direitos a Constituição estabeleceu, não só
uma absoluta prioridade no atendimento a estes direitos mas fixou um
princípio de proteção especial. Impôs algo mais do que o exercício dos
direitos fundamentais da pessoa humana Vejam, diz o artigo 227:
"É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comuni-
tária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."
Estão sintetizados, neste artigo 227, todos os postulados básicos da
Declaração Universal dos Direitos da Criança e do pré-texto da Convenção
destes mesmos direitos que deverá ser submetido, provavelmente dia 20
deste mês, à Assembléia Geral das Nações Unidas. Então, não há a menor
dúvida E se nós prosseguirmos lendo os diversos incisos e parágrafos do
artigo 227, nós vamos ver que aqui se consagra uma proteção completa, uma
proteção integral à infância e à juventude. Aqui se protegem os deficientes;
aqui se protege o trabalho; aqui se protegem os direitos previdenciários; aqui
se protegem os direitos de família, na medida em que não mais se estabele-
cem aquelas distinçõesou discriminações, tão injustas, entreas crianças, pela
origem da filiação, preconizando o legislador constituinte, agora, que não se
estabeleça nenhuma espécie de distinçãoaos filhos, pouco importando a sua
origem, inclusive aos adotivos; e também se protege contra qualquer tipo de
exploração, negligência, crueldade ou opressão, na medida em que se pune
severamente o abuso, a violência, a exploração sexual da criança e do
adolescente; e ainda se protege as crianças e os adolescentes através das
garantias também processuais quando um jovem entra em conflito com a
sociedade. Então temos, não apenas no artigo 227, plenamente caracteri-
zado, este novo modelo de proteção integral, ainda porque o legislador
constituinte afastou-se do antigo paradigma na medida em que abandonou
um termo técnico-jurídico - menor - para assumir duas novas expressões:
criança e adolescente, no sentido de também quebrar a marca, o estigma,
que durante tanto tempo rotulou nossas crianças e adolescentes pobres
marginalizados. Isto, numa interpretação meramente, simplesmente, gra-
maticaI.
Mas a hermenêutica preconiza outros métodos e o intérprete deverá
estar atento a eles, de modo que, se fizermos também uma interpretação
11
lógica, sistemática, uma interpretação histórica ou uma interpretação socio-
lógica, a certeza moral, será, penso, inquestionável. O Brasil mudou. Ele
optou pelo novo modelo. Numa interpretação lógica ou sistemática - eu
não terei tempo para isto - mas se nós consultarmos o texto Constitucional, a
cada passo em que o legislador trata de políticas sociais básicas ou de direitos
fundamentais - quando ele trata, por exemplo, da Educação- aí nós vamos
ver medidas, preconizadas pelo legislador constituinte, de proteçãoàcriança
e ao adolescente. Quando ele trata, por exemplo, da seguridade social,
quando ele trata da saúde, quando ele trata da assistência social, quando ele
trata da cultura, enfim, em todos os diversos capítulos, títulos, onde haja uma
referência a crianças e jovens, haverá, paralelamente, uma medida de
proteção, um instituto de proteção. De modo que não resta a menor dúvida
Nesta interpretação sistemática, a conclusão será a mesma
Ese fizermos uma interpretação histórica do artigo 227, nós vamos ver
que ele surgiu de emendas populares subscritas por mais de 150.000 mil
eleitores, cidadãos, que, cientes da inadequação do sistema jurídico, do
sistema de atendimento e da própria visão da sociedade frente à questão da
criança e do adolescente, sentiram que eram necessárias mudanças. O tempo
é pouco, mas, vamos rapidamente a esta retrospectiva histórica para deter-
minar que também, procurando-se historicamente fixar a origem do artigo
227, e isto é importante, nós vamos ver que ele partiu da sociedade brasileira.
Foi uma emenda popular, como eu disse. Epor que a emenda popular? Toda
ela era baseada no argumento de que nossas crianças e jovens estavam
submetidas a um sistema jurídico perverso. Não que houvesse intenção
deliberada de quem aplicasse esse sistema - tanto da parte da justiça
quanto das instituições, ou da parte dos juristas que elaboraram este sistema
- mas, um sistema que teoricamente era tutelar, protetor, mas na prática se
revelava extremamente opressivo e repressor. Argumentava-se que era
necessário mudar. Mudar essa Doutrinada Situação Irregular- essa doutri-
na da patologia, essa doutrina da doença social - por uma outra doutrina,
essa sim, de Proteção Integral. Porque os institutos básicos jurídicos que
disciplinavam essa matéria, o Código e a lei que regulamentava a Política
Nacional do Bem Estar do Menor, estavam sendo aplicadas de forma que não
convinha aos melhores interesses de crianças e jovens, principalmente
porque muito discriminatórios.
Nós temos um sistema de Justiça de Menores que não passa de
aplicador de uma Doutrina - não da Doutrina da Situação I-rregular, que
também é uma Doutrina, com todo respeito, já ultrapassada pelos fatos
sociais e pela história - porque aplicava um Sistema de Direito Penal do
Menor disfarçado em Sistema Tutelar. Disfarce - claro, no bom sentido -
em que medidas aparentemente tutelares não passavam de sanções. De
modoqueainadequaçãodoSistemadeJustiça-neleincluídososórgãosde
execução - era tão evidente. as frustrações tão generalizadas, que a socie-
dade pediu à Assembléia Nacional Constituinte que trouxesse ao texto
12
constitucional dispositivos que assegurassem a realização efetiva de um
novo Direito, de uma novaDoutrina: a da Proteção Integral. Epor que isto?
Pelo equívoco do Código de Menores e do sistema vigorante. Porquanto o
Código, que à época, em 1927, representou um extraordinário avanço,
diante da aplicação prática e da nova realidade social perdia, paulatina-
mente, essa identificação que deve existir entre a lei e o fato social.
Se nós procurarmos analisar a questão - e vou usar uma expressão
que não gosto: a questão do menor - nós vamos ver que não existe menor
em situação irregular. Não existe menor em situação de patologia social; e o
Código enumera, no artigo segundo, seis hipóteses de situação irregular:
abandono material, abandono moral, menor vítima, abandono jurídico,
desvio de conduta e infração penal. EsseCódigo trata e se dirige às crianças e
jovens nesta situação irregular. Mas vejam bem que se trata de um instituto
jurídico voltado para os efeitos. E o nobre professor Alyrio Cavallieri, com
muita propriedade e com argumentos muito profundos e sérios sustenta que
o Direito do Menor deve mesmo cuidar exclusivamente dos efeitos e não
deve ir às causas. De modo que o Código enumera apenas medidas dirigidas
exclusivamente aos menores. Vamos ver que o Código, no artigo 14, quando
trata das medidas aplicáveis aos menores, ou no artigo 42, quando trata das
medidas aplicáveis aos pais ou responsáveis, não relaciona uma única
medida de apoio à família E nós sabemos que a causa primária, a mais
próxima, da situação irregular, é a família. Tanto que eu digo que não existe
menor em situação irregular, existe família em situação irregular. As causas
são profundas, claro, mas não existe no Código nenhuma medida de apoio à
família O Código se dirige, sob este aspecto, exclusivamente ao menore não
menciona uma única medida de apoio à mãe solteira, à gestante, à nutriz. E
estabelece um caso - que penso extremamente injusto - que é a penali-
zação da pobreza, na medida em que permite a perda do pátrio poder por
carência Então, nós vemos tantas vezes mães solteiras induzidas e até
coagidas a entregarem os seus filhos para os mais bem aquinhoados da sorte,
sob a alegação de que, não tendo condições de sustentá-los, eles estariam
muito melhor numa família substituta onde poderiam, ai sim, terem melhores
condições de educação e de formação, como se fosse apanágio dessas
pessoas mais bem aquinhoadas o direito ao exercício da maternidade ou da
paternidade. Por que, ao invés de colocarmos este tipo de medida, não
ajudarmos a mãe através de uma assistência educativa que é uma medida
que existe em outras legislações, permitindo, com um subsídio, que esta mãe
possa permanecer com seu filho ao invés de entregá-lo para uma outra
família?
O tempo é pouco e eu não posso me deter em muitas críticas a essa
parte do Código. Pretendo falar rapidamente porque espero a oportunidade
dos debates para enfatizar o aspecto repressivo do Código, quando tratar-
mos do autor de ato infracional. O Código trata fundamentalmente de
abandonados e infratores e isto faz parte da tradição do Direito do Menor
13
brasileiro. Quanto aos infratores, o modelo se revela muito injusto, por-
quanto ele permite aplicação de medidas ditas tutelares - há muitos anos
venho advogando isto- que não passam de sanções disfarçadas. Não existe,
objetivamente, nenhuma diferença entre o internamento de um menino
em regime fechado - seja na cadeia pública, na cadeia da Delegacia de
Menores ou na melhor instituição fechada do país - e a internação de um
adulto no sistema penitenciário, desde a pior cadeia pública até a melhor das
penitenciárias. Se analisarmos os pressupostos, ou subjetivos ou até obje-
tivos, para a aplicação de uma medida penal ou do Direito do Menor, nós
vamos ver que não há nenhuma diferença. Nós só podemos aplicar uma
medida de contenção, de internamento - que é um eufemismo já que o
internamento não passade prisão- casoo menino, o jovem, tenha cometido
um ato infracional, que não passa de um fato definido como infração penal,
um crime ou uma contravenção. Assim o adulto, da mesma forma .. Equal é o
objetivo das penas criminais e o das aplicações das medidas do Código de
Menores senão a ressocialização e reeducação?
