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RESENHA CRIME E CASTIGO – Dostoiévski, Fiódor Mikhailovitch

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CRIME E CASTIGO – Dostoiévski, Fiódor Mikhailovitch. 
Resenha 
 
Publicado em 1866, “Crime e Castigo” é a obra mais célebre de Fiódor 
Dostoiévski. Nesta obra, o personagem Raskólnikov, um jovem estudante, 
pobre e desesperado, perambula pelas ruas de São Petesburgo até cometer 
um crime que tentará justificar por uma teoria: grandes homens, como César e 
Napoleão, foram assassinos absolvidos pela História. Este ato desencadeia 
uma narrativa labiríntica que arrasta o leitor por becos, tabernas e pequenos 
cômodos, povoados de personagens que lutam para preservar sua dignidade 
contra as várias formas da tirania. 
Este livro é importante na literatura mundial, considerando que Dostoiévski 
influenciou grandes filósofos como Nietzsche e respeitados psicólogos como 
Sigmund Freud, criador da psicanálise moderna. “Crime e Castigo” é uma 
referência para o estudo da psicologia de um homem condenado, como nos 
revela os traços autobiográficos do próprio autor, que foi condenado à morte, 
mas foi perdoado no último momento. 
“Crime e Castigo” é um dos maiores romances da história e tem como uma 
característica o fato de ser um livro que reproduz a angústia psicológica de um 
personagem que desde o início já sabemos ser um assassino. O estilo de 
Dostoiévski é inconfundível, já que ele reproduz os pensamentos e as dúvidas 
mais íntimas dos personagens. 
O personagem principal Raskólnikov, para muitos é considerado um niilista 
uma vez que demonstra visão cética radical em relação às interpretações da 
realidade, desconhecendo valores e convicções. Encontramos a essência do 
desse niilismo claramente expressa, principalmente na sua tese, digamos, 
estúpida, da liberdade (admitida) dos homens excepcionais de passarem por 
cima da moralidade da “ralé”, como diriam Cálicles, no dialogo Górgias, de 
Platão, e Nietzsche; ele coloca tudo isso em prática contra a velha agiota e 
usurária. Os valores tradicionais depreciam-se e os "princípios e critérios 
absolutos dissolvem-se". Tudo é sacudido, colocado radicalmente em 
discussão uma vez que possui sua própria tese sobre um homem mais 
especial do que os outros. 
 
