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FEPI – CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ITAJUBÁ Curso de Direito Alexandre Jhonatan de Souza A POSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO DA ATIPICIDADE MATERIAL DOS DELITOS NO ÂMBITO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA ITAJUBÁ 2016 Alexandre Jhonatan de Souza A POSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO DA ATIPICIDADE MATERIAL DOS DELITOS NO ÂMBITO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito do Centro Universitário de Itajubá – FEPI como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. José Carvalho dos Reis Júnior ITAJUBÁ 2016 SOUZA, Alexandre Jhonatan A Possibilidade Do Reconhecimento Da Atipicidade Material Dos Delitos No Âmbito da Polícia Judiciária. Alexandre Jhonatan Souza. Itajubá, 2016, p.57. Orientador: Prof. José Carvalho dos Reis Júnior Trabalho de Conclusão de Curso. Direito. Centro Universitário de Itajubá – FEPI 1 Princípio da Insignificância. 2 Atipicidade Material. 3 Polícia Judiciária. I. JUNIOR, José Carvalho dos Reis. II. FEPI – Centro Universitário de Itajubá. A Possibilidade Do Reconhecimento Da Atipicidade Material Dos Delitos No Âmbito da Polícia Judiciária. Monografia. Em sessão às ____________ horas do dia ___/___/___ o aluno ________________ ___________________________________________________________________ apresentou o Trabalho de Conclusão de Curso, intitulado _____________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ como requisito para conclusão do Curso de ___________________, perante a Banca Examinadora. Depois de todas as considerações feitas o candidato foi considerado: Aprovado ( ) Aprovado com Restrições ( ) Reprovado ( ) _____________________________ Alexandre Jhonatan de Souza _____________________________ Prof. José Carvalho dos Reis Júnior ____________________________ Nome do Arguidor 1 _____________________________ Nome do Arguidor 2 _______________________________ Assinatura _______________________________ Assinatura _______________________________ Assinatura _______________________________ Assinatura À minha mãe e a minha namorada e a todos os meus familiares. Aos colegas de Trabalho Ao meu professor e orientador José Carvalho dos Reis Júnior pela atenção e amizade em todos os momentos em que precisei. Aos colegas, professores e funcionários desta instituição. AGRADECIMENTOS Primeiramente а Deus qυе permitiu qυе tudo isso acontecesse, ао longo dе minha vida, е nãо somente nestes anos como universitária, mаs que еm todos оs momentos é o maior mestre qυе alguém pode conhecer. Agradeço а todos оs professores pоr mе proporcionar о conhecimento nãо apenas racional, mаs а manifestação dо caráter е afetividade dа educação nо processo dе formação profissional, pоr tanto qυе sе dedicaram а mim, nãо somente pоr terem mе ensinado, mаs por terem mе feito aprender. Em especial ao eu orientador José Carvalho dos Reis Júnior, pelo suporte no pouco tempo que lhe coube, pelas correções e incentivos. Agradeço аinda a minha mãе Zélia, heroína qυе mе dеυ apoio, incentivo nаs horas difíceis, de desânimo е cansaço. A todos qυе direta оυ indiretamente fizeram parte dа minha formação, о mеυ muito obrigado. Às vezes, a justiça tarda e falha. E falha exatamente porque tarda. Leoberto Baggio Caon (2004) RESUMO O presente trabalho está inserido na realidade do Direito Penal Brasileiro, e mais do que isso, dos estudos mais recentes acerca deste ramo jurídico, afinal o princípio da insignificância tem se desenvolvido do nosso ordenamento jurídico apenas nas últimas décadas, sendo entendido hodiernamente como um Princípio Geral de Direito. O trabalho foi dividido em seis capítulos. Primeiramente houve a preocupação em se apresentar os aspectos históricos que envolvem o princípio da bagatela, onde uma parte da doutrina credita suas origens ao Direito Romano, e outra, ao Direito Alemão, já na década de sessenta. Posteriormente foi feita uma análise das nuanças concernentes ao princípio da insignificância, também chamado de crime de bagatela. Sua conceituação, natureza jurídica, e sua fundamentação e sua relação com demais importantes princípios do sistema jurídico brasileiro. O próximo capítulo se ocupou de analisar as questões que envolvem o instituto da tipicidade no Ordenamento Penal brasileiro. O dois capítulos seguintes, destinou-se ao estudo da polícia judiciária, comentando brevemente sobre seu surgimento até a sua função nos dias de hoje, além de fazer uma conveniente distinção entre ela e a polícia administrativa. Por fim, adentramos ao enforque do trabalho analisando a aplicabilidade do princípio da insignificância na órbita funcional do Delegado de Polícia. Sua aceitabilidade na doutrina e a necessidade desse ato frente às necessidades que se mostram frente a uma nova realidade jurídico social. Palavras-Chave: Princípio da Insignificância. Atipicidade Material. Polícia Judiciária. ABSTRACT This work is inserted in the reality of the Brazilian Penal Law, and more than that, the most recent studies about this legal branch, after the principle of insignificance has developed in our legal system the last few decades, it being understood in our times as a Principle Law general. The work was divided into six chapters. First there was concern in presenting the historical aspects involving the principle of Bagatelle, where a part of the doctrine credits its origins to Roman law, and the other, the German law, as in the sixties. Later an analysis was made of the nuances concerning the principle of insignificance, also called bagatelle crime. His concept, legal nature, and its reasoning and its relationship with other important principles of the Brazilian legal system. The next chapter was held to examine the issues surrounding the typicality of the institute in the Brazilian Penal Planning. The following two chapters was devoted to the study of the judicial police, commenting briefly on its appearance to its function today, in addition to a convenient distinction between it and the administrative police. Finally, we enter the hang of work analyzing the applicability of the principle of insignificance in the functional orbit of the Chief of Police. Its acceptability in the doctrine and the necessity of this act meet the needs that are shown facing a new legal social reality. Keywords: Principle of Bickering. Atypical material. Judiciary Police. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 13 2 ASPECTOS HISTÓRICOS CONCERNENTES AO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA...................................................................................................10 2.1 O princípio da insignificância frente ao estado democrático de direito ............... 12 2.2 O crime de bagatela frente ao princípio da intervenção mínima ......................... 13 3 O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E SUA APLICABILIDADE DE NO ORDENAMENTO PENAL PÁTRIO ......................................................................... 15 3.1 Conceituação e aplicabilidade ............................................................................ 17 3.2 O princípio da insignificância e sua justificação teórica e prática ........................ 20 3.2.1 O Princípio da bagatela frente ao princípio da igualdade ................................ 21 3.2.2. O princípio da insignificância frente ao princípio da liberdade ........................ 22 3.2.3 O Princípio da bagatela frente ao princípio da fragmentariedade .................... 22 3.2.4 O princípio da bagatela frente ao princípio da subsidiariedade ....................... 23 3.2.5 Princípio da bagatela frente ao princípio da proporcionalidade ....................... 24 3.2.6 O princípio da bagatela frente ao princípio da legalidade ................................ 25 4 A TIPICIDADE NO DIREITO PENAL.................................................................... 27 4.1 Tipicidade e antijuridicidade ............................................................................... 27 4.2 Tipicidade formal e tipicidade material ............................................................... 29 4.2.1 Tipicidade formal ............................................................................................. 29 4.2.2 Tipicidade material .......................................................................................... 30 4.2.2.1 Teoria constitucionalista do delito................................................................. 31 5 A POLÍCIA JUDICIÁRIA ....................................................................................... 33 6 POLICÍA JUDICIÁRIA VS. POLÍCIA ADMINISTRATIVA ..................................... 37 7 A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PELO DELEGADO DE POLÍCIA .................................................................................................................. 40 7.1 Poder discricionário ............................................................................................ 40 7.2 O Delegado de Polícia e seu poder discricionário .............................................. 