Há muito tempo que a pena perdeu o seu caráter retributivo para
adquirir o caráter educativo. De modo que, objetivamente, eu não vejo
diferença O Código e sua revisão permitem que o sistema de justiça se
envolva com um adolescente que pratica um fato definido como infração
penal, mas não assegura a este adolescente a posição de sujeito de direitos.
Os defensores do Código costumam insistir em que não se trata de um
sistema penal mas de um sistema tutelar.
Eupergunto: será tutelar esse sistema que não distingue infrações leves,
simples desvios de conduta, de infrações graves? Perante o Código de
Menores e até de sua revisão, pouco importa que oadolescentetenha furtado
algumas laranjas, um pacote de cigarros ou tenha cometido um latrocínio. Ele
responde da mesma forma perante o Juiz de Menores e poderá, o que furtou
as laranjas ou o pacote de cigarros, permanecer internado, isto é, preso,
detido, por mais tempo do que aquele que cometeu um latrocínio. Porque o
sistema se preocupa, não com a gravidade do fato - não analisa isto- mas se
preocupa fundamentalmente com a personalidade do jovem. De modo que,
verificada a sua inadaptação social, asmedidas são todas, como se preconiza,
medidas de tutela, medidas de proteção. Sendo assim consideradas não há
necessidade, e há até uma inconveniência, no estabelecimento de um
processo. Alega-se que se nós tivermos o processo contraditório, a presença
obrigatória de um advogado, nós vamos instituir o processo penal.
Eu insisto, com todo o respeito, que esse argumento não tem nenhum
embasamento jurídico, não tem fundamento fático de interesse da criança
ou do jovem, porquanto processo é meio de se chegar a um fim. O processo
não altera a natureza da medida, mas o processo é o caminho para se chegar à
aplicação de uma medida Ese chegarmos à conclusão de que essas medidas
ou a colocação destes jovens neste sistema de medidas não é útil ou não
representa uma efetiva recuperação, uma efetiva reeducação, nós vamos ver
14
que é impossível aplicarmos essasmedidas sem que haja um devido processo
legal onde o jovem possa apresentar a sua versão, a sua defesa Se formos ao
Código ou à sua revisão, veremos que nele o jovem não é encarado como um
sujeito de direito mas como um mero objeto do Direito do Estado, da família
ou da sociedade.
E por que isto? Porquanto o Código, no que se refere ao infrator, não
permite que o menino, que o jovem, tenha o seu advogado, mas preconiza
que a família constitua o advogado. Ese a família constituir o advogado nós
teremos o procedimento contraditório; se a família não constituir o advoga-
do, nós não teremos o procedimento contraditório.
Vamos ver que o nosso menino pobre, menino de rua, que não tem
família ou que se encontra em conflito com a família jamais terá o advogado
para defendê-Io enquanto que os maus filhos das boas famílias, que têm
recursos, terão os seus advogados. Nestes casos, para estes, existirá o seu
contraditório.
Equantas vezes, através deste sistema, tiramos um direito fundamental
da pessoa humana, que é a liberdade. O próprio sistema preconiza que no
primeiro contacto o jovem seja encamin hado ao Juiz de Menores, através da
simples atribuição de autoria de infração penal. O legislador do Código de
Menores e da revisão, diz que o menor a que se atribua autoria de infração
penal será, desde logo, encaminhado ao Juiz. Não sendo possível o encami-
nhamento imediato, aguardará 24 horas numa Delegacia de Menores, numa
cadeia pública ou num instituto de proteção.
Eupergunto se nós aceitaríamos, relativamente aos adultos, um sistema
em que qualquer um de nós, pela simples atribuição - e atribuir é imputar,
atribuir é acusar, eu não tenho a menor dúvida - fosse recolhido a uma
cadeia pública para ser apresentadoao Juiz, por uma hora que fosse. Isto
representaria uma grave violação do direito fundamental da pessoa humana,
que é sua liberdade. Apenas para mostrar o equívoco, vou relatar um fato,
verídico, acontecido em São Paulo: uma senhora vivia com um alcoólatra e
este batia na mulher, quebrava tudo dentro de casa e todos nós conhecemos
estes problemas. Até que um dia o marido, encontrando-se muito embria-
gado, tentou matá-Ia com uma faca. O filho, menor de 16 anos, procurou
defender a mãe e entraram em luta os três, o que resultou na morte do
marido. Os vizinhos a aconselharam a não permanecer no local para não ser
presa em flagrante e que depois a aj udariam a esclarecer o caso na Delegacia
Esta senhora, de fato, junto com o menino, se retirou por 48 horas, tendo se
apresentado depois para um assistente judiciário na Delegacia de Menores
de São Paulo. Ali chegando, o Delegado os ouviu, tendo liberado a mulher
mas não o menino. Mas como? pergunta a senhora, no que obteve a
resposta que, pelo Código de Menores, o meni no deveria ser apresentado ao
Juiz de Menores e como era sexta-feira ou era um feriado, este menino iria
permanecer lá e que de qualquer forma, ele estava em situação irregular
porque não estudava, não trabalhava.
15
Ele vendia alguma coisa e tal, para ajudar na renda familiar. Eo menino
ficou na Delegacia de Menores, preso, para ser apresentado ao Juiz. E
apresentado ao Juiz, foi encaminhado para uma equipe técnica fazer uni
estudo da personalidade e ele ficou detido, contido, preso. Talo sistema
tutelar! Lembro um outro caso, o de um menino de rua que encontrava-se
dormindo novãode umaescadaou coisa parecida, e um maufilhode uma boa
família me joga álcool ou gasolina no menino, de brincadeira, mas infeliz-
mente lesionou bastante o outro, e a polícia, a rádio patrulha, prendeu a
ambos em flagrante. O advogado compareceu, e como diz o Código de
Menores, no artigo 5.°, que na aplicação desta lei os interesses do menor
sobrelevarão a qualquer outro bem ou interesse juridicamente tutelado e
que toda medida, diz o artigo 13 do Código, visará, fundamentalmente, a
integração sócio-famlllar, e que os menores que estão em situação irregular,
em caso de doença social, de patologia social, precisam de uma terapia, de
um tratamento, este menino foi imediatamente encaminhado à sua casa Está
integrado na família, foi um ato impensado, sem dúvida, mas... e ele foi
submetido a um acompanhamento, enquanto o outro ficou preso. Esta é a
verdade, preso mesmo, num Centro de Observação e Triagem, porque é um
menino de rua
Sistema tutelar? Esta é a minha pergunta
Para sintetizar - é pena que o tempo seja pouco - eu enfatizaria o
seguinte. Ninguém, ninguém mesmo, que defende o Código de Menores,
quer o pior para nossas crianças. Ninguém mesmo quer esta situação. Mas ela
ocorre no dia-a-dia Existe uma distância muito grande entre a teoria e a
prática, e o grande dispositivo do Código de Menores - que é aquele artigo
5.°, que diz que na aplicação desta lei os interesses do menor sobrelevarão a
qualquer outro bem ou interesse juridicamente tutelado - é extremamente
subjetivo. Qual é o melhor interesse da criança ou do jovem? A reeducação, a
ressocialização ...
Ese nós vamos reed ucar e ressocializar, nós vamos encaminhar para um
sistema de reeducação, de ressocialização. Eu volto a insistir, que esta
reeducação e esta ressocialização, tanto relativamente aos adultos quanto em
relação aos jovens, não passam de mitos convenientes que justificam a
imposição de medidas arbitrárias porque não baseadas no devido processo
legal e são sanções disfarçadas. É preciso procurar um modelo justo, um
modelo sem disfarce, um modelo que separe estas situações e o Estatuto
procura corrigir isto, na medida em que estabelece critérios objetivos,
capazes de conter o possível- já nem falo o provável- o possível arbítrio do
Estado. Porque não tendo o Juiz regras objetivas a lhe dirigirem aatuação, mas
ficando ao seu critério estabelecê-las, vai depender muito da pessoa do Juiz.
Se nós tivermos um Juiz extremamente paternalista, um cidadão de 17 anos,
11 meses e 29 dias que entrou na casa de qualquer um de vocês, estuprou a
irmã de vocês, matou o pai de vocês, vai ser solto imediatamente pelo Juiz
porque ele pode fazer isto, enquanto que um menino que furtou um pacote
16
de cigarros poderá ficar preso. É preciso estabelecer regras de conduta .. e o
que é o Direito, vocês que estudam Direito? Regra de conduta da vida social
imposta coativamente à obediência de todos.
