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Ensaio FRONTEIRAS INVISÍVEIS: O TERRITÓRIO E SEUS LIMITES Rosa Moura" País de piedra. Lengua de piedra. Sangre y memoria de piedra. Si no te escapas de aqui, lu mismo te convertirás en piedra. Vele pronto, cruza la [rontera, sacúdete la piedra. (Fuentes, 1995, p.215l lnvisible borders: Territory and its limits Urban planning and management activities face today a series of visible and invisible borders. Some 01' them are defined by geographical and/or experiential scale and range frorn international to local leveis, fr om globalization concerns lO lhe particularities 01'lhe lifeworld. Others assu- Este artigo sintetiza e coloca em discussão três ordens de preocupa- ções na rotina da gestão urbana, re- ferentes à relação espaço/território: a) a ambígua retórica sobre fronteiras, iluminando sua ruptura como possibi- lidade homogênea de acesso e parti- cipação nos fluxos de capitais, mer- cadorias e informações globalizadas, e obscurecendo sua reprodução coti- diana, a partir das diversas e cres- centes formas de exclusão engendra- me cconormc, political or social configurations and are also very effecu ve. Based on the authors professional experience. the essay discusses some limits which urban planners and managcrs face when trying to deal with all these limits and borders. das pelo atual modelo econômico; b) sob a lógica da reestruturação da eco- nomia mundial, as estratégias locais de desenvolvimento que induzem à produção de um espaço aglomerado, cada vez mais denso e abrangente, perpassando áreas de vários territóri- os político-administrativos, cujo exer- cício autônomo de poder torna com- plexo um processo articulado de ges- tão; e, c) contrariando esta incontida e concentrada expansão do fato urba- Geógrafa, pesquisadora do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES). 86 Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n° 9, pp. 85-101, jul./dez., 2000 no e multiplicando a divergência de interesses, a fragmentação do espa- ço, no contínuo processo de emanci- pação de novos territórios ou na con- formação de territorialidades cuja expressão de poderes particularizados constrange a autonomia das unidades territoriais. o sentido das fronteiras "Lo único bueno que tienen las [ronteras son sus pasos clan- destinos." (RIVAS,1998, p.14). Com essa compreensão, Da Barca, perso- nagem de Rivas, sintetiza o sentido das fronteiras, refletindo sobre o quan- to pode uma linha imaginária, traçada a partir de distintas circunstâncias e interesses, e ao mesmo tempo, o quan- to se esmaece em seu próprio absurdo. Transparentes ou ostensivamen- te cercadas, as fronteiras refletem o exercício da dominação e da autori- dade de um povo em particular. For- malmente, protegem nos países a sua soberania e delimitam nos estados e municípios. suas esferas de compe- tências; informalmente, impõem-se poderosas nos tantos fragmentos dos espaços desigualmente produzidos, in- troduzindo um novo direito. Nas situações de conflito - bélico, racial ou social - podem signi- ficar portas a populações que "cami- nham na direção do futuro" (SAL- GADO, 2000), sendo, ao mesmo tem- po, libertação e constrangimento, con- dição de sobrevivência ou apenas miragens. Seu traçado pode ser um ilusório cristal, uma membrana de vi- dro, uma raia fluorescente, ou o pró- prio esquecimento; e sua transposi- ção, num dos sentidos, a vida ou a morte, no outro, a extensão do poder e da posse (FUENTES, 1995). Cada vez mais presente nas relações cotidianas das várias espacialidades, a fronteira tornou-se um símbolo claustrofóbico de limites, enquanto sua ruptura, a abertura para fluxos que não só aproximam lugares como ampliam possibilidades de inser- ção numa mesma dinâmica global. Essa retórica vem sustentando o en- tendimento de que as fronteiras são dispensáveis, de que já nem existem. No entanto, o mundo nunca viveu tanto controle sendo exercido em seus tantos fragmentos. As áreas fronteiriças, nesse processo de globalização da econo- mia e integração de blocos regionais, foram virtualizadas enquanto espaços de criação de possibilidades de de- senvol vimento, áreas de transição, contato, articulação, especial vivaci- dade e dinamismo próprio. As cida- des contíguas que se estendem entre países e exercem, muitas vezes, ativi- dades econômicas similares e funções urbanas complementares, deveriam dar origem a estruturas bi ou trinacionais com articulação produtiva e transformaç ão terri tor ia I (CICCOLELLA, 1997; OLIVEIRA et al., 1999). Entretanto, contrapondo-se ao espaço único de ocupação, preva- lecem ainda as tensões históricas Fronteiras Invisíveis: o Território e seus Limites fronteiriças e, mais que tudo, a desi- gualdade. Contraditoriamente, enquanto o projeto hegemônico se vale da trans- parência das fronteiras para adentrar novos mercados e firmar-se, produ- zindo suas vítimas na periferia, no interior dos países centrais se man- tém a velada perseguição interna à mão-de-obra migrante, ou explícito o bloqueio, no direito por eles mesmos