43 7.3 A autoridade policial e o princípio da insignificância ........................................... 46 8 CONCLUSÃO ....................................................................................................... 50 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 52 1 INTRODUÇÃO Já há um bom tempo nossa doutrina vem discutindo nosso ordenamento penal, sob um olhar mais humano, tentando afastar desse ramo do Direito qualquer manifestação de vingança tão comuns em outros tempos e em outros sistemas jurídicos. No entanto, é preciso assegurar uma resposta das instituições estatais acerca dos delitos cometidos. Assim, o poder de punir é a forma consagrada encontrada para a sustentação da ordem pública e da paz social. Entretanto, essa relação de bem estar comum com punição, fez com que a pena seja a resposta fundamental frente às condutas desviadas, sendo o Estado, único detentor do ius puniendi, ainda que se tratem de delitos insignificantes, relegando outras maneiras de compor os litígios, tais como as sanções civis (indenizações, advertências, etc.), retirando da vítima o papel de transigir, de decidir ou de perdoar. Entretanto, nosso Direito penal não pode fechar os olhos para a humanização da aplicação da pena, que boa parte da doutrina e da jurisprudência vem defendendo. É neste cenário que se insere a aplicação da princípio da insignificância no sistema penal pátrio, onde a tutela penal só seria invocada como ultima ratio, ou seja, tão-somente quando outros ramos do direito não puderem proteger de forma satisfatória o bem jurídico tutelado. Simploriamente pode-se dizer que o objetivo do princípio da insignificância, verdadeiro princípio penal implícito, é o de excluir do âmbito penal aquelas condutas que, mesmo se amoldem formalmente a um tipo penal, não chegam a afetar de forma efetiva um bem jurídico tutelado, não merecendo assim, a insurgência punitiva do Estado. Aplicar o princípio da insignificância em delitos atípicos sob o ponto material, traduz-se em respeito ao princípio da dignidade humana, vez que impede que fatos desprovidos de reprobalidade se transformem em estigmas de criminalidade para seus autores. Além disso, não movimentar o aparto estatal para um fato sem relevância é uma forma de otimizar os órgãos encarregados da persecução penal, fazendo com que se ocupem de delitos que realmente precisam ser punidos, em razão de sua ofensividade. 9 Neste cenário, é preciso dizer que é normalmente no âmbito da delegacia de polícia, que o Estado toma o primeiro contato com o delito. Assim, o presente trabalho pretende compreender a possibilidade da aplicação do crime de bagatela pelo Delegado de Polícia, evitando todo o trâmite dos procedimentos policias, bem como, os morosos e caros processos penais. 2 ASPECTOS HISTÓRICOS CONCERNENTES AO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA Como fase inicial no desenvolvimento deste trabalho acadêmico, mister estabelecermos um delineamento dos entornos histórico/jurídicos que concernentes ao princípio da insignificância, pois por meio de um aparato teórico mais rico, se atentado à origem do instituto, poderemos compreender a conceituação, os efeitos e os fundamentos, deste princípio com mais exatidão e facilidade. O princípio da insignificância, também chamado modernamente de crime de bagatela, tem suas raízes fincadas no Direito Romano, na medida em que o pretor – cargo político de Roma, que possuía funções jurídicas – só deveria se ocupar com o julgamento de situações relevantes, onde o Estado só se moveria para pôr fim a um conflito que se fizesse necessário, não se ocupando de assuntos tidos como irrelevantes para Roma. Vejamos as palavras de Diomar Ackel Filho (1988, p. 73). [...] o pretor não cuidava, de modo geral, de causas ou delitos de bagatela, consoante a máxima contida no brocardo minimis non curat pretor. De lá para cá, o princípio substituiu, embora sem que lhe tivesse sido dado o merecido destaque, o que só agora vem acontecendo, a partir do seu moderno enfoque por Klaus Roxin e outros autores europeus. Este posicionamento também é compartilhado por Carlos Vicos Mañas (1994, p. 56), quando este esclarece. “[...]pode-se afirmar que o princípio já vigorava no direito romano, pois o pretor, em regra geral, não se ocupava de causas ou delitos insignificantes, seguindo a máxima contida no brocardo minimis non curat pretor”. Há que se dizer que a doutrina em geral, não se esquece de explicar que a aplicabilidade do princípio da insignificância no Direito Romano, se deu muito por conta de que o Direito Penal não ter se desenvolvido com a rapidez com que o ramo civil se desenvolveu neste período. Assim, o Estado Romano, como ainda carecia de um ordenamento penal menos precário e problemático, se abstinha de atuar em determinadas hipóteses (LOPES, 2000, p. 3). Desta forma, conclui-se que embora o princípio da insignificância, do ponto de vista histórico, remonte ao Direito Romano, suasorigens neste período são mais fáticas do que propriamente jurídicas. Por essas razões, parte da doutrina como a de Ivan Luiz Silva, nega a origem do princípio no direito romano, sob o argumento da 11 inexistência neste período da máxima minimis non curat pretor com o sentido jurídico que possui para o direito moderno (SILVA, 2011, p. 90). Sendo assim, cumpre destacarmos que sob esta corrente jurídica, o crime de bagatela fora introduzido no sistema penal na Alemanha, em 1964, quando o país ainda vivia sob um caos social proveniente de duas grandes guerras que assolaram a nação alemã. Neste momento os crimes patrimoniais de pequena monta tiveram grande aumento, dado o desemprego e a fome que atingia boa parte da população germânica. Era necessário se encontrar uma maneira de se desafogar o Estado na solução destes pequenos conflitos, como uma forma de economia do erário público. Claus Roxin foi o jurista responsável pela introdução do instituto no sistema penal alemão. Neste sentido ensina Ivan Luiz da Silva (2011, p. 93). “O recente aspecto histórico do Princípio da Insignificância é, inafastavelmente, devido a Claus Roxin, que, no ano de 1964, o formulou como base de validez geral para a determinação do injusto, a partir de considerações sobre a máxima minima non praetor”. O jurista Fernando Antônio Nogueira da Rocha (2004, p. 198) também nos leva a essa compreensão. Senão vejamos: Visando ressaltar que o fato-crime possui especial significado para a ordem social, Claus Roxin introduziu no Direito Penal a teoria da insignificância da lesão ao bem jurídico, segundo a qual excluem-se do tipo os fatos considerados de pequena importância. Nesta celeuma, mister lembrar que o princípio da insignificância sempre guardou grande ligação ao princípio da legalidade, que por sua vez, resume-se sobre o brocardo, nullum crimen nulla poena sine lege - não pode haver crime, nem pena que não resultem de uma lei prévia (LOPES, 2000, p. 41). Vale destacar também que partir do movimento iluminista do século XVII, os estudos a despeito do princípio da legalidade se deram de forma mais densa. O iluminismo defende a ideia de um contrato social, funcionando o Estado um instrumento garantidor dos direitos de seus cidadãos. O princípio da legalidade então, deveria ser utilizado para proteger o indivíduo comum do poder arbitrário estatal, garantido pela premissa permittitur quod non prohibetur, ou seja, somente não é lícito aquilo que a lei proíbe. Sendo assim, só será apenado aquele cometer uma conduta ilegal definida anteriormente em lei (LOPES, 2000, p. 45). 12 Nesta toada, ao Estado, por meio do contrato social, é dado o poder de estabelecer os delitos e suas penas, aplicando assim o princípio da legalidade. No entanto, a medida destes delitos, sob uma ótica valorativa do crime, seria o prejuízo que a conduta causaria à sociedade, justapondo a aplicação do princípio da insignificância. Neste cenário destaca-se que também as Constituições americanas e inglesas consagraram o princípio da legalidade, o que de forma adjacente, fez com que o princípio da insignificância também fosse aderido. O princípio da insignificância foi lembrado inclusive na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, advinda da Revolução Francesa em 1789. O documento veda que leis restrinjam ações que não forem lesivas ao meio social, senão vejamos a primeira parte do seu art. 5º. “A lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade. Tudo que não é vedado pela lei não pode ser obstado e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene”. Desta forma, o dispositivo do diploma francês, deixa intrínseca a ideia de que se não houver um prejuízo real do ponto de vista fático, não deverá se falar por via de consequência em aplicação da lei penal (CAPEZ, 2009, p 17). Diante do exposto, é possível concluir que as origens e posterior evolução do princípio da insignificância tem evidente vínculo com o princípio da legalidade. Ademais, foi a partir do século XX que o instituto recebeu maior destaque no âmbito jurídico. 