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Mercado imobiliário & instrumentos de política urbana: o impacto da nova Lei de Zoneamento
Visões da Metrópole	 - São Paulo metrópole do 3º milênio
O Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SINDUSCON/SP) representa cerca de 25 mil empresas do setor, voltadas à construção de imóveis residenciais, comerciais, industriais, habitação popular e obras públicas. Ely Wertheim, vice-presidente da área imobiliária da entidade, concedeu a entrevista.
 
É verdade que já foi detectado um movimento de saída de empreendimentos de São Paulo para outros municípios?
 
Ely Wertheim – Para falar sobre essa tendência, é preciso primeiro se deter um pouco na forma de atuação do setor da construção. O incorporador imobiliário, o construtor, quando escolhe um terreno, verifica uma série de fatores, como a localização, se o lugar é bonito, se é bem servido de infra-estrutura, transporte. Porém, principalmente, ele verifica o que é possível construir e os potenciais de ocupação da região. Isso sem considerar a complexidade jurídica da questão da propriedade nas cidades, que é bastante impactante. E ainda tem a questão do meio ambiente. São empreendimentos, portanto, de alto risco. Se analisarmos o novo zoneamento de São Paulo, vamos perceber que não há mais condições de construir na cidade. São Paulo está perdendo investimento, toda uma infra-estrutura colocada ali sendo perdida. A nova lei de uso e ocupação do solo do Município, com a drástica redução dos coeficientes de aproveitamento, praticamente impõe a aquisição de grandes terrenos, de 10.000 a 20.000 m2, de forma a tornar viável economicamente o empreendimento. São Paulo teria, em tese, ainda muita área de terreno a ser ocupada e adensada, mas os empreendedores estão saindo da cidade, vão buscar outras regiões onde as restrições são menores. O que não é bom nem para o empreendedor, nem para seus potenciais compradores e muito menos para a cidade.
 
Para onde as empresas estão migrando?
 
Wertheim – Há empresas migrando para Santo André, São Caetano, ou mais longe ainda, para o Nordeste. As empresas estão se unindo em parcerias e sociedades para poder enfrentar empreendimentos maiores, atrás da sobrevivência. Há empresas paulistas operando no Rio de Janeiro, em Goiânia, no Rio Grande do Sul, em Porto Alegre. Hoje a tecnologia permite, você se associa, faz parcerias com as construtoras locais, e não precisa mudar toda a estrutura da empresa. O modelo do negocio imobiliário é o mesmo, aqui ou em qualquer outro lugar. Só que em vários desses lugares a legislação é mais flexível e permite que trabalhemos mais e melhor do que aqui. As empresas não estão saindo porque ganharam um monte de dinheiro aqui, e agora estão virando multinacionais. É por falta de área para construir na cidade de São Paulo. Depois da nova Lei de Zoneamento só fazemos estudo de inviabilidade. As contas de 99% dos empreendimentos não fecham. O risco é tão assustador que as empresas, mesmo grandes, se unem para dividir o risco.
 
Na avaliação do setor, isso significa que um dos efeitos da nova Lei de Zoneamento foi aumentar a carência de terrenos na cidade de São Paulo?
 
Wertheim – O alto custo dos terrenos já era um fator que dificultava o “fechamento da conta”, o que, agregado à limitação de aproveitamento dos terrenos resultante da nova lei de zoneamento, ou encarecemos o produto ou vamos procurar outras áreas de atuação. Não é só uma questão do custo da terra, tem o custo da obra, que é multiplicado quando o volume de área construída é reduzido, porque não há como otimizar a infra-estrutura da obra. O custo da mobilização do canteiro é dado, não é função do número de pavimentos da edificação. O custo dos engenheiros, dos pedreiros, do mestre-de-obras, da tecnologia, não é calculado por andar. O salário do engenheiro não é por andar, ele ganha por mês. Isso significa, tragicamente para todos, a cidade inclusive, que São Paulo está se dando ao luxo de jogar fora terrenos de 1.000 1.500 m2, onde, com o rebaixamento dos coeficientes para uma vez a área do terreno, a conta não fecha.
 
