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FUNDAMENTOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS I

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FUNDAMENTOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS I
1
FUNDAMENTOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
E HUMANAS I
Graduação
UNIDADE 1 - DIFERENCIANDO FILOSOFIA DE OPINIÃO
2
DIFERENCIANDO
FILOSOFIA DE OPINIÃO
Na primeira unidade, quero apresentar e mostrar a você um pouco
desta disciplina e sua importância na formação do saber científico.
OBJETIVOS DA UNIDADE:
• Mostrar os diferentes graus de conhecimentos, um em particular
- chamado senso comum - utilizado pela maioria da população.
Ele tem sua utilidade, mas pouco conhece de si mesmo.
PLANO DA UNIDADE:
• Aspectos Fundamentais do Conhecimento
• A Atitude Filosófica
• A Filosofia Enquanto forma sistemática de pensar
• A Questão da utilidade da Filosofia
Bem-vindo à primeira Unidade de Estudo.
Sucesso!
U
N
ID
A
D
E 
1
FUNDAMENTOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS I
3
1.1 - ASPECTOS FUNDAMENTAIS DO CONHECIMENTO
Um dos passos mais indicados para uma caminhada filosófica consiste
em definir aquilo que se pretende investigar. No nosso caso, tentar definir
essa disciplina. Aqui, já temos um problema. Toda definição erra. Toda
definição tenta encerrar algo per si indefinível, ilimitável: o saber. As
definições são tentativas de dogmatizar o processo científico, posto sua
enorme dinâmica em refazer-se incessantemente. Novas descobertas,
amanhã, enterram o que se definia como ciência hoje. Portanto, trata-se
de um exercício inglório apresentar uma definição. Por outro lado, nos
adverte Hilton Japiassú1, a impossibilidade de se ensinar sem ser
dogmático. Somente nesse sentido podemos nos aventurar a tal propósito.
Os grandes cientistas sabem que as questões presentes na base da
ciência são questões filosóficas e não científicas: verdade, procedimentos
necessários a uma prova científica, relação entre prática e teoria. De tal
maneira, alguém que se propõe a estudar seriamente uma determinada
área do saber não pode deixar de percorrer questões como essas se
desejar realmente saber quais são as bases do mesmo. Estamos aqui
diferenciando um técnico de um profissional formado em universidades.
Para o técnico basta o “aprender a fazer”, problema solucionável com um
simples curso em nível médio. Para o formado é necessário ir além, saber o
‘porquê’, o “como”, o ‘para que’ dessas práticas.
A disciplina em questão é, então, uma proposta de discussão de
algumas das mais importantes dessas questões que fundamentam as
ciências, particularmente, as sociais e humanas. Ela pretende examinar a
origem, construção e prática do saber científico social e humano, apresentar
e discutir algumas das principais idéias sobre as quais assenta-se o saber
científico e até se de fato é possível a ciência social e a humana.
Uma definição seria aqui, pois, algo ligado ao propósito de colocar a
filosofia para ouvir e servir a outros campos do saber, uma definição somente
didática, proposta apenas para apresentação de um curso como este.
Fundamentos das Ciências Sociais e Humanas é a disciplina que,
preferentemente por via dialógica, procura estudar as estruturas,
possibilidades e conseqüências presentes nas bases do discurso e da
prática dita científica nos campos sociais e humanos.
Espero que você tenha notado que a filosofia busca o diálogo, mas
isso não significa querer apenas um “papo” com a ciência, sem qualquer
objetivo. Não significa também poder abrir mão dela. Quero dizer que
nenhuma ciência pode existir sem a filosofia. Isso mesmo! Nenhuma ciência
pode existir sem a filosofia, pois para aquela desenvolver qualquer tipo de
estudo, precisará partir de questões postas pela filosofia. Sem
idéia como verdade, comprovação, certeza, acúmulo de saberes,
etc. não se pode fazer ciência.
O SENSO COMUM
Talvez você tenha ouvido falar duma antiga recomendação:
“manga com leite faz mal” ou “manga com leite dá indigestão”. Na
dúvida, melhor evitar. Quantas gerações deixaram de saborear
uma deliciosa fruta com medo de passar mal e ir para o hospital?(até
rimou, não é?)
Hilton Japiassú — 1 O mito
da neutralidade científica.
Dialógica — Relativo a
diálogo, em forma de diálogo.
 IMPORTANTE:
Mostrar a ligação entre
filosofia e ciência é, assim,
um dos principais objetivos
aqui, mas antes vamos dar
algumas noções de Filosofia.
Como ela nasceu, como ela
está estruturada, sua
diferença em relação ao
pensar comum. Então,
vamos começar pelo senso
comum?
UNIDADE 1 - DIFERENCIANDO FILOSOFIA DE OPINIÃO
4
Conta-se que por trás disso estavam os senhores de escravos,
temendo dividir seu leite com eles, espalhavam esses boatos e aí não
precisavam nem vigiar seu precioso alimento (pelo menos na época das
mangas). Hoje, vemos no mercado picolés de manga feitos com leite, doces,
confeitos e outros alimentos. E os dois estão lá, misturados. Nenhum
fabricante é louco para colocar um produto que faça mal a seus clientes -
danos morais custam caro em tempos de direitos do consumidor. Essa
recomendação pode ter começado de forma intencional, mas divulgou-se,
espalhou-se, quase todos acreditaram nela. Ela está errada, mas atravessou
anos como se fosse certa. O que faz um erro tornar-se uma verdade? Não é
o insistente número de vezes que ele é dito? Joseph Goebbels, ministro da
propaganda no tempo de Hitler, já dizia: “Uma mentira dita cem vezes torna-
se uma verdade”. Como assim? Bem, chamam-se esses conhecimentos,
comuns a todos, mas que ninguém sabe de onde veio, quem o fez, porque o
fez, para que o fez e nem mesmo parou para conferir se estão realmente
certos, de senso comum.