É regra? Regra não pode ser subjetiva Regra deve ser como é o próprio
Direito objetivo, objetiva Então, há necessidade de colocação destas regras e
esse melhor interesse da criança ou do jovem tem sido muito questionado
internacionalmente por juristas que não mais aceitam esta posição.
Então, concluindo, quero pedir desculpas se abusei um pouco do
tempo, mas, dizer que, infelizmente a matéria é muito extensa Muito
obrigado.
Dr. Alyrio Cavallieri
(ex-Juiz de Menores do Rio de Janeiro)
Dizem que em alguns países todas as guerras internas são ganhas pelo
General Fáber. Já aconteceu até mesmo em nossa história Realmente, o
General Fáber tem resolvido grandes dificuldades. Não sei se sabem. As
coisas se passam assim: os líderes das duas correntes inimigas sentam-se,
alguém tira um lápis marca Ioharm Fáber, calcula-se o número de divisões de
um lado e do outro, fazem-se as contas, e então o General Fáber acaba
resolvendo o problema, sem luta: se usted tienes trecientas e yo tengo cien,
usted ganas. Pelo menos, por algum tempo.
Penso que estamos na hora de prestar as honras a um outro general, o
General Bom Senso. Pelo menos, faço esta tentativa
Como sabem, já estão no Congresso Nacional não cinco, mas seis
projetos com a finalidade de completar a Constituição, no relativo ao artigo
cuja leiturajá foi feita aqui, o 227. Tais projetos representam duas correntes
de opinião: uma, a favor do Estatuto da Criança e do Adolescente e outra, pelo
Código de Menores, adaptado à nova Constituição. Propugnando pelo Códi-
go, há os projetos da Deputada Márcia Kubitscheck, do Deputado Hélio
Rosas e do Senador Nelson Carneiro; pelo Estatuto, o projeto do Deputado
Nelson Aguiar na Câmara e do Senador Ronan Tito, no Senado.
Perseguindo a idéia do bom senso, tive a chance de publicar n' "O
Estado de São Paulo" um pequeno artigo em que apontava a obrigação _
como profissionais e por ética que têm os juristas e as pessoas que lidam nes-
ta área - de apresentar aos Deputados e Senadores, não uma tablita de
dúvidas, mas uma tábua de acertos, a que chamo de consenso. O artigo foi
publicado em agosto e parece que ganhou terreno. O Senado está ouvindo
os representantes das duas correntes - o Dr. Amaral já lá esteve - e o Minis-
tério da lustiça está organizando uma Comissão, não para estabelecer um de-
17
bate, mas para estudar os pontos que estão aqui sendo expostos. Elhes trago
a notícia: já aconteceu algo de positivo com relação ao consenso, através de
um projeto que já deve ter sido apresentado pela Deputada Sandra Caval-
cante e que pretende compactuar o Estatuto com o Código. Eusou favorável.
Penso que devemos ter o Estatuto da Criança e do Adolescente, mas há a
necessidade de que os líderes, suas excelências - e não estou nesse
patamar, de nehuma forma - procurem examinar determinados aspectos
porque, inegavelmente, há excessos dos dois lados. Isto é fácil de se
constatar. O Professor Amaral, com a sua proficiência habitual, falou das três
doutrinas e quando se acusa o Código de Menores, talvez falte dizer algo
mais: a doutrina da Proteção Integral não se relaciona com o Direito do
Menor, com ajustiça, o Poder Judiciário e não cabe no Código de Menores.
Não cabe ao Direito do Menor a prevenção, não obstante ser ela mais
importante do que o tratamento: mais vale prevenir do que remediar, diz a
sabedoria popular. No entanto, o Direito do Menor,o Código de Menores
não se dirigem à prevenção, a prevenção de primeiro grau, assim entendida
como o conjunto de medidas que se dirigem às causas profundas dos
problemas sócio-econômicos, tais como emprego, salário, saúde, habitação,
educação, segurança, lazer. AJustiça- o luizado de Menores- não passada
prevenção de segundo grau, de importância relativa, a polícia de costumes,
proibição de freqüência de determinados lugares, casas de jogo etc. A
prevenção de primeiro grau, que vai às causas, fica a cargo do Poder
Executivo, através dos ministérios, secretarias de planejamento, fazenda,
trabalho, educação, justiça, etc. Direito do Menor, Código de Menores,
Juizados, atuam nos efeitos, nos problemas já instalados, na chamada situa-
ção irregular do menor. Desde 1921, assim se posicionou o Direito brasileiro,
daí o Código de Menores referir-se à situação irregular, fórmula que abrange
os estados de abandono, da criança vítima dos próprios pais ou responsável,
o perigo moral (freqüência a determinados lugares), a falta de assistência ou
representação legal, o grave distúrbio de comportamento e a prática de
infração penal. O Estatuto da Criança e do Adolescente refere-se à situação
de risco - fórmula que substitui a situação irregular. Assim, estão claramente
indicados dois campos de problemas, situação de risco e situação irregular, e
de soluções, indicados pelo Estatuto e pelo Código de Menores.
É por isto que afirmo poderem se compactuar os dois projetos, o do
Estatuto e o do Código de Menores.
A situação de risco pressupõe prevenção; a situação irregular, exige
tratamento.
Aceita esta distinção, ninguém pode ser contra o Estatuto da Criança e
do Adolescente e sou favorável a ele, como complemento da atuação do
Código.
Sou a favor da integração dos dois projetos. É possível chegar a um
consenso? Penso que sim.
18
Os adeptos do Estatuto publicaram um quadro sinótico,* panfleto
amplamente divulgado, no qual indicam situações e soluções propostas pelo
Código e pelo Estatuto. Examino este quadro, muito rapidamente, pela
exigüidade do tempo, e verifico que há muitos pontos em que existe uma
inegável coincidência
Os itens 1, 2 e 3 da sinopse organizada pelos Estatutistas acusam o
Código de tratar os menores como objeto e não como sujeitos de direitos. Ao
escrever um livrinho de 550 páginas, o primeiro com o título "Direito do
Menor", publicado em 1976, coloquei em sua abertura a frase do juiz francês
Jean Chazal em que ele afirma que lia criança, uma vez que é uma pessoa,
deve ser tratada como um sujeito e não como um objeto no conjunto das
relações jurídicas, de que ele é o centro". Não se pode fugirdesta concepção.
Eo artigo 5.o do Código o consagra, nestes termos: liaproteção aos interesses
do menor sobrelevará qualquer outro bem ou interesse juridicamente tu-
telado." Este princípio não consta do Estatuto, mas o Congresso organizado
em São Paulo por Munir Cury e seus companheiros de Estatuto recomendou
que passe a integrá-lo. Fez-se a acusação de que tal artigo era subjetivo, mas
não se pode aplicar a lei sem interpretação subjetiva O que fazem os juízes
criminais, por exemplo, quando aplicam a pena? São obrigados a levar em
consideração o ser humano, suas motivações, a intensidade do dolo, o grau
da culpa, exame da personalidade. Por isto existem os juízes e graças a Deus,
nós não seremos substituídos pelos computadores. E o que pretendem o
Estatuto e o Código de Menores é que a personalidade seja sempre levada
em consideração.
O Código é acusado de só se referir à situação irregular. Não trata dos
direitos da criança Não trata e nem deveria Elese atém à situação irregular de
crianças e adolescentes, não se refere às crianças felizes. Assim deve ser. O
Código Penal não trata do homem livre, só dos criminosos. A lei de falências
não se refere ao comerciante honesto. este fica no Código Comercial. No
entanto, há necessidade de existirem legislações que vão a situações de
patologia social, como faz o Código de Menores.
Para lhes dar um idéia do que significa a atuação do Poder Judiciário, em
exposição que até pode ser penosa, devemos partir da observação segundo a
qual ajustiça não vai à prevenção. Ela só cuida do conflito instalado. Assim, o
juiz criminal espera em seu gabinete que o homem pratique o crime para
depois julgá-lo, condená-lo ou absolvê-lo. O juiz da vara cível aguarda que o
cidadão não pague oaluguel para, então, cuidardoseu despejo. O juizda vara
de órfãos e sucessões espera a morte da pessoa, para decidir sobre sua
herança O juiz da vara de família aguarda o desentendimento do casal,
ocasião em que julga da separação, guarda dos filhos. Em todos os exemplos,
tivemos a Justiça agindo nos efeitos, nos resultados. Se quiséssemos uma
(.) Ver o documento em anexo.
19
justiça preventiva, teríamos o seguinte quadro: o juiz das sucessões encon-
trava-se com o cidadão e lhe diria "trate de sua saúde, se morrer, terei que
resolver sobre sua herança"; ao morador do apartamento, perguntaria "já
pagou oaluguel? olhao despejo"; o juiz criminal iria parao meiodaruaadizer
"guarda essa arma, não roube"; o juiz da vara da família entraria nas casas e
perguntaria "você já beijou sua mulher hoje? não brigue, olha o divórcio".