Na avaliação do SINDUSCON, depois da nova lei de zoneamento, os empreendimentos só se viabilizam se forem implantados em grandes lotes?
 
Wertheim – Sim, com 5.000, 7.000, 10.000 m2. E onde vamos encontrar terrenos de 10.000 m2 em São Paulo? Talvez, só nos antigos galpões industriais. Além disso, é muito mais fácil negociar um grande galpão do que lidar com inúmeros proprietários, até conseguir formar um lote desse porte. O setor da construção está consumindo rapidamente o estoque de galpões industriais, deixando para trás terrenos em outras localizações, antes viáveis, que poderiam ser aproveitados, queimando uma etapa, e deixando subutilizadas grandes parcelas do território urbano.
 
E o zoneamento previsto para as áreas desses antigos galpões está compatível com o perfil das regiões em que se inserem?
 
Wertheim – Eles também não estão sendo devidamente aproveitados, pois considerando as regiões em que estão inseridos poderiam possibilitar um adensamento maior, até por toda a infra-estrutura já instalada. Essas antigas áreas industriais estão sendo bastante procuradas porque o terreno tem que ser grande o suficiente para superar o fator de engessamento da legislação e ainda tem o agravante de estarmos nos afastando mais e mais da área consolidada. Portanto, esse modelo dos grandes condomínios-clube, não se trata de modismo ou nova tendência. Eles são resultado direto da impossibilidade de “fechar a conta” imposta pela nova Lei de Zoneamento. Ou você mora com 300, 400 apartamentos, ou vai pagar um preço absurdo pelo imóvel. E tem lavanderia, academia, shopping e clube incluído por uma razão muito simples: estamos nos distanciando do centro. Se a conta fechasse em terrenos de 1.000 m2, estaríamos construindo prédios lindos, maravilhosos. Tem mercado para todo mundo numa cidade com 11 milhões de habitantes.
 
O que mais pode encarecer os empreendimentos e, como decorrência, o produto final?
 
Wertheim – A carência de terrenos vai piorar com o aumento da possibilidade de financiamento imobiliário em curso. Ou seja, terreno caro e escasso, somado a financiamento alongado, resulta em que os bons imóveis vão ficar mais caros ainda. Vai ficar muito mais fácil comprar imóveis antigos, bem localizados que, com uma boa reforma, vão valer uma fortuna, por quê? Porque não se fabricam mais apartamentos grandes bem localizados. Houve uma queda de quase 80% nas aprovações de projeto em São Paulo depois da entrada em vigor da nova Lei. Está se armando uma bomba-relógio, cujos efeitos serão sentidos daqui há 2 ou 3 anos. Vai haver falta de unidades habitacionais de custo acessível em São Paulo.
 
Segundo sua análise, a “escassez” de terrenos adensáveis em São Paulo, exerce uma pressão sobre as poucas áreas onde é possível atingir coeficientes maiores. É possível explorar um pouco mais essa tese?
 
