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fronteiras-invisc3adveis

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Ensaio
FRONTEIRAS INVISÍVEIS:
O TERRITÓRIO E SEUS LIMITES
Rosa Moura"
País de piedra. Lengua de piedra. Sangre y memoria de piedra. Si no te escapas de
aqui, lu mismo te convertirás en piedra. Vele pronto, cruza la [rontera, sacúdete la
piedra. (Fuentes, 1995, p.215l
lnvisible borders: Territory and its limits
Urban planning and management
activities face today a series of visible and
invisible borders. Some 01' them are defined
by geographical and/or experiential scale
and range frorn international to local leveis,
fr om globalization concerns lO lhe
particularities 01'lhe lifeworld. Others assu-
Este artigo sintetiza e coloca em
discussão três ordens de preocupa-
ções na rotina da gestão urbana, re-
ferentes à relação espaço/território: a)
a ambígua retórica sobre fronteiras,
iluminando sua ruptura como possibi-
lidade homogênea de acesso e parti-
cipação nos fluxos de capitais, mer-
cadorias e informações globalizadas,
e obscurecendo sua reprodução coti-
diana, a partir das diversas e cres-
centes formas de exclusão engendra-
me cconormc, political or social
configurations and are also very effecu ve.
Based on the authors professional
experience. the essay discusses some
limits which urban planners and managcrs
face when trying to deal with all these
limits and borders.
das pelo atual modelo econômico; b)
sob a lógica da reestruturação da eco-
nomia mundial, as estratégias locais
de desenvolvimento que induzem à
produção de um espaço aglomerado,
cada vez mais denso e abrangente,
perpassando áreas de vários territóri-
os político-administrativos, cujo exer-
cício autônomo de poder torna com-
plexo um processo articulado de ges-
tão; e, c) contrariando esta incontida
e concentrada expansão do fato urba-
Geógrafa, pesquisadora do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social
(IPARDES).
86 Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n° 9, pp. 85-101, jul./dez., 2000
no e multiplicando a divergência de
interesses, a fragmentação do espa-
ço, no contínuo processo de emanci-
pação de novos territórios ou na con-
formação de territorialidades cuja
expressão de poderes particularizados
constrange a autonomia das unidades
territoriais.
o sentido das fronteiras
"Lo único bueno que tienen
las [ronteras son sus pasos clan-
destinos." (RIVAS,1998, p.14). Com
essa compreensão, Da Barca, perso-
nagem de Rivas, sintetiza o sentido
das fronteiras, refletindo sobre o quan-
to pode uma linha imaginária, traçada
a partir de distintas circunstâncias e
interesses, e ao mesmo tempo, o quan-
to se esmaece em seu próprio absurdo.
Transparentes ou ostensivamen-
te cercadas, as fronteiras refletem o
exercício da dominação e da autori-
dade de um povo em particular. For-
malmente, protegem nos países a sua
soberania e delimitam nos estados e
municípios. suas esferas de compe-
tências; informalmente, impõem-se
poderosas nos tantos fragmentos dos
espaços desigualmente produzidos, in-
troduzindo um novo direito.
Nas situações de conflito -
bélico, racial ou social - podem signi-
ficar portas a populações que "cami-
nham na direção do futuro" (SAL-
GADO, 2000), sendo, ao mesmo tem-
po, libertação e constrangimento, con-
dição de sobrevivência ou apenas
miragens. Seu traçado pode ser um
ilusório cristal, uma membrana de vi-
dro, uma raia fluorescente, ou o pró-
prio esquecimento; e sua transposi-
ção, num dos sentidos, a vida ou a
morte, no outro, a extensão do poder
e da posse (FUENTES, 1995).
Cada vez mais presente nas
relações cotidianas das várias
espacialidades, a fronteira tornou-se
um símbolo claustrofóbico de limites,
enquanto sua ruptura, a abertura para
fluxos que não só aproximam lugares
como ampliam possibilidades de inser-
ção numa mesma dinâmica global.
Essa retórica vem sustentando o en-
tendimento de que as fronteiras são
dispensáveis, de que já nem existem.
No entanto, o mundo nunca viveu
tanto controle sendo exercido em seus
tantos fragmentos.
As áreas fronteiriças, nesse
processo de globalização da econo-
mia e integração de blocos regionais,
foram virtualizadas enquanto espaços
de criação de possibilidades de de-
senvol vimento, áreas de transição,
contato, articulação, especial vivaci-
dade e dinamismo próprio. As cida-
des contíguas que se estendem entre
países e exercem, muitas vezes, ativi-
dades econômicas similares e funções
urbanas complementares, deveriam
dar origem a estruturas bi ou
trinacionais com articulação produtiva
e transformaç ão terri tor ia I
(CICCOLELLA, 1997; OLIVEIRA et
al., 1999). Entretanto, contrapondo-se
ao espaço único de ocupação, preva-
lecem ainda as tensões históricas
Fronteiras Invisíveis: o Território e seus Limites
fronteiriças e, mais que tudo, a desi-
gualdade.
Contraditoriamente, enquanto o
projeto hegemônico se vale da trans-
parência das fronteiras para adentrar
novos mercados e firmar-se, produ-
zindo suas vítimas na periferia, no
interior dos países centrais se man-
tém a velada perseguição interna à
mão-de-obra migrante, ou explícito o
bloqueio, no direito por eles mesmos
reservado, de defender "suas próprias
fronteiras" .