Apresentei um quadro caricato, de uma justiça preventiva. O auditório
está sorrindo e era isto que eu queria A prevenção não é a finalidade da
justiça Mas não significa que, como na figura de Nelson Rodrigues, devamos
sentar no meio-fio e chorar lágrimas de esguicho. Se nós, os juízes, não
cuidamos da prevenção, existem os ministérios e as secretarias de Estado,
encarregadas da prevenção.
já houve uma tentativa legislativa no Brasil de se estabelecer um Código
de Menores que tratasse da prevenção, tal como quer o Estatuto, e eu sou a
favor do Estatuto sob este ponto de vista Quando se pretendia substituir o
Código de Menores de 1927 por este que é de 1979, um grupo de juristas
paulistas se reuniu e redigiu o substitutivo a um projeto do Senador Nelson
Carneiro. O substitutivo dava competência ao juiz de Menores para atender
as necessidades básicas do menor, necessidades básicas relativas à saúde,
educação, profissionalização, recreação e segurança social. Este projeto, a
que chamo Substitutivo Paulista não vingou, porque os juízes, os tribunais,
não poderiam aceitar o encargo de cuidar da prevenção de crianças e
adolescentes sob todos estes aspectos porque eles não seriam mais juízes,
mas ministros de todos os ministérios. O que se pretendeu naquela época
era, através de boa vontade, de desejo amplo de assistência, estabelecer um
tipo de lei que tornaria absolutamente impraticável a atuação do Poder
judiciário. Por isto digo que o Código de Menores não deve cuidar das
chamadas crianças felizes, na base da prevenção. Por isto nós temos neces-
sidade do Estatuto da Criança e do Adolescente. Não sei se decepciono.
Talvez pensassem aqui num debate para o qual tivessem que chamar o
General Fáber, mas eu também sou favorável ao Estatuto da Criança e do
Adolescente. Eé por esta razão que estou advogando, não tanto enquanto
juiz, mas como advogado, que realmente as lideranças das duas correntes se
sentem para aparar os excessos dos dois lados e estabelecer realmente uma
legislação que ao mesmo tempo partilhe da proteção integral da criança e do
adolescente mas que não deixe de considerar também a situação irregular. E
aperfeiçoando inclusive o Estatuto que, enquanto fala na situação de risco
devia ir um pouco mais adiante.
Éclaroqueagenteaquitem que ser muito breve. DizerqueoCódigode
Menores não exige que o juiz fundamente as suas decisões parece ignorar o
que está no seu artigo 87, parágrafo único, que faz supletiva a legislação
processual. No meu livrinho dou alguns exemplos de sentenças dejuízes de
Menores que não diferem em nada das sentenças dos juízes de Maiores.
Mesmo porque as sentenças, as decisões dos juizados de Menores devem20
começar como na fórmula clássica, "vistos etc.", e teros mesmos dispositivos
da sentença
Quanto ao artigo 99, parágrafo 4.° do atual Código, que permite uma
chamada prisão cautelar do menor por 5 dias para investigação, costuma-se
dizer que isto foi uma invençãodosJuízes para fundamentaroseu excesso de
poder, mas há necessidade de se corrigir este erro histórico.
Tenho aqui neste livro do Senado Federal, com a história do Código de
Menores, e se pode ver, na página 466, um dispositivo que proveio da
Comissão de Juristas paulistas, daquele Substitutivo, da qual não fazia parte
um único Juiz, embora fossem todos realmente Juristas, tenho aqui os nomes
deles.
Este projeto tinha este dispositivo: lia autoridade policial, para o fim de
apurar delito que envolva co-autoria de menor, poderá solicitar da autori-
dade judiciária prazo nunca superior a 5 dias paraa realização de diligências."
Portanto, não foi invenção de Juízes mas daquela Comissão de juristas
paulistas.
Com relação aos itens 6, 7,8, 10 e 11 deste quad ro sinóptico, verifica-se
que há necessidade da existência do Estatuto da Criança e do Adolescente,
para que haja uma legislação que contemple ao mesmo tempo a aplicação
das medidas para o conflito instalado e outras com relação à prevenção. Este
é mais um argumento favorável à integração das duas correntes.
O número 9 do quadro sinóptico reclama a defesa do menor infrator e
se fala aqui na proporcionalidade da medida com relação ao ato praticado.
Tenho a impressão de que, no momento em que sem o aspecto de um
comício ou de um debate, os juristas das duas correntes se sentarem, vão
chegar - esta é a minha esperança - ao exame bastante apurado desta
questão da proporcionalidade. Porque é justamente aqui que estáa diferen-
ça nodal entre um Direito do Menor e um Direito Penal. Essaproporcionali-
dade é absolutamente necessária quando nós tratamos do Direito Penal,
com relação aos maiores, com relação aos adultos. Qualquer estudante de
Direito sabe e estou entre estudantes de Direito - e sobretudo os juristas,
que este é o ponto fundamental do Direito Penal: a proporção entre o ato
praticado e a pena que vai ser aplicada As penas são estabelecidas entre um
mínimo e um máximo, mas levando-se sempre em consideração o ato
praticado. Só para exemplificar, quando um luiz de uma Comarca do interior,
que é Juiz de Menores e é também Juiz Criminal, está diante de uma pessoa
com relação a qual haja prova da prática de um ato descrito num artigo do
Código Penal, na cabeça deste Juiz imediatamente já se formou a idéia da
resposta ao ato praticado através da fixação de uma pena mínima Se eu tiver
diante de mim, Juiz Criminal, um santo, até com a sua auréola de santo e eu
até diria: diminui um pouco a luminosidade da sua auréola que está me
ofuscando - mas com a certeza, a prova de que ele tivesse praticado um
roubo (artigo 157 do Código Penal) e ele tivesse um co-autor do seu lado, eu,
Juiz Criminal, não poderia aplicar a ele uma pena inferior a 5 anos e 4 meses
21
de reclusão. Nenhumjuiz no Brasil, no mundo brasileiro pode, diante de um
santo, de uma vida pregressa santa, se ele praticou realmente um roubo nesta
situação, um roubo qualificado pelo concurso de agentes, pode aplicar a ele
uma pena inferior a 5 anos e 4 meses. Estaé a proporcionalidade. No entanto,
se eu mesmo, este Juiz, estiver diante, não mais de um santo mas de um
indivíduo que tenha antecedentes de uma vida criminosa, devo elevar a sua
pena de 5 anos e 4 meses a 6, a 7, a 8, até o máximo da pena aplicada ao furto
qualificado. O exame da personalidade, dentro do Direito Penal, só entra
depois da fixação da pena mínima
O Direito do Menor não é assim. Leva em consideração sobretudo a
pessoa O artigo 4. o fala do exame do contexto sócio-econômico e cultural, e
o ato praticado pelo menor entra também na consideração da aplicação da
medida, mas somente como mais um elemento. Considero que é perfeito
sob este aspecto o Direito do Menor porque leva em consideração em
primeiro lugar, o ser humano. Penso que este assunto deverá ser discutido
por essas pessoas como verdadeiros cientistas, porque o exame que se possa
fazer do Estatuto pode nos trazer muitas perplexidades.
O Estatuto pretende atribuir à criança e ao adolescente os mesmos
direitos dos adultos, o que, pelo menos em tese, é certo, é adequado. Efaço
um pequeno parênteses para criticar, com audácia, quem sabe, o que se fez
na Constituição, tirando dela a palavra menor. Eu penso que aí está uma
posição puramente política, demagógica, porque, se bem que se possa afir-
mar que a palavra menor hoje é estigmatizante, o fato de subtraí-Iaà Constitui-
ção não leva absolutamente a nada Euestava ontem em minha casa,às4 horas
da tarde, quando recebi um telefonema da FUNABEM, de uma pessoa que
está organizando um simpósio - o Dr. Amaral deve ser convidado, parece
que é para dezembro, em continuação a um que já foi feito - e a certa altura
eu disse: qual é oassuntodeste simpósio ... "Ah! nósvamoscontinuaraquela
discussão sobre o adolescente infrator." Falei: a senhora quer repetir, eu não
ouvi bem; quero gravar na minha cabeça o que a senhora acabou de dizer. "É
sobre o adolescente infrator."
A FUNABEM não pode mais falar menor infrator e estão agora usando a
expressão adolescente infrator. E como a criança também pratica atos
infracionais, infelizmente, e é criança até 12 anos, o menino de 11 anos pode
matar, roubar, etc.; será também a criança infratora.
Então, em muito menos tempo do que estava imaginando, mais duas
palavras serão estigmatizadas: criança e adolescente.
E então, menor, criança e adolescente, palavras estas, substantivos
ligados à adjetivação de infrator, etc., estarão estigmatizadas. Receio que daí
a pouco teremos que fazer um estatuto do garoto, da garota, do meu menino,
da minha menina etc.
