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1978 A POLÍTICA FINANCEIRA DA REPÚBLICA VELHA GAÚCHA

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DEPARTAMENTO
DE HISTÓRIA
A POLfnCA FINANCEIRA DA REPÚBUCA VELHA GAÚCHA:
UM ENQUADRAMENTO HISTÓRICO (1 a PARTE)
Sandra Jatahy Pesavento*
Neste trabalho, procura-se delimitar as diretrizes de política financeira gaúcha do
Estado rio-grandense, desde o momento da implantação da república sob a direção casti-
Ihista, passando pelo governo de Borges de Medeiros, para chegar até a época de Vargas,
na presidência do Estado. O estudo se orientará para a análise do enquadramento da polí
tica financeira adotada, inspirada na filosofia de Comte, à realidade econômico-social e
política gaúcha. Pretendeu-se verificar o grau de ajustamento da orientação do Estado, em
matéria financeira, às necessidades e problemas de uma região de economia subsidiária,
voltada para o mercado interno brasileiro e governada por um setor da classe dominante
pecuarista local, que procurava realizar um programa de desenvolvimento econômico glo
bal dentro dos marcos de um Estado autoritário.
Dentro da política financeira gaúcha, analisou-se, na medida do possível, os itens
relativos ao setor bancário, empréstimos externos, tributação e posicionamento do Rio
Grande quanto à política federal no campo das finanças.
1 - A IMPLANTAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DA REPÚBLICA: O PERÍODO DE
CASTILHOS
Financeiramente, a situação herdada do Império pela jovem república rio-granden
se não se apresentava promissora, enfrentando o caso de despesas maiores que a receita.
Refere João Neves da Fontoura:
Na Monarquia, não existe perfeita discriminação entre as rendas gerais do país e as
das circunscrições locais. Havia os encargos, faltavam os recursos específicos para
realizá-los. Os orçamentos eram deficitários, sendo os déficits cobertos com supri
mentos feitos pelo governo geral.'
A economia agropecuária local apresentava-se com uma série de problemas que de
mandavam solução, sem que o governo rio-grandense tivesse condições de resolvê-los.
O charque, principal produto de exportação, apresentava oscilações acentuadas nos
últimos anos do Império^:
• Professora de História do Brasil do Departamento de História.
1 - FONTOURA, João Neves da.Memórias. Porto Alegre, Globo, 1958. p. 104. VoL 1.
2 - SILVA, Austriclínio e GUERRA, Aldrovando. Exportação de charque no Rio Grande do Sul.
Porto Alegre, Departamento Estadual de Estatística, 1959. p. 8.
273
Anos Tonelagem Valor em 08000 Preço por quflo
1885 24.221 4.917:773 0,20
1886 22.659 8.297:838 0,37
1887 6.534 1.433:477 0,22
1888 22.670 4.732: 210 0,17
Observe-se que, do ano 1885 para 1886, diminuiu a tonelagem, mas aumentou o va
lor, por ter aumentado o preço do quilo do produto. Destinada para alimento da escrava-
ria nacional e, posteriormente, às camadas menos favorecidas da população, o charque ti
nha o seu consumo afetado frente a qualquer elevação do preço do artigo. Este fato seria
realmente sentido após a abolição, pois, se antes competia ao senhor alimentar seus escra
vos, estes, uma vez homens livres, tinham de conseguir por si próprios o seu sustento. Pau-
perizado, o consumidor nacional, facilmente, tendia a substituir aqueles alimentos cujo
preço aumentara.
No ano de 1887, observa-se uma baixa geral, que atinge tanto a tonelagem exporta
da, quanto seu valor, demonstrando um decréscimo violento no consumo, apesar do preço
médio por quilo ter caído. Em 1888, continuou a queda do preço do charque, o que de
terminou um aumento na exportação, sem que o valor da mesma seguisse a mesma pro
porção.
Produzindo um artigo de baixa qualidade, enfrentando o concorrente platino, so
frendo fortes oscilações no seu preço, apresentando estagnação no avanço das forças pro
dutivas e sem ter acesso às diretrizes da política econômica nacional, a fim de poder mano
brá-la na defesa de seus interesses, a charqueada gaúcha afetava a economia sulina nos últi
mos anos do Império. É bem verdade que a agricultura colonial apresentava-se como o se
tor dinâmico no contexto regional nos anos finais da monarquia, mas também apresentava
exigências, tais como o melhoramento da rede de transportes no Rio Grande do Sul, ex
pressas numa barra obstruída, num porto a construir e numa deficiente rede ferroviária.
No conjunto, a economia gaúcha apresentava-se como subsidiária da economia central,
produzindo artigos que obtinham baixo valor no mercado. Em suma, constituía-se numa
economia que não contava com maiores recursos para a sua renovação.
Frente a todos esses problemas, o Estado sulino não encontrava condições para so
lucioná-los com seu orçamento desequilibrado. Para o nascente Partido Republicano Rio-
grandense (PRR), a situação era caótica e devia ser combatida.
As "bases do programa dos candidatos republicanos", de 1884, que refletem o pen
samento político de Castilhos, recomendavam para o Rio Grande:
Economia, severa economia, pela supressão de todas as despesas de caráter improdu
tivo, ^
Tanto CastUhos como Borges de Medeiros mantiveram-se fiéis ao princípio de um
orçamento equilibrado, devendo sempre a receita se apresentar maior que a despesa. Inspi
rados nos princípios positivistas de realizar sempre a "sã política, filha da moral e da ra
zão", estendiam este postulado ao processo econômico, buscando realizar governos den
tro da maior austeridade financeira, reprimindo gastos e evitando empréstimos que não re
vertessem em função do bem-estar geral e do progresso econômico global do Estado.
3 — FRANCO, Sérgio da Costa. Júlio de Castilhos e sua época. Porto Alegre, Globo, 1967. p. 27.