Os Estados Unidos, no coman-
do da globalização da economia, de-
sempenham esse ambíguo papel: cul-
tural e fisicamente presentes em qual-
quer parte do mundo, ao mesmo tem-
po em que discursam pela abertura
econômica e integração dos povos,
mantêm erigidas suas barreiras eco-
nômicas e, principalmente, migratóri-
as. "No se puede hablar de merca-
do libre y luego cerrarle la [rontera
a! trabajador que acude a la de-
manda". (FUENTES, 1995, p.l [9)
Porém, há uma hipócrita intermitência
nessa fronteira ativa. Ao mesmo tem-
po em que com a posse da terra e a
especulação adentram pátrias estran-
geiras sem resistências, controlam a
penetração mexicana permitindo que
se mantenha uma "migração invisível"
da força de trabalho que responda às
atividades descartadas pelo trabalha-
dor americano, num exercício de be-
nevolência e rigidez - "Cuando te
necesito te contrato (...), cuando me
sobras te denuncio (...). Te golpeo.
Te caro como conejo. Te embarro
87
de pintura para que todos lo sepan:
eres ilegal. " (FUENTES, 1995, p.120)
Neste momento, servindo-se de um
aparato de controle tecnologicamente
sofisticado - patrulhas terrestres, sa-
tél ites, helicópteros, "olhos noturnos"
dotados de sensores infra-vermelho -
a entrada é impedida e a retenção
pode significar a morte.
A realidade econômica de qual-
quer das partes ressalta o "absurdo"
das linhas demarcatórias; o movimen-
to de trabalhadores cria a categoria
dos não-cidadãos, da mão-de-obra
barata e disponível, das comunidades
inteiras que sobrevivem, no lado me-
xicano da fronteira, à espera das re-
messas minguadas dos dólares. Luga-
res que "sobrevivem dos que vão"
(FUENTES, 1995). Lugares cuja iden-
tidade se reconstrói silenciosamente
ao norte e se desconstrói brutalmente
ao sul. O novo sentido virLualizado
para as áreas fronteiriças está, pois,
longe de se materializar. Visivelmen-
te, a presença mexicana nos Estados
Unidos, legal ou ilegal, é crescente. A
área fronteiriça, viçosa e moderna ao
norte do deserto poroso ou do Rio
Grande, é ao sul do Rio Bravo, mise-
rável c arcaica, expondo tempos anta-
gônicos de uma mesma espacialidade.
Em diferentes escalas e nou-
tras geografias, se reproduz o mode-
lo. A Ponte da Amizade - que funci-
ona para Foz do Iguaçu e Ciudad dei
Este como uma avenida de um mes-
mo espaço urbano -, tentando apa-
rentar uma fronteira amigável, não
deixa de ser um elemento de controle
88 Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n" 9, pp. 85-101, jul.ldez., 2000
do trânsito de mercadorias. dependen-
do de distintos interesses. Fecha-se,
abre-se, acelera-se ou toma-se vaga-
roso o tráfego, revista-se, reprime-se,
libera-se, ignora-se ou apreende-se a
mercadoria do sacoleiro ou docida-
dão local que se beneficia das opor-
tunidades cambiais para seu abasteci-
mento próprio. Funciona como cance-
la separando ou unindo o interior de
um espaço contínuo, fortemente arti-
culado. De forma não tão ostensiva,
o mesmo se repete na Ponte Tancredo
Neves, que une Foz do Iguaçu a
Puerto Iguazu, na Argentina.
Um movimento de interesses
locais, no entanto, mantém as trocas.
"À revelia das causas
institucionais e/ou econômicas que
provocam alterações nas oportunida-
des e reforçam a demarcação das
fronteiras, o cotidiano das relações
estabelece um pacto, ainda que infor-
maI, de cooperação e parcerias, não
propriamente entre os três países, mas
sim entre as três fronteiras. Um es-
paço que não pertence a nenhum país,
um espaço do Mundo. Isso significa a
própria negação da fronteira."
(KLEINKE et all.. 1997, p.160)"
Nesse exercício de poder, o
Brasil já atravessou a película vítrea
de sua fronteira, em toda a sua exten-
são, na direção da diversidade de seus
vizinhos. Introduziu sua cultura, sua
economia, seu domínio, inserindo-se
numa territorial idade alongada onde
atua sem constrangimentos. Os sinais
da Rede Globo não poupam sua
hcgernon ia sequer nos grandes cen-
tros e capitais de países vizinhos; o
português muda o acento do espanhol;
proprietários brasileiros incorporam
terras estrangeiras em seu patrimônio;
produtores melhor capacitados
tecnologicamente são selecionados por
um mercado que não contempla os
conterrâneos menos habilitados.
No norte ou no sul, de modo
geral, mais que diferenças étnicas,
culturais, lingüísticas ou religiosas, o
que se percebe em áreas Ironteiriças
é a prevalência de um poder hegernô-
nico ou a disputa acirrada entre pode-
res concorrentes. Poderes estes, mui-
tas vezes não oficiais, mas colocados
em defesa de interesses particulares,
alheios até mesmo a qualquer dos
territórios: na fronteira entre o Brasil
e o Paraguai. S6 mil hectares confor-
mam uma territorialidade controlada
por uma seita religiosa estrangeira, sem
atenção do governo de qualquer dos
países (HUMBERTO, 2000).