Consideroquefoidemagógico ... nãotemosquetermedodaspalavras.
A palavra menor, por mais estigmatizante que seja, tem todo um peso, todo
um conteúdo jurídico. Eu não sei o que os meus amigos Estatutistas vão fazer
22
no próximo simpósio da FUNABEM porque vamos ter que chamar os nossos
adolescentes de infratores, etc., etc., etc. Mas, a tentativa de se estabelece-
rem estes direitos, de acordo com uma análise do Juiz Samuel Alves de Mello
Junior, de São Paulo, nos leva a algumas perplexidades.
O artigo 195 do Estatuto diz que o processo do menor vai começar com
uma representação do Ministério Público. Não sei se não poderíamos
denominar de denúncia O 197, parágrafo primeiro, diz que o menor e sua
família serão cientificados a respeito do processo, isto é, em termos de
processualística penal, a citação. O 196, fala no prazo para a terminação do
processo. O 199, parágrafo segundo, exige a nomeação de advogado. O 199,
parágrafo terceiro, menciona a defesa prévia do menor infrator e apresenta-
ção do rol de testemunhas. Os professores de Direito, os processualistas, os
alunos de Direito, podem cotejar os artigos que eu estou fornecendo do
Estatuto com toda a legislação processual dirigida aos maiores. O 199,
parágrafo quarto, fala nas alegações finais. O 202 fala na decretação da
improcedência Eaqui, num exemplo muito simples, nós poderíamos apre-
sentar um fato ... aliás, é um problema que eu costumo dar aos meus alunos lá
na Suburbone. Conhece a Suburbone, professora? Não conhece a Suburbo-
ne?Tenho o prazer de apresentar: é a Universidade Gama Filho, a Sorbonne
do subúrbio: Suburbone. Sou professor lá há 34 anos e nunca me ofendi com
esta brincadeira. Quem sabe depois a gente fica sendo só Sorbonne ...
Imaginemos que um rapaz de 17 anos não tem pai, não tem mãe, não
tem casa, não tem comida e está, no que nós chamaríamos, situação de
abandono no meio da rua. Ele mata um indivíduo em legítima defesa.
Absolutamente provado que foi em legítima defesa. Ele é levado à
presença do Juiz de Menores. Se ele fosse maior de 18 anos o Juiz doJúri
poderia, pura e simplesmente, liquidar o processo, colocá-lo em liber-
dade. Se se trata de um Juiz de Menores, o ato praticado por ele não é um
crime; ele não ficaria sujeito ao processo - sob este aspecto, do processo de
menor infrator.
Mas o Juiz de Menores, em sã consciência, também não pode abrir a
porta do gabinete e botá-lo na rua. Porque ele não tem pai, não tem mãe, não
tem casa, não tem comida e precisa de algo mais. Ele está numa situação de
risco e daí a aplicação de uma medida que venha a socorrê-lo. Ora, se isto é
possível. " o artigo 195 parágrafo segundo do Estatuto da Criança e do
Adolescente ... e eu estou aqui defendendo a conveniência de que as
pessoas se sentem para examinar essas incongruências ... Eu sou a favor do
Estatuto mas depois deste crivo, porque o artigo 195, parágrafo segundo, diz
claramente que o Promotor - antigo Curador de Menores - pode represen-
tar contra o menor sem provas nem de autoria nem de materialidade.
Penso que estas breves referências estão aí a indicar, em primeiro lugar,
a absoluta necessidade de que nós defendamos com o nosso entusiasmo,
com o nosso tempo, a nossa disposição, o projeto do Estatuto da Criança e do
23
Adolescente; e, ao mesmo tempo - é a proposta deixada aqui - de que se
procure estabelecer o consenso porque, e já termino, não interessa a
ninguém, - não interessaao Dr. Amaral, ao Dr. Edson Seda de Moraes, ao Dr.
Deodato, ao Dr. Munir Cury- que são os baluartes do Estatuto; não interessa
aos Juízes de Menores de Porto Alegre, Brasília, Belo Horizonte, e São Paulo,
etc. e alguns Curadores de Menores; não interessa à criança, ao adolescente,
às famílias; não interessaà Nação Brasileira, aaprovação de uma lei que no dia
seguinte à sua promulgação seja alvo de críticas acerbas da corrente derrota-
da, qualquer que seja a corrente de pessoas que terá que executar essa lei. Eu
penso que chegou a hora de nós convocarmos o General Bom-Senso.
Desculpem e obrigado.
24
Debate
Coord. Quero agradecer, mais uma vez, ao Dr. Amaral e ao Dr. Alyrio.
Estou contente de ver o nosso auditório cheio, o que demonstra a
importância e o interesse pelo tema tratado.
AFA
Como o Dr. Alyrio terá que se retirar ao meio-dia, pensamos fazer
uma pequena alteração em nossa programação, suprimindo ou
postergando o intervalo para o café, para que ele possa participar
do debate.
Estou recebendo aqui, em primeiro lugar, um pedido do Dr.
Amaral para fazer a primeira pergunta .. ou então, tecer algumas
considerações em relação ao exposto pelo Dr. Alyrio.
Eu acho que seria mais interessante para podermos debater o
assunto, que, tendo anotado algumas observações - aliás muito
boas, feitas pelo professor Alyrio - eu pudesse colocar uma
posição de resposta muito rápida, muito singela, para depois
então nós esquentarmos o debate através das perguntas.
O Dr. Alyrio diz que a Proteção Integral não pode estar no Código.
Claro, ele parte do princípio de que a Doutrina da Situação
Irregular é uma Doutrina ou é um Sistema voltado para os menores
em situação irregular e diz que a Proteção Integral deve serdadaàs
crianças felizes. Bom, eu deduzo então que o Código trata das
crianças infelizes, das crianças que estão, de fato, privadas dos
seus direitos. Ea essa privação de direitos corresponde medidas
que restabeleçam estes direitos. Se nós pegarmos o nosso Código
de Menores e a revisão, nós não vamos encontrar neles um único
direito. Existe apenas um único direito mencionado no Código de
Menores e repetido na revisão, que é o direito à assistência
25
religiosa Nós não podemos ter uma lei tutelar, uma lei protetora,
que não mencione direitos e não assegure a realização desses
direitos. Quando se diz que o Código de Menores tem o menor
como sujeito de direitos, com todo o respeito ao mestre, eu
discordo. O menino aqui é colocado como objeto de direito. E
ouvi do professor Afyrio Cavallieri a referência, aliás no que achei
extraordinário da sua sinceridade, sempre foi um homem muito
sério, quando se referiu à prisão cautelar.
Um dos argumentos dos menoristas é que o Código é tutelar;
que as medidas são todas de proteção. Prisão cautelar? Não existe
sequer para adultos. Prisão por simples suspeita? Medida cautelar?
Então este Código é dirigido aos meninos que estão numa situação
de patologia, de doença social e nós vamos resolver isto com
prisão cautelar?
Bem ... o Código, disse o Dr. Alyrio, e muito propriamente,
trata dos meninos em situação irregular, dos menores, não é? ..
porque o Código Comercial trata do comerciante honrado, o
Código Penal do criminoso e o Código de Menores ... trata de
quem? Do menor pobre, basicamente. Se nós procurarmoso perfil
do menor infrator - e o Código de Menores fala autor de infração
penal, item 6.° - veremos que o perfil do menor infrator é o
mesmo do menor abandonado. Eu digo e sempre disse que ...
Sabem quem é o menor infrator? É o abandonado surpreendido
na luta pela sobrevivência E qual é a medida que o Código
preconiza para ele? Foi falado aqui que ele deveria ser um menino
pobre, sem comida, sem nada e que matou em legítima defesa Foi
obrigado. O que é que nós vamos dar para este menino? Ele não
tem família. Nós vamos interná-lo. Mas tem que ser internado
porque ele não tem onde ficar. Porque não instituirmos uma outra
medida de apoio para este menino através de, por exemplo, a
colocação em um pensionato? Por que é que temos que in-
terná-lo numa instituição? E todos nós conhecemos os males da
institucionalização. Embora o Dr. Alyrio insista, e com muita
propriedade, que a internação será a última das medidas, se forem
inviáveis e se malograrem as demais medidas, o Código não
relaciona medidas de apoio material. Então, temos que apelar
mesmo para a institucionalização. Então, o Código Comercial trata
do comerciante, o Código Penal do criminoso e o Código de
Menores trata de quem? Achei muito interessante, gostei da
referência do professor Alyrio Cavallieri, no que ele apoia o
Estatuto, de que a Iustiça só cuida de conflitos.
26
Realmente, a função do Juiz é decidir conflitos. Julgar, o que
é julgar? É decidir conflitos. Nisso eu fico muito feliz porque até
hoje os adversários do Estatuto têm criticado muito o Estatuto por
causa dos Conselhos Tutelares, dizendo que os Conselhos Tute-
lares vão tirar poderes do Juiz. Mas quem ler atentamente o
Estatuto verá que os Conselhos Tutelares não tratam de conflitos.