Percebe-se que o senso comum gera preconceitos, opiniões mal
formuladas, equívocos, desentendimentos e o pior, o sentimento de o
defendermos como a mais pura verdade - afinal todos não pensam assim?
Ora, se todos concordam comigo, eu estou certo, não estou? - Aqui existe
um perigo quando todos concordam com a “inferioridade” de determinada
“raça” ou com uma certa “natureza” da mulher para afazeres domésticos ou
com a “preguiça” do pobre ou que a ciência sempre consegue provar o que
diz e tantas outras “verdades”, tornadas “verdades” pelo simples fato de
serem aceitas por um número muito grande de pessoas.
Por outro lado, o senso comum tem muita utilidade. Já pensou se você
tivesse que dar nome a todas as coisas existentes na Terra? Se todo dia, ao
levantar, fosse necessário decidir cada passo a ser tomado? Se não existisse
uma possibilidade de se encontrar uma forma de sobreviver já pronta para
escolher ou rejeitar? Se para todas as coisas tivesse de partir do zero? Sei
que alguns poderiam até achar melhor se fosse assim, mas encontrar
conhecimentos já prontos parece melhor, se for estudado de modo crítico.
O senso comum é esse entendimento adquirido de forma espontânea
(irrefletido, sem usar a vontade, sem planejamento) existente antes de nós,
que formam os valores, a moral, os costumes, o modo de ver a realidade,
como comportar-se em sociedade e até que tipo de sentimentos devemos
ter (o choro não é cobrado pelas outras pessoas quando alguém próximo
falece? As fotos familiares não são tiradas com um sorriso?). Ele procura
explicar quase todos os aspectos de nossa vida: de onde surgiu o mundo, o
que é uma pessoa “boa”, o que é a vida, o que devemos procurar nela, o
valor do trabalho, da religião, dos casamentos e dos filhos. Quase nada
escapa de suas explicações. Normalmente, as pessoas se acostumam com
elas e raramente procuram pensar em outra explicação possível.
COMO SE ORIGINA O SENSO COMUM?
A vida rotineira é muito mais fácil de ser vivida, não é? Se todos os
dias eu sei o que me espera, o que tenho de fazer, com quem devo me
FUNDAMENTOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS I
5
relacionar, que valores são os mais importantes, ou seja, já me encontro
acostumado a tudo, meu dia-a-dia já está definido,isso não facilita a minha
vida? Pense no contrário: não saber que trabalho devo procurar hoje, todas
as pessoas com as quais entraria em contato seriam desconhecidas, tudo
novo, tudo desconhecido e isso todos os dias. A permanente tensão, o
violento stress causado por tantas mudanças, talvez, nos levaria à loucura.
Essa rotina, já encontrada pronta pelas pessoas, é a explicação que a vida
social produziu - as pessoas que viveram antes de nós foram criando a
partir de suas experiências, um saber que depois nos será passado e
defendido como certos. Quem viveu antes de nós, precisou encontrar
soluções para sobreviver e quando encontraram, passaram para nós, para
continuarmos sobrevivendo. Por exemplo: um grupo de pessoas da pré-
história estava passando fome, mas depois descobriram a agricultura,
portanto, eles encontraram uma forma de sobrevivência e procuraram passar
para seus descendentes essas informações. Os descendentes vão
acostumando-se com a agricultura, passa a ser algo “normal”, vira senso
comum. Somam-se a isso outras coisas necessárias à prática dessa
agricultura: a forma como a posse da terra foi estabelecida, as classes sociais
encarregadas do trabalho, como a religião será praticada para garantir a
colheita e tantas outras coisas. A tudo isso as pessoas vão acostumando-
se. A vida fica mais fácil de ser vivida. Há uma rotina que evita a necessidade
de se pensar muito. Eis, então, o problema do senso comum. Ele facilita a
vida, mas nos acomodamos com essa facilidade. O senso comum contenta-
se em resolver o problema da sobrevivência, não vai além. Como no caso
do agricultor preso ao senso comum que se interessa apenas em produzir
e, conseguindo isso, pouco lhe importa como se dá o processo da germinação,
alimentação da planta, fatores externos que interferem. Isso é preocupação
da ciência, pois ela vai além do senso comum.
Sem dúvida, o senso comum não vale só para as pessoas do passado
ou moradores das zonas rurais afastadas. Ele está presente na rotina das
grandes cidades. A forma de sobreviver nas cidades também deriva do senso
comum: desde crianças nos mandam estudar, arrumar emprego, constituir
família, buscar estabilidade e segurança. Acostumamos-nos a isso, nos parece
absolutamente normal e natural as coisas serem assim. Você pode notá-lo
em diversas expressões, costumes, comportamentos: “A ocasião faz o
ladrão”, “Pago um boi para não entrar numa briga, mas depois que entro,
pago uma boiada para não sair dela”, parabenizar aniversariantes, chorar
em velórios, etc.