 
Lendo esse livro entendemos o porquê Dostoiévski é considerado um grande 
psicólogo. É um livro tão importante de ser lido por quem estuda psicologia, 
quanto pelos interessados nas Ciências Sociais e Criminologia, considerando a 
profundidade da análise que o autor russo faz da mente de um homem 
desesperado. Ele era radicalmente anticapitalista e pró-socialismo além de 
antissemita ferrenho; como grande simpatizante dessa doutrina, sempre foi 
defensor de um socialismo um tanto mal definido. Era totalmente contrário ao 
socialismo ateu, e defendia um socialismo cristão, pois acreditava que o 
camponês russo era o verdadeiro socialista. Ele foi condenado à morte, pois 
fazia parte de um grupo socialista radical na juventude. 
Numa possível análise no intuito de identificar no contexto os temas da 
liberdade em confronto com a felicidade, podemos visualizar que esta liberdade 
que o personagem central tenta exercer, é destruidora dos valores acumulados 
pela civilização. O filósofo político e cientista social Charles Margrave Taylor, 
acusa o marxismo, por exemplo, de ter deturpado Hegel, levando a liberdade a 
exercer um papel de destruição das bases do Ocidente. Esta liberdade então, 
que o personagem imagina é altamente especulativa; a felicidade que ele irá 
alcançar vem da necessidade de expiar o seu crime, pois segundo Hegel, todo 
criminoso clama pela punição do crime. Portanto a liberdade é necessária à 
felicidade, mas nunca quando é utilizada de forma especulativa para fazer 
surgir algo inédito. 
Quando naturalmente tentamos relacionar o indivíduo na sua sociedade, 
podemos notar que apesar da ideologia do autor, Raskólnikov não era 
necessariamente socialista, mesmo que fosse isso nada teria a ver com o 
assassinato. Ele não se sentia oprimido pela dona do apartamento. A velha 
usurária que matou era outra personagem, e apesar de desprezá-la, ele não 
julgava estar fazendo algum bem à sociedade simplesmente por matá-la, e sim 
roubando a boa quantia de dinheiro acumulado que ela guardava, para que 
pudesse dar início a sua carreira. 
Raskólnikov vive um dilema entre a liberdade, a história e a sociedade. Cabe 
então comentar sobre esse dilema abordando a questão do Estado que impõe 
limites á sociedade por meio das leis, avocando a seguinte abordagem de 
Hobbes: No estado de natureza, cada um tem o direito a fazer justiça por conta 
própria e a sua vingança pessoal. Assim, com o Estado instituído, o indivíduo 
abre mão desse poder, agora do soberano. O Estado de certa forma assume e 
passa a afirmar as palavras de Deus na Bíblia: “minha é a vingança”. 
No seu pensar Raskólnikov esquece que os grandes tiranos da história agiam 
em nome do Estado ou da religião, e não de maneira solitária como ele. 
No fim, o pior de todos os castigos a que o protagonista tem que se submeter é 
o inferno da sua própria consciência, da qual não consegue se esconder e que 
o vigia, aonde quer que vá. Todo o livro é agonizante e descreve com maestria 
a atmosfera da miséria e da promiscuidade de se ser pobre na Rússia da 
época. Chega a ser de claustrofobia a sensação de se estar dentro da mente 
de Raskólnikov. 
Enfim, o romance começa narrando a história de Raskólnikov, um estudante 
que vive de aluguel em um pequeno apartamento, no qual ele tem cada vez 
mais dificuldade em honrar seu compromisso. Ele ganha dinheiro fazendo 
pequenas traduções, no entanto, vive à beira da miséria. Como é um jovem 
muito neurótico e introspectivo, o agora ex-estudante, durante seus vários 
momentos ociosos formula uma tese que pensa ser original: homens como 
César e Napoleão foram responsáveis por milhares de mortes, no entanto, 
foram considerados pela história como grandes heróis e conquistadores. 
Por que Raskólnikov pensa dessa maneira? Porque ele se vê oprimido pela 
velha que no livro simboliza o capitalismo devastador que Dostoiévski tanto 
odiava. Eis que Raskólnikov se questiona a respeito de uma ideia que tivera: 
já que Napoleão matou milhares e foi absolvido pela história, por que ele 
também não o seria se matasse a velha, agiota que vivia de juros? Não estaria 
ele fazendo um bem à humanidade? Essa pergunta reflete o pensamento do 
próprio Dostoiévski, para quem as ideias moviam os homens, e não os 
homens realizavam as ideias. 
Toda a psicologia e a angústia de Raskólnikov no momento em que se 
prepara para matar a velha são registradas de maneira magistral pelo autor. 
É como se assistíssemos à cena. Então o fato acontece, mas esse não é o 
momento crucial do livro; a melhor parte ainda está por vir. 