274
Criticavam, de modo especial, os governos de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Ja
neiro, que mantinham despesas maiores que as receitas. Segundo Müller, esta forma de
atuação dos governos republicanos quanto à política financeira correspondia à
[. . . ] uma tentativa de regular a realidade econômica, tomando-a submissa à vontade
dos interesses dominantes em geral e dos politicamente dominantes em particular.^
Fiéis à postura positivista adotada, os republicanos pretendiam conciliar uma políti
ca de equilíbrio orçamentário com um plano de desenvolvimento econômico global, onde se
buscava o crescimento de todos os níveis setoriais. Este tipo de projeto de desenvolvimen
to econômico e política financeira, seguida pelo PRR, vinha corresponder à realidade eco
nômica, social e política que propiciou a instalação da república no Estado.
Por um lado, apresentava-se uma economia local com potencialidades de desenvolvi
mento e relativas condições para a instalação do capitalismo, embora enfrentando grandes
obstáculos ao livre desenvolvimento das forças produtivas. Com uma economia subsidiária
de economia brasileira, de exportação, para a qual fornecia gêneros de primeira necessida
de, precisava o Rio Grande defender, no plano nacional, uma política de preços estáveis,
que garantissem o poder aquisitivo do consumidor nacional. Desta forma, o Estado sulino
se oporia à política inflacionista que seria levada a efeito pelo governo central em benefí
cio do café. No plano local, era pelo orçamento equUibrado, posicionando-se contra as
emissões e a concessão de privilégios a um setor especial em detrimento dos demais, uma
vez que o que se propunha era o desenvolvimento multilateral e não apenas de um só ra
mo da economiít.
Tal realidade econômica e postura adotada pelo governo correspondia ainda à dinâ
mica sócio-política do Rio Grande por ocasião da ascensão do PRR. Numa província do
minada ferreamente pelo Partido liberal, sob a liderança carismática de um Silveira Mar
tins, o PRR representou um partido minoritário que se dispôs a realizar a ampliação social
de sua base política, a fim de legitimar-se no poder. Adotando o princípio comtiano de
que o Estado é o representante de todas as classes sociais, o PRR buscou realmente a ade
são de outros segmentos, tais como segmentos médios urbanos e colonato, em especial ita
liano, uma vez que não contava com o apoio de toda a classe dominante doEstado.
Nos momentos iniciais da república, o Rio Grande teve oportunidade de envolver-se
numa situação de divergência com o governo central em matéria de competência financei
ra.
Durante o governo do Gen. Frota, surgiu a chamada questão bancária. Ocupando a
pasta da Fazenda no governo provisório, Ruy Barbosa pôs em prática a política financeira
denominada de encilhamento. Pelo Decreto de Í7 de janeiro de 1890, foi autorizada a
criação dos bancos de emissão. Segundo a reforma inaugurada por Ruy Barbosa, os ban
cos eram autorizados a emitir, numa capacidade de três vezes o seu depósito. As cédulas
bancárias teria curso forçado, gozando de iguais direitos como as do Tesouro.
Como lastro das emissões bancárias, empregar-se-iam títulos da dívida federal em
vez do lastro-ouro. A nação teria seu território dividido em três zonas, onde funcionaria
4 - MÜLLER, Geraldo. Periferia e dependência nacional. São Paulo, 1972. Tese de mestrado, mi-
meografada.
275
um banco emissor em cada uma. O Rio Grande do Sul seria local de instalação de um esta
belecimento bancário deste gênero.
Refere Sérgio da Costa Franco:
Essa medida despertou imediata reação em vários círculos, especialmente no Rio
Grande, onde o Partido Republicano era radicalmente contrário aos princípios fi
nanceiros que ela consubstanciava. Demétrio Ribeiro, o único gaúcho no ministério,
em discordância total com seu colega da Fazenda, por esse e talvez por outros moti
vos, exonerou-se incontinenti. Tanto ele como Castilhos entendiam imoral e ilegíti
mo outorga-se o privilégio de emissões a estabelecimentos particulares de crédito e
atribuir-se a bilhetes de bancos o benefício do curso forçado. Temiam demais o incre
mento da inflação, que assoberbava o país desde o Ministério do Visconde de Ouro
Preto. ^
A referência feita ao último Gabinete imperial justifica-se na medida em que Ouro
Preto criara um banco emissor e concedera, posteriormente, direito de emissão a outros
estabelecimentos, no intuito de ampliar o meio circulante e conceder empréstimos aos
agricultores afetados pelo processo abolicionista.
Levando as reivindicações e ponderações dos rio-grandenses, Assis Brasil dirigiu-se
ao Rio para entender-se com o Governo provisório, obtendo promessa de Deodoro de
atendimento ao caso conforme as conveniências do Rio Grande. Todavia, numa atitude
que foi considerada de desacato ao governante do Rio Grande, Gen. Frota, foi ordenada e
consumada a instalação do banco emissor no sul do país. Em revide à ação do governo
central, demitiu-se de seu cargo o Gen. Frota, assim como todo o seu secretariado, inclusi
ve Castilhos. A atitude dos republicanos foi justificada por Castilhos através das páginas
de A Federação, a 7 de maio de 1890:
Os diretores da política republicana obedeceram aos ensinamentos irrefragáveis de
sua doutrina, aos princípios irredutíveis de moral inflexível, aos impulsos naturais
de sua probidade individual, que manterão ilesa e dignamente respeitável. ^
Numa grande concentração de solidariedade a Júlio Frota, realizada na praça 15 de
Novembro, a convite da comissão executiva do PRR e da União Republicana, Antão de
Faria, usando da palavra, disse que:
O pronunciamento da população da capital neste momento significa que a opinião pú
blica está satisfeita com a atitude o PRR na questão bancária, provocada, neste Estado,
pela insistência do Sr. Ministro da Fazenda em estabelecer no sul um banco emissor. ^
Prosseguindo no seu arrazoado, Antão de Faria considerava que o procedimento de
Ruy Barbosa não se achava de acordo com a
[. . . ] boa doutrina republicana, que exige do governo a prudência de só decretar
medidas que correspondam a reais necessidades públicas. ®
Não era este o caso, pois a medida tinha sido repelida pela maior parte da população
rio-grandense.