Fronteiras do território
A queda das fronteiras, almeja-
da pela globalização da economia,
visava eliminar obstáculos à entrada
de capitais e o livre trânsito de mer-
cadorias e informações. A abertura
pleiteada e conquistada não fez mais
que a imposição de moedas fortes,
como o dólar, o euro, o iene, e a "ati-
vação do mundo" via empresas gi-
gantes. As moedas subjugaram for-
ças locais e foram se impondo e dis-
putando en tre si uma hegernon ia.
Fronteiras Invisíveis: o Território e seus Limites
Muitos países periféricos optaram pela
alternativa de atrelarem suas moedas
à da potência dominante mundial ou
regional, condenando-se a ciclos de
modesto cresci rnento, altas taxas de
desemprego e ingovernabilidade
(FlORI, 1999). As "empresas globais"
passaram a produzir de modo privado
suas normas particulares, cuja vigên-
cia é, "geralmente e sob muitos as-
pectos, 'indiferente' aos contextos em
que vêm inserir-se". (SANTOS,
1999a, p.269).
Um processo seletivo e
excludente, transformando o espaço
como um todo, passa a distinguir os
lugares pela sua diferente capacidade
de oferecer às empresas uma produ-
tividade maior ou menor. Isso faz com
que a produtividade e a cornpetitivi-
dade deixem de ser definidas devido
apenas à estrutura interna de cada
corporação e passem, também, a ser
atributos dos lugares.
Ao escolher os lugares, as
empresas exigem sua equipamentação
técnica e sua adaptação política, fis-
cal e institucional, que se tornam
atratividades a novos empreendimen-
tos. Há uma "entrega" da regulação
dos usos do território, até mesmo nos
seus pontos e articulações essenciais,
comprometendo o poder econômico e
o político. "Importam-se empresas e
exportam-se lugares. Impõe-se de
fora do país o que deve ser a produ-
ção, a circulação e a distribuição den-
tro do país, anarquizando a divisão
interna do trabalho (...)." (SANTOS,
I999b)
89
Reféns da moeda e das gran-
des corporações, a economia e a so-
ciedade tornam-se desiguais
agudizando o conflito que se expressa
na privatização do espaço, para "au-
mento da cornpetiti vidade", e na
corporativização do território, com a
priorização de investimentos públ icos
na direção contrária às demandas
SOCiaiS.
Novas fronteiras invisíveis
intranacionais passam a demarcar a
composição de territorialidades
descontínuas que se unem por fluxos,
sob interesses de segmentos. Funda-
mentalmente, aproximam "regiões
avançadas", espacialidades tecnologi-
camente capacitadas, lugares inseri-
dos no diálogo das relações mundiais,
num compasso de tempo cuja veloci-
dade é incompatível à lentidão de suas
áreas circunvizinhas, criando redes que
se contrapõem às relações internas
constituídas no arcabouço do Estado-
nação. Essa organização "vertical" do
território, assumindo uma importância
extrema, opõe-se à sua organização
"horizontal", representativa dos inte-
resses da coletividade (SANTOS,
1999a).
Sob essa dinâmica, uma forte
competitividade é travada entre muni-
cípios e estados, na busca da atração
de novos empreendimentos. É a "guer-
ra fiscal" deflagrada com políticas de
isenção, dilação de prazos de recolhi-
mento de tributos e oferta de privile-
giada infra-estrutura para instalação
de plantas industriais e de serviços.
Finanças municipais e estaduais se
90 Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n" 9, pp. 85-101, jul.ldez., 2000
dilapidam sob O discurso da atração
de investimentos para geração de em-
pregos, escamoteando que a maior
parte das novas atividades é de base
tecnológica, requerendo pouca mão-
de-obra e com alto grau de especia-
lização, quase sempre trazida pelas
próprias empresas.
Nem sempre as ações repre-
sentam necessidades próprias dos lu-
gares, mas são movidas, decididas,
externamente, criando um processo de
alienação regional ou local. Os luga-
res abrem mão da produção demo-
crática da cidade, da preservação
ambiental e da articulação regional.
"É desse modo que áreas inteiras
permanecem nominalmente no terri-
tório, fazendo parte do mapa do país,
mas são retiradas do controle sobera-
no da nação." Daí, pode-se concluir
que a "guerra fiscal é, na verdade,
uma guerra global entre os lugares".
(SANTOS, 1999b)
Como o "mundo" não dispõe de
elementos que regulem as relações
entre as empresas ativas e a posição
passiva e subordinada das empresas
locais, essa regulação constitui tarefa
do poder nacional e dos demais pode-
res nos seus diversos níveis, mas es-
tes ainda estão longe de compensar a
exclusão autorizada. Assim, ampliam-
se as diferenças internas dos Estados-
nacionais ou simplesmente, dos merca-
dos-nacionais, sem que se criem meca-
nismos relevantes de compensação às
exigências do capital hegernônico, que
apenas privilegia a eficiência produti-
va, a competitividade e a fluidez.
É a formação sócio-espacial, ou
seja, o "território e seu uso", que deve
exercer o papel de mediadora dos
conflitos gerados nesse processo.