reservado, de defender "suas próprias fronteiras" . Os Estados Unidos, no coman- do da globalização da economia, de- sempenham esse ambíguo papel: cul- tural e fisicamente presentes em qual- quer parte do mundo, ao mesmo tem- po em que discursam pela abertura econômica e integração dos povos, mantêm erigidas suas barreiras eco- nômicas e, principalmente, migratóri- as. "No se puede hablar de merca- do libre y luego cerrarle la [rontera a! trabajador que acude a la de- manda". (FUENTES, 1995, p.l [9) Porém, há uma hipócrita intermitência nessa fronteira ativa. Ao mesmo tem- po em que com a posse da terra e a especulação adentram pátrias estran- geiras sem resistências, controlam a penetração mexicana permitindo que se mantenha uma "migração invisível" da força de trabalho que responda às atividades descartadas pelo trabalha- dor americano, num exercício de be- nevolência e rigidez - "Cuando te necesito te contrato (...), cuando me sobras te denuncio (...). Te golpeo. Te caro como conejo. Te embarro 87 de pintura para que todos lo sepan: eres ilegal. " (FUENTES, 1995, p.120) Neste momento, servindo-se de um aparato de controle tecnologicamente sofisticado - patrulhas terrestres, sa- tél ites, helicópteros, "olhos noturnos" dotados de sensores infra-vermelho - a entrada é impedida e a retenção pode significar a morte. A realidade econômica de qual- quer das partes ressalta o "absurdo" das linhas demarcatórias; o movimen- to de trabalhadores cria a categoria dos não-cidadãos, da mão-de-obra barata e disponível, das comunidades inteiras que sobrevivem, no lado me- xicano da fronteira, à espera das re- messas minguadas dos dólares. Luga- res que "sobrevivem dos que vão" (FUENTES, 1995). Lugares cuja iden- tidade se reconstrói silenciosamente ao norte e se desconstrói brutalmente ao sul. O novo sentido virLualizado para as áreas fronteiriças está, pois, longe de se materializar. Visivelmen- te, a presença mexicana nos Estados Unidos, legal ou ilegal, é crescente. A área fronteiriça, viçosa e moderna ao norte do deserto poroso ou do Rio Grande, é ao sul do Rio Bravo, mise- rável c arcaica, expondo tempos anta- gônicos de uma mesma espacialidade. Em diferentes escalas e nou- tras geografias, se reproduz o mode- lo. A Ponte da Amizade - que funci- ona para Foz do Iguaçu e Ciudad dei Este como uma avenida de um mes- mo espaço urbano -, tentando apa- rentar uma fronteira amigável, não deixa de ser um elemento de controle 88 Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n" 9, pp. 85-101, jul.ldez., 2000 do trânsito de mercadorias. dependen- do de distintos interesses. Fecha-se, abre-se, acelera-se ou toma-se vaga- roso o tráfego, revista-se, reprime-se, libera-se, ignora-se ou apreende-se a mercadoria do sacoleiro ou docida- dão local que se beneficia das opor- tunidades cambiais para seu abasteci- mento próprio. Funciona como cance- la separando ou unindo o interior de um espaço contínuo, fortemente arti- culado. De forma não tão ostensiva, o mesmo se repete na Ponte Tancredo Neves, que une Foz do Iguaçu a Puerto Iguazu, na Argentina. Um movimento de interesses locais, no entanto, mantém as trocas. "À revelia das causas institucionais e/ou econômicas que provocam alterações nas oportunida- des e reforçam a demarcação das fronteiras, o cotidiano das relações estabelece um pacto, ainda que infor- maI, de cooperação e parcerias, não propriamente entre os três países, mas sim entre as três fronteiras. Um es- paço que não pertence a nenhum país, um espaço do Mundo. Isso significa a própria negação da fronteira." (KLEINKE et all.. 1997, p.160)" Nesse exercício de poder, o Brasil já atravessou a película vítrea de sua fronteira, em toda a sua exten- são, na direção da diversidade de seus vizinhos. Introduziu sua cultura, sua economia, seu domínio, inserindo-se numa territorial idade alongada onde atua sem constrangimentos. Os sinais da Rede Globo não poupam sua hcgernon ia sequer nos grandes cen- tros e capitais de países vizinhos; o português muda o acento do espanhol; proprietários brasileiros incorporam terras estrangeiras em seu patrimônio; produtores melhor capacitados tecnologicamente são selecionados por um mercado que não contempla os conterrâneos menos habilitados. No norte ou no sul, de modo geral, mais que diferenças étnicas, culturais, lingüísticas ou religiosas, o que se percebe em áreas Ironteiriças é a prevalência de um poder hegernô- nico ou a disputa acirrada entre pode- res concorrentes. Poderes estes, mui- tas vezes não oficiais, mas colocados em defesa de interesses particulares, alheios até mesmo a qualquer dos territórios: na fronteira entre o Brasil e o Paraguai. S6 mil hectares confor- mam uma territorialidade controlada por uma seita religiosa estrangeira, sem atenção do governo de qualquer dos países (HUMBERTO, 2000). Fronteiras do território A queda das fronteiras, almeja- da pela globalização da economia, visava eliminar obstáculos à entrada de capitais e o livre trânsito de mer- cadorias e informações. A abertura pleiteada e conquistada não fez mais