5 - FRANCO, Sérgio da Costa, op. cit., nota 3, p. 71.
6 - CASTILHOS, Júlio de. Editorial de 7 maio 1890. A Federação, Porto Alegre, p. 1.
1 - A FEDERA ÇÃO, 1 maio 1890. p. 2.
8 - Ibidem.
276
É claro que tal atitude, como aponta Costa Franco, poderia ter sido orientada por
razões de política partidária, tais como provocar maior solidariedade entre os integrantes
do PRR e apresentar o grupo gaúcho como solidamente estruturado diante do poder cen
tral. O que cabe ressaltar aqui, porém, é o endosso de uma política financeira apresentada
por uma ideologia, cujos princípios vinham-se adequar às necessidades da política e eco
nomia locais.
A atitude dos republicanos foi, inclusive, louvada pelos acadêmicos que cursavam a
Faculdade de Direito de São Paulo, posicionando-se contra o banco emissor no Rio Gran
de. Significativo foi, também, o manifesto dos grandes comerciantes da capital, que pro
testaram contra a atitude do presidente da Praça do Comércio de Porto Alegre, que havia
apoiado a inauguração do estabelecimento bancário de emissão^. Neste caso, é compreen
sível a atitude dos comerciantes, posicionando-se contra o órgão gerador de inflação, que
restringiria o poder aquisitivo. Considerando que muitas dessas casas eram importadoras,
a depreciação do valor da moeda reverteria em maiores dificuldades nas operações com o
exterior.
A outra questão que agitou o Rio Grande nos anos iniciais da RepúbUca foi o caso
do contrabando, que Ruy Barbosa procurou reprimir, estabelecendo no Estado sulino
uma delegacia especial para este fim.
O decreto de 1 .o de fevereiro de 1890, não só instalava no sul este órgão flscaliza-
dor, como também extinguia as tarefas preferenciais que Silveira Martins havia consegui
do para o Rio Grande. Esta facilidade conseguida pelo tribuno gaúcho no tempo do Impé
rio fazia com que o Rio Grande pagasse taxas de importação muito menores que as de
mais províncias do Império, sob a alegação de que esta prática desestimularia o contraban
do.
Além de determinar que esta situação desaparecesse de uma vez por todas, o Minis
tro da Fazenda enviou ao sul um delegado fiscal que, com grande eficiência, dispôs-se a re
primir o comércio ilícito, estabelecendo postos fiscais em toda a região fronteiriça, de tal
forma que quase arruinou o comércio da região. Toda mercadoria procedente da fronteira
não poderia ir além de determinada área delimitada, sendo declarado contrabando mesmo
que se fizesse acompanhar da competente guia fiscal. A medida, como não podia deixar
de ser, despertou vivas reações dos comerciantes da zona da campanha. Na Assembléia de
Representantes, toda ela integrada neste momento por elementos do partido governista,
os republicanos debateram vivamente este assunto.
Nas discussões que se travaram, manifestou-se uma oposição de interesses entre a
fronteira e o litoral a respeito do assunto, interesses estes, centralizados na manutenção
ou não das zonas fiscais e nos seus efeitos sobre o comércio do Rio Grande do Sul.
Posicionava-se o dep. Englert pela manutenção das zonas fiscais:
Sou contrário a todos os privilégios, mas este meio de reprimir o contrabando tem
produzido bons resultados para o comércio. ^ °
9 - MORITZ, Gustavo. Acontecimentos políticos no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Tip. Thur-
mann, 1939. p. 72-3.
10 — ANAIS DA ASSEMBLÉIA de Representantes do Estado do Rio Grande do Sul. Sessão extraor
dinária. Porto Alegre, Of. Tipográfica d'A Federação, 1891. Sexta sessão, p. 14.
277
Ante o aparte do dep. Setembrino de Carvalho, de que quem se beneficiava era, ex
clusivamente, o litoral, retrucava o dep. Englert:
Mas este é a maioria ao comércio licito do Estado. O comércio de Porto Alegre, Rio
Grande e Pelotas é a maioria do comércio do Estado. Deve o governo zelar para que
o comércio licito do litoral não sofra com o'contrabando. O contrabando é um
grande mal, ninguém o nega. Para evitar este mal só as zonas, cujos resultados nós o
conhecemos.''
Secundando-o nas suas afirmativas, o dep. Alfredo Pinto enfatizava o papel assumi
do dentro dos quadros do comércio ilícito pelos negociantesda fronteira, prejudicando
não só seus colegas de ramo, mas a fazenda pública. Nesta postura assumida, o deputado
justificava a áção do governo para reprimir os abusos, que se consubstanciavam na criação
de zonas fiscais.
Retrucando a esta postura, que se identificava claramente com os interesses do co
mércio litorâneo das grandes cidades, o deputado Setembrino de Carvalho respondia que
o contrabando se fazia apesar das zonas, que até o litoral participava do comércio üícito e
que sua postura não tinha o fim de advogar pelos interesses do comércio fronteiriço em
detrimento do litoral; pelo contrário, quando maior fosse o desenvolvimento de ambos,
mais lucraria o Rio Grande, pelo aumento da sua riqueza.
Advogando em nome da situação da fronteira, o dep. Álvaro Batista argumentou
que o comércio Utorâneo, em sua importância, conseguira, dos poderes púbUcos, medidas
que não só afetavam o comércio fronteiriço, como também a indústria serrana. Nas pala
vras do deputado,
Toda a região serrana, cujos produtos escoavam-se pelo Uruguai, viu-se de um mo
mento para outro impossibilitada de exercer a indústria peculiar a seus habitantes.