Dessa forma, embora a grande
corporação torne-se o agente com
maior determinação na reorganização
espacial, a importância do território
acentua-se, a despeito das afirmações
sobre a ausência (ou o não-funciona-
mente) das fronteiras ou de que "tudo,
ou quase tudo, se desterritorializa". O
território se reforça, dado o seu papel
como base técnica combinada com
práticas sociais ou políticas, o que
permite a modernização e a adapta-
ção dos espaços às exigências de cada
nova época (SANTOS, 1999a).
EspaciaJidades e territórios
O processo seletivo de inclusão
de lugares 110 circuito de relações
gIobalizadas produz no arranjo espa-
cial dois fenômenos distintos: as es-
pacialidades de concentração e as de
esvaziamento. Quais sejam, recortes
espaciais inseridos na dinâmica do
crescimento econômico, demográfico,
complexos funcionalmente, diversifi-cados socialmente, poderosos política
e economicamente, globalizados, ve-
lozes, contrapostos a recortes espaci-
ais que estão desconectados dessa
dinâmica ou que sofrem os seus efei-
tos contrários.
Confirmando esse arranjo, es-
tudos recentes sobre as transforma-
ções na rede urbana brasileira, partin-
Fronteiras Invisíveis: o Território e seus Limites
do da análise dos processos econômi-
cos e seus desdobramentos na confi-
guração das tendências da rede de
cidades, constatam que:
"O desempenho econômico re-
gional do período recente ca-
racterizou-se por um aumento
da heterogeneidade econômica
e social inter e intrarregional,
com o surgimento de áreas e
pólos dinâmicos, ( ... ) indepen-
dentemente do desempenho
agregado da economia regional
e do grau de articulação das
áreas dinâmicas com a econo-
mia do resto do país." (IPEAJ
lBGEIUNICAMP, 1999, p.S)"
Tal "independência" confirma e
explica o movimento de partida ou de
mera sustentação do baixo padrão que
persiste nas áreas não-dinâmicas.
Os mesmos estudos apontam
que, dentre os efeitos mais significa-
tivos na dimensão espacial, resultan-
tes da organização do território sob
exigências da cornpetitividade, regis-
tram-se as mudanças no formato das
redes urbanas regionais, com a pre-
sença crescente das aglomerações
urbanas metropolitanas e não-metro-
politanas. É identificado um conjunto
de 49 aglomerações, sendo 12 de
caráter metropol itano, que concentram
cerca de 47% do total da população
do país, ou 73,3 milhões de habitantes
em 1996. Em contrapartida, as pe-
quenas cidades, em sua grande maio-
ria, apresentam saldos migratórios
91
negativos e o crescimento populacional
abaixo da média nacional.
Tais aglomerações confirmam o
peso das relações verticais entre pon-
tos do território, privilegiando recortes
espaciais que oferecem van tagens
comparativas ao novo padrão de in-
vestimentos, em detrimento de outros.
Ao mesmo tempo, incitam à reflex.ão
quanto à existência de uma união
horizontal que venha construir uma
coesão.
As aglomerações agregam inú-
meros territórios - municípios, às ve-
zes de diferentes estados e até de
países - dentro de um espaço contí-
nuo de ocupação, entre os quais ob-
servam-se relações complementares,
de interdependência ou de subordina-
ção, e toda a ordem de conflitos.
Assim, as aglomerações são recorta-
das por muitas e diferentes frações
de poder e por interesses políticos, eco-
nômicos e financeiros divergentes e/ou
concorrentes. A atenção às suas de-
mandas extrapola o nível de competên-
cia de uma unidade administrativa,
inserindo-se no âmbito da gestão de
[unções públicas de interesse comum.
Diante desse cenário transfor-
mado e das exigências complexas que
se impõem à gestão de tais espacia-
lidades, fica evidente a limitação im-
posta à simples junção de vários re-
cortes político-administrativos. Como
um quebra-cabeças, essa estrutura
territorial é reforçada pela autonomia
municipal, delegada pela Constituição
de 1988, pela descentralização de
competências legislativas e adminis-
92 Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n° 9, pp. 85-101, juI./dez., 2000
trati vas, e pela redistribuição de recur-
sos financeiros. Porém, sem o engaja-
mento político e a capacitação técnica
necessários para que o município efe-
tive a gestão de seu espaço de "poder",
compreendendo as demandas e empre-
endendo soluções adequadas.
Nessa soma de municípios au-
tônomos, que não constitui um todo, a
dimensão supralocal ainda carece ele-
mentos para que seja entendida em
toda a sua complexidade, restringin-
do-se ser exercida sob formas asso-
ciativas (consórcios, comitês, etc.), nas
quais nem sempre se dá uma partici-
pação em cond ições paritárias, pre-
valecendo um alto grau de subordina-
ção que dissolve, na essência, o que
poderia ser uma parceria.
A simples e corrente instituição,
pelos estados, de regiões metropolita-
nas e aglomerações urbanas, sob cri-
térios distintos e muitas vezes desco-
ladas da realidade dos espaços produ-
zidos, não transforma sua finalidade
meramente administrativa nem contri-
bui ao encaminhamento de soluções
para áreas mais densas e mais com-
plexas, esbarrando na competência
estadual já fragilizada pela dificuldade
de articulação entre esferas de go-
verno.