Wertheim – O encarecimento é, de fato, um efeito muito perverso das poucas áreas adensáveis previstas pela legislação, pois, com o rebaixamento geral dos coeficientes de aproveitamento na cidade, há uma corrida atrás dos maiores terrenos, porque neles, pelo menos em tese, “a conta fecha”. Como decorrência direta da grande procura pelos poucos terrenos adensáveis, os donos daqueles terrenos, que sabem que o empreendimento só se viabiliza com o coeficiente 4,0, começam a especular e aí vira um leilão. Comprar um terreno hoje inserido na Operação Urbana Água Espraiada é entrar numa disputa milionária, para a qual poucas empresas têm cacife. E ainda por cima, há setores dentro do perímetro da Operação Urbana onde há tantas restrições e exigências, recuos, taxas de permeabilidade, faixas a serem doadas, gabaritos, que virou exercício de pirotecnia viabilizar um projeto lá. Enquanto a municipalidade achar que o CEPAC vai resolver todos os seus problemas de caixa, não há futuro para as Operações Urbanas. E ainda se pergunta porque a Operação Urbana e o CEPACs não se viabilizam. Não se viabilizam porque os bilhetes premiados estão concentrados em poucas áreas, cujos valores de contrapartida são muito altos. O poder público precisa fazer uma escolha, saber se quer ganhar menos por unidade, porém ganhar no atacado, na quantidade, ou se quer ganhar no valor unitário e esperar um investidor milionário que consiga bancar a oferta. Escolher se quer ganhar menos e de uma só vez ou esperar por um volume maior que entra mais devagar e sempre, por maior período. Esta é uma decisão estratégica, que precisa ser enfrentada.
 
A disseminação da oferta de áreas adensáveis não vai contra a perspectiva de otimização e racionalização da infra-estrutura?
 
Wertheim – É preciso otimizar também o capital, que não é infinito, não há dinheiro sobrando, não temos no Brasil nenhuma garantia que os recursos do financiamento estarão sempre presentes, estamos sempre à mercê dos mandatários de plantão. Depende de uma série de fatores. Então, com a limitação do zoneamento e a escassez de potenciais construtivos mais altos, cria-se uma situação de concentração de grandes empreendimentos na cidade, como, por exemplo, na região da Marginal Pinheiros. Hoje já estamos chegando à Chácara Santo Antonio e o adensamento dessa região é resultante típica desse movimento de busca do coeficiente 4,0. Diferente da Lapa, que é muito mais central, e cujos antigos galpões o setor está comprando. As indústrias já estavam saindo de lá, só estamos expandindo o que já existia, como prova o Alto da Lapa, que data de quase três décadas.
 
Do ponto de vista do mercado, o que é mais atraente, uma Operação Urbana ou as Áreas de Intervenção Urbanas, no entorno de estações selecionadas? Ou esses instrumentos são excludentes entre si?
 
Wertheim – Se o que se pretende é arrecadar recursos com as intervenções urbanas, entendo que se deveria optar por maior quantidade, pelo maior volume de área de terreno possível, casado com um baixo custo unitário por m2 de potencial construtivo, o que democratizaria o mercado, permitindo que mais investidores acorressem. O volume da oferta e o valor a ser cobrado pela outorga onerosa deveriam traduzir uma diretriz de política urbana, e não serem colocados aleatoriamente no mercado, ao sabor de quem chega primeiro ou pode pagar mais, vendendo tudo para alguns poucos grupos. Ou pior ainda, explorando só uma área e deixando outras à espera da valorização. Considero essa estratégia um equívoco, para o mercado e para cidade como um todo.
 
Vai haver procura para que todo aquele volume de terreno contido nas AIUs e que teoricamente está sendo colocado a disposição do mercado?
 
Wertheim – Se o poder público for inteligente e for com “menos sede ao pote”, sim. Claro que não vai haver retorno em prazo curto, 1, 2 meses, nem em 5 anos. Mas em 20 anos é possível arrecadar um bom volume de recursos, se essas operações forem colocadas no mercado com um valor compatível e uma forma de aprovação e pagamento da outorga simples, automática e acessível. Talvez não seja a fortuna que o poder público espera, porque ele também vai ter que buscar outras formas de financiar obras e investimentos públicos, de implantar as redes de infra-estrutura. Não se pode lastrear tudo só com Operações Urbanas ou CEPACs, ou seja, com recursos advindos do setor imobiliário. Não adianta sonhar que o mercado imobiliário tenha capacidade de, sozinho, patrocinar todos os investimentos projetados para o sistema de transporte. Agora, parece que tudo será resolvido através de PPP ou Operação Urbana, que o mercado imobiliário vai resolver todos os problemas do poder público. Não é essa panacéia.
 