O fumo, a cachaça, o feijão [.. . ] a erva-mate [. . . ] cessaram de ter o seu escoamen
to natural e como estes produtos não tém valor nenhum nos mercados do litoral, o
que segue é que essa região ficou impossibilitada de exercer a sua indústria e reduzi
da, conseqüentemente, à miséria. ^ ^
Vencendo nos debates a corrente que considerou a zona fiscal um privilégio com
relação ao litoral, foi enviada ao Congresso Nacional uma moção pedindo a extinção das
zonas.
A posição assumida por Castühos, neste particular, revestiu-se de singular habilidade
política. Realidade antiga do Rio Grande, o contrabando era, contudo, um comércio ilíci
to e, como tal, não se coadunava com as proposições moralizadoras e de integridade a que
se propunha o Partido. Todavia, era essencial que neste ponto o cunho de moralidade e sã
conduta da ideologia positivista cedesse lugar às injunções da política partidária. Os co
merciantes da fronteira eram uma importante base de apoio eleitoral de Silveira Martins.
Defendendo seus interesses, poderia talvez o PRR conseguir a sua adesão, na medida em
que se apresentava com perspectivas de ampliação social de sua base política.
11 - Ibidem.
12 - ANAIS DA ASSEMBLÉIA de Representantes do Estado do Rio Grande do Sul, op. cit., nota
10, p. 15.
13 - Ibidem, p. 15-6.
278
Ao longo da história republicana, pré-1930, os comerciantes foram sempre cobiça
dos pelos elementos da situação, que procuraram integrá-los em suas hostes. É claro que
esta postura assumida quanto à fronteira colocava a direção do PRR em más relações com
os comerciantes das cidades litorâneas. Não é carente de sentido, pois, a presença de ele
mentos do alto comércio de Porto Alegre no movimento que depôs Castilbos ainda no
ano de 1891 e que instaurou o chamado período ào governicho.
Voltando à problemática das zonas fiscais, quando estas foram revogadas em outu
bro de 1891, o PRR aplaudiu a medida através das páginas de^l Federação.
Rememorando os motivos que haviam levado o governo imperial a estabelecer a ta
rifa especial para o Rio Grande — necessidade de debelar o contrabando — o editorial de
A Federação anaUsava os seus efeitos negativos: concorrera para o maior desenvolvimento
do comércio ilícito e era atentatória aos interesses da indústria do Estado. Instituída a
República, o erro do governo provisório fora tê-la substituída pelo estabelecimento das
zonas fiscais, medida esta que tanto prejudicava os interesses da fronteira, como consti
tuía-se também num privilégio e, portanto, digno de reprovação dentro das normas de
conduta do PRR.
Nas palavras de Aureliano Barbosa, o Partido assim encarava a questão:
Não há a mínima dúvida de que a criação dessas zonas foi um grande erro cometido
pelo governo republicano, assim como também é incontestável que os representan
tes rio-grandenses têm enviado todos os esforços para a cessação de tão iníqua quão
vexatória e improfícua medida. Há nela indubitavelmente um atentado à liberdade
do comércio, digno de censura e de reprovação [...]. .4 tarifa privilegiava o comér
cio matando a nossa indústria nascente; as zonas privilegiam uma parte do Estado
com detrimento da outra. Como aquela cessou, estas também devem cessar.'''
Tanto num caso como no outro, a postura assumida pelo PRR tendia a seguir alguns
pontos de matriz ideológica orientadora de sua conduta. Posicionava-se, neste caso, pela
liberdade de comércio, pelo incentivo à produção industrial e pela não concessão de privi
légios a um setor em detrimento dos demais. A ideologia posta a serviço dos interesses do
grupo hegemônico tendia a justificar as posturas assumidas, que encobertavam muitas ve
zes um jogo político.
2-0 GO VERNO DE BORGES ATÉ A REVOL UÇÃO DE 1923
Coube ao governo de Borges de Medeiros estabelecer os princípios básicos que nor
teariam a política tributária do Estado durante a República Velha.
Pela Constituição de 1891, competia à União taxar os impostos sobre a importação
e aos Estados taxar sobre a exportação. Em última análise, este princípio consagrava a su
premacia dos grandes Estados sobre os demais, uma vez que aquelas unidades da federa
ção que tivessem a sua economia baseada em produtos cuja exportação se fizesse em larga
escala para os mercados internacionais (tal como São Paulo), seriam aquelas com maior re
ceita arrecadadora. Por outro lado, ao manipular com as taxas alfandegárias de importa
ção, tinham os grupos dirigentes cafeicultores, oportunidade de jogar de acordo com seus
interesses. No caso específico do charque, por exemplo, interessava ao grupo hegemônico
14 - BARBOSA, Aureliano. A tarifa especial e as zonas. A Federação, Porto Alegre, 15 out. 1891. p.l.
279
do país que este gênero de subsistência fosse vendido a um preço baixo no mercado inter
no brasileiro, pelo que não taxava com impostos altos o produto platino que vinha con
correr com o charque gaúcho. Desta forma, se alternava, em parte, a tensão social gerada
pela política financeira inflacionista que o café pretendia impor ao país como um todo.
No caso específico do Rio Grande do Sul, cabia-lhe, portanto, pela Constituição
Republicana Federal de 1891, taxar a exportação dos produtos que fossem fabricados em
seu Estado. Ora, procedendo desta forma, o Estado onerava a produção e dificultava a
comercialização dos produtos indo, portanto, contra o seu programa de desenvolvimento
econômico global. A taxa de exportação, uma vez elevada, incidiria sobre, praticamente,
todos os ramos de produção do Estado que o governo tentava desenvolver. Aumentaria o
custo da produção, forçando a elevação dos preços e incidindo ainda sobre o comércio. O
objetivo do governo era exatamente o oposto e não pode deixar de ter outro sentido a sua
ênfase na política de solução da questão dos transportes. Desenvolvendo os transportes,
baixando o seu custo, o governo estava atuando no sentido de beneficiar todos os setores
produtivos do Estado, indistintamente, sem concessão de privilégio a qualquer um deles
em especial. Por outro lado, uma economia subsidiária, como a gaúcha, tinha parte do seu
excedente econômico produzido captada, ao nível do comércio, pelas grandes casas de im
portação dos principais centros brasileiros. Tal dependência, praticamente impossível de
ser rompida a nível externo do Rio Grande, tendia a ser sanada dentro do Estado pelo me
lhoramento dos transportes internos.