As funções públicas cujas ca-
racterísticas de origem, destino e efei-
tos são comuns a mais de um muni-
cípio, exigem estruturas articuladas que
transcendam uma unidade administra-
tiva e que demonstrem uma visão de
conjunto expressa em políticas públi-
cas, sejam sociais, territoriais, urba-
nas e ambientais, ausentes nos atuais
modelos de descentralização. Um
exercício que pressupõe, acima de
tudo, a articulação dos agentes públi-
cos e da sociedade civil e a consciên-
cia de uma dinâmica maior e muitas
vezes externa ao lugar.
No caso brasileiro, o quadro
atual da gestão das aglomerações
aponta para resultados de baixa
qualidade de vida urbana e pelo com-
prometimento da capacidade de de-
senvolvimento sustentável. As peculi-
aridades desses espaços, além do
adensamento físico, são a desigualda-
de na oferta de infra-estrutura e ser-
viços com segregação sócio-espacial
da população de menor renda, a for-
mação de cidades-dormitório, a reten-
ção especulativa do solo urbano le-
vando à informaJização, favelização,
e ao aumento do número de invasões
(IPENIBGEIUNICAMP, 1999). Es-
ses aspectos chamam a atenção para
os atuais modelos de gestão, confir-
mando a sua ineficácia e apontando a
inexistência de mecamsrnos
articuladores.
Nesse espaço formalmente
fragmentado, porém contínuo enquan-
to fenômeno urbano, as trocas
intermunicipais não vêem limites. O
rru nterrupto movimento
intrametropolitano, impulsionado pela
seletividade imposta pelo mercado
imobiliário, faz do valor da proprieda-
de a verdadeira fronteira, dando ori-
gem à segregação sócio-espacial. Mas
este processo não está restri to às
áreas urbanas. Nas áreas rurais, des-
Fronteiras Invisíveis: o Território e seus Limites
locamentos curtos, de circularidade
entre municípios contíguos, são em-
purrados pelo recrudescimento das
transformações modernizantes na ati-
vidade agropecuária. A busca da in-
serção no mercado de trabalho de-
senvolve um fluxo de partida em dire-
ção às derradeiras áreas que se inse-
riram mais tardiamente no processo
de expansão da agropecuária e que
ainda oferecem algumas oportunida-
des. Findas, o fluxo tende a se dirigir
às já saturadas áreas metropolitanas
e aglomerações urbanas (KLEINKE
et all., 1999), fluindo sobre um espa-
ço sem porteiras aparentes.
Em nome dessa migração, dos
movimentos da força de trabalho em
busca do sustento, são cometidas as
maiores atrocidades. Como países,
municípios abrem ou fecham suas
fronteiras, de acordo com suas ne-
cessidades, tornando evidente a dis-
criminação e a violência, amordaçan-
do o fascínio, a ilusão pela oportuni-
dade. Ser barrado na fronteira norte-
americana é talvez tão constrangedor
quanto ser "devolvido" ao chegar em
muitas cidades do Sul do Brasil. Da
mesma forma, adentrar naquele terri-
tório é também tão desafiador quanto
romper a inércia da seca ou do de-
semprego urbano no interior e chegar
às metrópoles do Sudeste ou do Sul.
As chances de vitória são quase uma
fantasia, a despeito dos inúmeros ca-
sos de conquistas narrados pela mídia
hegemônica, que, baseada em
particularismos, procura ocultar a ex-
clusão, o racismo e a falta de oportu-
93
nidades que o atual modelo vem
agudizando.
Novos territórios e
novas fronteiras
Mesmo num arranjo espacial
com invisíveis limites territoriais, os
municípios, no extremo exercício de
seu poder autônomo, não só não con-
jugam como incitam ainda sucessivas
fragmentações. Novas unidades fede-
rativas, no contínuo processo emanei-
patório brasileiro, passam a deter po-
der,competências e recursos, desvir-
tuando a dimensão política do territó-
rio, que é apropriado para que setores
dominantes real izem sua representati-
vidade em outros níveis de governo.
Essas partilhas definem, acima de tudo,
"terri tórios de poder". Nas áreas
metropolitanas e nas aglomerações
urbanas, tais desmembramentos agra-
vam o diálogo para a gestão, trazendo
um número maior de interlocutores,
ignorantes da abrangência regional da
problemática municipal e da sua in-
serção num fluxo de relações com-
plementares.
Pesquisas recentes apontam que
a emancipação e a gestão autônoma
do município não são, em si, impulsio-
nadoras de progresso econômico. Al-
gumas reivindicações da população são
atendidas nos anos imediatos à sua
instituição, como a oferta de novos
equipamentos de consumo coletivo e
infra-estrutura. Tais melhorias, embo-
ra paliativas, agradam momentanea-
94 Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n" 9, pp. 85-101, jul./dez., 2000
mente as populações locais, porém não
promovem mudanças nos aspectos
estruturais das relações que regem a
sociedade (Scussel, 1996). Em termos
demográficos, a maioria das unidades
recém desmembradas na Região Sul
- onde esse processo é expressivo -
apresenta crescimento da população
com taxas inferiores a 1% a.a., sendo
em grande parte, negativas. Inserem-
e nas espacial idades de esvaziamen-
to e não demonstram condições de
exercer atratividade econômica, já
aparentando incapacidade de auto-
sustentação (lPARDES, 1997).