As sociedades querem manter seus membros sob o senso comum e
assim dar continuidade a sua existência, evitar o risco de revoluções, de
mudanças, de partir para um novo caminho. O novo causa medo e é por isso
que o senso comum faz tanto sucesso. O novo, o diferente, o incomum
causam reações adversas, podem ser criticados, sofrer preconceitos,
deboche, menosprezo ou até violência grave. Mas também pode, se cair no
gosto das pessoas, ser incorporado ao senso comum (o funk, o rock, a
liberdade sexual, o trabalho feminino, não eram condenadíssimos a pouco
tempo atrás?). Novas compreensões do mundo, da vida, dos valores, dos
gostos, podem incorporar-se ao senso comum. Neste sentido ele muda,
UNIDADE 1 - DIFERENCIANDO FILOSOFIA DE OPINIÃO
6
altera-se com o passar do tempo. Podemos
classificá-lo como um conhecimento, embora
vulgar, e não como um instinto. Os animais
conservam seus comportamentos de geração em
geração, porém se as condições exteriores mudam,
eles não conseguem sobreviver. Um felino chamado
guepardo, por exemplo, especializou-se em caçar
as velozes gazelas, conseguindo correr a mais de
100 quilômetros por hora. Como as gazelas estão
entrando num processo de extinção, os guepardos
estão entrando no mesmo processo, pois não
conseguem fazer outra coisa senão obedecer a
seus instintos. O ser humano, diferentemente, vive em condições mais diversas
possíveis: no gelo, no deserto, na floresta, nas cidades, até longos períodos
no mar. Só um conhecimento poderia possibilitar tamanha versatilidade.
Por fim, poderíamos tentar relatar algumas das características do
senso comum. Desse modo, você poderia entender como ele opera, suas
vantagens e limitações:
a) Fragmentário - O pensamento vulgar não percebe fatos
relacionados entre si, embora diferentes na aparência. Por
exemplo: entre a censura imposta ao pensamento oposicionista
durante a ditadura e a falta de acesso dos trabalhadores à mídia
hoje em dia, há uma mesma intenção: manter a submissão das
classes menos favorecidas. Além disso, esse pensamento não
apresenta coerência. As idéias desenvolvem-se
independentemente umas das outras, opiniões contrárias são
sustentadas ao mesmo tempo, algo dito agora, pode ser negado
por outra coisa dita logo depois. Por exemplo: alguém pode
sustentar que o homem é “produto do meio” e ao mesmo tempo
condenar um pivete assaltante. Se alguém é produto do meio,
ele não pode ter culpa de nada, o meio é o culpado. Assim como
essa, tantas outras incoerências podem ser vistas no senso
comum. O problema aí encontra-se na falta de uma teoria
fundamental orientadora de todas as outras idéias.
b) Misturado com outras coisas - crenças, lendas, “achismos”. Por
não ser um pensamento organizado, ele não consegue separar
crendices de conhecimentos.
c) Ligado aos sentimentos - As idéias formadas são bastante
dependentes dos medos, das alegrias, das esperanças, de toda
a vida interior. Por exemplo: quando as pessoas de uma
comunidade têm muito medo de fantasmas, eles começam a
aparecer por todos os lados.
d) Preconceituoso - Não há o costume de verificar e checar as
informações, valores, comportamentos e afirmações repetidos
pela maioria. Se a maioria apóia, toma-se como verdadeiro. Daí
o julgar “por ouvir dizer” e não porque sei que é assim.
e) Conservador - O novo, as mudanças, o desconhecido são
evitados pelo senso comum, pois exigiriam maior empenho do
pensamento, novos hábitos, novas descobertas.
FUNDAMENTOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS I
7
f) Dominado pelo passado - Há uma pouca consciência do
presente. O já acontecido recebe maior consideração por ser
mais conhecido. Espera-se mais pelo futuro e menos se procura
construi-lo.
g) Acrítico - O senso comum desconhece sua origem. Na verdade,
as pessoas acostumam-se com suas explicações. Em outras
palavras, as explicações, os comportamentos, os valores, tudo
o que se diz ou se pensa sobre a realidade já está lá antes de
nós. O mais comum e mais fácil é acostumar-se a tudo, sem
questionar coisa alguma, muito menos criticar a si próprio.
h) Subjetivo - As idéias desenvolvidas dependem da
representação que as coisas têm para mim. Diante do mar,
diferentes juízos podem ser formados num surfista, num artista,
num oceanógrafo, num pescador ou num religioso. O pensar
comum conhece as coisas de modo subjetivo.
i) Preso às aparências - Os juízos tendem a ser formados a partir
da aparência das coisas e não do que elas são de fato. Durante
muitos séculos, a maioria da população não percebeu que o
suor, as nuvens, o gelo e o orvalho são praticamente o mesmo
elemento: água. Assim como as forças que atuam entre a lua e
a terra são as mesmas existentes entre a terra e um grão de
poeira no ar, mas a aparência tão diferente impede essa
percepção.
j) Antropologizante - Os juízos emitidos pelo senso comum, seja
sobre aspectos da natureza, das relações entre as pessoas,
dos valores morais, de tudo, são medidos, vistos e pensados a
partir do que representam para o ser humano. Por isso, quando
alguma coisa descoberta pela ciência, pela filosofia ou pela arte
está distante do ser humano, torna-se inaceitável. Por exemplo:
a teoria da relatividade nos apresentou o tempo como algo
relativo. Ele passa mais rapidamente ou menos, dependendodo lugar de quem observa. Embora isso seja ciência, dificilmente
o pensar comum pode aceitá-lo, pois vivemos todos submetidos
aos mesmos horários.
l) Mitologizante - Toma quase como sobrenatural as coisas comuns
da natureza e da ciência. A tecnologia, as descobertas
científicas, tudo o que for incomum torna-se objeto de espanto,
das conversas por todo o país, busca-se mais espalhar e
comentar a notícia do que questioná-la, duvidar de sua
veracidade, investigá-la. Geralmente, como nos mitos, recebe
aceitação e aprovação imediata por confiar-se na fonte de onde
ele veio.
m) Espontâneo - não é planejado, acontece. Um novo
conhecimento é gerado pela população quando ela encontra
um desafio pela frente. Por exemplo: quando o computador
pessoal começou a torna-se equipamento comum, as pessoas
perceberam sua relevância para o trabalho, aí procuram os
cursos de informática, muitas vezes sem saber o que ele
representa de fato ou o que de fato precisa ser aprendido.