que a imposição de moedas fortes, como o dólar, o euro, o iene, e a "ati- vação do mundo" via empresas gi- gantes. As moedas subjugaram for- ças locais e foram se impondo e dis- putando en tre si uma hegernon ia. Fronteiras Invisíveis: o Território e seus Limites Muitos países periféricos optaram pela alternativa de atrelarem suas moedas à da potência dominante mundial ou regional, condenando-se a ciclos de modesto cresci rnento, altas taxas de desemprego e ingovernabilidade (FlORI, 1999). As "empresas globais" passaram a produzir de modo privado suas normas particulares, cuja vigên- cia é, "geralmente e sob muitos as- pectos, 'indiferente' aos contextos em que vêm inserir-se". (SANTOS, 1999a, p.269). Um processo seletivo e excludente, transformando o espaço como um todo, passa a distinguir os lugares pela sua diferente capacidade de oferecer às empresas uma produ- tividade maior ou menor. Isso faz com que a produtividade e a cornpetitivi- dade deixem de ser definidas devido apenas à estrutura interna de cada corporação e passem, também, a ser atributos dos lugares. Ao escolher os lugares, as empresas exigem sua equipamentação técnica e sua adaptação política, fis- cal e institucional, que se tornam atratividades a novos empreendimen- tos. Há uma "entrega" da regulação dos usos do território, até mesmo nos seus pontos e articulações essenciais, comprometendo o poder econômico e o político. "Importam-se empresas e exportam-se lugares. Impõe-se de fora do país o que deve ser a produ- ção, a circulação e a distribuição den- tro do país, anarquizando a divisão interna do trabalho (...)." (SANTOS, I999b) 89 Reféns da moeda e das gran- des corporações, a economia e a so- ciedade tornam-se desiguais agudizando o conflito que se expressa na privatização do espaço, para "au- mento da cornpetiti vidade", e na corporativização do território, com a priorização de investimentos públ icos na direção contrária às demandas SOCiaiS. Novas fronteiras invisíveis intranacionais passam a demarcar a composição de territorialidades descontínuas que se unem por fluxos, sob interesses de segmentos. Funda- mentalmente, aproximam "regiões avançadas", espacialidades tecnologi- camente capacitadas, lugares inseri- dos no diálogo das relações mundiais, num compasso de tempo cuja veloci- dade é incompatível à lentidão de suas áreas circunvizinhas, criando redes que se contrapõem às relações internas constituídas no arcabouço do Estado- nação. Essa organização "vertical" do território, assumindo uma importância extrema, opõe-se à sua organização "horizontal", representativa dos inte- resses da coletividade (SANTOS, 1999a). Sob essa dinâmica, uma forte competitividade é travada entre muni- cípios e estados, na busca da atração de novos empreendimentos. É a "guer- ra fiscal" deflagrada com políticas de isenção, dilação de prazos de recolhi- mento de tributos e oferta de privile- giada infra-estrutura para instalação de plantas industriais e de serviços. Finanças municipais e estaduais se 90 Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n" 9, pp. 85-101, jul.ldez., 2000 dilapidam sob O discurso da atração de investimentos para geração de em- pregos, escamoteando que a maior parte das novas atividades é de base tecnológica, requerendo pouca mão- de-obra e com alto grau de especia- lização, quase sempre trazida pelas próprias empresas. Nem sempre as ações repre- sentam necessidades próprias dos lu- gares, mas são movidas, decididas, externamente, criando um processo de alienação regional ou local. Os luga- res abrem mão da produção demo- crática da cidade, da preservação ambiental e da articulação regional. "É desse modo que áreas inteiras permanecem nominalmente no terri- tório, fazendo parte do mapa do país, mas são retiradas do controle sobera- no da nação." Daí, pode-se concluir que a "guerra fiscal é, na verdade, uma guerra global entre os lugares". (SANTOS, 1999b) Como o "mundo" não dispõe de elementos que regulem as relações entre as empresas ativas e a posição passiva e subordinada das empresas locais, essa regulação constitui tarefa do poder nacional e dos demais pode- res nos seus diversos níveis, mas es- tes ainda estão longe de compensar a exclusão autorizada. Assim, ampliam- se as diferenças internas dos Estados- nacionais ou simplesmente, dos merca- dos-nacionais, sem que se criem meca- nismos relevantes de compensação às exigências do capital hegernônico, que apenas privilegia a eficiência produti- va, a competitividade e a fluidez. É a formação sócio-espacial, ou seja, o "território e seu uso", que deve exercer o papel de mediadora dos conflitos gerados nesse processo. Dessa forma, embora a grande corporação torne-se o agente com maior determinação na reorganização espacial, a importância do território acentua-se, a despeito das afirmações sobre a ausência (ou o não-funciona- mente) das fronteiras ou de que "tudo, ou quase tudo, se desterritorializa". O território se reforça, dado o seu papel como base técnica combinada com práticas sociais ou políticas, o que permite a modernização