Na luta emancipatória, os re-
quisitos das leis estaduais são cumpri-
dos sob o uso de táticas reprováveis,
como a superestimativa da população
para atingir os limites mínimos esta-
belecidos, o avanço do perímetro ur-
bano sobre áreas rurais para agregar
o número de edificações necessárias,
e até uma certa "mobilidade" de pe-
rímetros para a captura de condições
de cumprimento dos requisitos para
partilha do município de origem, den-
tre outras manobras. A "criação de
municípios não é um fim, mas um meio
pelo qual são dados aos interessados
no processo, novas possibilidades.
Estas possibilidades estão associadas
à criação de territórios e ao controle
de recursos econômicos."
(CIGOLlNI, 1999, p.1 00) Isso sugere
que os "limites dos municípios consti-
tuiriam, assim, uma prática espacial
viabilizadora de um projeto social que
está relacionado ao controle do terri-
tório." (p.62) Ou seja, o exercício do
poder para se tornar efetivo tem que
se circunscrever dentro de limites,
constituindo territórios municipais au-
tônomos, porém institucionalmente frá-
geis, colocando em evidência o senti-
do de suas fronteiras.
Nesse processo fragrnentador,
mais desconcertante ainda é quando
a demarcação de limites aponta na
direção do território nacional. O sepa-
ratismo das regiões Norte e Sul do Brasil
volta à cena com polêmica posição ma-
nifestada na imprensa por David Lands.
Referindo-se a que a Região Sul, sepa-
radamente do Brasil, teria grandes
chances de reduzir os indicadores de
pobreza do país, e questionado se
estaria com isso sugerindo que o país
se dividisse em dois, afirma:
"Estou dizendo que se o Sul se
separasse do Norte teria boas chances
de alcançar os países mais avança-
dos. Sei que as pessoas logo vão
pensar em coisas do tipo: mas como
assim, abrir mãos dos infindáveis re-
cursos da Amazônia? Pois eu lhe digo
que, se vivesse em São Paulo, não
me preocuparia muito com os desti-
nos do Amazonas. Minerais? Madei-
ra? Tudo isso pode ser comprado. Não
é preciso ser dono desses recursos. É
mais fácil comprar do que ser propri-
etário. Em nossa época, não existe
nenhuma virtude intrínseca, política ou
econômica, em manter um grande
território e ser uma grande unidade."
(LANDS, 2000, p.12)".
Essa posição revolve antiga in-
quietação separatista, recolocando o
"separatismo dos ricos" que revela o
Fronteiras Invisíveis: o Território e seus Limites
fracasso das soluções para a unidade
nacional. Nessa intenção, a questão
regional perde sua dimensão política
ao mesmo tempo em que promove, a
partir do estranhamento entre classes
dominantes, elites dirigentes e mesmo
parcelas das classes médias abasta-
das, a seu modo, uma espécie de lim-
peza étnica (OLIVEIRA, 1993).
Territorialidades ou o
espaço sitiado
Símbolo da abertura das fron-
teiras, a queda do Muro de Berlim
aproximou dois tempos, mas deixou
que inúmeras barreiras transparentes
mostrassem a indisposição existente
entre cidadãos do mesmo espaço.
Logo após sua derrubada já se afir-
mava: "O muro de Berlim ainda está
lá, só que é invisível." (WENDERS,
J 993) Na virada do milênio, seus frag-
mentos reproduzem-se mundialmente
em novas muralhas intra-urbanas.
erguidas pela desigualdade, apartação,
exclusão e violência.
Ao mesmo tempo em que o
território se torna invisível às novas
relações que se estabelecem na pro-
dução do espaço, sendo um mediador
frági I à expansão "desordenada" da
ocupação e do uso do solo urbano, o
poder delimitado que peculiariza a
ex istência da unidade terri torial é
inexpressivo diante do poder explícito
de suas múltiplas territorialidades.
De movimentos regionais pela
busca da hegemonia a movimentos
95
locais pela consolidação de direitos,
"formas de organização da sociedade
civil, que preenchem o vácuo deixado
pelos estados, articuladas em redes
de solidariedade globais" (BECKER,
1997, p.ô), ou no extremo oposto,
grupos ligados ao crime organizado
(CASTELLS, 1999) constituem novas
territorialidades que perpassam todas
as esferas da sociedade buscando
"influir em ações e decisões a partir
do domínio de uma parcela do espaço
(... )". (BECKER, 1994, p.239) Estra-
tégias que reorganizam o espaço e a
sociedade sob uma nova ótica,
redefinindo os limites do poder e ins-
tituindo novos códigos a um direito
"estático" .
É através de estratégias e táti-
cas territoriais que o poder se mani-
festa. Oriundo da decisão de influen-
ciar e controlar, define um recorte
circunscrito, próprio e delimitado, de-
senhado a partir de escolhas e em-
bates dentre o fundamental para que
se concretizem suas metas (SAN-
TOS, 1994). Aproveitando-se da
corporativização na produção do es-
paço, faz com que se dê a segmenta-
ção social e a fragmentação do tecido
urbano.
