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BREVES NOTAS SOBRE A HISTÓRIA ECONÔMICA1 “A maior parte dos erros fundamentais praticados correntemente na análise econômica resulta mais da falta de experiência histórica do que de qualquer outra insuficiência instrumental do economista” (SHUMPETER, 1967, p. 35). “Os economistas atualmente acham que fazer ciência consiste em provar axiomaticamente teoremas e a aplicar testes econométricos” (ALMEIDA, 2011, p.30). A disciplina História Econômica é fundamental para a formação acadêmica do economista. No entanto, por conta da hegemonia da visão positivista de Ciências Sociais dos racionalistas neoclássicos, o valor dela tem sido diminuído nos cursos de Economia. Professores embriagados com o discurso científico da imparcialidade se “gabam” por dominarem a aplicabilidade da estatística, da matemática e da econometria nas análises econômicas superficiais que fazem. Como se os números fossem o fetiche do economista para transmitir veracidade às suas explicações, que não deixam de ser meras interpretações da realidade. Para elevar o status da Economia e de seus profissionais diante das outras Ciências Sociais, muitos defendem torná-la uma “ciência aplicada”. Outros se perdem nas vãs diferenciações entre as Ciências Sociais e Humanas. O rigor pela exatidão e pela “quantificação” da Economia tem feito dela um “monstro invertebrado” (FRAGOSO, 2002). Monstro por que no seio das ciências exatas, ela se tornou irreconhecível. Invertebrado por que lhe falta o essencial de uma Ciência Social: as experiências humanas no tempo. Esse monstro invertebrado tem se alastrado nas faculdades conforme a influência dos postulados neoclássicos no Plano Político Pedagógico do Curso de Economia. A historicidade da vida material humana, com sua complexidade, instabilidade e dinamicidade - quer seja no ponto de vista 1 Anexo da monografia: CARNEIRO, Eduardo de Araújo. O capital internacional no Aquiry “sangue e lodo” na formação econômico-social do Acre. (Economia/UFAC). macro, quer seja no ponto de vista microeconômico – evidencia o elemento ideológico, parcial e relativo do objeto de estudo econômico. A Economia, desde os tempos de Ricardo que se tem vindo progressivamente a se desumanizar e a se afastar da História: embora sendo muito débil na vertente da experimentação e da previsão, persiste teimosamente em agarrar-se à área cultural das chamadas ciências exatas mediante o uso e abuso do instrumento lógico-matemático como instrumento de base da sua análise. (CIPOLLA, 1993, p. 8) Todos os fenômenos sociais, e os fatos econômicos estão incluídos aí, são ideologicamente marcados quando alvos de análises ou narrativas. Como diz Pedro Demo (1995, p. 19), “nas ciências sociais, o fenômeno ideológico é intrínseco, pois está tanto no sujeito quanto no objeto. A própria realidade social é ideológica”. Portanto, o mero emprego da matemática, da econometria, da equação e da estatística no estudo do fato econômico não conseguirá tirá-lo do atoleiro de subjetividades (LOWY, 2003). Mas a crença na existência de “leis universais” que regem o fenômeno social e na possibilidade de descrevê-lo modo “neutro”, “imparcial”, “objetivo”, “sem juízo de valor” se espalhou pela Europa em fins do século XIX. O francês Auguste Comte (1798-1857) foi o precursor dessa idéia, consagrada em seu em seu livro Curso de Filosofia Positiva (1830-42). Segundo ele, era possível analisar os fatos sociais com procedimentos e técnicas análogos aos da Ciência da Natureza, mesmo sabendo que eles não eram passíveis de observação laboratorial; impossível, pela condição histórica deles, submetê-los à prova. O método positivo, como ficou conhecido, pretendeu transmitir à recém-fundada sociologia certa respeitabilidade científica. Com o efêmero sucesso, não demorou muito para que o método positivo fosse plagiado por alguns economistas que almejavam colocar a Economia Política no mesmo patamar de respeitabilidade acadêmica, desassociando-a de vez da