Os Conselhos Tutelares tratam de tutelar, de proteger esse meni-
no que não tem casa, etc. Ele não tem porque entrar no Sistema de
Justiça Euacho até uma ofensa o pobre ser levado à presença do
Juiz de Menores.
O Código de Menores diz, e a revisão também, que qualquer
pessoa pode e as autoridades administrativas devem encaminhar
o menor em situação irregular ao Juiz. Ora, no RiodeJaneirotemos
um único Juiz de Menores, me parece. Já imaginaram os nossos
meninos pobres todos encaminhados ao nosso Dr. liborni, que é
uma pessoa extraordinária? Para que? Para que o Juiz de Menores
dê o quê a este menino? Onde, no Código, a medida de apoio ao
menino? Não é um caso de Justiça. Juiz decide conflitos, como
disse o Dr. Alyrio. Não existe nenhum conflito para ser decidido. O
que existe é assistência social a ser prestada e isto poderá serfeito
por um Conselho Tutelar.
O projeto Nelson Carneiro, dizo Dr.Alyrio, padecia de um defeito,
ou seja, tratava das necessidades básicas e que os Juízes não
deveriam cuidar de saúde, educação, trabalho. Perfeitamente,
Juiz não tem que cuidar disto. Isto não é assunto de Juiz. Isto é
assunto de assistência social, isto é assunto de Conselho Tutelar.
Se nós olharmos os nossos meninos de rua vamos ver, como
diz o professor Antônio Carlos Gomes da Costa, do UNICEF, que
eles são o atestado eloqüente da falência de todas as políticas
públicas. Em relação a ele falhou a política da saúde: sem dúvida, é
um menino com problemas de saúde.Falhou a política de educa-
ção: escolarização interrompida Falhou a política da segurança
social, do trabalho ... Todas as outras políticas básica falharam. Ele
está numa sub-cidadania e vive no mundo do sub-emprego, da
sub-habitação, da sub-escolarização ... é o sub-cidadão. O Estado
é que falhou e os menoristas dizem que o menino não pode ir para
o banco dos réus. Não pode, eu coqcordo,
Não vamos colocar o menino, vamos colocaro Estado. Masdeque
forma? O Estatuto prevê isto. Cria a ação civil pública em torno dos
direitos individuais, coletivos ou difusos e permite, aí sim, que o
27
Estado seja chamado e esse menino aí vai ser protegido pelo Juiz.
Porque? Porque existe um conflito. Entre o Direito subjetivo há um
direito fundamental que é a saúde, a educação e o Estado vai ser
chamado pelo Juiz a abrir um posto de saúde, a abrir a escola, a dar
a vaga
Com relação às sentenças, à proporcionalidade. Vejam, a propor-
cionalidade foi colocada, não no sentido de ser aaplicação de uma
medida proporcional à gravidade. Não. Isto veio das regras míni-
mas das Nações Unidas. Como o Sistema é o de Proteção Integral,
coloca-se a proporcionalidade. E o que diz o comentário das
regras, o comentário elaborado pelas Nações Unidas? Que o
princípio da proporcionalidade é conhecido como instrumento
para restringir sanções punitivas.
A proporcionalidade colocada no Estatuto não é para aumentar a
medida que é aplicada ao menino, mas é para restringir uma
possível medida punitiva Por que? Porque o menino que furtou
laranjas fica mais tempo internado do que o menino que cometeu
um latrocínio. Isto é um absurdo. É uma proporcionalidade em
benefício do menino.
Quanto à questão do santo, com todo o respeito ao Dr. Alyrio-
acho muito difícil que um santo fosse praticar um roubo, mas em
todo caso - se o santo praticasse o roubo e fosse no Direito do
Menor, imagine ... no Direito do Menor, o que aconteceria se o
santo fosse pobre? Não teria um advogado. Eo que é pior, esse
santo, porque santo, teve que sair pelo mundo, não tem família e
só a família é que podia constituir advogado, ele não. Então, o
promotor e o juiz entenderam que este santo perdeu a sua
santidade. Por que, onde é que já se viu santo praticar roubo? O
Que nós vamos fazer com este santo? Precisa ser reeducado,
precisa ser protegido. Então nós vamos interná-lo na FEBEM, na
FUNABEM, para que este santo, sem prazo determinado, mude o
seu comportamento. Mas o santo, coitadinho, revoltou-se porque
tinha cometido o furto e insultou a equipe interdisciplinar. Cha-
mou o Psicólogo de idiota porque o Psicólogo devia era ser da
religião do santo. Esabem o que aconteceu? Deram um laudo que
o santo era e necessitava mesmo de uma certa contenção. E o
santo ficou contido,
Também fala-se na representação, na denúncia A todo direito
corresponde uma ação que o assegura. Existe o direito - e claro
que existe - do Estado suprimir a liberdade de um jovem? Existe
28
sim. A própria constituição diz isto, que a medida restritiva da
liberdade é marcada pela excepcionalidade, pela brevidade e
pelo caráter, pela condição peculiar da criança como pessoa em
desenvolvimento.
Então o Estado tem odireitode suprimira liberdade. Aeste direito,
existe umaação que o assegura, eo professor Paulo Afonso, deSão
Paulo, acho que com muita propriedade, denominou esta ação
de ação civil-sócio-educativa. Então, quem é o autor desta
ação, é o Juiz? O Juiz pode ser Juiz e parte ao mesmo tempo? Não.
O autor desta ação sócio educativa é o Ministério Público. Ha-
vendo uma ação, uma pretensão do Estado de educar, o jovem
pode resistir e resistirá, através de um advogado e o Juiz vai julgar.
Porque, se o Juiz de Menores julgar, sem a participação de um
advogado; se o Juiz de Menores não julgar, vejam, um menor em
conflito com a sociedade, não precisamos do Juiz. Para quê o Juiz?
Então mandemos logo para a equipe técnica, que ela fará o exame
e aplicará o tratamento, se for o caso de tratamento ou mandará
para a família. Nós não podemos pensar no Juiz sem advogado. A
figura do advogado é indispensável. Eo promotor de Justiça não é
acusador não. De maneira nenhuma ofendamos o Ministério
Público dizendo que o promotor de justiça é acusador. Promotor de
justiça é promotor de justiça Os promotores de justiça jamais
trairão o seu compromisso, jamais acusarão alguém, sem que
tenham a consciência de que estão fazendo o melhor para a
sociedade e para este alguém.
Dr. Alyrio diz que não interessa ao Juiz uma lei que seja alvo de
crítica acerba dos que tenham de a cumprir. Nós Juízes temos um
grande compromisso. Nós Juízes temos de dar o exemplo do
cumprimento da lei. Cumprir uma lei é interpretá-Ia Interpretar
uma lei é desentranhar o sentido e o alcance dessa lei. Interpretar
uma lei é aplicá-Ia sociologicamente, é aplicá-Ia procurandoos fins
do Direito que são a realização da Justiça, o bem comum e a paz
social.
De modo que esses nossos magistrados - a lei é muito boa, o
Estatuto, mas, por pior que fosse - tenho a certeza que en-
contrariam na Hermenêutica Jurídica os modos de conter o que
tivesse a lei de iníqua - e não existe nenhuma iniqüidade -
transformando ... este é o trabalho do artista do Direito. Vocês
jovens que estudam Direito, não sejam jamais repetidores dos
textos legais, dos dogmas postos assim para nós como verdades
29
incontestáveis. Vamos procurar na lei o seu sentido e o seu alcance
humano. O homem não está à serviço da lei, mas a lei a serviço do
homem. Muito obrigado.
P. Eusou Deodato Rivera, da Frente Nacional de Defesa da Criança e
do Adolescente, participante da equipe redatora do Estatuto. É
uma pergunta dirigida ao Dr. Amaral sobre essa proposta de
conciliação (nós achamos, Dr. Alyrio, que a conciliação já está
feita).
Para quem leia o Estatuto sem preconceito verá que até 60% do
velho Código está aí. E este Código é de 1927, é uma lei muito
antiga, quando o Brasil era 20% urbano e 60% rural. Hoje ele é
justamente o contrário. Precisamos de uma lei muito mais mo-
derna e achamos que mudou a concepção.
A pergunta é a seguinte: existe, Dr. Amaral, uma história na
medicina que fala num momento na Idade Média em que os
médicos acreditavam na teoria do pus benéfico. Era uma teoria
segundo a qual era preciso passar o pus de um doente para outro
porque o pus curava O pus era benéfico.
Explicavam a doença por outros motivos, não por nada que tivesse
contido no doente. No século XVI aparece um médico, Gerônimo
Fracastorius, em Veneza, que escreve um livro chamado Tratado
Geral do Contágio, no qual dizia que as doenças contagiosas eram
transmitidas por"sementes de doenças que estavam no doente",
e que portanto era preciso impedir o contágio. Impedir que um
doente tivesse comunicação com outro. Essehomem foi apedre-
jado pelos médicos nas ruas de Veneza, porque os médicos
estavam convencidos de que o pus era benéfico. Elesacreditavam
na teoria arcaica, medieval, do pus benéfico.