Nesse processo de corporati-
vização, o capital imobiliário assume
um importante papel na criação de
territorialidades urbanas. Os gran-
des empreend imentos, intensificados
com a globalização e reforçados pe-
[os investidores estrangeiros, invadem
áreas centrais deterioradas, recrian-
do-as a partir de projetos de
96 Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n° 9, pp. 85·101, jul.ldez., 2000
revitalização, ou adentram as periferi-
as distantes e as áreas ambientalmen-
te vulneráveis, visando a proliferação
de shoppings ; parques temáticos,
centros empresariais, condomínios
fechados. Tais projetos, mais que pro-
mover a socialização do espaço, indu-
zem a um contínuo movimento de
revalorização do solo, provocando a
relocação e o desalojamento, muitas
vezes forçado.
A cidade se retrata a partir de
um conjunto de "guetos" - resultan-
tes "da exclusão que surge da mescla
entre a pauperização e o racismo"
(MARCUSE, 1998) - e de enclaves
- "feudos ou lugares nos quais os ricos
escondem-se do restante da socieda-
de" (MARCUSE, 1998). São frontei-
ras materiais que se estabelecem a
partir da relação entre a segregação
social e a lógica de apropriação do
espaço, nas quais são travados emba-
tes contínuos que se refletem direta-
mente nas oscilações dos valores
imobiliários, criando limites nítidos
entre áreas nobres e áreas segregadas.
O poder e a propriedade, que
já se apartaram da miséria com cer-
cas invisíveis, hoje se protegem por
trás de muros, grades, fortificações,
com acesso controlado por guaritas e
seguranças armados.
Nessa dinâmica, o Brasil, comoos Estados Unidos, pode vir a se tor-
nar uma "nação de enclaves". Nas
últimas décadas, o mercado imobiliá-
rio norte-americano produziu um am-
plo conjunto de comunidades cerca-
das, principalmente impulsionadas pelo
automóvel particular e unidas por auto-
estradas, provocando desperdícios de
recursos, poluição, alienação social e
a destruição humana, que acompanha
a desigualdade estrutural (ANGOTTI,
1999).
A exclusão explícita faz com
que seja aperfeiçoada a arquitetura
da proteção, que remodela as facha-
das e as funções do edifício, incorpo-
rando as mais modernas tecnologias
de vigilância e monitoramento à dis-
tância (câmeras de vídeo, células óti-
cas, sensores). Acessos privados aos
condomínios fechados e entre centros
comerciais são designs que transfor-
mam espaços públicos historicamente
heterogêneos em passarelas isoladas
da "tensão da ma", negando "as ex-
pressões espontâneas e inesperadas
da vida", evitando o "confronto com
a realidade" (GOLDSMITH, 1999).
Tais condomínios e centros comerci-
ais, controlados por regras de adm is-
são e exclusão, inibem a passagem e
a convivência democrática, antes ga-
rantida por ruas abertas, restringindo
o direito da cidadania. São viveiros
para as classes média e alta, por vezes
tentando miniaturizar a natureza den-
tro de si mesmos, dissimulando e
"humanizando" a função de fortaleza
de seus prédios (DAVIS, 1989).
Essas novas comunidades ur-
banas "constituem um imenso arqui-
pélago formado de bairros pouco in-
tegrados ao resto do território, tecen-
do-se entre eles relações de privilégio
e até de exclusividade. Ademais, o
mundo exterior é percebido como
Fronteiras Invisíveis: o Território e seus Limites
ameaçador." (SCHAPIRA, 2000,
p.180)
Os mesmos enclaves cercados,
vigiados, protegidos se reproduzem nos
"morros", nas "vilas" e "jardins" das
periferias - verdadeiros "campos de
refugiados", nos quais os números
fatais da violência crescem com o
tráfico, com a criminalidade, com a
miséria, com a não-submissão à lei do
silêncio. Ironicamente, se confirmam
ainda nas ocupações dos espaços
públicos centrais, logradouros, pontes
e vigas de viadutos.
A ameaça explícita da violên-
cia desses redutos constrange a cida-
dania: ao se "proteger", a sociedade
ameaça. A metáfora de Virilio com-
pondo uma cidade formada por uma
elite que viverá em bunkers e por
miseráveis que vão atacá-Ia
(VIRILIO, 1997) é simplista diante
dos imbricados embates cotidianos e
dos comandos territorializados que se
multiplicam.
Nessa cidade fragmentada, o
medo aumenta na proporção inversa
à confiabilidade das instituições en-
carregadas de manter a ordem, propi-
ciando formas de auto-defesa. A
territorialização do espaço faz com
que seja transformado o Direito. A
instituição de códigos particulares nos
enclaves e "guetos" urbanos, de alta
ou baixa renda, confirma a fragmen-
tação, a ilegalidade e a ilegitimidade
no exercício do poder, negando princí-
pios soberanos firmados para a prote-
ção da coleti vidade. Coloca em práti-
ca normas duvidosas e um novo man-
97
do, apontando para o anacronismo ou
o desvio funcional de instituições con-
sagradas para a manutenção da lei e
da ordem urbana, confiscadas por
interesses privados.
Além de exercerem esse di rei-
to particularizado, "um direito territorial
de facto" (SCHAPIRA, 2000), im-
pondo novos estatutos e procedimen-
tos que subvertem os princípios de-
mocráticos e a ética, representantes
dessas territorialidades mesclam-se na
estrutura institucional, fazendo-se pre-
sente no legislativo, executivo e exer-
cendo forte pressão sobre o judiciário.