2.1 O princípio da insignificância frente ao estado democrático de direito Após o advento da Constituição da República de 1988, os princípios ganharam grande destaque sendo elevados como efetivos alicerces de nosso sistema jurídico. Juntamente a isso, o Estado de Direito foi desvencilhado do modelo político constitucional brasileiro, abrindo espaço para a instalação teórica de um verdadeiro Estado Democrático de Direito (LOPES, 2000, p. 67). Neste cenário as leis passaram a ter uma responsabilidade precípua de adequação social. A antiga ideia de que as normas deveriam apenas garantir a igualdade formal entre todos os indivíduos estava superada, e o grande responsável por isso foi que o princípio da dignidade da pessoa passou a ser o principal 13 fundamento das leis brasileiras (CAPEZ, 2009, p. 37). Assim preceitua o art. 1º, inciso III de nosso diploma constitucional. Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana. Assim sendo, todas as nossas normas jurídicas, independentemente do ramo a que digam respeito, para serem consideradas constitucionais deverão ser compatíveis com este importante princípio. Nesta toada, o Direito Penal pátrio, ao constituir os princípios que lhe nortearão, passou a desenhar uma perspectiva principiológica voltada também para o princípio da dignidade humana. Ou seja, os princípios norteadores do Direito Penal deveriam derivar deste princípio fundamental da Constituição Federal, e neste cenário que se insurgiu o princípio da insignificância. Podemos também citar os princípios da legalidade, da alteridade, da confiança, da adequação social, da proporcionalidade, da intervenção mínima, da humanidade, da fragmentariedade (GRECO, 2008, p. 78). Nossa Carta Magna também trouxe um novo entendimento no que tange os delitos penais. Estes agora ganhavam uma face material, isto é, para que o crime possa ser considerado como tal, seria necessário que a conduta em tese delituosa produzisse efeitos efetivos e reis na realidade fática do caso concreto. Senão vejamos Taciane Aparecida Coimbra (2011, p. 14). Após a Constituição Federal de 1988, o crime também recebeu novos elementos. Antes, para ser considerado como crime, bastava que o fato praticado se adequasse à letra da lei, com o surgimento do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana norteando os demais ramos do Direito, além desse elemento formal, para um fato ser chamado de crime ou infração penal, passou a ser necessária a análise de um novo elemento, denominado material, que significa que, além de fato dever estar previsto em lei como crime, ainda deve colocar em risco valores fundamentais da sociedade, ou seja, deve colocar em perigo bens jurídicos tutelados e considerados importantes, de relevância para o social. O princípio da insignificância nasce então com este elemento novo para sistema penal. O elemento material. 2.2 O crime de bagatela frente ao princípio da intervenção mínima 14 O princípio da intervenção mínima preceitua pela atuação do Direito Penal de forma subsidiária e fragmentada (COIMBRA, 2011, p. 15). Nos dizeres de Francisco Munõz Conde (apud COIMBRA, 2011, p. 15) “O Direito Penal somente deve intervir nos casos de ataques muito graves aos bens jurídicos mais importantes. As perturbações mais leves do ordenamento jurídico são objeto de outros ramos do Direito”.Assim, o Direito Penal só deverá atuar quando outros ramos do Direito transpareçam insuficientes ou impotentes para sua solução. Assim é, porque será por meio do Direito Penal que o Estado acaba impondo a pena máxima possível no Brasil, a prisão. É neste sentido que Cezar Roberto Bitencourt (2006, p. 35) exaure seu entendimento. “[...] se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada e não recomendável”. Esta seria a aplicação da subsidiariedade do princípio da intervenção mínima. Já pela face da fragmentariedade deste instituto, a atuação do Direito Penal só deverá existir para os casos acentuados, relevantes, que de fato, causem prejuízos a bens jurídicos protegidos pelo ordenamento penal. A intervenção mínima do estado deve ser entendida como ultima ratio, senão pelo brocardo “nulla lex poenalis sine necessitate” – não há lei penal sem necessidade. A doutrina de Bruno Pinheiro (2009, p. 8) o classifica com o “princípio da necessidade ou da economia em direito penal”. Cumpre destacar que, tal qual o princípio da insignificância, o princípio da intervenção mínima também é previsto na Declaração Universal dos Direito do Homem e do Cidadão de 1789. Senão vejamos a primeira parte da inteligência contida no art. 8 do referido documento, in verbis: “A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada”. Assim, por meio da análise do entendimento da intervenção estatal mínima que se confabulou o princípio da insignificância, que passou a excluir a tipicidade dos crimes tidos de pequena monta, ou de bagatela, na medida em que estes se caracterizam por serem incapazes de causar efetivos prejuízos a bens relevantes tutelados pelo ordenamento penal brasileiro, mesmo que estejam do ponto de vista formal, enquadrados na letra da lei (COIMBRA, 2011. p. 15). 3 O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E SUA APLICABILIDADE DE NO ORDENAMENTO PENAL PÁTRIO Este primeiro capítulo possui o escopo de explanar da forma mais abrangente possível todas as nuanças que envolvem o princípio da insignificância, também chamado pela doutrina penalista de princípio da bagatela, ou ainda, por crime de bagatela. Sua conceituação, sua aplicação, bem como as críticas que esta possibilidade recebe pela doutrina, a forma que vem sendo aplicada em nossos tribunais, entre outras importantes questões pertinentes ao instituto. Embora as origens do princípio da insignificância sejam remontadas ao direito romano, é cediço que tal teoria é pertencente na verdade, ao direito moderno, visto que as características atuais de sua aplicabilidade, em grande parte, não apareciam no período jurídico romano. O princípio da bagatela, fora introduzido, ou reintroduzido, como uma evidente causa excludente de tipicidade do Direito Penal somente em 1964, quando o Germânico Claus Roxin elaborou a teoria pertinente ao instituto. Quanto isso, esclarece, Odone Sanguiné (1990, p. 39). [...] o recente aspecto histórico do Princípio da Insignificância é inafastavelmente, devido a Claus Roxin, que, no ano de 1964, o formulou como base de validez geral para a determinação do injusto, a partir de considerações sobre a máxima latina mínima non curat praetor. Por conta dos estudos de Roxin, o princípio da bagatela foi inclusive expresso no Código Penal Alemão, que data de 1968. Senão vejamos a disciplina do art. 3º do referido documento, in verbis: “não subsiste o crime, se, não obstante a conformidade da conduta à descrição legal de um tipo, as consequências do fato sobre direitos e interesses dos cidadãos e da sociedade e a culpabilidade do réu são insignificantes”. Além disso, segundo o estudo comparado realizado por Paulo Roberto Queiroz (1998, p. 125), em sua obra, “Do caráter subsidiário do Direito Penal”, também houve menção expressa ao princípio nos diplomas penais das antigas União Soviética e Tchecoslováquia, também no Código Penal Português, Austríaco, Cubano, Polonês, Búlgaro, Romêno e Chinês. Mister lembrar que o princípio em estudo, não é expressamente previsto em nosso Diploma Penal. No entanto, admite-se sua aplicação já que ele é entendido 16 como pertencente ao rol dos princípios gerais de direito. Salvaguardamos das palavras de Frederico Kumpel (2007, p. 37). Os princípios gerais de direito são cânones, ou seja, proposições de caráter geral e amplo que englobam implícita ou explicitamente um conjunto de normas, que determinam a produção de efeitos no sistema jurídico. São, portanto, diretrizes não só para a produção de efeitos das disposições normativas, como também para integrar a lacuna sistêmica. O Ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Roberto Grau (1997, p.115), em suas obras literárias já equiparou os princípios gerais de direito, aos chamados princípios implícitos, onde é dado ao operador do direito, a incumbência de desvendá- los. Senão vejamos a inteligência do renomado jurista brasileiro: “Os princípios gerais do direito são, assim, efetivamente descobertos no interior de determinado ordenamento. E o são justamente porque neste mesmo ordenamento, isto é, no interior dele, já se encontravam, em estado de latência”. Quanto à aplicação do princípio da insignificância como também dos denominados princípios implícitos, mister apresentarmos as brilhantes palavras de Abel Cornejo citadas na obra de Ivan Luiz da Silva (2010, p.101): “[...] carece de fundamento sustentar que não existe uma norma expressa que consagre ao princípio da insignificância, porquanto e costume inveterado, que a lei escrita não pode abarcar todas as possibilidades ou eventos que na vida se apresentam” Ivan Luiz da Silva, com intuito de finalizar qualquer discussão a respeito da possibilidade de aplicação do princípio da insignificância no Direito Penal pátrio, oportunamente cita Maurício Antônio Ribeiro Lopes. A despeito da ausência de previsão legal no Código Penal brasileiro, tal princípio pode ser reconhecido no sistema penal constitucional pela complementação natural, através de procedimento de interpretação/concretização entre o Princípio da Legalidade penal e os demais princípios penais expressos (LOPES apud SILVA, 2010, p. 104). Diante de todo o exposto, temos a certeza de que é plenamente legal a aplicação do princípio da bagatela em nosso sistema jurídico penal, mesmo que tal princípio não possua expressa previsão legal. Contudo, como forma de encerrarmos essa discussão, apresentamos sugestão apresentada por Lídia Losi Daher Zacharyas (2012, p.259). 