Pois bem, cem anos depois descobriu-se o microscópio. Trezen-
tos anos depois Pasteur comprovou que Fracastorius estava certo.
Havia o contágio; haviam virus que eram mesmo como sementes
de doenças, como anteviu Fracastorius, e a Medicina nunca mais
falou em teoria do pus benéfico. Eagora o que temos de fazer é
evitar o contágio. Descobriu-se a vacina e a ciência e a humani-
dade avançaram. Não será, Dr. Amaral, impossível conciliar a
Doutrina da Proteção Integral com a Doutrina da Situação Irregu-
lar? Por que podemos ver na Doutina da Situação Irregular um
30
remanescente da teoria do pus benéfico ao considerar patologia
social a pobreza?
AF.A Sem dúvida Sem dúvida são duas Doutrinas completamente
diferentes. Nós podemos ver que numa delas a lei deve se dirigir
apenas àquele grupo que se encontra em estado de patologia, em
que todas as medidas são terapêuticas, como procurei demons-
trar.
o que penso que é possível, e comocolocou o professor Alyrio
muito bem, é que haja um aproveitamento das coisas boas do
Código de Menores. O Código de Menores não é um instituto que
só tem coisas ruins, tem coisas boas também. Tanto que nós temos
no Estatuto, como reconheceu o próprio professor liborni Si-
queira, quando estive no Senado fazendo uma exposição para a
Comissão Especial, que o Estatuto continha 60% do Código.
Então isto é possível e há muito tempo a sociedade civil está
discutindo o Estatuto e as contribuições, principalmente do pro-
fessor Alyrio, do grupo que defende o Código, têm sido recebidas
e observadas com muita seriedade porque são contribuições
muito importantes, porque apontam deficiências que podem ser
corrigidas se de fato reconhecermos ou a sociedade reconhecer
que são deficiências que precisam ser corrigidas.
Há, entre as duas Doutrinas, uma incompatibilidade, mas ne-
cessariamente não haverá incompatibilidade entre alguns dis-
positivos de um e de outro, tanto que o Estatuto da Criança e do
Adolescente tem dispositivos cio Código de Menores. Há quem
afirme que a própria composição já está feita, em razão do grande
número de institutos que foram transladados de um modelo para
o outro.
P. Rodrigo, do Movimento Nacional de Meninos de Rua Um escla-
recimento que eu gostaria que o Dr. Amaral fizesse. Quem lê o
Estatuto com cuidado, percebe três instâncias assim, importantís-
simas: os Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional de Defesa
dos Direitos da Criança e do Adolescente, que vão tratar justa-
mente das políticas em relação à infância e àjuventude do Brasil; a
questão dos Conselhos Tutelares, que vai ser responsável pela
questão da situação de risco pessoal e social; e a questão da] ustiça
da Infância e Juventude, que vai tratar especificamente da ques-
tão do ato infracional. Gostaria que o Dr. Amaral fizesse aqui uma
31
AFA
Mesa
AFA
Mesa
AFA
32
explanação a respeito dessas três instâncias e de suas articulações.
Como o Deodato disse, eu acho que o consenso está estabelecido
na med ida em q ue aparece claro, num título do Estatuto, a questão
da Justiça da Infância e da Juventude. Era só.
Relativamente ao Sistema, como se trata de um Sistema de
Proteção Integral, nós ... aliás quero até registrar que o Estatuto,
nós que somos os Estatutistas, tão bem designados pelo querido
professor Alyrio Cavallieri, nós não somos os autores do Estatuto.
Quero deixar bem claro isto. Nós somos simplesmente os reda-
tores. Nós recebemos contribuições de toda a sociedade civil,
principalmente dos movimentos populares: movimentos de me-
ninos de rua .. até os meni nos de rua contribuí ram para o Estatuto.
O Estatuto, tratando da Proteção Integral, procurou resgatar,
através de um sistema de proteção, os direitos fundamentais de
crianças e jovens, de várias formas e em duas instâncias. Quando
não há conflito de interesses, quando a questão é meramente de
assistência social, nós teremos um Conselho Tutelar que vai
aplicar essas medidas, que não serão medidas exclusivamente
dirigidas aos jovens - não incidimos mais no equívoco do Código
- mas medidas dirigidas ao jovem, à família e principalmente de
apoio. Não se penalizará mais a pobreza, não haverá mais destitui-
ção de pátrio poder por situação de carência
Relativamente ao sistema de atendimento há uma mudança
Desaparecem todas estas instituições que existem hoje, a co-
meçar ... e, houve até quem dissesse, que este Estatuto foi elabo-
rado pela FUNABEM. Eu não vejo como! O Estatuto acaba com a
FUNABEM e com as FEBEMs, inclusive, porque o sistema não
comporta mais isso.
Muda de nome.
Diz o Dr. Alyrio que muda de nome. Eu afirmo que não. Pelo
seguinte, porque os Conselhos de Defesa, de Direitos, serão
compostos paritariamente por representantes das políticas so-
ciais básicas que não estão funcionando e por representantes da
Comunidade.
É o Sistema Cubano.
Não, não é o Sistema Cubano. Aliás, houve também uma refe-
rência aos Conselhos Tutelares terem origem cubana. Ealguém,
_j
muito impropriamente, e até ... - não foi o professor Alyrio, que é
um homem muito fino, jamais faria isto - mas, num debate em
que eu estive, disse de que se tratava da cubanização e também
de um grupo de extremistas de esquerda .. eu quero dizer
que eu não tenho, com todo o respeito à esquerda, respeito muito
a esquerda, porque acho que nós estamos numa Democracia e
todos têm direito de se manifestar. Mas eu não tenho nada de
esquerdista, quero deixar bem claro e defendo o Estatuto.
Esse Estatuto não é da direita, não é da esquerda, não tem
conteúdo ideológico ... Sabem qual é a ideologia do Estatuto? A
defesa dos direitos das crianças e jovens.
Isto é um compromisso nacional de todos nós. Chega minha
gente, de começar - não se tendo argumentos jurídicos, não se
tendo argumentos sociológicos - a apelar para essa história de
que o Estatuto é da esquerda.
O Estatuto é do povo brasileiro!
P. Maria Euchares, professora do Departamento de Psicologia da
PUc. Eugostaria de um esclarecimento do professor Alyrio. Na sua
explanação, muito interessante, clara, entendi que o senhor mos-
trou que não era da alçada do poder Judiciário a medida preventi-
va, que, vamos dizer assim, é preconizada pelo Estatuto. Contudo,
quando o senhor deu aquele exemplo - tomando o seu último
exemplo, de um rapaz, com fome, na rua, sem pai, sem mãe, etc., e
que tivesse matado em legítima defesa - o senhor disse então,
que este menino teria sido absolvido, porém que o luiz o manteria
sob sua tutela Eeu então me perguntei: não seria esta uma medida
essencialmente preventiva? O fato de que ele ...
AC. Não é preventiva porque ele já está abandonado. Não é mais
prevenir, compreendeu?
P. Mas se ele já viveu 17 anos por si próprio - tomando o seu
exemplo- qual éa razão que justifica que ele tenha que ficar sob
a tutela do juiz?
AC. Não é bem tutela A palavra não está bem empregada O Juiz de
Menores, diante do caso concreto que foi apresentado, não vai
aplicar uma medida preventiva porque não se trata mais de
prevenir.
33
34
Ele já está na situação de abandono. Agora .. é claro que não se
pode fazer a aplicação da lei através de um único artigo da lei. Eu
sou a favor do Estatuto, cansei de dizer. O que eu pretendo é que
se verifiquem determinadas posições do Estatuto, como por
exemplo o internamento provisório ... O Estatuto no artigo 187
fala nisto.
Nós temos que aperfeiçoar isto, porque aí estariam os estatutistas
condenando o Código de Menores que admite esta internação
provisória, mas o artigo 187 do Estatuto também fala nisso. Então
não há possibilidade de aplicação do Código sem levar em conside-
ração todo um conjunto de regras, inclusive da sua parte especial.
Há aqui umas normas de aplicação da lei, por exemplo no artigo
4.0, que diz que o Juiz paraaplicaro"maldito" Código de Menores
tem que levar em consideração o contexto sócio-econômico-
cultural em que se encontrem o menor, seus pais e responsáveis.
O estudo de cada caso realizado por equipe técnica, etc.; e mais,
você falou que este rapaz que está numa situação de abandono,
que ele fica sob a tutela .. não é bem isto.
Vejam que a questão da proporcionalidade, tem que ser devi-
damente examinada Se um garoto de 11 anos furta um sanduíche
numa lanchonete e tenho a prova - falo sempre com a prova feita
_ de que ele não almoçou naquele dia, não tomou café naquele
dia, não lantou no dia anterior, não resta dúvida nenhuma de que
ele praticou o chamado furto famélico e que, se ele fosse adulto,
isto não é crime.