e a adapta- ção dos espaços às exigências de cada nova época (SANTOS, 1999a). EspaciaJidades e territórios O processo seletivo de inclusão de lugares 110 circuito de relações gIobalizadas produz no arranjo espa- cial dois fenômenos distintos: as es- pacialidades de concentração e as de esvaziamento. Quais sejam, recortes espaciais inseridos na dinâmica do crescimento econômico, demográfico, complexos funcionalmente, diversifi-cados socialmente, poderosos política e economicamente, globalizados, ve- lozes, contrapostos a recortes espaci- ais que estão desconectados dessa dinâmica ou que sofrem os seus efei- tos contrários. Confirmando esse arranjo, es- tudos recentes sobre as transforma- ções na rede urbana brasileira, partin- Fronteiras Invisíveis: o Território e seus Limites do da análise dos processos econômi- cos e seus desdobramentos na confi- guração das tendências da rede de cidades, constatam que: "O desempenho econômico re- gional do período recente ca- racterizou-se por um aumento da heterogeneidade econômica e social inter e intrarregional, com o surgimento de áreas e pólos dinâmicos, ( ... ) indepen- dentemente do desempenho agregado da economia regional e do grau de articulação das áreas dinâmicas com a econo- mia do resto do país." (IPEAJ lBGEIUNICAMP, 1999, p.S)" Tal "independência" confirma e explica o movimento de partida ou de mera sustentação do baixo padrão que persiste nas áreas não-dinâmicas. Os mesmos estudos apontam que, dentre os efeitos mais significa- tivos na dimensão espacial, resultan- tes da organização do território sob exigências da cornpetitividade, regis- tram-se as mudanças no formato das redes urbanas regionais, com a pre- sença crescente das aglomerações urbanas metropolitanas e não-metro- politanas. É identificado um conjunto de 49 aglomerações, sendo 12 de caráter metropol itano, que concentram cerca de 47% do total da população do país, ou 73,3 milhões de habitantes em 1996. Em contrapartida, as pe- quenas cidades, em sua grande maio- ria, apresentam saldos migratórios 91 negativos e o crescimento populacional abaixo da média nacional. Tais aglomerações confirmam o peso das relações verticais entre pon- tos do território, privilegiando recortes espaciais que oferecem van tagens comparativas ao novo padrão de in- vestimentos, em detrimento de outros. Ao mesmo tempo, incitam à reflex.ão quanto à existência de uma união horizontal que venha construir uma coesão. As aglomerações agregam inú- meros territórios - municípios, às ve- zes de diferentes estados e até de países - dentro de um espaço contí- nuo de ocupação, entre os quais ob- servam-se relações complementares, de interdependência ou de subordina- ção, e toda a ordem de conflitos. Assim, as aglomerações são recorta- das por muitas e diferentes frações de poder e por interesses políticos, eco- nômicos e financeiros divergentes e/ou concorrentes. A atenção às suas de- mandas extrapola o nível de competên- cia de uma unidade administrativa, inserindo-se no âmbito da gestão de [unções públicas de interesse comum. Diante desse cenário transfor- mado e das exigências complexas que se impõem à gestão de tais espacia- lidades, fica evidente a limitação im- posta à simples junção de vários re- cortes político-administrativos. Como um quebra-cabeças, essa estrutura territorial é reforçada pela autonomia municipal, delegada pela Constituição de 1988, pela descentralização de competências legislativas e adminis- 92 Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n° 9, pp. 85-101, juI./dez., 2000 trati vas, e pela redistribuição de recur- sos financeiros. Porém, sem o engaja- mento político e a capacitação técnica necessários para que o município efe- tive a gestão de seu espaço de "poder", compreendendo as demandas e empre- endendo soluções adequadas. Nessa soma de municípios au- tônomos, que não constitui um todo, a dimensão supralocal ainda carece ele- mentos para que seja entendida em toda a sua complexidade, restringin- do-se ser exercida sob formas asso- ciativas (consórcios, comitês, etc.), nas quais nem sempre se dá uma partici- pação em cond ições paritárias, pre- valecendo um alto grau de subordina- ção que dissolve, na essência, o que poderia ser uma parceria. A simples e corrente instituição, pelos estados, de regiões metropolita- nas e aglomerações urbanas, sob cri- térios distintos e muitas vezes desco- ladas da realidade dos espaços produ- zidos, não transforma sua finalidade meramente administrativa nem contri- bui ao encaminhamento de soluções para áreas mais densas e mais com- plexas, esbarrando na competência estadual já fragilizada pela dificuldade de articulação entre esferas de go- verno. As funções públicas cujas ca- racterísticas de origem, destino e efei- tos são comuns a mais de um muni- cípio, exigem estruturas articuladas que transcendam uma unidade administra- tiva e que demonstrem uma visão de conjunto expressa em políticas públi- cas, sejam sociais, territoriais, urba- nas e ambientais, ausentes nos atuais modelos de descentralização. Um exercício