17 Contudo, com o escopo de concretizar e nortear a jurisprudência e a doutrina crescentes, faz-se mister a inclusão do presente Princípio, pelo legislador, por meio de cláusula geral bagatelar, ou seja, um auxiliar de interpretação restritiva, de observância necessária, no âmbito do Direito Penal, de maneira a restringir o teor literal do tipo, afastando-se a punição concreta. Desse modo, excluir-se-iam do âmbito do Direito Penal fatos que ofendem minimamente o bem jurídico por ele tutelado, de maneira a evitar a arbitrariedade e a insegurança, compensando o alcance indistinto do tipo penal em abstrato as inúmeras e diferentes situações concretas, que a ele se adequam, no que se refere a intensidade de lesão ao bem jurídico protegido. Sendo assim, o que a autora brilhantemente quer incentivar, é que o legislador se preocupe em positivar o princípio da insignificância como meio de contribuir primordialmente na unificação das decisões e interpretaçõesconcernentes à matéria em questão. 3.1 Conceituação e aplicabilidade O Princípio da Insignificância será aplicado nas hipóteses em que a lesão a um direito seja tão insignificante que não haja a necessidade de se mover todo o aparato jurídico estatal intervindo por meio do Direito Penal. A incidência da pena prevista aquele delito que em tese fora cometido se apresenta extremamente exagerada frente à reprovação pela conduta. Desta forma, a tipicidade material estará excluída, vez que a ofensa ao bem tutelado pelo Direito Penal se mostrou insignificante (PRESTES, 2009, p. 62). Logo adiante esmiuçaremos mais profundamente acerca das nuanças que englobam o instituto da tipicidade no Direito Penal. Na definição do desembargador Calos Vico Mañas (1994, p. 61), o princípio da insignificância: [...] pode ser definido como instrumento de interpretação restritiva, fundado na concepção material do tipo penal, por intermédio do qual é possível alcançar, pela via judicial e sem macular a segurança jurídica do pensamento sistemático, a proposição políticocriminal de descriminilização de condutas que embora formalmente típicas, não atingem de forma socialmente relevante os bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal. Na definição de Diomar Ackel Filho citado no artigo jurídico de Karla Daniele Moraes Ribeiro (2011) “A aplicação do princípio da insignificância”, o princípio da bagatela pode ser assim definido. 18 O princípio da insignificância pode ser entendido como aquele que permite infirmar a tipicidade de fatos que, por sua inexpressividade, constituem ações de bagatela, desprovida de reprovabilidade, de modo a não merecerem valoração da norma penal, exsurgindo, pois, como irrelevantes. A tais ações, falta juízo de censura penal. Por fim, Francisco de Assis Toledo, o primeiro autor a tratar do princípio da bagatela no Brasil, assim trata o instituto. Segundo o princípio da insignificância, que se revela por inteiro pela sua própria denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar- se de bagatelas. Assim, no sistema penal brasileiro, por exemplo, o dano do art. 163 do Código Penal não deve ser qualquer lesão à coisa alheia, mas sim aquela que possa representar prejuízo de alguma significação para o proprietário da coisa; o descaminho do artigo 334, parágrafo 1°, “d”, não será certamente a posse de pequena quantidade de produto estrangeiro, de valor reduzido, mas sim a de mercadoria cuja quantidade ou cujo valor indique lesão tributária, de certa expressão, para o Fisco; o peculato do artigo 312 não pode ser dirigido para ninharias como a que vimos em um volumoso processo no qual se acusava antigo servidor público de ter cometido peculato consistente no desvio de algumas poucas amostras de amêndoas; a injúria, a difamação e a calúnia dos artigos 140, 139 e 138, devem igualmente restringir-se a fatos que realmente possam afetar a dignidade, a reputação, a honra, o que exclui ofensas tartamudeadas e sem consequências palpáveis; e assim por diante (TOLEDO apud RIBEIRO, 2011). Note-se que a partir das palavras de Francisco de Assis Toledo podemos tirar uma conclusão a respeito do princípio objeto do estudo deste trabalho acadêmico. A bagatela não se aplicará apenas aos crimes patrimoniais. Mesmo que o instituto tenha se desenvolvido a partir de uma ideia relacionada a patrimonialidade, sua evolução permitiu com que ele fosse ampliado a crimes de outras naturezas. Neste sentido, ensina Cássio Lazzari Prestes (2009, p. 64). Com efeito, o princípio da insignificância é um princípio geral e ordenador do Direito Penal incidindo sobre todas as normas de cunho penal, e não somente sobre aquelas com características patrimoniais. Cunhá-lo, com base na patrimonialidade, é amputar uma grande parcela de sua aplicabilidade esvaziando-o quase que por completo. Vale lembrar também que o princípio da bagatela, mesmo que não seja expresso na nossa Carta Magna, não perde sua qualidade principiológica por conta disso. Desta forma, é preciso lembrar que os princípios são orientadores de todo o sistema jurídico, sendo sua transgressão mais gravosa que o desrespeito a uma regra, visto que todo o ordenamento jurídico restará ofendido (RIBEIRO, 2011). Neste sentido ensina Renato Lopes de Becho (1999. p. 438). “[...] os princípios são mais 19 importantes que as regras, pois auxiliam na interpretação do sistema, no julgamento das causas e na própria elaboração de novas leis”. Caberá então ao operador do direito a responsabilidade de interpretar e ponderar os interesses envolvidos no caso concreto, para assim, aplicar ou não o princípio da insignificância. Ainda sobre os princípios, complementamos o entendimento com a inteligência de um dos principais juristas do direito público brasileiro, Celso Antônio Bandeira de Melo (2011, p. 95). Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que irradia sobre diferentes normas compondo-lhe o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dar sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes de um todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Cumpre destacar também, que embora não esteja expresso na Constituição Federal, o princípio da insignificância se faz presente em dois dispositivos infraconstitucionais presentes no Código Penal Militar brasileiro, nos artigos 209, em seu §6º e 240, §1º, in verbis. Art. 209. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano. §6° No caso de lesões levíssimas, o Juiz pode considerar a infração como disciplinar (grifo nosso). Art. 240. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, até seis anos. §1° Se o agente é primário e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou considerar a infração como disciplinar. Entende-se pequeno o valor que não exceda um décimo da quantia mensal do mais alto salário mínimo do país (grifo nosso). Por todo o exposto, percebe-se que o princípio da insignificância é um instrumento a ser utilizado em delitos que não tenham grande relevância social, sendo que sob este aspecto, guarda próxima relação ao Estado Democrático de Direito, na medida em que leva-se em consideração na aplicação de uma possível pena criminal o preceito máximo desse modelo de organização estatal, o respeito à dignidade da pessoa humana. O crime de bagatela está situado naquelas hipóteses em que o bem 20 jurídico tutelado pelo nosso Direito Penal, foi insignificantemente agredido (CARVALHO, 1992, p. 32). 