Quais seriam, então, as características de uma legislação de uso do solo atraente ao setor imobiliário? E, por outro lado, quais devem ser os limites para atuação do setor privado?
 
Wertheim – Quando se trata de uma região maior do que o próprio eixo viário e/ou de transporte existente é preciso enxergar o entorno, para que se possa induzir uma requalificação adequada e competente daquela parcela da cidade. Ao poder público, cabe estabelecer os índices urbanísticos, as taxas de permeabilidade do solo, eventualmente algum gabarito de altura, se for o caso, se houver algo importante a ser preservado. Mas a Prefeitura confunde isso com “projeto” das edificações, do empreendimento. Por exemplo, a forma como se está pensando a revitalização da Cracolândia é um equívoco, que já vimos em outras regiões, como no Concurso do Bairro Novo. Evidente que é preciso dar um tratamento e ter uma visão que ultrapassa aquele pedacinho, mas isso não significa que temos de ter um projeto “amarradinho”, que determine até o perfil de cada prédio. O poder público quer definir até tamanho da janela... Essa é uma herança do planejamento de gabinete, que infelizmente é muito forte ainda. Aí fica tudo invertido: o setor privado se obriga a fazer planejamento urbano, enquanto o poder público fica desenhando o projeto do empreendedor.
 
Como compatibilizar o planejamento do uso do solo e o de transportes?
 
Wertheim – O investimento que está sendo feito no reforço da rede de transporte de massa em São Paulo é que dará a capacidade de suporte necessária para o adensamento ao longo dos seus eixos, conforme está sendo proposto. E vice-versa: o próprio adensamento também permite minimizar os deslocamentos, desonerando o sistema de transporte, uma alternativa mais barata, que não implica em grandes investimentos. Com o adensamento urbano e uma maior mistura de usos, é possível fazer com que, numa determinada região da cidade, as pessoas resolvam suas necessidades básicas nos locais próximos de sua moradia. Assim, não precisaremos de tantas linhas de metrô, pode-se adotar soluções como ciclovias, microônibus, soluções de baixo custo que podem tirar o ônibus da rua. As questões de segurança pública vão ter que ser, de uma maneira ou de outra, equacionadas e daqui há 10 anos, talvez, possamos caminhar pelas ruas, resolver nossas necessidades de deslocamento com pequenos trajetos a pé.
 
Com relação ao metrô, existem linhas já implantadas, algumas em fase implantação e outras ainda em projeto. De que forma e em que ritmo reage o mercado a intervenções desse porte?
 
Wertheim – Não há um comportamento padrão que possa ser tomado como regra. Em regiões menos “aquecidas” o mercado reage aos poucos e prefere trabalhar com a certeza do fato consumado, depois da obra terminada. Há casos em que é o metrô que chega atrasado, como na Chácara Klabin, onde chegou com 10 anos de atraso. O mercado já estava lá, primeiro, porque é uma região muito bonita e, segundo, porque aproveitou a implantação da estação Vila Mariana, que não está muito longe. Foi assim também com o Ipiranga, a Ricardo Jafet, a Imigrantes, antes mesmo do metrô. Então, com toda a região que o poder público tem disponível ao longo do metrô, se souber tratar com inteligência, sabendo que pode arrecadar certo volume de recursos, vai ganhar no volume. Mas não tudo de uma vez, trabalhando com parâmetros e valores acessíveis também para as pequenas e médias empresas.
 
Como se poderia usar a força do mercado a favor de diretrizes de política urbana? Quais são as opções preferenciais do setor?
 