Ele está em estado de necessidade. Mas não significa que o Juiz de
Menores diga: muito bem, você não praticou ato infracional ne-
nhum e... vá embora! Ele tem que ficar sob a proteção do Estado.
Não importa que se diga: Ah! esta proteção vai ser ir para a FEBEM,
para a FUNABEM. Mas, como é que se aplica o Código de
Menores?
Primeiro considerando-se o artigo13: Toda medida aplicável ao
menor visará fundamentalmente a sua integração sócio-familiar.
O artigo 40 diz que a internação só deverá serfeita em último caso.
O artigo 60, parágrafo 1.°, diz que todas as instituições de menores
têm a obrigação de tratar dessa integração sócio-familiar. Agora ..
pode haver uma atitude muito cômoda .. é... este o meu ponto
de vista E preciso que as pessoas se sentem em torno de uma
mesa
Não através de um tipo de debate, tipo comício, em que as
pessoas discutem. Por exemplo, o professor Amaral fala e eu me
calo.
Eu não estou acostumado, pela minha "deformação" profissional,
a este tipo de debate parlamentar. Diante de um auditório inte-
ligente uma pessoa fala, a outra fala e o auditório tira as suas
conclusões. Não se pode puramente dizer: mas acontece que o
Código tem coisas boas mas ninguém aplica Eutenho o direito de
perguntar: e o Estatuto, será aplicado?
Os Conselhos Tutelares, por si só, terão o poder coercitivo de
obrigar um pai a freqüentar os Alcoólicos Anônimos, sem a
intervenção do poder Judiciário?
Quer dizer, são defeitos que a gente nota Possivelmente, profes-
sor Amaral, seja devido a aceitação de todas as colaborações
populares sem o crivo do jurista
Quem é que garante que um adolescente, que tenha praticado o
ato infracional e que, defendido - menor de 18 anos - pelo
melhor advogado do Brasil não tenha que ser internado? Quem
garante isto? Quem me garante que nenhum menor, nenhum
adolescente, será internado? E onde ele será internado? Nos
mesmos estabelecimentos que nós temos agora. De modo que é
preciso atentar para estas possíveis imperfeições. O Código de
Menores não é uma maravilha absoluta, o Estatuto também não é.
E somente através de uma tentativa de solução de consenso, as
pessoas calmamente sentadas a uma mesa, não para simplesmen-
te jogar propostas, mas escrevê-Ias, como foi feito há 1O dias aqui no
Rio de Janeiro. Três Juízes e dois Curadores de Menores trabalha-
ram toda uma é.» feira, todo um sábadoatéàs4 horas da madruga-
da do domingo tentando compactuar o Estatuto com o Código.
Por isso a aplicação da lei tem que ser feita levando-se em
consideração todo o conjunto. E esta é a resposta que eu lhe
daria
O caso daquele rapaz, que mata em legítima defesa, é um pouco
diferente de um outro, caso ele tivesse mais de 18 anos de idade.
Eu, como Juiz Criminal tenho tido na minha mão processos de
ladrões em cuja folha penal (fiz questão de tirar xerox), tinha 38
processos por vadiagem. Ele foi preso 38 vezes, conforme o artigo
59 da lei das contravenções penais.
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Muito bem ... ele é preso. Enquanto aguarda o processo pelo
menos 15 dias o Juiz já julgou; a pena máxima é de 15 dias; no dia
em que ele vem à audiência o Juiz o põe na rua e ele vai pra rua;
continua vadio. Trinta e oito vezes! Isto não acontece dentro de
um sistema de Direito do Menor.
Porque, pelo menos, de acordo com a lei, pela primeira vez ele já
deve ser submetido a um processo de ressocialização. Quer dizer,
nós não estamos aqui diante de maniqueísmo: tudo que está aqui
é ruim, tudo que está lá é bom.
Daí, insisto. Podem me chamar de lírico. Eu insisto neste diálogo,
nesta composição.
Eu não me importo de ser chamado de lírico porque eu me chamo
Alyrio, mas... você quer também falar alguma coisa, professora?
Coord. Estamos já adiantados na hora.
P. (. .. ) sou uma assistente social, nascida no Morro da Mangueira e
Coordenadora do Projeto de Manga Verde Brota Rosa que está
sendo executado sob o patrocínio da Escola de Samba Estação
Primeira de Mangueira.
Depois de algum tempo na minha vida, eu comecei a me preo-
cupar muito com o que estava nos livros porque, nascida em
favela, eu achei que conhecendo os livros as oportunidades
viriam. Depois eu percebi que não era bem assim e que a realidade
era outra Hoje, desenvolvendo um trabalho na minha comuni-
dade e preocupada com as questões sociais no Brasil eu percebo
que aquela fábula de que aos amigos tudo, aos inimigosalei, é uma
coisa muito séria e me preocupa muito, porque é... o que vejo
hoje, quando me defronto com este debate acerca do Estatuto e
do Código de Menores são várias falhas de ambos os lados. Por
certo, o Código de Menores sequer coloca a questão da menina, a
questão da mulher e a questão da adolescente. Sequer coloca a
questão do aborto, a questão do estupro, da gravidez, que são
questões que nós mulheres enfrentamos e que nós mulheres
sabemos o peso que elas têm na sociedade. Por certo, também, o
Estatuto da Criança e do Adolescente não coloca esta questão
claramente. Mas, por outro lado, eu acho que ele deixa margens a
que nós, que venhamos a participar dos Conselhos Comunitários,
possamos colocar estas questões. Os dois documentos estão
falhos com relação a isto - já disse em outras oportunidades e
volto a dizer.
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Mas, depois que eu voltei a trabalhar nesta área, o meu trabalho é
com crianças ... eu sempre ouvi dizer que haviam duas correntes,
os que defendem intransigentemente o Código de Menores, e
nestes estariam o Dr. Alyrio Cavallieri e o Dr. Liborni Siqueira e do
outro lado os que defendem o Estatuto da Criança e do Adoles-
cente, onde estariam o Dr. Edson Seda e o Dr. Amaral. Equando eu
chego aqui, depois de 15 anos de longa ausência de um contato
mais próximo com o Dr. Alyrio, eu vejo o Dr. Alyrio defendendo
uma terceira corrente, me parece. Eugostaria que depois o senhor
esclarecesse. Alguma coisa próxima de juntar o Estatuto e o
Código. E aí eu me perguntei o seguinte: eram menoristas e
estatutistas, e o que vamos ter agora? Estatusmenoristas ou me-
norestatutistas? Aí eu me preocupei porque podia estar tendo
informações erradas.
o Dr. Alyrio não é, realmente, o grande defensor do Código de
Menores? As informações que obtive são erradas ... ou ... com
todo o respeito que eu tenho ao Dr. Alyrio, durante toda a minha
vida, eu gostaria de ter do senhor uma postura mais clara com
relação a isto. Euestou equivocada ou o senhor não está querendo
se colocar claramente com relação à sua postura diante dessa
questão? Obrigada
AC. Não, não. A minha posição é muito clara É realmente uma terceira
posição e eu volto a insistir neste argumento, que parece, sensibi-
lizou muitas pessoas. Nesteassunto pensoqueé preciso haver um
consenso.
Tento provar, mas aqui não foi possível, analisando os 21 itens
daquele quadro sinóptico, de que esta compactuação é perfeita-
mente possível. De maneira que, fique tranqüila, não estou em
cima do muro, nunca estive. A minha posição é essa: há possibili-
dade de que realmente a gente possa colocar, como aquilo que se
fez altas horas da madrugada, tudo aquilo que está no Estatuto
mais aquilo que deve estar no Código de Menores e... para que
você tenha uma idéia, a coisa seria esta: as situações de risco ficam
por conta das soluções que seriam propiciadas pelos Conselhos
Tutelares. A chamada situação irregular, que só pode ser resolvida
através da Justiça, ficaria realmente com esta Justiça da criança e
do adolescente. Essa é a posição. Porque não tenha dúvida, há
uma distinção entre alguém que bate no carro da gente na
garagem do condomínio e a gente vai começar a discutir isso... Aí
chega alguém e dá um tapinha nas costas: olha, vamos deixar pra lá
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Temos aí um tipo de Justiça que poderá ser estabelecida através
da composição pelo Conselho Tutelar. Mas se depois desta dis-
cussão alguém xinga a mãe do outro e há até uma agressão, não
adianta mais o tapinha nas costas. Nós estamos diante de um
conflito que só o Estado-Juiz pode resolver.
E rapidamente, para responder à pergunta se aquele garoto que
matou em legítima defesa pode ter um tutor ou uma tutora O
atual Código de Menores preconiza cinco tipos de medidas.
Começa por uma simples advertência ao menino, entrega aos pais
e responsáveis, ao lar substituto e aqui aparece essa pessoa que
poderia ficar com aquele rapaz. O lar

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