3.2 O princípio da insignificância e sua justificação teórica e prática Cumpre-nos neste momento apresentarmos os fundamentos justificadores que permitirão a aplicação do princípio da insignificância no âmbito do Direito Penal brasileiro. Já mencionamos que o entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência, é o de que o princípio da bagatela deve ser entendido no rol dos Princípios Gerais de Direito. Sendo assim, o fato do instituto não restar expresso na nossa legislação constitucional, não impedirá sua aplicabilidade, visto que nosso ordenamento prevê a possibilidade da existência de princípios implícitos. Neste cenário é importante lembrar que se assim não o fosse, a aplicação dos princípios implícitos, seriamtidos como inconstitucionais, inválidos. Neste sentido, ensina Luís Roberto Barroso (2001, p. 30). [...] toda interpretação jurídica é também interpretação constitucional, pois: [...] qualquer operação de realização do direito envolve a aplicação direta ou indireta da Constituição. Direta, quando uma pretensão se fundar em uma norma constitucional; e indireta quando se fundar em uma norma infraconstitucional, por duas razões: a) antes de aplicar a norma, o intérprete deverá verificar se ela é compatível com a Constituição, porque, se não for, não poderá fazê-la incidir; e b) ao aplicar a norma deverá orientar seu sentido e alcance à realização dos fins constitucionais. Desta forma, o Direito Penal deve ser sempre analisado em compatibilidade harmônica com a Carta Magna, não há como desvencilhá-lo. Neste sentido, o Direito Penal inserido no âmbito de um Estado Democrático de Direito, deverá também se fundar precipuamente pelo respeito à dignidade da pessoa humana, ao direito à vida e à liberdade, e impondo limites à intervenção e repressão do Estado. É com esse entendimento que René Ariel Dotti citado por Karla Daniele Moraes Ribeiro, ensina. O Direito Penal é a ciência destinada a proteger os valores e os bens fundamentais do homem. A sua tutela envolve também a comunidade e o Estado como expressões coletivas da pessoa humana, em torno de quem gravitam os interesses de complexa e envolvente ordem. Desde o direito à vida até o direito à sepultura, começo e fim da aventura da existência, movimenta-se um amplo repertório de bens e de interesses que tem no ser individual os pontos de partida e de chegada. Em todos os trechos do 21 funcionamento do sistema, o homem deve ser a medida primeira e última das coisas, razão pela qual se proclama que, na categoria dos direitos humanos, o Direito Penal é mais relevante, e de maior transcendência (DOTTI apud RIBEIRO, 2011). Nesta celeuma, alguns princípios podem ser entendidos como fundamentadores do princípio da insignificância, por isso, vale realizar uma relação entre outros princípios de nosso ordenamento e o princípio da insignificância. 3.2.1 O Princípio da bagatela frente ao princípio da igualdade Com previsão no art. 5º da Constituição Federal, o princípio da igualdade tem por escopo, evitar que ocorram discriminações, distinções e privilégios arbitrários, preconceituosos ou injustificáveis (RIBEIRO, 2011): “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”. Contudo, o fato de o dispositivo constitucional fazer menção a vedação de “distinção de qualquer natureza”, não impossibilitará de diferenciações razoáveis sejam realizadas. Sendo assim, a isonomia, não pode ser vista apenas sob sua face formal, mas também sob uma ótica material, ideia apresentada pelos socialistas do início XX, sob a máxima, “tratar desigualmente os desiguais na medida da sua desigualdade”. Sob esta hipótese, emprestamo-nos da inteligência de Marcelo Novelino (2010. p. 393-394). A igualdade formal pode ser entendida como o tratamento igualitário destinado a todos os indivíduos que se encontram em uma mesma situação fática e jurídica. Já a igualdade material vislumbra tratamento isonômico dos desiguais através da concretização de direitos sociais substanciais, objetivando, pois, tratamento equânime, na medida em que as pessoas que estejam em situações fáticas e jurídicas desiguais não devem ser tratadas da mesma maneira. Sendo assim, o aplicador do direito no momento em que se deparar com situações que, embora tratem do mesmo delito, sejam diferentes entre si do ponto de vista da relevância da bem jurídico ofendido, seu olhar também deverá se atentar para essa disparidade. Assim ensina Iván Luiz da Silva (2011, p. 121). 22 Deparando-se o intérprete penal com uma conduta típica de escassa lesividade ao bem jurídico atacado, surge, então, o dilema de aplicar a sanção e causar um mal maior do que a reprovabilidade ordinária exige, ou reconhecer a impropriedade da sanção penal para excluir o caráter criminoso do fato. É neste sentido que o princípio da insignificância se concilia com o da igualdade, na medida em que é um dos instrumentos para aplicação da chamada igualdade material. 3.2.2. O princípio da insignificância frente ao princípio da liberdade Nossa Constituição, no mesmo art. 5º também garante a inviolabilidade do direito à liberdade. Esta previsão tem grande carga do período pós ditadura em que vivia o Brasil no momento da elaboração do texto Magno, vez que é justamente no âmbito da limitação do Estado em interferir nas liberdades individuais que o dispositivo constitucional pretende tutelar. Nesta celeuma, temos que a liberdade é a regra em nosso ordenamento. O indivíduo só poderá então ser tolhido deste direito, se uma causa relevante for capaz de justificar a necessidade de tal situação. Neste sentido ensina Maurício Antônio Ribeiro Lopes (2010, p. 273). Como se sabe, a regra no Estado Social e Democrático de Direito é a liberdade do indivíduo. Não apenas a tradicional liberdade de locomoção- objeto central de restrição pelo Direito Penal-, mas o exercício de todas as liberdades temáticas da ordem social contemporânea - as chamadas liberdades públicas. Destaca-se então, que será desta forma que os princípios da bagatela e da liberdade se conjugarão, onde o Estado deverá interferir na liberdade individual – e, corroborando do entendimento de Lopes, a liberdade aqui, deverá ser entendida no sentido mais amplo possível – nas hipóteses em que a lesão provocada pela conduta deste indivíduo tenha de fato atingido bens jurídicos em uma proporção que uma ação estatal seja efetivamente necessária, impondo-se para tanto uma medida constritiva proporcional ao dano causado ao sistema jurídico (GRECO, 2008, p. 47) 3.2.3 O Princípio da bagatela frente ao princípio da fragmentariedade 23 Entende-se pelo princípio da fragmentariedade que nem todas as condutas que afrontem a um bem jurídico deverão ser passivas de atuação e punição por intermédio do Direito Penal. É nesta linha de raciocínio que preleciona Rogério Greco (2008, p. 51). O caráter fragmentário do Direito Penal significa, em síntese, que uma vez escolhidos aqueles bens fundamentais, comprovada a lesividade e a inadequação das condutas que os ofendem, esses bens passarão a fazer parte de uma pequena parcela que é protegida pelo Direito Penal, originando- se, assim, a sua fragmentariedade. Desta forma o Direito Penal deverá se ocupar de tutelar apenas aquelas situações em que de fato os valores fundamentais para a proteção e a boa manutenção da sociedade estejam em risco (GRECO, 2008, p. 53-54), e é nesta medida que os princípios em questão se encontram, pois o princípio da insignificância utiliza-se da fragmentariedade para fundamentar a necessidade de tornar atípicas condutas sem relevância para o Direito Penal, restringindo o âmbito de atuação deste ramo do Direito (BRUTTI, 2006). É este o entendimento de Francisco de Assis Toledo. [...] o Direito Penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve preocupar-se com bagatelas. [...] ao considerar atípicas condutas que ocasionem insignificante prejuízo ao bem protegido, o crime bagatelar será disciplinado em outra área do Direito que não a penal (TOLEDO apud RIBEIRO, 2011) Demonstrada a relação do princípio bagatelar com a fragmentariedade,passemos agora à sua conjugação ao princípio da subsidiariedade. 3.2.4 O princípio da bagatela frente ao princípio da subsidiariedade O princípio da subsidiariedade quando aplicada ao Direito Penal define que este só será o meio executor da medida constritiva ao indivíduo que infligir uma regra, quando os demais ramos do Direito, se mostrarem ineficazes de conceder uma resposta condizente e proporcional à conduta delituosa em proteção à ordem pública. Sendo assim, o Direito Penal deve ser entendido como última ratio, ou seja, ele será subsidiário, devendo ser acionado apenas em última instância (GRECO, 2008, p. 70). 24 Quanto a esse entendimento, utilizamos das brilhantes palavras do professor Cássio Vinícius Castel Lazzari Prestes (2003, p. 54), para elucidarmos um pouco mais a subsidiariedade do Direito Penal. O legislador, ao elaborar a norma penal, deve fazer uma escala de valores, em forma hierárquica, dos bens jurídicos objetos de sua tutela. Quanto maior a lesão ou ameaça de lesão, ou quanto maior a essencialidade social do interesse ameaçado ou lesado, maior deve ser a resposta penal, através de maior reação sancionadora. As normas penais não têm o mesmo valor, este varia de acordo com o fato que lhe dá conteúdo. A tutela penal deve abranger única e exclusivamente os bens fundamentais da comunidade, aquelas situações e condições sociais e pessoais necessárias à sobrevivência harmônica do grupo. Sendo assim, podemos afirmar que a natureza precípua do Direito Penal é sua secundariedade. Desta forma, as punições por conta da ofensa a bens jurídicos, só deverão ser possíveis se forem indispensáveis para o bom andamento da vida em sociedade. Se algum outro ramo do direito bastar como forma de adequação social ao status quo, o Direito Penal deverá se afastar, vez que ela é a consequência mais intensa dentro de um sistema jurídico visto como um todo (ROXIN apud RIBEIRO, 2011). 