moral e da metafísica. Tudo isso culminou com a publicação do livro Elementos da Economia Política Pura (1874), do economista Léon Walras (1834-1910). Acreditava-se que “verdade econômica” era uma aquisição cientificamente possível de se obter, contanto que se evitasse o risco da emissão do juízo de valor e da história. Em relação ao primeiro risco, como já se comentou, operou-se a matematização da economia. Criou-se também o homo economicus, aquele sujeito cujo comportamento era racional e previsível, um maximizador de utilidade por excelência. Em relação ao segundo, tentou-se reduzir ao máximo a temporalidade do fato econômico, privilegiando sempre o estudo sincrônico e a elaboração de modelos, cujos aspectos históricos são considerados externalidades. O próprio Karl Marx (1818-1883), que respirou os “ares novecentistas”, apesar de dar mais valor à História no estudo da Economia do que os Neoclássicos, criou os modelos chamados Modos de Produção e escreveu em O Capital (1867), que o objetivo da pesquisa dele fora descobrir “a lei econômica” da sociedade moderna, ou seja, aquelas que independem da vontade humana e da vida social, válidas para situações históricas diversas. A Ciência Economia rompeu o século XX com a maior parte de seus paradigmas já formados. O estudo da história, quando acontece, se restringe ao comportamento das instituições financeiras, à aplicabilidade dos modelos generalizantes, aos efeitos do progresso tecnológico, à sucessão dos modos de produção e à comparação das políticas econômicas nacionais. O homem enquanto ator social que trava relações de vivências ímpares no cotidiano da história desaparece. A frenética busca pelos fatores invariáveis ou pela exemplificação da fabulosa “lei da escassez” o faz sair de cena e com ele, a própria história. A ênfase aos modelos e aos comportamentos humanos previsíveis racionalmente, tem feito da Economia uma “ciência estéril, atraindo no mundo inteiro cada vez menos estudante” (ALMEIDA, 2001). Esse fenômeno parece que tem a ver com o apogeu da formação do “monstro invertebrado” do qual já nos referidos. Essa a-historicidade ou desumanização da Economia nos parece um preço muito alto a ser pago em defesa de uma pretensa neutralidade da ciência. O iluminismo, base filosófica de todas as ciências do século XVIII e XIX, foi duramente criticado segunda metade do século XX pelos pensadores vinculados à Pós-Modernidade (colocar referência). Primeiro porque o liberalismo não foi capaz de livrar o mundo da crise econômica mundial de 1929. Segundo, porque a razão humana não produziu um mundo melhor e sim uma sociedade profundamente desigual que produziu duas guerras mundiais. Terceiro, porque a própria ciência, em muitos casos, se colocou nitidamente a serviço do capital. A idéia de verdade científica se esfumaçou diante da inquestionável presença das ideologias no conhecimento, vejamos: No conhecimento histórico não se quer neutralidade, passividade, serenidade e universalidade. A verdade universal se pulverizou em análises pessoais. Não se busca mais o absoluto e não se quer mais produzir uma obra de valor universal. O conhecimento histórico é múltiplo e não definitivo: são interpretações de interpretações. A realidade é produzida por jogos de linguagem. O ser é diferença constante, isto é, temporal e inessencial, e aparece em linguagens múltiplas. (REIS, 2006, p. XX). [grifo nosso]. Apesar de os paradigmas iluministas terem sido abalados, a Ciência Econômica ainda sofre muito influência deles. O uso dos métodos abstrato- dedutivos, de modelos,e a busca pelas conclusões universais ainda persistem. O que se fez foi recusar como objeto de estudo tudo aquilo que não pode ser medido ou quantificado numa temporalidade sincronicamente determinada. O Manual de Economia da USP, um dos mais utilizados do Brasil, diz que “a Economia estuda a administração dos recursos escassos entre usos alternativos e fins competitivos” (PINHO, 1999, p. XX). Outro diz que ela é “a ciência das leis que