Dentro desta perspectiva de procurar beneficiar o desenvolvimento de toda a produ
ção, é que ganha força o princípio ideológico comtiano de superioridade dos impostos di
retos sobre os indiretos.
No Congresso de 1884, quando se nortearam as bases do programa dos candidatos
republicanos, já se havia estabelecido o seguinte:
Sobre matéria de impostos, se esforçarão pela redução das atuais taxas a menoresvalores, Qmndo seja indispensável a criação de novos impostos, procurarão adequá-
los à doutrina do partido, que considera o imposto direto como o verdadeiramente
eqüitativo e o único capaz de desafiar a fiscalização do contribuinte, sustentando a
criação do imposto territorial e a eliminação possível de impostos indiretos, ^ ^
Na Constituição Federal de 14 de julho, artigo 47, § 1 o, ficou estabelecido:
A exportação de produtos do Estado e a transmissão da propriedade deixarão de ser
tributadas, logo que a arrecadação do imposto territorial estiver convenientemente
regularizada, ^ ^
O imposto territorial, instituído por Borges de Medeiros pela Lei n.o 42, de 25 de
novembro de 1902, foi considerada pelo Partido como necessária e ingente na sua aplica
ção. O governo esperava que se convertesse na base principal, senão única, do orçamento.
Na Mensagem Presidencial de 1902, o imposto territorial era encarado da seguinte forma:
Dupla é a necessidade que aconselha o lançamento imediato e moderado do impos
to territorial, como sucedâneo do imposto de exportação. Sob o ponto de vista eco
nômico, urge amparar as indústrias e proteger o comércio, aliviando a exportação
15 - FRANCO, Sérgio da Costa, op. cit., nota 3. p. 27.
16 - LASSANCE CUNHA, Ernesto Antônio. O Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, 1908. p. 206.
280
das taxas que a oneram atualmente; sob o ponto de vista fiscal, é irmdiável fundar-se
o regime orçamentário sobre base fixa e estável, que ofereça a indispensável força de
resistência ao embate de todas as depressões da vida econômica. ^'
Na Mensagem de 1913, o presidente do Estado rememorava o preceito constitucio
nal que considerava a adoção do imposto como o ideal em rrmtéria tributária, base princi
pal e, futuramente, única do orçamento. Ao substituir gradualmente os impostos de ex
portação e de transmissão de propriedade, chegaria o dia em que coexistiriam apenas o
imposto territorial e as rendas industriais e contribuições provenientes da exploração de
certos serviços e indústrias do Estado. Apresentando dados para comprovar a evolução da
arrecadação do imposto territorial durante uma década, Borges congratulava-se pela medi
da adotada.'®;
1903 - 996:4435184
1904 - 1.562:904$ 233
1905 - 1.520:661 $567
1906 - 1.483.019$ 960
1907 - 1.489:7325372
1908 - 1.581:3975197
1909 - 1.934:6405301
1910 - 1.935:1675066
1911 - 2.058:6015663
1912 - 2.125:0995400
Argumentando acerca da superioridade do imposto territorial direto sobre os indire
tos, Borges de Medeiros apontava o exemplo da Inglaterra e citava as palavras de Herrera y
Reissig:
O imposto sobre o valor territorial reúne todas as condições desejáveis: estimula a
produção e o crescimento da riqueza, arrecada-se com o maximum de facilidades
e economia, pesa diretamente sobre os que em definitivo devem pagá-lo sem reper
cussão possível sobre outros indivíduos; é fixo e seguro em seus rendimentos; é
eqüitativo.''
Prosseguindo na sua argumentação, Borges reflexionava sobre o problema da inci
dência ou não do imposto sobre as benfeitorias de uma propriedade rural. Ora, lun impos
to que incidisse sobre o valor venal ou rendimento da terra estaria incidindo sobre o capi
tal e o trabalho nela aplicados.
O problema básico deu-se na medida que a implantação do imposto conjugava-se
com a grande valorização do gado e, conseqüentemente, das tenas, que acompanhou as
primeiras décadas do século XX.
Dentro deste contexto, o governo pronunciar-se-ia da seguinte forma em 1913:
As benfeitorias representam sempre capital e trabalho; são os fatores exclusivos
da renda industrial e agrícola. Conseqüentemente, o imposto, que incide a um tem
po sobre o valor do solo e o valor das benfeitorias, não recai íntegro e exclusivamen-
17 - MENSAGEM Presidencial de 1902. Porto Alegre, Of. Gráficas d'A Federação, 1902. p. 30.
18 - MENSAGEM Presidencial de 1913. Porto Alegre, Of. Gráficas d'A Federação, 1913. p. 71-2.
19 - Ibidem, p. 73.
281
te sobre a terra, porque toma simultaneamente uma parte da renda. Toma-se assim
de caráter misto e portanto desvirtuado em sua natureza. Cumpre, pois, corrigir
esse desvio e dar ao imposto seu único e verdadeiro assento - o solo, em seu estado
natural e originário. As vantagens são óbvias e múltiplas, econômicas e sociais. Sa
lientarei, como imediatas, a isenção do trabalho e do capital, o prêmio e estimulo às
iniciativas e melhoramentos aplicados às indústrias rurais.