3.2.5 Princípio da bagatela frente ao princípio da proporcionalidade A ideia advinda com o princípio da proporcionalidade em nosso ordenamento, é a de que as penas deverão ser coerentes com a intensidade do crime praticado no caso em concreto impedindo com que excessos sejam aplicados ao cidadão (PRESTES, 2003, p. 54). É justamente por conta dessa impossibilidade de estarmos de frente a uma punição exagerada que Ivan Luiz da Silva (2011, p. 128) cita: [...] num Estado Democrático de Direito o princípio da proporcionalidade, em sentido amplo é chamado de “princípio da proibição de excesso” o qual tem como fim proibir intervenções desnecessárias, excessivas e, consequentemente, desproporcionais. [...] não há justificativa adequada para que uma lei opressiva incida sobre os direitos fundamentais de forma desproporcional ao grau de lesão e relevância do bem jurídico tutelado. Como forma de complementar o entendimento sobre a relação entre os princípios em questão, vale as palavras de Maurício Antônio Ribeiro Lopes (2000, p. 423-424): 25 [...] o princípio da proporcionalidade exige que se faça um juízo de ponderação sobre a relação existente entre o bem que é lesionado ou posto em perigo (gravidade do fato) e o bem de que pode alguém ser privado (gravidade da pena). Toda vez que, nessa relação, houver um desequilíbrio acentuado, estabelece-se, em consequência, uma inaceitável desproporção. O princípio da proporcionalidade rechaça, portanto, o estabelecimento de cominações legais (proporcionalidade em abstrato) e a imposição de penas (proporcionalidade em concreto) que careçam de relação valorativa com o fato cometido considerado em seu significado global. Tem, em consequência, um duplo destinatário: o poder legislativo (que tem de estabelecer penas proporcionadas, em abstrato, à gravidade do delito) e o juiz (as penas que os juízes impõem ao autor de delito têm de ser proporcionais à sua concreta gravidade). A proporcionalidade é de ser aferida a partir da análise global e contextualizada do comportamento, verificando, fundamentalmente, o grau de reprovabilidade incidente à conduta proibida. A ausência de tipicidade material da conduta, seja por adequação social do comportamento, seja por insignificância da lesão, acarreta no campo dogmático, exclusão do próprio tipo legal, o que pressupõe unidade inafastável de tipificação proibitiva nos planos material e formal. É exatamente neste sentido que o princípio da insignificância atua em conjunto ao princípio da proporcionalidade, pois excluindo uma ação que, embora tenha tipicidade formal, é insignificante para o Direito Penal, ele estará por via de consequência prevenindo uma possível desproporcionalidade entre a conduta, o resultado e a pena (ROTH apud AMARAL, 2012). Por fim, é preciso dizer a proporcionalidade possui duas faces que precisam se equilibrar. Uma face representaria o interesse da comunidade em se reprimir penalmente um delito que se é cometido em sua órbita, utilizando de fundamento art. 59 do Diploma Penal, e a outra faceta, servirá como instrumento para evitar que essa pena vá além dos limites normais a que o resultado fático produzido pela conduta efetivamente causou (LUIZI apud GOMES, 2009, p. 63). 3.2.6 O princípio da bagatela frente ao princípio da legalidade A legalidade é a maior garantidora dos direitos fundamentais dos cidadãos. É ela quem os resguardará do livre arbítrio de agentes do Estado. Deve ser encarada como uma das grandes garantias em um Estado Democrático de Direito (GRECO, 2008, p. 97). Seu preceito é “não há crime, nem pena sem lei que os defina”. Sendo assim, o poder do Estado está limitado, não sendo possíveis que arbitrariedades e ilegalidades sejam impostas aos cidadãos no sentido de privar-lhes de suas 26 liberdades. Uma conduta só será criminosa se uma lei anterior a ela a definir assim (NOVELINO, 2010, p. 434), e vale lembrar ainda, a competência para se criar de tipos penais do Brasil, é reservada exclusivamente do Poder Legislativo Federal. Sendo assim, não há que se falar em crimes criados por costumes ou princípios gerais de direito, por exemplo. Contudo, cumpre destacar que, conforme será melhor apresentado no próximo capítulo, a ideia de uma tipicidade positivista não mais se coaduna com a realidade do Direito Penal moderno. A simples subsunção formal ao tipo, ou seja, à letra da lei, não deverá ser suficiente para se caracterizar um crime, exigindo que um aspecto material da tipicidade também se faça presente. Cassio Vinícius Castel Lazzari Prestes se coloca contra esse formalismo penal utilizando do seguinte entendimento. O Direito Penal dentro do Estado Democrático de Direito não pode conferir à reserva legal um aspecto meramente formalista, apegado a uma descrição de delito desprovida de qualquer conteúdo lesivo. As condutas legalmente descritas devem estar marcadas pela ofensividade a interesses de relevância primária para a sociedade. O Direito Penal evolui. A infração penal não é mais vista como a simples realização da figura típica descrita na lei penal à qual se aplica uma sanção, sem que haja qualquer menção de que a conduta lesiona um interesse juridicamente tutelado (PRESTES, 2003, p. 54) Neste sentido, não há que se entender que o princípio da bagatela é opositor do princípio da legalidade, pois ambos na verdade se complementam, devendo ser analisados conjuntamente. 4 A TIPICIDADE NO DIREITO PENAL Neste capítulo nos atentaremos em demonstrar as nuanças que envolvem o instituto da Tipicidade no nosso Direito Penal. O entendimento das circunstâncias que abarcam este instituto será o grande referencialde justificação da aplicação do Princípio da Insignificância no ordenamento penal Pátrio. A tipicidade é um dos elementos do fato típico. Também o são a conduta (comissiva ou omissiva e dolosa ou culposa), o resultado (para os crimes que o exigem), e o nexo casual entre a ação e evento. De forma simples, a tipicidade pode ser definida como a correlação entre o fato perpetrado pelo sujeito e a descrição do tipo penal, ou seja, a definição determinada pela lei penal como uma conduta criminosa. Na definição de Júlio Fabrinni Mirabete (2011, p.115) a tipicidade “[...] é a correspondência exata, a adequação perfeita entre o fato natural, concreto, e a descrição contida na lei”. O autor ainda continua lembrando que para a existência da tipicidade é necessário que os chamados elementos objetivos, normativos e subjetivos do crime também se façam presentes. Senão vejamos. Como o tipo penal é composto não só de elementos objetivos, mas também de elementos normativos e subjetivos, é indispensável para a existência da tipicidade que não só o fato, objetivamente considerado, mas também a antijuridicidade e os elementos subjetivos se subsumam a ele. Há a tipicidade no homicídio se o agente pratica a conduta “matar alguém” (elementos objetivos), mas só há violação de segredo profissional se a revelação ocorrer “sem justa causa” (elemento normativo), e somente haverá rapto se o arrebatamento da mulher for praticado “para fim libidinoso” (elemento subjetivo) (MIRABETTE, 2011, p. 115). 4.1 Tipicidade e antijuridicidade Diz-se doutrinariamente que verificada a existência da tipicidade, a via de consequência é a presença também de indícios de antijuridicidade no fato teoricamente criminoso. O que se quer dizer é que com a prática de um fato típico, haverá presunção de antijuridicidade, que só cessará na hipótese de uma excludente de antijuridicidade, como por exemplo, a legítima defesa. Nas palavras de Damásio Evangelista de Jesus (2011, p. 307). “Em tese, todo fato típico é antijurídico. Só não o é quando provado que o sujeito realizou a conduta acobertado por uma causa de 28 exclusão da antijuridicidade, prevista no art. 23 do Código. Então, o fato é típico, mas não antijurídico”. Daí, ausente a antijuridicidade, não há que se falar em crime. Há também, fatos que devem ser entendidos como antijurídicos, porém, por ausência de previsão legal, não serão típicos. Como exemplo, citamos o indivíduo que imprime fuga de uma instituição penitenciária, sem que para isso tenha utilizado de ameaça, violência ou colaboração de terceiros (MIRABETTE, 2011, p. 115). Tal comportamento é contrário à ideia de um sistema jurídico harmônico, vez que o condenado tem a obrigação de cumprir com a sanção penal que lhe foi imposta. Porém, não há um tipo penal que defina essa sua conduta como criminosa, sendo assim, não há como falar em tipicidade. Julio Fabbrini Mirabete (2011, p.115-116), ainda nos lembra que haverá situações onde o tipo penal necessite ser complementado por outras normas contidas na parte geral do Código Penal. São os chamados casos de tipicidade indireta, que ocorrem na tentativa, onde há a combinação do tipo penal do crime em tese cometido, e o inciso II do art. 14, do Diploma Penal, e a hipótese do concurso de agentes, em que há uma combinação com o art. 29, CP. O tipo penal, sob uma conceituação ampla, pode ser definido como a descrição abstrata de uma conduta proibida ou permitida. Desta forma, existirão tipos tidos como incriminadores e tipos permissivos ou justificadores. Os primeiros são aqueles que descrevem comportamentos proibidos. Estes são podem ser criados pelo legislador. Por outro lado, os tipos permissivos são descritivos de condutas permitidas, sendo os dispositivos onde estarão dispostas as causas