regem a produção e a distribuição de bens materiais” (LANGE, 1985). Embora sendo de filiações teóricas diferentes, nas duas citações prevalece o “monstro invertebrado” ao qual já nos referimos, como sendo a-histórico. Na primeira, prevalece o conceito de “escassez”, na segunda a de “lei”. Ambas saem em busca da sonhada objetividade. A “vertebralização” da Economia é uma necessidade acadêmica. Não há como negar a historicidade do objeto de estudo dessa ciência social. Tanto as causas, quanto as conseqüências dos fatos econômicos são atravessados por temporalidades. Além do mais, os fenômenos da produção, circulação e consumo são sociais. “Desde que desceu da árvore, o homem encarou o problema da sobrevivência, não como indivíduo, mas como membro de um grupo social”, já dizia Heilbroner (1996, p. 21). A inscrição do homem e da história na Economia é uma opção teórico- metodológica. É o reconhecimento da existência de diferenças entre as Ciências Sociais e as Ciências Exatas. A diacronia do fenômeno econômico, embora colocando em risco, em certos casos, a credibilidade das “leis” e “generalizações” neoclássicas, não pode ser posta de lado. O homem enquanto protagonista dos fatos econômicos está no centro do conceito de Economia atribuído por Heilbroner (1984, p.19), vejamos: “A economia é o estudo de como a humanidade assegura sua suficiência material, de como as sociedades se organizam para seu aprovisionamento material”, em outra parte diz: “a economia estuda como o homem ganha o pão de cada dia” (Idem). A opção pela “vertebralização” da Economia passa necessariamente pela valorização de disciplinas como História Econômica Geral, História Econômica do Brasil, Formação Econômica do Brasil e do Mundo, História do Pensamento Econômico, etc., no Plano Político Pedagógico do Curso de Economia. Mas como diz ALMEIDA (2001, p. 32): “é muito mais difícil formar um economista que usa a História do que um economista que usa Matemática”, pois a História exige leitura constante, a Matemática não. Quando a faculdade de economia é composta hegemonicamente por professores defensores dos postulados neoclássicos, as disciplinas acima citadas sempre estão ofuscadas pela sobra de outras como Econometria, Macroeconomia, etc. Embora não seja cobrada com tanta ênfase nos concursos públicos, o que reforça a idéia de sua pouca importância, a História Econômica tem o seu valor. Sem ela, nem Adam Smith, nem Karl Marx, nem J. Keynes, por exemplo, teriam conseguido elaborar suas teorias. Uma boa análise conjuntural ou um julgamento crítico da realidade econômica sempre tem por trás economistas com largo conhecimento histórico. “É aí, mais do que nunca, há uma necessidade de se conhecer História, de se conhecer a vida real, e não a vida estilizada” (ALMEIDA, 2001, p. 32). Nossos economistas começam a entender que o estudo de História Econômica não é apenas um exercício intelectual [...] mas uma obrigação acadêmica [...] Cada vez mais se compreende que a perspectiva histórica abre os horizontes do economista. (FRANCO JUNIOR, 1986, p. YY). Nossa primeira dificuldade estrutural diz respeito às paixões humanas: é difícil encontrar pessoas igualmente apaixonadas por Matemática (o reino do atemporal e do estritamente lógico) e por História (onde tudo é acontecimento, tudo é único, e nenhuma explicação parece suficiente). Mas é impossível realmente entender Economia sem amar estas duas ciências irmãs. (PAIVA, 2008, p. 09). Vários economistas de renome se posicionaram contra esse “monstro invertebrado”. Citemos apenas dois: um nacional, o paulista Caio Prado Junior (1907-90); e outro estrangeiro, o austríaco Joseph Schumpeter (1883-1950). O primeiro, em seu famoso livro Esboço dos Fundamentos da Teoria Econômica dividiu a Ciência Econômica em três “disciplinas fundamentais”, a saber: Economia Política, História Econômica e História do Pensamento Econômico. O segundo, um dos mais importantes do século XX, afirmou que o economista que se preze deveria controlar quatro