A posiçâfo do governo, neste caso, é a de procurar isentar o capital e o trabalho de
tributações, contribuindo para o desenvolvimento da produção. Esta postura insere-se
dentro dos quadros mais amplos de oportunizar o desenvolvimento do capitalismo no ex
tremo sul, favorecendo os setores produtivos. Quanto ao fator trabalho — no caso, os ar
rendatários ou locatários — a postura comtiana adotada fora a de obter justa remunera
ção, a fim da perfeita adequação do indivíduo às suas funções, tomando-o um elemento
de estabilidade e ordem e não de tensão social.
Este posicionamento quanto ao imposto territorial seria muito debatido na Assem
bléia de Representantes do Estado pelos elementos da classe dominante pecuarista, justa
mente aquela mais afetada pelo imposto e sobre quem recairia o peso da contribuição.
Em 1913, quando foi elevado o imposto territorial mais uma vez, os estancieiros,
através do seu órgão de classe, a União dos Criadores, levaram ao presidente do Estado e à
Assembléia de Representantes um memorial, no qual se valiam das próprias palavras de
Borges de Medeiros, de que os '^campos se achavam despovoados" para argumentar con
tra a elevação do imposto.
Referia o Memorial que o presidente da associação, Alfredo Gonçalves Moreira,
enviara a Borges:
A revisão do imposto territorial, recentemente determinada pelo honrado governo
de V.Ex., tendo produzido na classe pastoril uma viva preocupação e manifesta in
quietação, da qual também participamos como órgão que somos daquela classe, nos
obrigou a ir pessoalmente solicitar de V. Ex. esclarecimentos sobre o momento as
sunto [...]& não estamos em equivoco, o pensamento de V.Ex. é tomar efetivo
o preceito constitucional que determina a abolição do imposto de exportação e
transmissão de propriedades, fazendo incidir as suas rendas no territorial [. . .]a
União dos Criadores não é infensa àquele preceito constitucional, e cremos que a
classe pastoril se julgaria feliz e só teria motivos de nobre orgulho no dia que pudes
se, sem graves danos, constituir-se a coluna principal na qual se assentasse o edifí
cio orçamentário do nosso caro Estado e pudesse ter a primazia em contribuir para
pôr a administração pública a coberto dos reflexos das crises econômicas, dando aos
seus orçamentos a estabilidade desejada. ^ ^
Na opinião do Gel. Moreira, falando em nome dos criadores, se os campos estavam
despovoados, os estancieiros pagariam por extensões vazias. Além desta questão, os cria
dores apontavam para uma série de problemas enfrentados pela pecuária no momento — e
que, portanto, ainda mais oneravam a criação.
20 — MENSAGEM Presidencial de 1913, op. cit., nota 18. p. 76.
21 - MEMORIAL que ao exmo. sr. dr. Borges de Medeiros, M.D. presidente do Estado, apresenta a
"União dos Criadores do Rio Grande do SuL A Estância. Porto Alegre(3): 91, maio 1913.
282
Na sua discordância com as intenções do governo, os fazendeiros demonstravam ex
tremo respeito para com o poder instituído:
É esse o ponto, tão somente, em que a nossa modesta opinião e da maioria dos cria
dores rio-grandenses, ousa pôr-se em desacordo com a acatada e abalizada opinião
de V.
Note-se que a União dos Criadores era um órgâfo de classe que abrigava fazendeiros
de uma e outra facção política em que se dividia a classe dominante dos pecuaristas no Es
tado. A rigor, a elevação do imposto territorial atingia a todos os pecuaristas. Todavia, o
período do governo de Borges de 1913 a 1919 foi o mais fecimdoem realizações e aquele
em que menos sofreu ataques das oposições. Isto é compreensível na medida em que se
tem em conta que, nesta etapa, Borges, ao cumprir o seu plano de desenvolvimento eco
nômico global do Estado, foi ao encontro dos interessados da classe dominante. Com rela-
çâfo à pecuária, o governo incentivou-a na sua busca de melhoramentos, de cuidados zoo-
técnicos, procurou isentar o charque de taxações, apoiou a realização de congressos, a for
mação de entidades de classe e esteve altaníente interessado na realização daquele que foi
o plano máximo dos criadores: o Frigorífico Rio Grande. O governo autoritário sulino
procurava legitimar-se não apenas pela força, mas também pela eficácia. Atendendo aos
interesses de classe, as divergências de caráter político tendiam a arrefecer-se. O problema
da não-circulação do poder no seio da classe dominante não aparecia configurado como a
principal questão. As maiores oportunidades de reclamação surgiriam, é verdade, por par
te daqueles elementos das oposições, que iriam ganhando corpo ao longo dos anos até a
eclosão violenta em 1923.
O que levava, contudo, os pecuaristas da situação a apoiarem a medida de Borges,
mantendo a elevação do imposto? Sem dúvida, a única explicação repousa na força da
ideologia. O respaldo ideológico que o Pártido Republicano Rio-grandense incutia entre
os seus adeptos é que os fazia aceitar a elevação do imposto territorial, considerando-o
como o mais justo e necessário para o aperfeiçoamento e funcionamento do Estado, mes
mo que recaísse sobre eles próprios.
Na opinião da Comissão de Orçamento, que apresentou seu relatório na 37.^ Sessão
da Assembléia de Representantes do Estado, em 11 de novembro de 1916, o sistema tri
butário estadual tendia para um aumento gradual do imposto territorial, substituindo
[. . . ] fls tributações anti-econômicas que gravam a exportação dos produtos e estor
vam uma mais rápida e freqüente movimentação no giro dos valores imobiliários. ^ ^
Realmente, no ano de 1916, no que tange à receita do Estado, o imposto territo
rial arrecadou 3.233:1601182, enquanto que os impostos de exportação perfizeram
2.459:174$ 769.^^
Justificando a prática seguida pelo governo, a Comissão de Orçamento remontava
aos princípios ideológicos que norteavam a manutenção do imposto territorial:
Um pensamento comum, inspirado em idênticas fontes de razão e de justiça, presi
diu, em vários povos progressistas, a instituição do imposto sobre a terra. Os defen-
22 - Ibidem.