que pressupõe, acima de tudo, a articulação dos agentes públi- cos e da sociedade civil e a consciên- cia de uma dinâmica maior e muitas vezes externa ao lugar. No caso brasileiro, o quadro atual da gestão das aglomerações aponta para resultados de baixa qualidade de vida urbana e pelo com- prometimento da capacidade de de- senvolvimento sustentável. As peculi- aridades desses espaços, além do adensamento físico, são a desigualda- de na oferta de infra-estrutura e ser- viços com segregação sócio-espacial da população de menor renda, a for- mação de cidades-dormitório, a reten- ção especulativa do solo urbano le- vando à informaJização, favelização, e ao aumento do número de invasões (IPENIBGEIUNICAMP, 1999). Es- ses aspectos chamam a atenção para os atuais modelos de gestão, confir- mando a sua ineficácia e apontando a inexistência de mecamsrnos articuladores. Nesse espaço formalmente fragmentado, porém contínuo enquan- to fenômeno urbano, as trocas intermunicipais não vêem limites. O rru nterrupto movimento intrametropolitano, impulsionado pela seletividade imposta pelo mercado imobiliário, faz do valor da proprieda- de a verdadeira fronteira, dando ori- gem à segregação sócio-espacial. Mas este processo não está restri to às áreas urbanas. Nas áreas rurais, des- Fronteiras Invisíveis: o Território e seus Limites locamentos curtos, de circularidade entre municípios contíguos, são em- purrados pelo recrudescimento das transformações modernizantes na ati- vidade agropecuária. A busca da in- serção no mercado de trabalho de- senvolve um fluxo de partida em dire- ção às derradeiras áreas que se inse- riram mais tardiamente no processo de expansão da agropecuária e que ainda oferecem algumas oportunida- des. Findas, o fluxo tende a se dirigir às já saturadas áreas metropolitanas e aglomerações urbanas (KLEINKE et all., 1999), fluindo sobre um espa- ço sem porteiras aparentes. Em nome dessa migração, dos movimentos da força de trabalho em busca do sustento, são cometidas as maiores atrocidades. Como países, municípios abrem ou fecham suas fronteiras, de acordo com suas ne- cessidades, tornando evidente a dis- criminação e a violência, amordaçan- do o fascínio, a ilusão pela oportuni- dade. Ser barrado na fronteira norte- americana é talvez tão constrangedor quanto ser "devolvido" ao chegar em muitas cidades do Sul do Brasil. Da mesma forma, adentrar naquele terri- tório é também tão desafiador quanto romper a inércia da seca ou do de- semprego urbano no interior e chegar às metrópoles do Sudeste ou do Sul. As chances de vitória são quase uma fantasia, a despeito dos inúmeros ca- sos de conquistas narrados pela mídia hegemônica, que, baseada em particularismos, procura ocultar a ex- clusão, o racismo e a falta de oportu- 93 nidades que o atual modelo vem agudizando. Novos territórios e novas fronteiras Mesmo num arranjo espacial com invisíveis limites territoriais, os municípios, no extremo exercício de seu poder autônomo, não só não con- jugam como incitam ainda sucessivas fragmentações. Novas unidades fede- rativas, no contínuo processo emanei- patório brasileiro, passam a deter po- der,competências e recursos, desvir- tuando a dimensão política do territó- rio, que é apropriado para que setores dominantes real izem sua representati- vidade em outros níveis de governo. Essas partilhas definem, acima de tudo, "terri tórios de poder". Nas áreas metropolitanas e nas aglomerações urbanas, tais desmembramentos agra- vam o diálogo para a gestão, trazendo um número maior de interlocutores, ignorantes da abrangência regional da problemática municipal e da sua in- serção num fluxo de relações com- plementares. Pesquisas recentes apontam que a emancipação e a gestão autônoma do município não são, em si, impulsio- nadoras de progresso econômico. Al- gumas reivindicações da população são atendidas nos anos imediatos à sua instituição, como a oferta de novos equipamentos de consumo coletivo e infra-estrutura. Tais melhorias, embo- ra paliativas, agradam momentanea- 94 Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n" 9, pp. 85-101, jul./dez., 2000 mente as populações locais, porém não promovem mudanças nos aspectos estruturais das relações que regem a sociedade (Scussel, 1996). Em termos demográficos, a maioria das unidades recém desmembradas na Região Sul - onde esse processo é expressivo - apresenta crescimento da população com taxas inferiores a 1% a.a., sendo em grande parte, negativas. Inserem- e nas espacial idades de esvaziamen- to e não demonstram condições de exercer atratividade econômica, já aparentando incapacidade de auto- sustentação (lPARDES, 1997). Na luta emancipatória, os re- quisitos das leis estaduais são cumpri- dos sob o uso de táticas reprováveis, como a superestimativa da população para atingir os limites mínimos esta- belecidos, o avanço do perímetro ur- bano sobre áreas rurais para agregar o número de edificações necessárias, e até uma certa "mobilidade" de pe- rímetros para a captura de condições de cumprimento dos requisitos para partilha do