de justificação ou de exclusão de ilicitude (TOLEDO apud RIBEIRO, 2011). A contrário senso teríamos a atipicidade, ou seja, a ausência de tipicidade, que poderá ser absoluta ou específica. Na primeira hipótese não haverá crime. Já a segunda situação ocorrerá quando se perceber que não há a presença de um elemento objetivo característico daquele determinado crime, como por exemplo, o estado puerperal da mãe no crime de infanticídio. Sendo assim, a consequência será apenas uma nova capitulação para o crime em si, e não uma atipicidade para o caso concreto. Da mesma maneira, ocorrerá atipicidade na modalidade específica quando inexistir um elemento normativo do tipo penal, ou seja, quando ocorrer justa causa para prática delituosa (JESUS, 2011, p. 309). Entretanto, a diferenciação entre a atipicidade absoluta e específica é válida apenas para um estudo doutrinário do instituto, sendo irrelevante para a realidade 29 fática. Vejamos o posicionamento de Julio Fabbrini Mirabete (2011, p. 116). “A distinção parece desnecessária. Ou o fato preenche todas as características de um tipo, ocorrendo tipicidade, ou não o faz, sendo atípico”. Por fim, a doutrina também classifica o tipo penal como normal e anormal. O primeiro é aquele que diz respeito apenas a descrição objetiva do tipo. Segundo Heleno Cláudio Fragoso (1990, p. 162), sua percepção se dará pela simples verificação do termo utilizado no dispositivo legal, como “membro”, “parto”, “mulher” etc. “[...] a identificação de tais elementos dispensa qualquer valoração”. Já o tipo anormal, é aquele em que será necessária uma interpretação mais apurada para os fatos que envolvem aquele crime em si no caso concreto. A motivação para isso se dará por levarem a um julgamento de valor da conduta, ou por exigirem a interpretação de termos jurídicos e extrajurídicos, ou ainda, demandarem aferição sobre o animus agendi para a prática da ação delituosa (FRAGOSO, 1990, p. 162-163). 4.2 Tipicidade formal e tipicidade material Como vimos a tipicidade e o tipo possuem várias classificações doutrinárias, no entanto, a espécie da tipicidade que nos interessa para o estudo da incidência do princípio da insignificância no direito penal, é a diferenciação entre a tipicidade formal e a material, onde a excludente de tipicidade se dará pela ausência da tipicidade material. 4.2.1 Tipicidade formal A tipicidade formal se dará com a simples adequação da conduta com o tipo penal, ou seja, com a letra da lei que define aquele comportamento como criminoso. Segundo Luiz Flávio Gomes (2004, p.66), é o ajuste ao conjunto dos requisitos linguísticos, literais ou gramaticais fundamentadores de determinada forma de ofensa ao bem jurídico. Para a configuração do fato típico, deveremos estar diante de uma conduta voluntária, um resultado (para os crimes que o exijam), a tipicidade e o nexo de causalidade. Inexistindo um destes requisitos, não há que se falar em crime. 30 4.2.2 Tipicidade material A tipicidade em sua face material, incide na necessidade de a conduta típica ser de fato lesiva a um bem jurídico protegido pelo Direito Penal. Sendo assim, a simples subsunção formal do tipo penal não será capaz de configurar a tipicidade. Nesse sentido emprestamos as palavras de Luiz Flávio Gomes (2009, p. 60): “O Direito penal moderno não é um puro raciocínio de lógica formal. É necessário considerar o sentido humanístico da norma jurídica. Toda lei tem um sentido teleológico”. Assim, como já visto, o encaixe perfeito entre conduta do agente e tipo penal, faz surgir a tipicidade formal. Entretanto, para a tipicidade material, tal hipótese por si só não é suficiente. Cumpre destacar que, sob os ensinamentos de Fernando Capez (2009, p.165), os elementos da tipicidade material, se dividirão em três espécies, sendo o juízo valorativoque cada um possui o seu divisor de águas. Senão vejamos: a) Juízo de desaprovação da conduta, onde se exige que riscos relevantes tenham sido criados pela conduta; b) Juízo de desaprovação do resultado; onde a afronta ao bem jurídico seja efetiva, concreta, sendo a aplicação da máxima do brocardo, nullum crimen sine iniuria - não há crime sem ofensa; c) Imputação objetiva do resultado, que é o nexo de causalidade, ou seja, o resultado deve guardar ligação com o risco criado. Nesta celeuma, vale lembrar também, da tipicidade conglobante, teoria proposta e desenvolvida pelo jurista argentino, Eugênio Raúl Zaffaroni. Para o professor seria pressuposto de um fato típico, que a conduta delituosa descrita na lei, esteja coibida pelo sistema jurídico como um todo. Ou seja, o que é dado como lícito por uma norma não poder ser proibido por outra (ZAFFARONI apud CAPEZ, 2009, p. 217) Assim, “[...] o juízo de tipicidade deve ser concretizado de acordo com o sistema normativo considerado em sua globalidade” (GOMES, 2006). Desta forma, as condutas que em tese forem típicas, mas possuírem uma excludente de ilicitude, como a legítima defesa por exemplo, não aperfeiçoarão a tipicidade penal. A ideia principal aqui é, não se fala em uma conduta proibida por uma norma, mas permitida por outra (ESTEFAM, 2010, p. 195). Mais à frente, no estudo das excludentes de tipicidade nos ateremos mais a essa teoria. 31 Rogerio Greco (2009, p. 162) ainda lembra. “[...] para poder se falar em tipicidade penal, é preciso haver a função da tipicidade formal ou legal com a tipicidade conglobante, formada pela antinormatividade e pela tipicidade material”. Incrementando e finalizando o esboço da tipicidade material e a aplicação do crime de bagatela, vale trecho do julgado proferido pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, quando este se apreciou o HC 96813/RJ, cuja relatoria da então Ministra Hellen Gracie (STF, 2009). Consoante critério de tipicidade material (e não apenas formal), excluem-se os fatos e comportamentos reconhecidos como de bagatela, nos quais tem perfeita aplicação o princípio da insignificância. O critério da tipicidade material deverá levar em consideração a importância do bem jurídico possivelmente atingido no caso concreto. Sendo assim, A tipicidade penal existirá, se a conduta se adequar a letra lei (tipicidade formal), e ainda não houver no ordenamento jurídico entendido como um todo, uma norma que garanta a permissidade do agir em tese tido como típico (tipicidade conglobante), e por fim, que o resultado ou a conduta sejam efetivamente relevantes, causando efetivos prejuízos a um bem jurídico resguardado pelo Direito Penal. A este último, a contrário senso, deverão ser excluídos dos tipos penais, os fatos tidos como de pequena monta, aplicando-se assim, o princípio da insignificância (GRECO, 2009, p.162). 4.2.2.1 Teoria constitucionalista do delito Antes de finalizarmos o estudo da tipicidade, é interessante que se faça uma explanação rápida acerca da teoria constitucionalista do delito, corrente doutrinária que defendia a ideia de que os crimes necessitavam de um efetivo prejuízo na realidade fática, para que a tipicidade penal se aperfeiçoasse (GRECO, 2009, p. 162). A teoria proposta por Roxin, pode ser entendida como um casamento entre o Direito Penal e a Constituição, propondo que os crimes são poderão ser assim considerados se houver uma efetiva afronta a um bem jurídico. Mais uma vez, não há crime sem ofensa (ROXIN apud GRECO, 2009, p. 163). Neste sentido, explana Fernando Capez (2011, p.198), demonstrando a diferenciação entre as antigas teorias que sustentavam a ideia da tipicidade, a saber a teoria naturalista e teoria finalista. 32 O fato típico será, por conseguinte, resultante da somatória dos seguintes fatores: subsunção formal (era o que bastava para a teoria naturalista ou causal) + dolo ou culpa (a teoria finalista só chegava até esse segundo requisito) + Conteúdo material de crime (que é muito mais do que apenas a inadequação social da teoria social da ação, e consiste no seguinte: o fato deve ter uma relevância mínima, ser socialmente inadequado, ter alteridade, ofensividade, a norma precisa ser proporcional ao mal praticado etc.). Por fim, vale lembrar que esta moderna teoria, tem sido amplamente aceita em nossos tribunais, o que corrobora todo o exposto. 