23 - PARECER da comissão de orçamento. Anais da Assembléia de Representantes do Estado do
Rio Grande do Sul. 37.^ sessão, 21 nov. 1916. Of. Gráficas d'A Federação, Porto Alegre, p. 124.
24 - MENSAGEM Presidencial de 1917. Porto Alegre, Of. Gráficas d'A Federação, 1917. p. 110.
283
sores desse imposto sustentam que os detentores de extensas propriedades retêm
terras em seu poder fora de qualquer utilização social e esperando que a indústria, o
trabalho e o capital dos outros aumente o valor de sua propriedade. Sendo assim, o im
posto territorial é uma taxação justíssima. Recai sobre o solo como se fosse uma espé
cie de contribuição ou de aluguel cobrado, pela sociedade, pela ocupação temporá
ria de um bem pertencente à comunhão e limitado, pois se valoriza em virtude e por
efeito de causas gerais e de benfeitorias de ordem pública, tais como a abertura de
vias de comunicação, o aumento da população e, nas cidades, os serviços de higiene
embelezamento, independentes do trabalho dos proprietários e do emprego de seus
capitais,^ ^
Remontando aos princípios de Comte, de que "a propriedade é da ordem natural
das coisas'' ou de que "o capital é social na sua origem, sua apropriação é que é particular
e momentânea", as coisas se apresentavam como justas, pois aqueles que, temporariamen
te, detinham a propriedade eram obrigados a dar uma contribuição pelo seu uso, contri
buição esta que reverteria, pelo Estado, em benefício da comunidade.
Como forma de compensar os criadores pela elevação progressiva de impostos, o go
verno beneficiava-os na medida em que se reduziam os direitos de exportação de seus
produtos, como o charque, couros secos e salgados, produtos frigoríficos. Outros produ
tos sofreriam reduções na cobrança da taxa de exportação dentro da produção estadual,
tais como formas para calçados, garrafas e artigos têxteis fabricados no Rio Grande^ Es
ta política teria prosseguimento nos anos seguintes, com a isenção atingindo novos produ
tos, como os vinhos, couros curtidos e envemizados, remédios, sabão, xaropes, cola, graxa,
licores, ovos, óleos, camarões, carne de porco, línguas salgadas, polvilho, toucinho, cabelo,
etc. Acrescentava o governo:
Apesar dessas continuas sangrias na renda da exportação,continua crescendo a arre
cadação do referido imposto, demonstrando a valorização da nossa exportação,^'^
Ressalta-se, mais uma vez, a política do governo borgista de incentivar a produção,
desonerando-a dos seus custos a fim de obter o desenvolvimento global do Estado nos di
ferentes setores da economia.
A partir do final da guerra, contudo, e com a queda dos preços dos gêneros de sub
sistência, que se seguiu à deflação geral, afetando, especialmente, a pecuária, a oposição
gaúcha iria acentuar as suas críticas ao poder instituído.
Dizia da tribuna o deputado oposicionista Gaspar Saldanha, em 1919:
Parece, até, que existe uma conspiração contra os proprietários de terras, como se
fosse essa a mais feliz na obtenção de lucros. Admitindo, mesmo, que fosse real a
prosperidade do criador [. . . ] ainda assim não se poderia comparar com a dos co
merciantes, com a dos industriais, porque estes, ao menos, não têm suspensa sobre
as suas cabeças a ameaça do imposto sobre a terra, mas, ao contrário, promessas de
25 - PARECER da comissão de orçamento, op. cit., nota 23. p. 126.
26 — ANAIS da Assembléia de Representantes do Estado do Rio Grande do SuL Porto Al^e, Of.
Gráfícas d'A Federação, 26.^ sessão ordinária, 34.^ sessão, 6 nov. 1917. p. 130.
27 - ANAIS da Assembléia de Representantes do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Al^e, Of.
Gráfícas d'A Federação, 24.^ Sessão, 20 nov. 1919. p. 116.
284
grandes abatimentos no imposto de exportação [... ] 05 encargos que sobre eles pe
sam, como o pagamento do imposto territorial, pecuniário, o de exportação, o que
sobrecarrega a despesa do criador, ^ ®
Contra a postura assumida por Gaspar Saldanha, secundado pelo seu colega oposi
cionista Alves Valença, levantou-se na Assembléia a voz do dep. Getúlio Vargas, na defesa
do situacionismo gaúcho.
Criticando a maneira da oposição encarar o problema, estribada num ponto de vista
retrógado como o do parlamentarismo, Getúlio Vargas acusou os representantes federalis-
tas de se arvorarem em defensores dos grandes proprietários de terras, daqueles que justa
mente eram os mais prósperos do Estado, uma vez que exploravam a atividade mais lucra
tiva. Prosseguindo no seu arrazoado, Vargas condenou a intenção do partido oposicionista
de ver os proprietários exonerados do pagamento do imposto tenitorial^^.
A oposição defendeu-se das acusações, alegando que a classe mais lucrativa era a dos
industriais e a dos comerciantes de exportação.
Assumindo uma posição progressista, consoante com a orientação político-ideológi-
ca do partido, o dep. Vargas postulou a necessidade de defender as indústrias, ainda inci
pientes e mais sujeitas às flutuações da lei de oferta e da procura e à concorrência estran
geira, Defendeu ainda a necessidade do Estado intervir na econopiia, "açambarcando a ati
vidade particular, monopolizando serviços".
Lembrou, neste caso, os excelentes resultados do serviço de encampação da barra e
do porto do Rio Grande.