município de origem, den- tre outras manobras. A "criação de municípios não é um fim, mas um meio pelo qual são dados aos interessados no processo, novas possibilidades. Estas possibilidades estão associadas à criação de territórios e ao controle de recursos econômicos." (CIGOLlNI, 1999, p.1 00) Isso sugere que os "limites dos municípios consti- tuiriam, assim, uma prática espacial viabilizadora de um projeto social que está relacionado ao controle do terri- tório." (p.62) Ou seja, o exercício do poder para se tornar efetivo tem que se circunscrever dentro de limites, constituindo territórios municipais au- tônomos, porém institucionalmente frá- geis, colocando em evidência o senti- do de suas fronteiras. Nesse processo fragrnentador, mais desconcertante ainda é quando a demarcação de limites aponta na direção do território nacional. O sepa- ratismo das regiões Norte e Sul do Brasil volta à cena com polêmica posição ma- nifestada na imprensa por David Lands. Referindo-se a que a Região Sul, sepa- radamente do Brasil, teria grandes chances de reduzir os indicadores de pobreza do país, e questionado se estaria com isso sugerindo que o país se dividisse em dois, afirma: "Estou dizendo que se o Sul se separasse do Norte teria boas chances de alcançar os países mais avança- dos. Sei que as pessoas logo vão pensar em coisas do tipo: mas como assim, abrir mãos dos infindáveis re- cursos da Amazônia? Pois eu lhe digo que, se vivesse em São Paulo, não me preocuparia muito com os desti- nos do Amazonas. Minerais? Madei- ra? Tudo isso pode ser comprado. Não é preciso ser dono desses recursos. É mais fácil comprar do que ser propri- etário. Em nossa época, não existe nenhuma virtude intrínseca, política ou econômica, em manter um grande território e ser uma grande unidade." (LANDS, 2000, p.12)". Essa posição revolve antiga in- quietação separatista, recolocando o "separatismo dos ricos" que revela o Fronteiras Invisíveis: o Território e seus Limites fracasso das soluções para a unidade nacional. Nessa intenção, a questão regional perde sua dimensão política ao mesmo tempo em que promove, a partir do estranhamento entre classes dominantes, elites dirigentes e mesmo parcelas das classes médias abasta- das, a seu modo, uma espécie de lim- peza étnica (OLIVEIRA, 1993). Territorialidades ou o espaço sitiado Símbolo da abertura das fron- teiras, a queda do Muro de Berlim aproximou dois tempos, mas deixou que inúmeras barreiras transparentes mostrassem a indisposição existente entre cidadãos do mesmo espaço. Logo após sua derrubada já se afir- mava: "O muro de Berlim ainda está lá, só que é invisível." (WENDERS, J 993) Na virada do milênio, seus frag- mentos reproduzem-se mundialmente em novas muralhas intra-urbanas. erguidas pela desigualdade, apartação, exclusão e violência. Ao mesmo tempo em que o território se torna invisível às novas relações que se estabelecem na pro- dução do espaço, sendo um mediador frági I à expansão "desordenada" da ocupação e do uso do solo urbano, o poder delimitado que peculiariza a ex istência da unidade terri torial é inexpressivo diante do poder explícito de suas múltiplas territorialidades. De movimentos regionais pela busca da hegemonia a movimentos 95 locais pela consolidação de direitos, "formas de organização da sociedade civil, que preenchem o vácuo deixado pelos estados, articuladas em redes de solidariedade globais" (BECKER, 1997, p.ô), ou no extremo oposto, grupos ligados ao crime organizado (CASTELLS, 1999) constituem novas territorialidades que perpassam todas as esferas da sociedade buscando "influir em ações e decisões a partir do domínio de uma parcela do espaço (... )". (BECKER, 1994, p.239) Estra- tégias que reorganizam o espaço e a sociedade sob uma nova ótica, redefinindo os limites do poder e ins- tituindo novos códigos a um direito "estático" . É através de estratégias e táti- cas territoriais que o poder se mani- festa. Oriundo da decisão de influen- ciar e controlar, define um recorte circunscrito, próprio e delimitado, de- senhado a partir de escolhas e em- bates dentre o fundamental para que se concretizem suas metas (SAN- TOS, 1994). Aproveitando-se da corporativização na produção do es- paço, faz com que se dê a segmenta- ção social e a fragmentação do tecido urbano. Nesse processo de corporati- vização, o capital imobiliário assume um importante papel na criação de territorialidades urbanas. Os gran- des empreend imentos, intensificados com a globalização e reforçados pe- [os investidores estrangeiros, invadem áreas centrais deterioradas, recrian- do-as a partir de projetos de 96 Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n° 9, pp. 85·101, jul.ldez., 2000 revitalização, ou adentram as periferi- as distantes e as áreas ambientalmen- te vulneráveis, visando a proliferação de shoppings ; parques temáticos, centros empresariais, condomínios fechados. Tais projetos, mais que pro- mover a socialização do espaço, indu- zem a um contínuo movimento de revalorização do solo, provocando a relocação e o desalojamento, muitas vezes