Wertheim – Se o poder público desenvolvesse essas intervenções urbanas dentro de um plano urbanístico que fosse adequado e atraente para todas as partes envolvidas, trabalhando a um preço acessível, em que a “conta fechasse”, ao longo de todos esses eixos de transporte e das operações urbanas propostas, acredito que alcançaríamos bons resultados, tanto para a cidade, quanto para o transporte, como para o mercado. E não haveria uma concentração de todos os empreendimentos numa única região, dando muitas vezes a falsa idéia de uma situação de euforia no mercado, que pode não ser verdadeira, ocasionando uma super-oferta, o que não é bom para ninguém. Nos termos que estamos propondo, a oferta de terrenos se multiplicaria,se daria de forma mais espraiada e a cidade se desenvolveria de forma mais homogênea e menos concentrada. Só os grandes empreendedores, alguns mais visionários, é que conseguem se lançar pioneiramente nas áreas mais nobres, como nos loteamentos no entorno do Rodoanel e nas áreas ao longo do metrô da Linha 4. Os pequenos e médios incorporadores vão atrás do maior coeficiente de aproveitamento. Eles pegam o mapa de zoneamento da cidade e vão verificar o que é possível fazer num terreno de 1.000 ou 2.000 m2.
 
Por que a Operação Urbana Centro que, em princípio, reúne todos os requisitos apontados, não vingou?
 
Wertheim – O Centro ainda não vingou por vários motivos. O primeiro, é que o Centro de São Paulo está culturalmente desvalorizado, e é preciso mudar isso. Morar no centro nas cidades européias não só é muito bom, como é “in”. Mas em São Paulo, a falta de visão dos setores, tanto público como privado, permitiram a sua degradação. O Centro foi mal cuidado e abandonado, também pela população. Erramos muito ao abandoná-lo. Como resultado, hoje não tem segurança pública, nem estacionamentos, acumula congestionamentos. Nem as calçadas apresentam um mínimo de condições. Um ou outro prédio está recuperado e é gratificante quando se consegue vê-los no meio daquela confusão urbana. Mas é pouco. E ainda tem a questão da legislação de zoneamento, as áreas tombadas e, em função disso, os afastamentos exigidos, as adaptações de programa dos prédios existentes, as condições especiais de segurança. Então, como é que o poder público espera que o setor privado faça investimentos no centro se ele não faz a sua parte? Não basta só oferecer maior potencial construtivo. Tem a qualidade do entorno, a questão cultural a ser reconstruída. Tudo isso é necessário para atrair o investimento privado. Não é possível, por exemplo, ir domingo ao Teatro Municipal levando crianças pequenas, sem lugar para estacionar e tendo que andar longas distâncias. Muito diferente do centro da cidade de qualquer país civilizado no mundo. E, veja, não estamos perdendo apenas para Paris, estamos perdendo para Buenos Aires. Eu estive lá recentemente, dá gosto de andar no centro da cidade. Por tudo isso o centro de São Paulo ainda não “decolou”. As pessoas ainda não desejam morar ali.
 
Embora esta seja uma cidade que pretende ser cosmopolita, a população de maior poder aquisitivo ainda é muito conservadora, e a diretriz de alocar emprego junto à moradia, a defesa de uma maior mistura de usos enfrenta enorme resistência da população dessa faixa de renda. Ela defende um zoneamento segregado, com zonas residenciais exclusivas. Na medida em que o mercado busca atender aos desejos dessa faixa de demanda, não estaria reforçando o modelo vigente? Na prática, será que não esbarramos num aspecto cultural da população paulistana?
 
Wertheim – Mas aí entra o papel do Estado: cabe a ele definir as diretrizes de política pública, em prol de um interesse maior, independentemente do que alguns pensem. Se está definida uma malha viária tecnicamente defensável, o Estado tem que enfrentar os opositores e construir os argumentos para enfrentar esse tipo de situação. O que não tem cabimento é nos rendermos a esse modelo que está aí, apresentando os resultados conhecidos e reconhecidos, como o centro da cidade ter uma enorme concentração de empregos, umas ilhas concentrando poucas pessoas de altíssima renda e um enorme contingente de excluídos fora da área bem servida. Cabe ao Estado decidir, de forma firme e forte, a política adequada. E saber que sempre vai haver alguém questionando.
 