UNIDADE 1 - DIFERENCIANDO FILOSOFIA DE OPINIÃO
8
Podem ser colocadas ainda outras características, mas creio ter apontado
um número suficiente delas para dar uma noção sobre o senso comum.
Além da bibliografia oficial proposta, você pode aprofundar-se em outros livros,
entre os quais eu indico:
LEITURA COMPLEMENTAR
z O mundo de Sofia, de Jostein Gaarder, Cia. das Letras - Um
romance bem gostoso de ler que fala da História da
Filosofia.
z História da Filosofia, de Humberto Padovani e L. Castagnola.
Ed. Melhoramentos. Um livro bem apresentado, com
resumos sobre os pensamentos dos autores.
z História da filosofia contemporânea, de Christian
Delacampagne. Ed. Jorge Zahar. Para você ficar atualizado
em relação aos autores mais recentes.
Neste tópico você poderá notar um ponto importante: apesar de sua
enorme força e influência, o senso comum pode ser suprimido. Como? Ora,
através da reflexão crítica.
Indicarei ainda outros livros na seqüência, conforme o desenvolvimento do
assunto.
1.2 - A ATITUDE FILOSÓFICA
Apesar de sua enorme força e influência, o senso comum pode ser
suprimido. Como? Através de uma reflexão crítica. Então, o primeiro passo para
ultrapassar o senso comum é utilizar a atitude crítica através da “atitude
Filosófica”.
A atitude filosófica é a coragem de tomarmos distância de nossa vida
cotidiana, do senso comum. É a coragem de não aceitar como verdade,
como algo óbvio, as afirmações, os costumes, os valores, tudo, sem antes
pensar, sem antes verificar.
E, depois, se o proposto para nós como certo e verdadeiro não for
verdadeiro, se faz necessário procurar o verdadeiro, o certo. Só que agora, eu
mesmo estarei fazendo isso.
 IMPORTANTE:
FUNDAMENTOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS I
9
Na atitude filosófica, então, você reexaminaria suas concepções teóricas.
Talvez te ocorra: - Esse negócio de reexaminar as concepções teóricas deve ser
coisa de quem vive apenas para isso. Não é verdade! Um especialista em biologia
marinha pode pesquisar o viver de um animal do qual jamais teremos
conhecimento. O mesmo pode ocorrer com outras áreas. Mas com a Filosofia é
diferente, pois o interesse de um filósofo se estende a qualquer ser humano,
porque ele investiga questões que fazem parte do cotidiano de todos nós.
Além disso, se você observar bem, há em nosso dia-a-dia uma presença
assombrosa de concepções filosóficas. Por exemplo, na idéia de ser humano.
Será que apenas os pensadores procuram dizer o que é o homem? Observe
algumas frases ditas e ouvidas quase todos os dias. Entre parênteses
aparecerá apenas uma das concepções teóricas que estão por detrás delas:
z “A escola é a solução da miséria no Brasil!” (Quem defende essa
idéia, admite, por conseguinte, existir a verdade e a possibilidade
dela ser transmitida a outros, senão a existência da escola não
teria sentido).
z “Essas coisas acontecem desde que o homem é homem!” (Quem
defende essa idéia, admite, por conseguinte, que a natureza
humana é imutável).
z “Aquela nossa conhecida é uma mãe desnaturada!” (Quem defende
essa idéia, admite, por conseguinte, ser a natureza da mulher,
própria para criar os filhos e não uma tarefa imposta pela nossa
cultura).
z “A ocasião faz o ladrão”.(Quem defende essa idéia, admite, por
conseguinte, ser a natureza humana má).
Sendo assim, até as idéias emitidas pelo povo, na vida rotineira, são
embasadas em concepções teóricas, mesmo numa pessoa que não possua
instrução, escolaridade, estudo, que não saiba apontar a origem dessa idéia
ou dizer qual é essa concepção. Muitas dessas concepções teóricas vem de
filósofos dos quais nem sequer ouvimos falar.
A Filosofia busca a verdade, mas não para atrapalhar nossa vida. Ela
nos propõe essa pergunta (“O que é o ser humano?”) e outras,
a fim de que não aceitemos passivamente respostas feitas por
outros. Você quer ser livre? Tenha a coragem de fazer essa
pergunta para si próprio. Quando a sociedade diz que você não
precisa perder tempo com essas coisas, que você não tem tempo
para isso, ela já te dominou e já te fez engolir sua concepção de
ser humano. Leve em conta o seguinte: ela não quer te deixar
pensar. As sociedades não costumam colocar essa pergunta, a
maioria das pessoas supõe-na já respondida. Nas sociedades
tradicionalistas nem se faz tal pergunta (a tradição já define e
os líderes culturais transmitem o modelo para os membros dessa sociedade).
Daí, então, tamanha importância para nós sairmos do senso comum.
