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CESARE LOMBROSO: AS PESSOAS FEIAS? Dayane Kelly Roncovsky Sobzak “Si eres feo, eres delincuente” é um famoso pensamento de Cesare Lombroso. O artigo em questão trabalha com a hipótese deste, ser um pensamento presente em nossa atual sociedade. Com base nesta informação faz comparações e traz a tona situações vivenciadas em nosso cotidiano. Em 1871 com a publicação de L’Uomo delinquente, Cesare Lombroso provocou uma grande mudança no enfoque dos estudos criminais, isso se deu pois acreditava que o criminoso “era portador de características natas que o conduziam à prática delitiva. Para ele, era possível identificar o criminoso através das características fenotípicas” (BUSATO, 2012). Assim sendo, um combate eficaz e competente ao crime deveria constatar este padrão racial e promover a sua retirada do convívio social. O que aqui merece ser considerado refere-se ao fato de que as suas observações ainda hoje são importantes, porque são válidas como tais, embora sua interpretação seja despropositada (BELO, 2015). Senão vejamos as estatísticas sobre o sistema penal brasileiro, que parecem corroborar para a hipótese de que existe um “criminoso nato”. Segundo o Ministério da Justiça (InfoPen/MJ, 2015), os presos brasileiros são homens (90%), negros ou pardos (67%), entre 18 e 29 anos (54%) e que concluíram o Ensino Médio (8%). Inevitável à reflexão: porque os dados sobre a população carcerária e o modo como as pessoas pensam parecem delinear um padrão que se desenha diante dos nossos olhos? WANDELLI (2004, p.46-47) observa em seu livro o relato de uma experiência cotidiana no Brasil que nos possibilita visualizar concretamente as distorções efetivas presentes na relação de exterioridade do Outro. No dia 5 de agosto de 2000 o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto organizou no Rio de Janeiro, como forma de protesto, a visita de um grupo de pessoa pobres da Baixada Fluminense a um sofisticado shopping center. O fato foi amplamente noticiado pelos meios de comunicação. O deslocamento do grupo, feito em um ônibus, foi televisionado e acompanhado por viaturas policiais durante todo o trajeto. Segundo o relato de Márcio Duarte, aquelas pessoas “homens e mulheres maltrapilhos e a quantidade interminável de crianças com aspecto indigente, não eram bandidos ou sequer representavam qualquer tipo de ameaça à sociedade”. Tampouco “pensavam em protestar, em causar transtornos a ninguém e, muito menos na sua própria miséria”. Apenas estavam ali, no vistoso templo de consumo no qual jamais ousaram entrar, encantados com a decoração, vitrines, portas automáticas e escadas rolantes, desejando aquele mundo perfeito tão distante do seu. Era um desejo, porém, não correspondido. “O shopping center, nas sociedades modernas, é a vitrine do ego. É lá que todos os que se julgam civilizados vão para mostrar aos semelhantes a sua própria sofisticação. (...) No shopping, nada de ruim acontece. É o país das maravilhas, o mundo da perfeição”. Aquele lugar não queria a presença daquelas pessoas que não lhe diziam respeito. “Pessoas deixavam restaurantes e saíam apressadas do lugar. Comerciantes fechavam as portas de suas lojas num pânico neurótico e os seguranças do shopping apressavam-se em acabar com a brincadeira dizendo que ninguém poderia ficar parado na escada”. Parece que aquelas pessoas – os miseráveis – já abusavam do próprio fato de existir. Muito bem que tenham de ser tolerados nos sinais ou nos estacionamentos, importunando na mesa dos restaurantes e mesmo que até se lhes dê alguma esmola. Mas “sua presença num lugar como o do shopping é algo imperdoável, insuportável”. As reações de autodefesa compulsiva, de parte dos frequentadores “civilizados” do shopping passaram logo a agressões verbais e xingamentos. Os meios de comunicação esforçaram-se em desqualificar a atitude do grupo, desviando o foco das atenções para a pessoa de um dos líderes do