técnicas, a saber: História Econômica, Estatística, Teoria e Sociologia Econômica. A diferença do segundo para o primeiro foi que ele se posicionou dizendo que das quatro a mais importante era a História Econômica (SHUMPETER, 1964). Em relação ao Prêmio Nobel de Economia, temos: No conjunto dos 24 Prémios Nobel atribuídos até hoje no âmbito da ciência econômica, dois deles foram-no a três cientistas cujos trabalhos de investigação de maior relevo se desenvolveram inequivocamente no domínio da história económica [...] o fato de a história económica ter merecido por duas vezes, com o intervalo de 22 anos, tal destaque, vem confirmar que ela não só é, indiscutivelmente, um ramo da ciência económica como é um domínio importante desta disciplina (NUNES, 2010, p. 1). [grifo nosso] Mas o que vem a ser História Econômica? Muitas são as possíveis definições. Numa mesma corrente teórica é pode-se verificar conceitos diferentes. Cada um deles enfatizando aspectos que consideram mais relevantes no estudo histórico. Um economista mais experiente conseguirá associar as definições às suas respectivas Escolas, ou quem sabe, aos seus autores. Mas a princípio, escrevemo-las, sem maiores compromissos. A HISTÓRIA ECONÔMICA estuda a luta pela riqueza. A HISTÓRIA ECONÔMICA é o estudo dos sucessivos Modos de Produção. A HISTÓRIA ECONÔMICA estuda as ações do homo economicus. A HISTÓRIA ECONÔMICA estuda as economias das sociedades passadas. A HISTÓRIA ECONÔMICA estuda como o homem em sociedade resolveu seus problemas econômicos no tempo. A HISTÓRIA ECONÔMICA é o estudo de como os homens se sustentam na história. A HISTÓRIA ECONÔMICA estuda os fatos econômicos individuais ou coletivos no tempo. A HISTÓRIA ECONÔMICA é o campo da História que prioriza a atividade econômica humana sobre as outras atividades. A HISTÓRIA ECONÔMICA mostra como as necessidades humanas foram satisfeitas no tempo. A HISTÓRIA ECONÔMICA é a área da economia que procura estudar a história das instituições econômicas e a maneira como elas têm repercutido na sociedade. A HISTÓRIA ECOMÔMICA é um registro das providências tomadas pelos povos na luta pela satisfação econômica. A HISTÓRIA ECONÔMICA é a história da luta de classes nas mais diversas sociedades e tempos. A HISTÓRIA ECONÔMICA estuda as relações sociais que se estabelecem entre os homens no decorrer da história quando procuram resolver o problema básico da vida: a sobrevivência. A HISTÓRIA ECONÔMICA é a narração cronológica dos fatos econômicos. A HISTÓRIA ECONÔMICA é a história da pobreza e da riqueza humana. A HISTÓRIA ECONÔMICA é a história dos fatos econômicos na sua relação com os indivíduos, empresas ou comunidades. A HISTÓRIA ECONÔMICA é o estudo da evolução das forças produtivas, em grandes sistemas de longa duração, e de como comunidades e sociedades humanas organizaram o arranjo dos recursos materiais destinados à sua sobrevivência, desenvolvimento e progresso. A HISTÓRIA ECONÔMICA estuda a evolução das relações econômicas de produção, circulação e consumo, sua mutabilidade ou persistência, a partir da interaçãode um conjunto de fatores que são específicos no tempo e no espaço. Muitas outras definições seriam possíveis, mas por ora, essas nos bastam. A primeira cadeira de História Econômica foi criada em uma universidade foi 1893, em Havard (EUA). Na Europa, foi fundada em 1907 no Collége de France. No entanto, os estudos nesse campo de pesquisa já vinham acontecendo desde a segunda metade do século XIX. Os fenômenos econômicos ficaram na ordem do dia depois do impacto da dita Revolução Industrial na Europa. Em 1845/6, Karl Marx e Friedrich Engles escrevem Ideologia Alemã. Estava fundada a interpretação econômica da história, que pretendeu explicar a totalidade histórica por meio dos fenômenos econômicos. Em seu livro Dezoito Brumário de Luís Bonaparte (1851/2), Marx aplica empiricamente sua teoria materialista da história, ao estudar a França, na primeira metade do século XIX. A História Econômica Marxista pode ser