Para dar esse passo, o intelecto vai desenvolver uma atividade muito comum
a quem deseja filosofar: indagar. Não parece, mas as perguntas são uma
das partes mais importantes da filosofia, às vezes mais importantes até do
UNIDADE 1 - DIFERENCIANDO FILOSOFIA DE OPINIÃO
10
que as respostas. Calma! Eu explico. Estou falando, é claro, de uma boa
pergunta, não uma pergunta qualquer. Porque perguntar por perguntar, não
leva a nada. Certas perguntas podem mudar o rumo dos acontecimentos e
dos conhecimentos. Juscelino Kubistchek, quando estava em campanha pela
presidência da República em 1955, ouviu de um morador: “O senhor vai cumprir
a Constituição que manda mudar a capital do país para o centro do Brasil?”
Nasceu aí a decisão de construir Brasília. Immanuel Kant ao invés de perguntar
“- como nós conseguimos conhecer as coisas?”, perguntou: “- nós podemos
conhecer as coisas?” Uma pergunta estranha, pois parece óbvio que nós
conhecemos, mas essa pergunta revolucionou o pensamento humano até
os dias atuais.
Perguntas bem feitas podem mudar muito a vida de uma
pessoa. A filosofia tem lá suas perguntas clássicas, ou seja,
aquelas que nunca deixarão de ser enfrentadas (Quem sou?
Para ter uma resposta óbvia, por exemplo, é só acrescentar o
meu nome, mas para a filosofia isso não é tão simples assim. A
resposta dada a essa pergunta é uma, se eu nasci no Brasil,
mas se tivesse nascido entre os árabes, continuaria a ter a
mesma idéia sobre mim? E se tivesse nascido no Japão ou entre
os esquimós ou entre os índios? Certamente, a idéia que faria
de mim mesmo seria outra. Isso quer dizer que o “quem sou
eu” depende da cultura em que eu vivo. Se depende da cultura,
então, aquilo que sou não depende só de mim, mas dos outros. E, se depende
dos outros, eu só posso saber quem eu sou se estudar esses outros). Para
cada pergunta feita, abre-se um campo novo. Por isso o homem que vive
só de opinião limita-se ao rotineiro, ao trivial, apavora-se com as coisas que
não são simples. Suas dúvidas são pequenas, com questões que envolvem
apenas o momento, superficiais: Quanto foi o jogo de ontem? Todos os
políticos são corruptos! Essa roupa combina com aquela? Quanto custa um
pãozinho? Sabe quem namora aquela atriz da novela na vida real? A dúvida
nunca é problematizada.
Questões fundamentaisde nossa existência não são colocadas por
esse homem que vive só de opinião e, se forem, não se procura a resposta.
Em termos intelectuais, ele procura viver sem dúvidas, sem preocupações,
sem sofrer com incertezas, na comodidade, exatamente dessa maneira,
esperando que nada lhe aconteça – algo pouco provável.
As perguntas fazem-nos questionar, elas põem nosso cérebro em
movimento. Diante de uma pergunta ele não consegue ficar quieto, exige-
se respostas. Veja, no seguinte exemplo, como Chung-Tzu foi obrigado a
repensar o falado anteriormente:
“Chuang-Tzu e Huy Tzu atravessaram o rio Hao pelo açude. Disse
Chuang:
- Veja como os peixes pulam e correm tão livremente: isto é a
sua felicidade.
Responde Hui:
- Desde que você não é um peixe como sabe o que torna os
peixes felizes?
Opinião: Segundo o dicioná-
rio Houaiss: 8 FIL “Crença
adotada como verdade pelo
senso comum sem qualquer
reflexão a respeito de sua
validade, de seus pressu-
postos e dois meios pelos
quais foi obtida.
Problematizar é um recurso
importantíssimo numa pes-
quisa, porque vai se procu-
rar aqui determinar o que é,
onde, em que está exata-
mente o problema a ser re-
solvido.
FUNDAMENTOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS I
11
- Desde que você não é eu, como é possível que saiba que eu não sei
o que torna os peixes felizes? Chuang respondeu.
Hui argumentou:
- Se eu, não sendo você, não posso saber o que você sabe, daí se
conclui que você, não sendo peixe, não pode saber o que eles sabem.
Chuang responde:
- Um momento: Vamos retornar à pergunta primitiva. O que você me
perguntou foi “Como você sabe o que torna os peixes felizes?” Dos
termos da pergunta você sabe evidentemente que eu sei o que torna
os peixes felizes. Conheço as alegrias dos peixes no rio através de
minha própria alegria, à medida que vou caminhando à beira do mesmo
rio.” (A via de Chuang-Tzu, Petrópolis: Vozes, 1969.)
O diálogo poderia continuar, mas você notou como Chuang foi obrigado
a utilizar seu pensamento diante dos desafios de Hui? Não
tenha medo das perguntas filosóficas, elas podem causar
um impacto inicial, mas depois acabam trazendo mais
conhecimentos e menos ingenuidade. Num primeiro
momento, ela pode de fato produzir o mesmo efeito
produzido pelo besourinho que encontrou uma centopéia
no jardim: Ele perguntou: _Dona centopéia, quando sua
pata número dois está no ar, a cinqüenta e cinco está onde?
E quando a onze está no chão, a noventa e nove também
está? E assim por diante. Dizem que a partir daquele dia a
centopéia não conseguiu andar mais.
Você consegue andar tranqüilamente em nosso
mundo se não parar para pensar em nada. Realmente tudo fica mais fácil,
mas aí, será que realmente vivemos uma vida nossa?