forçado. A cidade se retrata a partir de um conjunto de "guetos" - resultan- tes "da exclusão que surge da mescla entre a pauperização e o racismo" (MARCUSE, 1998) - e de enclaves - "feudos ou lugares nos quais os ricos escondem-se do restante da socieda- de" (MARCUSE, 1998). São frontei- ras materiais que se estabelecem a partir da relação entre a segregação social e a lógica de apropriação do espaço, nas quais são travados emba- tes contínuos que se refletem direta- mente nas oscilações dos valores imobiliários, criando limites nítidos entre áreas nobres e áreas segregadas. O poder e a propriedade, que já se apartaram da miséria com cer- cas invisíveis, hoje se protegem por trás de muros, grades, fortificações, com acesso controlado por guaritas e seguranças armados. Nessa dinâmica, o Brasil, comoos Estados Unidos, pode vir a se tor- nar uma "nação de enclaves". Nas últimas décadas, o mercado imobiliá- rio norte-americano produziu um am- plo conjunto de comunidades cerca- das, principalmente impulsionadas pelo automóvel particular e unidas por auto- estradas, provocando desperdícios de recursos, poluição, alienação social e a destruição humana, que acompanha a desigualdade estrutural (ANGOTTI, 1999). A exclusão explícita faz com que seja aperfeiçoada a arquitetura da proteção, que remodela as facha- das e as funções do edifício, incorpo- rando as mais modernas tecnologias de vigilância e monitoramento à dis- tância (câmeras de vídeo, células óti- cas, sensores). Acessos privados aos condomínios fechados e entre centros comerciais são designs que transfor- mam espaços públicos historicamente heterogêneos em passarelas isoladas da "tensão da ma", negando "as ex- pressões espontâneas e inesperadas da vida", evitando o "confronto com a realidade" (GOLDSMITH, 1999). Tais condomínios e centros comerci- ais, controlados por regras de adm is- são e exclusão, inibem a passagem e a convivência democrática, antes ga- rantida por ruas abertas, restringindo o direito da cidadania. São viveiros para as classes média e alta, por vezes tentando miniaturizar a natureza den- tro de si mesmos, dissimulando e "humanizando" a função de fortaleza de seus prédios (DAVIS, 1989). Essas novas comunidades ur- banas "constituem um imenso arqui- pélago formado de bairros pouco in- tegrados ao resto do território, tecen- do-se entre eles relações de privilégio e até de exclusividade. Ademais, o mundo exterior é percebido como Fronteiras Invisíveis: o Território e seus Limites ameaçador." (SCHAPIRA, 2000, p.180) Os mesmos enclaves cercados, vigiados, protegidos se reproduzem nos "morros", nas "vilas" e "jardins" das periferias - verdadeiros "campos de refugiados", nos quais os números fatais da violência crescem com o tráfico, com a criminalidade, com a miséria, com a não-submissão à lei do silêncio. Ironicamente, se confirmam ainda nas ocupações dos espaços públicos centrais, logradouros, pontes e vigas de viadutos. A ameaça explícita da violên- cia desses redutos constrange a cida- dania: ao se "proteger", a sociedade ameaça. A metáfora de Virilio com- pondo uma cidade formada por uma elite que viverá em bunkers e por miseráveis que vão atacá-Ia (VIRILIO, 1997) é simplista diante dos imbricados embates cotidianos e dos comandos territorializados que se multiplicam. Nessa cidade fragmentada, o medo aumenta na proporção inversa à confiabilidade das instituições en- carregadas de manter a ordem, propi- ciando formas de auto-defesa. A territorialização do espaço faz com que seja transformado o Direito. A instituição de códigos particulares nos enclaves e "guetos" urbanos, de alta ou baixa renda, confirma a fragmen- tação, a ilegalidade e a ilegitimidade no exercício do poder, negando princí- pios soberanos firmados para a prote- ção da coleti vidade. Coloca em práti- ca normas duvidosas e um novo man- 97 do, apontando para o anacronismo ou o desvio funcional de instituições con- sagradas para a manutenção da lei e da ordem urbana, confiscadas por interesses privados. Além de exercerem esse di rei- to particularizado, "um direito territorial de facto" (SCHAPIRA, 2000), im- pondo novos estatutos e procedimen- tos que subvertem os princípios de- mocráticos e a ética, representantes dessas territorialidades mesclam-se na estrutura institucional, fazendo-se pre- sente no legislativo, executivo e exer- cendo forte pressão sobre o judiciário. Os fragmentos da cidade, em movimento, e a configuração de múl- tiplas "frontei ras" vão "obstruindo sua porosidade" (SCHAPIRA, 2000), enrijecendo o cimento que articularia o tecido social. Por não se relaciona- rem entre si, a "unidade urbana se fragiliza, pois não há mais um territó- rio urbano, mas territórios urbanos, no plano físico-territorial, no plano sócio- econômico e (... ) no plano das repre- sentações sociais." (SPOSITO, 1999, p.19) Cruzar fronteiras Não se pode deixar seduzir pelo fascínio de certas ambigüidades, que na verdade não são mais que inten- ções: os que virtualmente descons- tróem fronteiras, materializam muros. A despeito dessas ambigüidades, por