subdividia, no entanto, não é nossa pretensão falar de cada uma delas. A Escola Histórica de Economia Política surgiu na Alemanha no final do século XIX. Tinha a história como principal fonte de questões econômicas. Era contra a elaboração de modelos generalizantes, pois acreditava que o fato econômico, por ser histórico, era singular e irrepetível, não podendo, com isso, se abstrair dele “leis” que servissem para outros. Acreditava na existência de estruturas econômicas, porém bem localizada temporalmente e geograficamente. O método utilizado era o empírico, pois o estudo da econômica acontecia in lócus e não por meio de modelos. Foi na mesma Alemanha, no ano de 1871, onde se criou a primeira Revista de História Econômica. Tempos depois, em 1889, o alemão Max Weber (1864-1920) publicou sua primeira obra de peso no campo da História econômica, o livro A História das Companhias Comerciais na Idade Média. Em 1902, publicou o clássico Ética Protestante e o Espírito Capitalista. E em 1919, escreveu História Geral da Economia. Tais obras foram básicas para o surgimento da História Econômica Idealista - aquela que estuda os fenômenos econômicos a partir da multicausalidade sociocultural deles. Muitos a inclui como uma tendência ou facção da Escola Histórica Alemã de Economia. Nesse mesmo período, os fundamentos do que viria a ser chamado de História Econômica Positivista também foram lançados. Influenciados por Auguste Comte e Émile Durkheim (1858/1917), historiadores procuraram estudar os fatos econômicos como fenômenos naturais. O objetivo era comprová-los empiricamente através da crítica minuciosa dos documentos e depois narrá-los cronologicamente, evitando ao máximo a emissão de juízo de valor sobre eles; já que, conforme se acreditava, a função do historiador não era analisar ou explicar os fenômenos econômicos. Nascida praticamente sob o mesmo paradigma de cientificidade da anterior, a História Econômica Neoclássica ou Econométrica, se diferenciou dela por tentar explicar os fenômenos econômicos e não somente descrevê- los. O objetivo era encontrar as “leis” que regiam os fenômenos econômicos. Depois de “encontradas”, serviam de base para a elaboração de “modelos econômicos”, que geralmente apontavam para um equilíbrio geral. Em 1926, foi fundada a cadeira de História Econômica e Social da Escola de Economia de Londres (ING) e em 1927, a de História Econômica da Universidade de Sorbone (FRA), a partir de então, a disciplina se populariza. A crise de 1929 colocou novamente os fenômenos econômicos em evidência. E nesse mesmo ano os franceses Marc Bloch (1886-1944) e Lucien Febvre (1878-1956) organizam a publicação da primeira edição da revista Anais de História Econômica e Social. A partir da fundação da revista, a disciplina ganhou novo fôlego e se popularizou. A História Econômica nasce no entremeio de duas Ciências Sociais: a História e a Economia. O entendimento que se teve é que a dimensão econômica é indissociável ao social, devido ao fato das experiências humanas serem vividas integralmente. Qualquer separação delas constitui-se numa ação meramente artificial ou pedagógica. FiGURA 1 A História até então estava preponderantemente voltada para a narração dos feitos políticos e militares, dando ênfase aos “grandes acontecimentos” e aos heróis nacionais. A Escola dos Annales, como ficou conhecida a corrente teórica desenvolvida pelos historiadores ligados à Revista Anais de História Econômica e Social, rejeitou a mera narração dos fatos e defendeu a interpretação deles a partir de problemáticas oriundas do presente. Para isso, incentivou a interdisciplinaridade e a profissionalização da própria História enquanto ciência. “O abandono da história política beneficia, portanto, o estudo da história econômica” (DOSSE, 2003, p. 77), Com o fim de expandir a História para além dos muros das questões políticas defendida pelos Positivistas, pesquisadores ligados aos Annales fizeram da economia um tema privilegiado. Incentivados tanto pelos assuntos