A filosofia, sim, renova-se a todo o instante, justamente por buscar a
verdade, sem cessar. Por isso, a atitude filosófica é uma atitude
questionadora, problematizadora, investigativa. Ela nunca deixa de
perguntar, dificilmente ficará completamente satisfeita. Ela procura superar
aquele estado de espírito das pessoas conformistas, que deixam de
questionar o que se sabe por não haver resposta melhor. Pregam a aceitação
do estabelecido por ‘ser pior a falta de verdade’. Quero dizer que mesmo
quando o correto, o certo ou a resposta verdadeira estiver difícil de encontrar,
é preciso perseverança para encontrar respostas. E essa esperança é melhor
representada pela persistência, nada mostra mais a esperança do que
perseverar. Esperança não significa ficar parado, pois esse não espera nada
de verdade. Quem ousa questionar explicações, mesmo se famosas, persiste.
Mesmo quando não houver uma outra explicação no mundo todo, além da
que estudamos, é preciso atitude filosófica, sem ela somos joguetes dos
que mandam. Nunca, nunca aceitar algo como verdadeiro sem antes pensar,
refletir, examinar. Talvez você esteja pensando: - Mas aí eu não vou poder
fazer mais nada? Claro que não é bem assim! Começamos devagar, com
aquilo que diz respeito principalmente às atividades de conhecimento, depois
o espírito crítico vai tomando conta de nós. Chega um momento, então, que
diante de afirmações mal fundamentadas, nós imediatamente já começamos
a exigir mais clareza.
 IMPORTANTE:
Um papel fundamental da
filosofia é problematizar,
questionar o saber
instituído. Ela busca,
constantemente, a verdade,
mas não para possui-la e
dogmatizá-la, não para
gerar um pensar
permanente, imutável.
UNIDADE 1 - DIFERENCIANDO FILOSOFIA DE OPINIÃO
12
1.3 - A FILOSOFIA ENQUANTO FORMA SISTEMÁTICA DE PENSAR
O filósofo não está absolutamente livre para desenvolver sua
Filosofia. Caso ele queira que suas idéias sejam entendidas, discutidas,
refletidas, refutadas, adotadas, etc., precisa tomar alguns cuidados
metodológicos. Há razões para isso. A Filosofia, do modo como é elaborada
atualmente, tem exigido a observância dos seguintes critérios:
z Ela precisa trabalhar de forma rigorosamente racional para
fundamentar os conteúdos investigados.
Você não pode trazer para dentro da filosofia crenças, lendas,
dizer que algo é verdadeiro porque quem disse é seu amigo
ou alguém muito importante. Note bem, nem todos os
filósofos são contra as crenças, mas a crença não pode
misturar-se com a filosofia. Um verdadeiro filósofo sempre
procura discutir com outro sobre as conclusões por ele
encontradas. Ora, se o outro filósofo não tem uma crença
em comum comigo, como ele poderá me entender? Resta,
então trabalhar de outra forma, uma forma que não envolva
a crença, só a inteligência. Aí, então ele poderá acompanhar
minha linha de raciocínio e fazer suas observações.
Nem por isso o filósofo precisará deixar suas crenças pessoais de lado.
Ele pode tê-las, mas não pode misturá-las. É por isso que temos vários
filósofos religiosos, só para dar alguns exemplos: Kierkegaard foi protestante,
Espinosa, judeu; Agostinho, católico; Avicena, muçulmano; os ateus Marx e
Nietzsche; sem falar dos agnósticos. O filósofo Habermas, por exemplo,
considera a filosofia limitada, pois certas questões não estão ao alcance da
simples razão humana, como por exemplo, se nossa alma será julgada depois
da morte. Quando tais questões se apresentarem, ele não vê problemas no
uso da fé e da religião. A filosofia nada pode dizer sobre isso.
z A linguagem filosófica.
Quando alguém diz: “Para tudo há uma razão”. Essa frase, solta assim,
não permite o entendimento claro que ela quer dizer, pois a palavra razão é
usada em muitos sentidos, como por exemplo, no de saúde mental - João
perdeu completamente sua razão; no de estar certo: Você está com a razão;
no de causa: - A razão da subida dos preços foi a excessiva procura do
produto; motivo: a gripe foi a razão pela qual ele faltou ao trabalho. Uma
palavra com tantos significados não permite um entendimento preciso, a
menos que o autor esclareça seu significado.
Outro exemplo, quando Protágoras afirma: “O homem é a medida de
todas as coisas”, que sentido você pode dar à palavra ‘homem’?
Você pode tomá-la em sentido metafísico: existe um ser humano
absoluto que devemos tomar como padrão para toda e qualquer alusão à
realidade. Você pode tomá-la em sentido antropológico: o homem, enquanto
(ou a média abstrata das opiniões de um grupo) membro de uma cultura,
acaba definindo todas as coisas. Você pode tomá-la em sentido relativista:
cada homem tem sua verdade. E muitos outros. Qual deles é o correto? Se
o filósofo não define com precisão sua filosofia, também se esvazia de
conteúdo.
Agnóstico - Um agnóstico é
alguém que acredita que nós
não sabemos nem podere-
mos saber se um deus exis-
te.
Metafísico - A Metafísica pro-
cura conhecer a realidade em
sua mais profunda verdade.
Ela procura entender qual é a
realidade última de cada ser
existente. Desse modo, es-
tudar o homem em sentidometafísico significa tentar
compreender o que é o ho-
mem em si mesmo, indepen-
dentemente do modo como
aparenta ser.
Antropológico - A Antropo-
logia é uma ciência centrada
no homem e na cultura, por-
tanto tomar a palavra homem
em sentido antropológico sig-
nifica pensar como um ser
humano em seu aspecto con-
creto, enquanto membro de
uma cultura, de uma história,
de um ambiente, de uma co-
munidade.
FUNDAMENTOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS I
13
Quando alguém elabora uma filosofia, deve ter um grande cuidado
nesse ponto, caso contrário poderá até ver seu pensamento destroçado.
z Provar e demonstrar aquilo que se afirma:
Um filósofo não pode viver de sua fama. Ele é desafiado o
tempo todo a provar, demonstrar, argumentar em favor de suas
idéias. As provas devem ser claras, demonstradas passo a passo
para outros filósofos acompanharem o raciocínio. É claro que as
provas da Filosofia não são as mesmas da ciência, não utiliza
balanças, microscópios, réguas, etc. Prova pela evidência da idéia,
pela argumentação. Por exemplo: O filósofo Descartes procurou
partir sua filosofia de uma prova indubitável, mas cada ponto do
qual ele pretendia partir oferecia uma dúvida. Aí, ele refletiu melhor
e percebeu que enquanto duvidava, ele necessariamente precisava
existir, pois não é possível haver dúvida sem existir alguém que
esteja duvidando, portanto se duvido, é porque existo - Nós
conhecemos isso de outra forma: Penso, logo existo.
z Utilização da lógica
Além da fundamentação, da prova, a seqüência do raciocínio de uma
filosofia precisa desenvolver-se de forma criteriosa, sem contradições,
ambigüidades, apelações. Um filósofo não pode ter
em mente apenas o vencer os outros. Jamais apelando
para truques de lógica, por exemplo, se digo: Tudo
aquilo que você ainda não perdeu é porque ainda está
contigo, não é verdade? Mas logo em seguida lembro:
Ora, você não perdeu ainda nenhuma cauda, não é
verdade? Então, você ainda a possui, não é verdade?
Desculpe-me o exemplo, quero apenas chamar a
atenção.
O que aconteceu aí com você nada é claro, mas
com o raciocínio houve um problema grave, ele partiu
de um ponto de vista falso. É claro que nem tudo o
que não perdi eu tenho, isso é falso. No entanto, quem concorda, sem
perceber, com esse início, “dança” na conclusão. Esse tipo de argumentação
invalida uma filosofia, desmoraliza completamente um filósofo.
Também cabe lembrar: a Filosofia estuda de forma metódica, ou seja,
antes de começar a desenvolver um estudo, o filósofo já definiu os passos
com os quais pretende abordar o assunto, como e por quê vai utilizar esse
método. Ele não pesquisa de qualquer maneira, no estilo “na hora eu vejo
como devo fazer”, mas já tem isso definido antes.
z Globalidade das abordagens dos assuntos tratados
Quando alguém estuda uma determinada ciência ou assunto, tal estudo
concentra-se num aspecto da realidade intencionalmente isolado dos demais.
O biólogo estuda a realidade naquilo que diz respeito aos seres vivos; o
psicanalista a realidade do inconsciente e consciente, o historiador a
realidade dos diversos aspectos das transformações e os fatores envolvidos
com elas. É claro, estou falando de um modo bem grosseiro e até injusto
UNIDADE 1 - DIFERENCIANDO FILOSOFIA DE OPINIÃO
14
com esses conhecimentos, apenas para ilustrar o recorte de realidade feito
por eles.
A filosofia não tem aspecto específico, ela estuda tudo, examina os
problemas sob a perspectiva de conjunto, diversos e diferentes aspectos
são considerados. Quando se estuda a atividade científica, interessa não
só o conhecimento científico, mas suas relações com o poder, com a política,
com a cultura, com a arte, com a moral e assim por diante.
O filósofo grego Tales de Mileto esteve no Egito e, ao observar as
cheias do Rio Nilo, notou que tão logo as águas das cheias voltavam ao seu
leito normal, apareciam rãs na terra molhada. A partir daí, ele concluiu ser a
água o princípio da vida e de todas as outras coisas. Errou, não é? Mas um
grande passo foi dado: o conhecimento nasce agora da observação das
coisas e não de uma revelação mística. Ou seja, com essa atitude,
mesmo errando, ele influenciou a maneira de se procurar a verdade.
A partir daí não se trata de ficar esperando por alguém especial
para dizê-la e sim olhar para a natureza e tentar interpretá-la a
partir da observação. A filosofia deve muito a ele. Posteriormente,
acrescentou-se uma exigência cada vez maior na sua elaboração.
Hoje, considera-se a Filosofia como uma forma de conhecimento.
Preste atenção a essa palavra: conhecimento. Não se
trata apenas de um discurso feito de palavras bonitas e difíceis ou
falar sobre coisas vagas e sem sentido prático. Todas as partes de
um conhecimento filosófico precisam ter clareza, até as próprias
perguntas precisam ter sentido.
Depois de tudo o que foi dito, após algumas informações e de
mostrar um pouco como se faz filosofia, ainda cabe uma pergunta:
Será que a filosofia tem alguma utilidade?
1.4 - A QUESTÃO DA UTILIDADE DA FILOSOFIA
As pessoas gostam de fazer as coisas sabendo para que o fazem. E
quando vão fazer Filosofia? Será que sabem o que fazem? Vamos falar um
pouco disso neste item, pois não é possível avançar quando algumas
questões ficam “entaladas” na garganta. Vamos lá?
Uma pergunta jamais deixará de fazer parte das aulas de Filosofia,
pelo menos nas aulas iniciais: “Para que serve a Filosofia?”