mais que se montem barreiras e por mais metros contínuos de muros e 98 Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n° 9, pp. 8S-101,juI./dez., 2000 cercas sejam erguidos, "Las fronteras de verdad son aquellas que mantienen a los pobres apartados del pastel." (RNAS, 1998, p.14) E essas, estão longe de serem transpostas. Para Castells, o novo mundo que toma forma neste final de milê- nio, estruturado numa economia informacional/global, numa sociedade em rede e numa cultura da virtual idade real, tem redefinidas his- toricamente as relações de produção, poder e experiência da sociedade. Mas, a "nova sociedade" nele engen- drada - produtiva, competitiva, flexí- vel, proprietária - tende ao aumento da desigualdade, da polarização entre classes SOCIaIS, da exclusão (CASTELLS, 1999). Penetrando em todos os países, territórios, culturas, fluxos de comuni- cações e finanças, a economia global desencadeará uma "exploração contí- nua do planeta à procura de novas oportunidades de geração de lucros". Uma tarefa seletiva, "conectando seg- mentos valiosos e descartando locais e pessoas inúteis e não-pertinentes", produzindo uma "geografia de contras- tes" (CASTELLS, 1999, p.431). Dos segmentos excluídos resul- tará, por um lado, um aumento das operações em "conexão perversa", ou seja, com diferentes regras na prática do capitalismo global - como poderá ser constatado na crescente influên- cia da "economia do crime organiza- do". Por outro lado, não menos per- versa, se dará "a exclusão dos que excluem pelos excluídos", prevendo que "a não-adesão de pessoas e de países não representará uma saída pacífica" (CASTELLS, 1999, p.432). Diante da inevitabilidade desse pro- cesso, os agentes sociais terão que assumir um elevado grau de consci- ência, informação e compartilhamento para que possam promover mudan- ças, "enquanto é tempo" (p.438). Não se deixando levar por fa- talismos, essa "inevitabilidade" dos eventos deve ser discutida, recomen- da Fiori. Particularmente, no que se refere à própria globalização da eco- nomia, apresentada como um proces- so universal, contínuo, progressivo e homogêneo. Deve-se enfrentar "mi- tos" como o de que ela representa "uma nova realidade econômica mo- vida pela força material da expansão capitalista e, por isso, absolutamente necessária e irrecusável", quando já é mais que reconhecido que ela resul- ta de decisões políticas de países centrais, sobretudo o norte-america- no, no sentido de alimentar as trans- formações tecnológicas e intensificar a competição mundial, assim como provocar a implementação de refor- mas liberais nos países em desenvol- vimento (FLORI, I997a); ou o de que "promove uma redução pacífica e inevitável da soberania dos estados nacionais", já que a heterogeneidade sempre existiu no arranjo e no grau de soberania dos diferentes estados (FlORI, 1997b). Tampouco basta assumir que o atual modelo resulta em fenômenos concentradores, fragmentadores e Fronteiras Invisíveis: o Território e seus Limites excludentes de lugares, atividades, empresas e pessoas. Nesse processo contraditório, "os impactos e perspec- ti vas são diferenciados, e as alterna- tivas abertas a cada país dependem, exatamente, das opções feitas pelas suas forças sociais e políticas internas e coordenadas por seus estados naci- onais." (FlORI, 1997b, p.239) Apostando, da mesma forma, na reversibilidade dos processos, Santos afirma que: "Os lugares também se podem unir horizontalmente, reconstruindo aquela base de vida comum, suscep- tível decriar normas locais, normas regionais ... que acabam por afetar normas nacionais e globais." (SAN- TOS, 1999a, p.206) São visões e perspectivas que não só reforçam o papel do território e a urgência de pactos territoriais, como enfatizam a importância da so- berania de seus interesses, para que se torne legitimamente representativo da coletividade. Quanto às fronteiras, sejam reais ou virtuais, que sigam pressen- tindo o contínuo rumor dos que procu- ram, e que não os barre. "Lo impor- tante es que lleven y traigan. Que mezclen, Que cambien. Que no se detenga el movimiento del mundo." (FUENTES, 1995, p.125) Bibliografia ANGOTTI, T. (1999) The real estale market in the United States: 99 progressive strategies. Encontro Inter- nacional Democracia, Igualdade e Qua- lidade de Vida. O desafio para as cida- des do século XXI. Porto Alegre : SCPRS/UFRGSIIPPUR/FA UUSP/ Planners Network, dezembro. BECKER, B. (1994) Organização dos ter- ritórios: desigualdades regionais, cida- des, metrópoles, a vida urbana (Debatedor). Anais da Conferência Projetos Estratégicos Alternativos para o Brasil. Conferência do Rio de Janei- ro. Rio de Janeiro: FUJBIFASE, maio. BECKER, B. (1997). Tendências de trans- formação do território no Brasil. Vetores e circuitos. Território. Laget, UFRJ, v. l , n° 2, jan./jun. Rio de Janeiro : Relume-Dumará. CASTELLS, M. (1999) Fim de Milênio. São Paulo: Paz e Terra, 2· edição. (A era da informação: economia, socieda- de e cultura, v.3) CICCOLELLA, P.J. 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