Reservar os espaços lindeiros ao sistema estrutural de transporte para as atividades de comércio e serviços é uma orientação adequada? Porque há casos em que o corredor de ônibus expulsa o próprio comércio e ainda induz a uma deterioração do entorno, como no caso da Avenida Santo Amaro...
 
Wertheim – O que provocou a deterioração da Avenida Santo Amaro foi a implantação daquele corredor de ônibus segregado, deixando umas faixas estreitas para o tráfego e, pior ainda, calçadas que em alguns lugares não chegam a 1 metro. Lá, tem calçada com 50 centímetros de largura, sem estacionamento, sem nada. O perfil do comércio instalado há uns 20 ou 30 anos também não ajuda, vários auto-elétricos, em que se teria que entrar com carro, mas não se consegue. Não tem mais nada a ver com o perfil do entorno, daquela região, considerada “nobre”, cortando bairros hoje extremamente valorizados. É preciso estudar um zoneamento adequado para o entorno da Avenida Santo Amaro, de forma a despertar o interesse do setor privado. Um vereador até propôs uma emenda ao Plano Diretor, delimitando a região como uma área de Operação Urbana, mais é difícil recuperar o trecho do corredor de ônibus. Além disso, tem uma questão fundiária complicada, composta de lotes muito pequenos. Para viabilizar uma incorporação é preciso juntar muitos terrenos pequenos, cuja propriedade já está na terceira ou quarta geração. Seria necessário incentivar os remembramentos, com valores adequados, dar condições de estacionamento. Se não ficarmos atentos, esta será também o destino da Avenida Rebouças, da Av. Brasil, que eram lindas.
 
Como a indústria da construção vê as alternativas de controle da demanda por transporte individual, como o pedágio urbano?
 
Wertheim – Não sou contra o pedágio urbano, mas acho que é um castigo que recai sobre as pessoas erradas. Por exemplo, se vou ao Centro da cidade e decido ir de carro, mesmo tendo escolha, vou agravar uma reconhecida situação de congestionamento. Nesse caso, cabe o pedágio. Mas se sou obrigado a morar longe do trabalho porque o zoneamento não permite que more perto, e não tenho transporte público adequado, sou obrigado a ir de carro. Parece-me que, nesse caso, o pedágio urbano é uma penalização que recai sobre quem não tem escolha. É como aprovar uma lei de que é proibido ser pobre. Acabei de voltar de Oslo, na Noruega. Lá tem pedágio urbano e não é barato, algo como 3 euros por dia, e o controle é eletrônico, como o nosso Sem Parar. Só táxi é isento e ninguém vai de carro ao centro. Eu tive reuniões com banqueiros e eles andam na rua a pé, vão de metrô para casa, os filhos deles vão de ônibus para escola, ninguém tem carro blindado. O Rei da Noruega leva o seu cachorro para fazer suas necessidades todo dia de manhã na rua em frente ao palácio, em segurança. Só havia policiamento pesado e ostensivo em um lugar, na embaixada dos Estados Unidos. E as pessoas também não têm nenhum motivo para ir ao centro da cidade, não precisam, tem tudo disponível no resto da cidade. Em princípio, não sou contra o pedágio urbano, se houver um custo x benefício correto. Mas sou contra o aumento de impostos. Neste momento, da forma como está colocado, o pedágio é mais um imposto. O problema não pode ser empurrado para o cidadão, essa é uma atribuição precípua do Estado, o cidadão não pode ser penalizado.
Fonte: Site: http://www.stm.sp.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1594:mercado-imobiliario-a-instrumentos-de-politica-urbana-o-impacto-da-nova-lei-de-zoneamento&catid=12:visoes-da-metropole-bloco-1&Itemid=43

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