5 A POLÍCIA JUDICIÁRIA Neste novo capítulo trabalharemos a chamada Polícia Judiciária, especialmente para demonstrar sua diferença em relação à chamada Polícia Administrativa. Cumpre destacar que com o advento do Estado Liberal, por volta do Século XVII, o ser humano passa a ser valorizado como principal agente, sujeito legítimo de direitos. Neste cenário, é preciso se criar instrumentos que garantam estes mesmos direitos. Sendo assim, à Polícia é lograda como principal função a manutenção da ordem e da segurança, e ao Estado, caberá intervir em casos mais extremos onde houver ameaça à ordem coletiva (GUIMARÃES apud BANDEIRA, 2008, p. 34). Fato marcante desse período, decorre das consequências vindas com a Revolução Francesa e Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1789. Dois anos após esses episódios, a Assembleia Nacional Francesa, define quais seriam os objetivos, finalidades e missão da polícia no Estado Francês: “Considerada em suas relações com a segurança pública, a polícia deve preceder a ação da justiça; a vigilância deve ser o seu principal caráter; e a sociedade, considerada em massa, o objetivo essencial da solicitude” (SILVA, 2002, p. 30). Gabriele Pereira Bandeira, ainda lembrou que neste período, quando da promulgação do Código de Brumário na França em 1794, a polícia foi dividida em administrativa e judiciária, senão vejamos. A polícia administrativa tem por objeto a manutenção habitual da ordem pública, em cada lugar e em cada divisão da administração geral. Seu fim principal é o de prevenir os delitos, fazer executar as leis, ordens e regulamentos de ordem pública vigentes. À polícia judiciária cabe a investigação dos crimes, delitos e contravenções que a polícia administrativa não pôde impedir que fossem cometidos, colige as provas e entrega seus autores aos tribunais incumbidos de puni-los (SILVA apud BANDEIRA, 2008, p. 35) Assim, pode-se afirmar que o Brasil segue esse modelo já preconizado na França no século XVII, dividindo-se a polícia judiciária e administrativa. No sentido entabulado na última citação diz-se então que a polícia administrativa possui um caráter preventivo, enquanto a judiciária já tem sua atuação voltada à repressão, como também investigação de crimes e contravenções, onde deverá reunir as provas que 34 auxiliarão o Poder Judiciário em um eventual processo criminal. É este o sentido que Fernando Capez (2009, p. 82) exprime quando afirma: A polícia judiciária, nos dias atuais, exerce a função de auxiliar da justiça, destinada a consecução do primeiro momento da atividade repressiva do Estado. Tem por objetivo elucidar os delitos, apontando suas respectivas autorias, para servir de base à ação penal ou as providências cautelares. Por fim, vale o entendimento de Rodrigo Régnier Chemim Guimarães (2006, p. 30), quando o jurista com uma conceituação mais genérica da polícia: O conceito de polícia sofreu profundas transformações, podendo ser definido atualmente como a função administrativa estatal que tem por objetivo a manutenção da ordem pública, para que os homens possam viver em sociedade de forma harmoniosa,atuando tanto de forma preventiva quanto de forma repressiva, a fim de combater os desvios de conduta dos cidadãos. No tocante à atuação da polícia judiciária no Brasil, pode-se afirmar que logo após o descobrimento do país há registros de atuação das denominadas Ordenações Afonsinas, que funcionavam em Portugal como uma instituição que unia a polícia e o judiciário. Já no ano de 1521, a situação se modifica, com a chegada das chamadas Ordenações Manoelinas, que passava aos governadores das cidades toda a responsabilidade judiciária. Assim, em nome do Rei de Portugal, os governadores comandavam a polícia, bem como dirigiam todo o processo judiciário, de forma inquisitória, ou seja, eram eles que acusavam e julgavam ao mesmo tempo (GUIMARÃES, 2006, p. 24). Já em 1760, houve de fato a regulamentação da atividade policial na Colônia, por meio de um Decreto Monarca, onde expressões como Delegados de Província designavam a polícia preventiva, e os Comissário Constituídos nas Cabeças de Comarcas, tinham uma função repressiva (THOMÉ apud BANDEIRA, 1997, p. 15). No entanto, com a independência do Brasil em 1822, criou-se uma figura muito parecida com a do Delegado de Polícia, mas que na verdade era executada por juízes de paz, vez que neste momento a polícia e o judiciário eram um órgão apenas (GUIMARÃES, 2006, p. 26-27). Já no ano de 1891, com a Proclamação da República, e uma nova Constituição, os Estados-membros passaram a ter estrutura administrativa própria e autônoma, transferindo a eles a responsabilidade pelas polícias, até que em 1902 a polícia sofreu novamente uma transformação, sendo dividida em polícia civil e polícia militar, 35 estrutura esta que, embora tenha sofrido reformulações ao longo dos tempos, permanece até hoje. (GUIMARÃES, 2006, p. 28-29). Trazendo à luz da nossa Carta Magna de 1988, hoje a polícia judiciária é cumprida no esfera da União, pela Polícia Federal. É essa a disciplina do Art. 144, §1º, IV da Constituição da República, in verbis: Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: § 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: [...] IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União (grifo nosso). Por sua vez, o exercício de polícia judiciária nas esferas das unidades federativas, cabe às polícias civis de cada Estado, na forma do §4º, do mesmo Art. 144, CF, in verbis: Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: [...] § 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares (grifo nosso). Já o Art. 4º do nosso Diploma Processual Penal, se incumbe de disciplinar qual será a função da polícia judiciária, dentro da estrutura administrativa dos entes federados. Senão vejamos: “Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria” (grifo nosso). Neste sentido valem as palavras de Fauzi Hassan Choukr, citado na obra de Gabrielle Pereira Bandeira, para melhor explicarmos como se dá o organograma administrativo da polícia judiciária no Brasil, e como é o ingresso nessa carreira. As polícias civis dos Estados são regidas por suas leis orgânicas e administradas pelas respectivas Secretarias de Segurança Pública, cujos titulares, os Secretários da Segurança Pública são nomeados pelos Governadores de Estado. O chefe da Polícia Civil é nomeado pelo Poder Executivo. A carreira hierarquizada é preenchida por meio de concurso público, com determinados requisitos, sendo a última etapa do processo 36 seletivo, o curso de formação na Academia de Polícia (CHOUKR apud BANDEIRA, 2008, p. 36-37). Vale apenas complementarmos ao dizer que para prestar o concurso para o função de Delegado de Polícia, é necessário também a graduação no curso de Direito. Assim, no sistema jurídico pátrio, a “autoridade policial” é o Delegado de Polícia de carreira. Os agentes que auxiliam o trabalho da autoridade policial, são aqueles que agem em comunhão com ele para o trabalho da organização, como por exemplo, os demais policiais civis, escrivães, comissários, investigadores, etc. Algumas nomenclaturas e funções, variam de Estado pra Estado. Podemos também afirmar que os policiais militares e guardas municipais, agem muitas vezes abraçados à autoridade policial, já que estes autuam repressivamente no combate à criminalidade. (THOMÉ, 1997, p. 25-27) Constitucionalmente a polícia judiciária é órgão auxiliar da justiça. Neste sentido Gabrielle Pereira Bandeira (2008, p. 37) lembra: A missão da polícia judiciária é atuar como órgão auxiliar da justiça, fornecendo-lhe os elementos vitais para a propositura da ação penal, através das diligências empreendidas na elucidação dos delitos, tais como, relatórios de investigações, depoimentos, coleta de provas, laudos periciais, termos de apreensão e entrega, seja em forma de Inquérito Policial, Auto de Prisão em Flagrante, Termo Circunstanciado, Boletim de Ocorrência Circunstanciado, Auto de Apreensão de Adolescente ou Auto de Investigação de Ato Infracional. Assim, diz-se que à polícia judiciária é dada a responsabilidade de agir no exato momento que toma ciência da prática de um delito, averiguando suas causas e consequências, revelando o crime e apurando sua autoria. A polícia civil neste cenário, se mostra eminentemente judiciária, pois sua atuação acontece após a ocorrência de um crime. A partir daí, seu trabalho será o de fornecer ao Poder Judiciário todos os elementos que possibilitem comprovar a materialidade e autoria do delito. Por fim, vale destacar que para que essa missão seja cumprida com eficiência, é extremamente necessário, que os servidores da Polícia Civil, em todos os Estados, sejam valorizados, mas não só isso, é urgente, o devido aparelhamento, organização, assegurar garantias e afastar influências partidárias, para que assim, esse serviço público seja prestado com qualidade, melhorando assim, em segundo momento, toda nossa justiça penal. 6 POLICÍA JUDICIÁRIA VS. POLÍCIA ADMINISTRATIVA Neste capítulo, nos ocuparemos de explicitar de forma simples e didática as diferenças entre a polícia judiciária e a polícia administrativa. De início valem as palavras de José Geraldo da Silva (2006, p. 37), ao conceituar genericamente a instituição policial. Senão vejamos: “A polícia, em seu conjunto, significa a vigilância empreendida pela autoridade competente, a fim de manter a ordem e o bem-estar público em todos os ramos e serviços atinentes ao Estado”. Entretanto, como sabemos, o Brasil adota a separação das polícias e administrativa e judiciária, que se diferem de acordo com suas finalidades, objetivos e funções, mas de forma simples, pode-se afirmar que a polícia administrativa atua de forma preventiva, enquanto a polícia judiciária atua repressivamente (MELLO, 2011, p. 767). No entanto, cumpre destacar que esta diferenciação não pode ser encarada de forma absoluta, vez que tanto a polícia administrativa pode atuar de forma repressiva, quanto a polícia judiciária de forma preventiva.
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