Dentro dessa pergunta já há muito senso comum, a própria pergunta
está cheia de senso comum. Por quê? Porque quem pergunta isso já entende
que as coisas precisam servir, mas o que é servir? Nessa hora aparece bem
o senso comum. Servir é algo de uso imediato, algo importante
para “ganhar dinheiro”, usar no trabalho, para obter alguma
vantagem. Nesse sentido, a filosofia não serve muito. Desde
o começo, o amor pelo saber, a busca pela sabedoria moveu
os filósofos. Não inventada para ganhar dinheiro, mas para
satisfazer a enorme curiosidade de alguns seres humanos.
Isso não quer dizer que o pensado por eles ficou só entre
eles. Mesmo aqueles “desinteressados” pela filosofia acabam
atingidos por ela. Nem mesmo os “apressadinhos”, sem tempo
IMPORTANTE:
 Filosofia é
conhecimento e para
alcançá-lo é preciso
trabalhar de forma
sistemática.
VAMOS REFLETIR!
Deixe-me fazer
uma pergunta: Pode
da terra molhada
nascer rãs vivas?
Pare e pense um
pouco. Parece loucura
alguém fazer uma
pergunta dessa. Pois
é, mas ela foi uma das
mais importantes
perguntas feitas na
antigüidade.
FUNDAMENTOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS I
15
para nada, sem tempo para ler, para refletir, para estudar, deixam de ser
atingidos por ela. A filosofia não está presente só nos indivíduos, está
presente nas instituições sociais, na cultura, nas relações humanas, em
praticamente tudo, até no próprio modo de pensar. Se eu digo, por exemplo,
que os quatro maiores filósofos do mundo são dois: Platão e Aristóteles,
essa frase trava imediatamente nosso pensamento. Por quê? Porque fomos
influenciados pela forma grega de pensar: com lógica, com ordem. A Filosofia
está presente em nosso dia-a-dia das mais comuns e repetidas tarefas até
decisões de âmbito planetário. Ela já se entranhou em nossos costumes,
nossa cultura, nossa civilização - impossível fugir dela.
Por outro lado, ela não nos aparece facilmente
diante dos olhos, comete um “pecado” terrível para
a vida moderna: demora a dar seus frutos. A Filosofia
é uma árvore, não um mato. Uma árvore leva anos
para crescer e dar frutos, o mato cresce à toa, fica
grande em pouquíssimo tempo. Poucos animais
preferem o mato ao capim, mas nem isso podemos
garantir.
A rotina pede o imediato, o “pra ontem”, e a
filosofia exige cultivo, paciência.Kant, em suas aulas
de Filosofia, dizia a seus alunos: “não há filosofia que
se possa aprender; só se pode aprender a filosofar”
3, ou seja, ele nunca quis ensinar Filosofia, pois só ensina-se a filosofar.
A utilidade, no sentido esperado pelo senso comum, não pode ser
oferecida, embora o fato de aperfeiçoar o raciocínio, ver as coisas de forma
mais globalizada, aprimorar leitura e interpretação de textos, aprender a
criticar, a detectar erros de lógica, a enfrentar o contraditório o tempo todo
e muitas outras operações necessárias ao filosofar, tenham reflexos e
resultados incríveis na vida profissional.
Ela será extremamente útil para quem deseja a liberdade, pois senso
comum representa escravidão da opinião dos outros; para quem não
pretende ser enganado por falsos conceitos e raciocínios; para quem
pretende transformar sua vida e sua sociedade; para quem deseja pensar
livre do governo, dos preconceitos; para quem não gosta de ficar submetido
às idéias dos poderosos ou controlado pela mídia.
 LEITURA COMPLEMENTAR
Você pode tirar melhor proveito desta unidade com boas
iniciações ao estudo da Filosofia, lendo:
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2003.
13ª ed.
ARANHA, Maria Lúcia Arruda, DINIZ, Maria Helena. Filosofando.
São Paulo: Moderna, 1993, 2ª ed. rev. e atual.
IMPORTANTE:
 Filosofia
aprende-se filosofando,
isso não acontece de
uma hora para outra, não
acontece após uma aula
de Filosofia. É preciso um
tempo, uns fracassos,
umas tentativas. Em
contrapartida, quando os
frutos começam a
aparecer, nunca mais
param.
UNIDADE 1 - DIFERENCIANDO FILOSOFIA DE OPINIÃO
16
É HORA DE SE AVALIAR!
Não esqueça de realizar as atividades desta unidade de
estudo, presentes no caderno de exercício! Elas irão ajudá-
lo a fixar o conteúdo, além de proporcionar sua autonomia
no processo de ensino-aprendizagem. Caso prefira, redija
as respostas no caderno e depois acesse o nosso ambiente
virtual de aprendizagem (AVA) e enviei suas respostas.
Interaja conosco!
Tomara que você tenha entendido um pouco os motivos pelos quais a
Filosofia existe e tem tantos adeptos apaixonados pelo que ela faz. Não é
preciso que todos se tornem filósofos, mas todos precisamos de filosofia. O
mundo de hoje precisa daqueles que pensam e pensam bem. Quem sabe
apenas fazer está condenado a posições de segundo escalão. Filosofia está
na “moda”, não tema estudá-la, o proveito é seu. Na próxima unidade, vamos
tentar descobrir como ela foi inventada, como ela conseguiu romper com a
crendice, algo muito difícil naquelas circunstâncias. Até lá!
NOTAS
1 O mito da neutralidade científica.
2 BUZZI, Arcângelo. Introdução ao pensar. Petrópolis: Vozes, 1974 pg. 93
3 Filosofando pg72
4 GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da história da filosofia. São Paulo: Cia. das Letras, 1999. 35ª
reimpres. Pg. 24

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