materiais oriundos da crise econômica de 1929, quanto pelos avanços da quantificação, tornaram-se objetos de estudo: preços, bancos, moeda, jurus, salários, demografia, produção, consumo, comércio, etc. Com o sucesso das idéias do antropólogo Claude Lévi-Strauss (1908- 2009) no campo das ciências sociais, não ficou difícil para que alguns historiadores ligados a elas desenvolvessem a História Econômica Estruturalista. Tal história estudou os fenômenos econômicos por meios de duas categorias principais: conjuntura – fatores dinâmicos da vida econômica, porém momentâneos e factuais, irrelevantes para uma análise mais profunda; e estrutura – fatores duradouros, que fogem da aparência conjuntural, e que se constituem na “raiz” explicativa dos fenômenos socioeconômicos na longa duração. Concorrente direto dos estruturalistas, historiadores ligados aos Annales, na década de 1950, às sobras do francês Ferdinand Braudel (1902- 1985), desenvolveram a chamada História Econômica Quantitativa. A característica básica dela é a utilização de informações quantificadas por meio ou de dados matemáticos, equações, balança de pagamentos, estatística, econometria, etc. A diferença dela para a História Econômica Neoclássica era ênfase ao homem e o pouco interesse pela elaboração de modelos econômicos explicativos da realidade. E se diferenciava dos positivistas pelo caráter interpretativo de seus estudos. O que dificultou o trabalho desses historiadores foi a escassez, a imprecisão e a desconfiança das fontes numéricos quando se recuava no tempo. A obsessão pelo quantificável acabou limitando o estudo ao passível de mensuração. A verdadeira história quantitativa resultaria assim, na lógica desta concepção, de uma dupla redução da história: redução, pelo menos provisória, do seu campo à economia, e redução do sistema descritivo e interpretativo ao sistema que foi elaborado pela ciência social mais rigorosamente constituída nos nossos tempos: a economia matemática. (FURET, s/d, p. 60) A História Serial, contemporânea das duas últimas, é outra forma de se fazer história econômica. Ela não se interessa tanto pelos fatos individuais, nem pelo cotidiano. Mas pelos elementos econômicos repetíveis num dado período sincrônico. Após a constituição das séries, elas são analisadas por comparação, através de métodos matemáticos, de modo a explicar a dinâmica das conjunturas. É “a construção de um dado histórico em função de uma análise probabilística” (FURET, s/d, p. 63). A História Econômica Serial desemboca assim na análise de conjunturasdiferenciais ou simplesmente afastadas no espaço; poder-se-ia dizer: uma geografia da sua cronologia e no exame das diferenças estruturais assinaláveis por contradições cronológicas. (IDEM, p. 77). Houve outra historiografia econômica ligada á Escola dos Annales conhecida como História Econômico-social. Vários são os seus diferenciais, citemos alguns deles: ênfase no agir econômico do homem no cotidiano e não na economia nacional ou nas estruturas; a vida material dos homens como eixo temático identificador da disciplina e não meramente a utilização de métodos matemáticos; destaque às causas e conseqüências sociais e psicológicas na vida material; crença na possibilidade de explicar o presente através do passado, a história ainda teria a missão de síntese. Enfim, ela é “preocupada com a repercussão dos fatos econômicos da vida social” (BARROS, 2008, p. 24). A própria natureza, no seu conjunto, tem uma e economia cuja história valeria certamente a pena ser escrita. Mas, entende-se geralmente por história econômica a história dos homens, quer seja branco, amarelo, escuro ou vermelho, paleolítico, neolítico ou industrial. Essa observação pode parecer à primeira vista estúpida ou, pelo menos, banal; no entanto, significa que na análise histórico- econômica, é necessário ter em conta não apenas os dados de natureza puramente econômica, mas também as características fisiológicas e psicológicas próprias do homem, a sua racionalidade