Os fragmentos da cidade, em
movimento, e a configuração de múl-
tiplas "frontei ras" vão "obstruindo sua
porosidade" (SCHAPIRA, 2000),
enrijecendo o cimento que articularia
o tecido social. Por não se relaciona-
rem entre si, a "unidade urbana se
fragiliza, pois não há mais um territó-
rio urbano, mas territórios urbanos, no
plano físico-territorial, no plano sócio-
econômico e (... ) no plano das repre-
sentações sociais." (SPOSITO, 1999,
p.19)
Cruzar fronteiras
Não se pode deixar seduzir pelo
fascínio de certas ambigüidades, que
na verdade não são mais que inten-
ções: os que virtualmente descons-
tróem fronteiras, materializam muros.
A despeito dessas ambigüidades, por
mais que se montem barreiras e por
mais metros contínuos de muros e
98 Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n° 9, pp. 8S-101,juI./dez., 2000
cercas sejam erguidos, "Las fronteras
de verdad son aquellas que
mantienen a los pobres apartados del
pastel." (RNAS, 1998, p.14) E essas,
estão longe de serem transpostas.
Para Castells, o novo mundo
que toma forma neste final de milê-
nio, estruturado numa economia
informacional/global, numa sociedade
em rede e numa cultura da
virtual idade real, tem redefinidas his-
toricamente as relações de produção,
poder e experiência da sociedade.
Mas, a "nova sociedade" nele engen-
drada - produtiva, competitiva, flexí-
vel, proprietária - tende ao aumento
da desigualdade, da polarização entre
classes SOCIaIS, da exclusão
(CASTELLS, 1999).
Penetrando em todos os países,
territórios, culturas, fluxos de comuni-
cações e finanças, a economia global
desencadeará uma "exploração contí-
nua do planeta à procura de novas
oportunidades de geração de lucros".
Uma tarefa seletiva, "conectando seg-
mentos valiosos e descartando locais
e pessoas inúteis e não-pertinentes",
produzindo uma "geografia de contras-
tes" (CASTELLS, 1999, p.431).
Dos segmentos excluídos resul-
tará, por um lado, um aumento das
operações em "conexão perversa", ou
seja, com diferentes regras na prática
do capitalismo global - como poderá
ser constatado na crescente influên-
cia da "economia do crime organiza-
do". Por outro lado, não menos per-
versa, se dará "a exclusão dos que
excluem pelos excluídos", prevendo
que "a não-adesão de pessoas e de
países não representará uma saída
pacífica" (CASTELLS, 1999, p.432).
Diante da inevitabilidade desse pro-
cesso, os agentes sociais terão que
assumir um elevado grau de consci-
ência, informação e compartilhamento
para que possam promover mudan-
ças, "enquanto é tempo" (p.438).
Não se deixando levar por fa-
talismos, essa "inevitabilidade" dos
eventos deve ser discutida, recomen-
da Fiori. Particularmente, no que se
refere à própria globalização da eco-
nomia, apresentada como um proces-
so universal, contínuo, progressivo e
homogêneo. Deve-se enfrentar "mi-
tos" como o de que ela representa
"uma nova realidade econômica mo-
vida pela força material da expansão
capitalista e, por isso, absolutamente
necessária e irrecusável", quando já
é mais que reconhecido que ela resul-
ta de decisões políticas de países
centrais, sobretudo o norte-america-
no, no sentido de alimentar as trans-
formações tecnológicas e intensificar
a competição mundial, assim como
provocar a implementação de refor-
mas liberais nos países em desenvol-
vimento (FLORI, I997a); ou o de que
"promove uma redução pacífica e
inevitável da soberania dos estados
nacionais", já que a heterogeneidade
sempre existiu no arranjo e no grau
de soberania dos diferentes estados
(FlORI, 1997b).
Tampouco basta assumir que o
atual modelo resulta em fenômenos
concentradores, fragmentadores e
Fronteiras Invisíveis: o Território e seus Limites
excludentes de lugares, atividades,
empresas e pessoas. Nesse processo
contraditório, "os impactos e perspec-
ti vas são diferenciados, e as alterna-
tivas abertas a cada país dependem,
exatamente, das opções feitas pelas
suas forças sociais e políticas internas
e coordenadas por seus estados naci-
onais." (FlORI, 1997b, p.239)
Apostando, da mesma forma, na
reversibilidade dos processos, Santos
afirma que:
"Os lugares também se podem
unir horizontalmente, reconstruindo
aquela base de vida comum, suscep-
tível decriar normas locais, normas
regionais ... que acabam por afetar
normas nacionais e globais." (SAN-
TOS, 1999a, p.206)
São visões e perspectivas que
não só reforçam o papel do território
e a urgência de pactos territoriais,
como enfatizam a importância da so-
berania de seus interesses, para que
se torne legitimamente representativo
da coletividade.
Quanto às fronteiras, sejam
reais ou virtuais, que sigam pressen-
tindo o contínuo rumor dos que procu-
ram, e que não os barre. "Lo impor-
tante es que lleven y traigan. Que
mezclen, Que cambien. Que no se
detenga el movimiento del mundo."
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