Foi, na verdade, um crime perfeito. Ninguém sabe que ele matou a velha agiota 
e usurária. Mas aí entra a grande questão: como superar o sentimento de culpa 
que nunca foi descrito em nenhum livro que ele leu? Matar milhares em nome 
da humanidade talvez seja mais fácil do que matar um único ser humano, e 
isso ele não previu. 
Entra em cena outro aspecto psicológico do assassino: o desejo de ser punido. 
Quando a polícia começa a investigar o crime, Raskólnikov não é o primeiro 
suspeito, mas ele é interrogado pelo juiz Porfiri Pietróvitch, todo o romance 
muda de cena. Raskólnikov vê-se diante de um opositor formidável, porque 
aparentemente durante seu interrogatório o juiz parecia desconfiar que ele 
fosse o autor do crime. Surge então em sua mente o sentimento de prazer e de 
grandeza, uma vez que ele se alegra com o duelo de palavras e gestos 
simulados que trava com o juiz. Ele sente prazer em ser mais esperto do que 
Porfiri, pelo menos no primeiro instante.À medida que os interrogatórios vão se multiplicando, Raskólnikov percebe que 
está perdendo o controle da situação. O juiz Porfiri aparenta ter certeza de que 
ele é o culpado e tenta fazer um jogo psicológico com o interrogado para ver se 
ele confessa. Os diálogos são perfeitos quiçá engraçados. 
Mas o personagem encontra uma pessoa que o faz sentir o amor pela primeira 
vez na vida. Ela é Sônia, uma prostituta pobre e miserável. Sônia representa 
no romance a fé ortodoxa e a possibilidade de redenção. Raskólnikov, que era 
um niilista, encontra uma luz durante um diálogo com a mulher, no qual a faz 
ler uma passagem do Evangelho de São João que narra a ressurreição de 
Lázaro. Parece então que a partir desse momento Raskólnikov ressurge do 
mundo cético da fantasia, de culpa e de solidão em que habitava. 
Mais adiante ele confessa para Sônia que fora o autor do crime da velha 
agiota. Ela então tenta convencê-lo a confessar ao juiz. Depois de muitos e 
sucessivos diálogos em que seu estado emocional e psicológico foi quase 
reduzido a nada pelo juiz, Raskólnikov finalmente confessa e assume o crime. 
Ele é condenado à prisão de oito anos na Sibéria, onde influenciado pelo amor 
de Sônia, sua regeneração moral vai ter início. 
São Tomás esclarece que o pecado da malícia vem de uma disposição 
corrompida que inclina a pessoa para o mal, de tal modo que esse mal se torna 
em algo conveniente. Isso pode advir de uma natureza corrompida ou de uma 
doença do corpo. Segundo a filosofia Tomista, Raskólnikov pecou por malícia, 
pois pecou pela eleição do mal. Ora, o pecado da malícia é muito mais grave 
que o pecado induzido pela paixão, pois quando se peca pela paixão logo 
depois a pessoa volta a si e se penitencia. Como o pecado de Raskólnikov é 
mais grave, o processo de penitência e redenção deverá ser mais longo. 
O personagem vivendo em um mundo ocioso e orientado por leituras mal 
feitas, sem critério e que não buscavam à verdade, se perde aos poucos. O 
teólogo cristão Orígenes já havia dito que “não se destrói ou se perde 
subitamente, mas que necessariamente se decai pouco a pouco e por partes.”. 
Primeiro Raskólnikov se isola; o seu caráter se enfraquece; e, por último, 
lembrando as palavras do Gênesis, “o pecado está à porta, e sobre ti será o 
seu desejo, mas sobre ele, tu deves dominar.” Esse é um romance que envolve 
muitos temas que vão da psicologia à religião. Raskólnikov não consegue 
provar sua tese, convenhamos absurda, de que se livrando de um ser 
desprezado pela sociedade, ele estaria se igualando a Napoleão. 
De certa maneira permanece a questão: matar um é crime, mas trucidar 
milhares é ser herói. A mentalidade do culpado procurado pela polícia é 
descrita com grande precisão, se é que podemos dizer assim, já que nunca 
sentimos isso. A fé cristã ortodoxa representada por Sônia é um tema 
recorrente nas obras de Dostoiévski, pois o autor russo era membro do 
movimento “eslavófilo”, que entre outras coisas acreditava na missão da 
Rússia como a redentora do ocidente laicizado e como responsável por 
espalhar novamente a mensagem do Evangelho, e também na adoção do 
antissemitismo, que está presente em “Crime e Castigo”. 
A mensagem da ressurreição espiritual e moral de Raskólnikov a partir de uma 
passagem do Evangelho e do amor por uma prostituta pobre que não tinha a 
sua erudição histórica, no entanto possuía a fé em Cristo em sua mente e em 
seu coração, poderíamos dizer que valerá para todas as épocas. 
 
Texto adaptado em 04/03/2017. 
Paulo César Machado

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