movimento. “Resta dizer que o único crime cometido pelos indigentes era simplesmente estarem ali, para conhecer o lugar, sem reivindicar nada ou pedir qualquer coisa a alguém”. A este ponto, delineia-se já tamanha estigmatização dos indivíduos, sendo difícil afastar a ideia que nos acomete: o pensamento que nos faz acreditar de que só porque são pobres e desfavorecidos estariam aptos a cometer a criminalização. Posta a advertência, observe-se que isto é o nosso espírito condenatório e que conforme propõe LOPES Jr (2014) “Ainda que o criminoso nato de LOMBROSO seja apenas um marco histórico da criminologia, é inegável que ele habita o imaginário de muitos [...] e que um dos estereótipos mais presentes, é o de que “lo que es hermoso es bueno”. Um rosto mais bonito e atraente possui – aos olhos de muitos – mais traços de uma conduta socialmente desejável e aceita, do que uma cara feia”. Parece difícil aceitar e chega-se acreditar que isso tudo é absurdo, mas basta que olhemos ao redor e percebamos de que este é um pensamento que habita o imaginário de muitas pessoas. Fato é que, a par desta dificuldade, encontramos outros aspectos que corroboram para este realidade: privações sociais, defeitos físicos condicionados, circunstâncias educacionais desfavoráveis, que se somadas ao senso de superioridade que certas camadas têm sobre as outras resultam em um único aspecto imutável: preconceito. O que se vê é um descompasso, têm-se um sistema que supõe a criminalidade como “coisa de pobre”, pessoas estigmatizadas, estereotipadas, discriminadas social e economicamente, de um modo geral vem sendo extremamente prejudicadas. Com efeito, estamos no mesmo patamar que Lombroso, com a diferença de que ele realizou seus estudos e pesquisas com base em um conhecimento empírico. Limitado? Sim! Mas longe de distorções como as nossas, que julgam e tipificam pessoas sem nenhuma observação coerente e experimental. Lombroso a respeito dos delinquentes-natos dizia que “é necessário isolá-los para sempre, nos casos incorrigíveis, e suprimi-los quando a incorrigibilidade os torna demasiado perigosos”. Reconhecer deveríamos, de que estamos a um passo desta iminente realidade, que isola e suprime sempre que se depara com uma estratificação social diferente da nossa. Em síntese, pessoa é pessoa independentemente da roupa que veste, da cor de pele, do lugar em que mora, do time que torce, do poder aquisitivo de detém, e o criminoso é criminoso independentemente disto ou daquilo. REFERÊNCIAS GOMES, Luiz Flávio. Juízes e preconceitos: os códigos ocultos dos juízes. Disponível em: <http://institutoavantebrasil.com.br/juizes-e-preconceitos-os-codigos- ocultos-dos-juizes-2/>. Acesso em 25 de março de 2017 às 22h33min. GOMES, Luiz Flávio. Na dúvida, condena-se o réu mais feio. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI40694,61044Na+duvida+condenase+o+reu +mais+feio>. Acesso em 25 de março de 2017 às 22h30min. NAZARETH, Yuri Carvalho & RODRIGUES, Carolina Carneiro. A Identidade do Criminoso: Visão Atual da Teoria de Cesare Lombroso. Disponível em: <http://domtotal.com/direito/pagina/detalhe/37186/a-identidade-do-criminoso-visao- atual-da-teoria-de-cesare-lombroso>. Acesso em 25 de março de 2017 às 22h34min. POMPEU, Júlio Cesar & ROSA, Edinete Maria. A beleza e a inocência: juristas e suas representações sobre criminosos, uma investigação a partir de retratos falados. Disponível em: <http://desigualdadediversidade.soc.puc- rio.br/media/9artigo11.pdf>. Acesso em 25 de março de 2017 às 22h28min. VITTO, Renato de. Novos caminhos para a velha questão penitenciária brasileira. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/sociedade/sistema-penitenciario-novos-caminhos-para-uma-velha-questao>. Acesso em 25 de março de 2017 às 22h27min. WANDELLI, Leonardo Vieira. Despedida Abusiva. O direito (do trabalho) em busca de uma nova racionalidade. São Paulo: LTr, 2004.
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