bem como a sua irracionalidade e as suas características mentais, sociais e culturais, quer a nível individual, quer coletivo. (CIPOLLA, 1993, p. 13). Em 1960, aconteceu o 1º Congresso Internacional de História Econômica em Estocolmo. Nessa década, o debate econômico floresceu, a economia mundial crescia de forma vertiginosa e o desenvolvimento das economias periféricas era um tema corrente. Na década seguinte, o estruturalismo entra em descrédito e a crítica a dita modernidade ganha força. A crise internacional do capitalismo ocorrida em 1973 concorreu para que a economia mantivesse como uma das preocupações principais dos historiadores. Em 1979, Fernand Braudel publica Civilização Material, Economia e Capitalismo XVI-XVIII (1979), livro de grande repercussão, para não citar outros. Foi nesse contexto que vários economistas se interessam pela história, fundando nos EUA a New Economic History ou Cliometria. Surgida por volta da década de 1960, ela se desenvolve nos anos posteriores e ganha notoriedade internacional nos anos 1990, com as publicações dos economistas Robert Fogel e Douclass North, ambos laureados com o Prêmio Nobel de Economia. Eles aplicaram teorias econômicas e métodos quantitativos, econométricos e contrafactuais para explicar a história. O último consiste em descrever matematicamente uma situação anterior a uma tomada de decisão ou ao surgimento de uma dada inovação tecnológica, para em seguida formular hipóteses - projetar e simular conjunturas várias casos a dita decisão ou inovação não tivesse acontecido, ou acontecido de outra forma ou em circunstâncias diferentes. É a ênfase ao custo de oportunidade na análise da evolução econômica. Alguns destacam que a New Economic History é apenas mais uma tendência dentro da chamada História Econômica Neoclássica. Nosso objetivo aqui foi falar um pouco sobre a importância da História para os Economistas, valorizar a disciplina História Econômica e, de forma resumida, apresentar algumas das tendências teóricas ligadas a ela. Pelo menos duas mais duas mereciam destaque, a História das Empresas e a Nova Economia Institucional, mas a abordagem dela ficará para outra oportunidade. Há quem diga que a História Econômica hoje “agoniza” (FRAGOSO, 1997), outros que ela está em pleno processo de independência acadêmica (FALEIROS, 2010). Não entraremos no mérito da discussão, apenas queremos terminar esse texto afirmando que a História Econômica muito tem a contribuir para a formação do Economista e que, por isso, merecia mais destaque. Abaixo, uma síntese da historiografia econômica. FIGURA 2 – (FALEIROS, 2010, p. 254) BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, José Roberto Novaes de. Da importância da História para o Economista. In: Revista de Conjuntura. Ano II, N° 08, Out/Dez de 2001. BARROS, J. História Econômica: considerações sobre um campo disciplinar. In: Revista de Economia Política e História Econômica. Ano 04, Número 11, 2008. BARBOSA, Wilson do Nascimento. A História Econômica como Disciplina Independente. Seminários de Pós-graduação, FFLCH-USP, 1988. (datilografado). CIPOLLA, Carlo. Introdução ao estudo da História Econômica. Lisboa: Edições 70, 1993. DEMO, Pedro. Metodologia Científica em Ciências Sociais. 3° ed. São Paulo: Editora Atlas, 1995. DOSSE, François. A História em Migalhas: dos Annales à Nova História. São Paulo: Edusc, 2003. FALEIROS, Rogério. História Econômica, História em Construção. Revista Dimensões, Vol. 24, 2010, p. 2420261. FRANCO JUNIOR, Hilário. CHACON, Paulo. A Economia em expansão da idade moderna. In: História Econômica Geral. São Paulo: Atlas, 1986. FRAGOSO, João. História Econômica. In: CARSOSO, Ciro Flamarion. VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. FURET. François. A Oficina Da História. Lisboa: Gradativa Publicações, s\d. LANGE, Oskar (1985). O objeto e método da economia. In: Literatura Econômica. Rio de Janeiro: IPEA, V.7 Nº 2, p.207-230. HEILBRONER, R. 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