Defendendo a superioridade dos impostos diretos sobre os indiretos, o deputado si
tuacionista reafirmou a necessidade da extinção gradual dos impostos de exportação:
[. . . ] com essas isenções,o governo rio-grandense procura facilitar o trabalho do
produtor nacional, que, inegavelmente, é o mais diretamente afetado no imposto de
exportação [. . . ] ^4 isenção importa em amparar-se a produção nacional contra a
concorrência da similar estrangeira. Taxar o exportador é iníquo, porque se castiga
o produtor, O exportador inquere, em primeiro lugar, do preço da mercadoria no
mercado de consumo, deduz o valor dos impostos a pagar, do frete e do seguro, fa
zendo depois a sua oferta ao produtor, deixando, naturalmente, margem para seu
lucro. Quanto mais impostos tiver a pagar o exportador, tanto menor oferta fará
ao produtor [..
Da mesma forma, o consumidor nacional sairia lesado, pois o exportador, ao colo
car o artigo no mercado, iria elevar o seu preço para ressarcir-se dos impostos que teria a
pagar.
Adotando esta postura, o partido govemista colocava-se como defensor não só do
fomento à produção, como da segurança do consumidor nacional. Postura, como já foi
frisado anteriormente, adequada a um partido que buscava o desenvolvimento econômi-
28 - SALDANHA, Gaspar. Anais da Assembléia de Representantes do Estado do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, Of. Gráficas d'A Federação, 22.^ sessão, 24 nov. 1919. p. 136.
29 - VARGAS, Getúlio. Anais da Assembléia de Representantes do Estado do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre, Of. Gráficas d'A Federação, 29.® sessão, 26 nov. 1919. p. 146-7.
30 - Ibidem, p. 147.
285
CO global do Estado e que se batia pelo poder aquisitivo do consumidor, uma vez que
abastecia o mercado interno brasileiro com seus produtos.
Embora esta questão do imposto territorial não tenha sido determinante, a não sa
tisfação dos interesses econômicos dos estancieiros pelo governo e a acentuação da crise
econômico-financeira em que se debatia a pecuária gaúcha no pós-guerra fez com que as
oposições (ex-maragatos e republicanos dissidentes) se articulassem contra o governo bor-
gista na revolução de 1923.
Findo o conflito político pela solução conciliatória de Pedras Altas, que conseguiu a
promessa de não-reeleição do presidente após findo o seu quinto mandato, a pecuária re
cuperou-se nos anos de 1924 e 1925, mais devido à retomada do abate pelos frigoríficos
do que pelas charqueadas. A questão do imposto territorial, contudo, continuou a ser
combatida pela oposição. Em 1925, o deputado libertador Demétrio Xavier clamava con
tra a lei que aumentava o imposto territorial e lamentava a situação dos fazendeiros, que
no momento se apresentavam como a classe mais sacrificada do Estado pelo pagamento
de impostos. Se a propriedade territorial se achava valorizada, afirmava o deputado oposi
cionista, é porque o trabalho do estancieiro lhe havia conferido um valor. Comparada a si
tuação da campanha com a da serra, que tudo obtinha do governo, os fazendeiros enfren
tavam o mais completo descaso dos poderes públicos^ ^.
Ligado a toda esta problemática financeira em tomo da tributação que se apresenta
va no governo de Borges de Medeiros, estava a do equilíbrio orçamentário.
Criticando a inflação que perturbava a economia do país, o presidente do Estado se
pronunciava na Mensagem de 1913:
Não é possível que uma tal política continue por mais tempo, sob pena de ser a na
ção conduzida, às cegas, para situação mais penosa e aflitiva do que a que teve de
enfrentar o governo Campos Sales, ^ ^
Frente a uma situação como esta, congratulava-se Borges com o panorama vivido
pelo Rio Grande:
A prosperidade financeira acompanha a evolução econômica: desdobra-se metodica-
mente, sem intermitências e sem sobressaltos. Tem base inabalável o equilíbrio orça
mentário, observado com intransigência dogmática. Nem déficit nem empréstimo:a
receita pública provém da fonte única dos impostos e serviços industriais. Podiam as
rendas ser maiores, se assim o exigissem as necessidades públicas. [...] Afortunada
mente, porém, não há necessidade de novos sacrifícios; ao contrário, só há razões
para perseverar-se no regime de modicidade dos impostos e da parcimônia nos gastos
públicos. ^ ^
O Estado de feição positivista defendia a estabilidade financeira, que dava ao Rio
Grande a resistência para defender-se dos abalos mais sérios. Neste sentido, a prática com-
tista da "boa política, boas fmanças e vice-versa" era considerada como o caminho seguro
a traçar.
31 — XAVIER, Demétrio. Anais da Assembléia de Representantes do Estado do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre, Of. Gráficas d'A Federação, 63.^ sessão, 11 dez. 1925. p. 548-52.
32 - MENSAGEM presidencial de 1913. Porto Alegre, Of. Gráficas d'A Federação, 1913. p. 65-6.
33 - Ibidem, p.66-7.
286
Ostentando sempre uma receita equilibrada, o governo tinha orgulho de poder mos
trar a evolução crescente dos saldos obtidos dentro dos programas orçamentários^^. Fren
te à situação apresentada pelo Rio Grande, criticava-se a política de valorização do café e
desvalorização monetária praticada pelo Estado paulista.
Dentro desta linha de pensamento, o período da guerra foi uma época de verdadeira
euforia, com a elevação extraordinária que trouxe aos gêneros de primeira qualidade, valo
rizando os artigos produzidos pelo Rio Grande. Apesar das reduções que o governo apU-
cava sobre as taxas de exportação, que conseqüentemente deveriam diminuir a receita do
Estado, registrava-se um crescimento de arrecadação das rendas púbhcas^^. Cumpria-se
assim o programa de desenvolvimento econômico do Rio Grande, que via, deste modo,
por um lado desenvolver-se e valorizar-se sua produção, enquanto que por outro lado de-
soprimia os produtores e os consumidores com o rebaixamento dos impostos de exporta
ção.
A situação, contudo, tinha a sua contrapartida: na medida em que diminuíam os tri
butos de exportação, Borges de Medeiros foi obrigado a levantar ainda mais o imposto ter
ritorial. Entretanto, durante este período o governo gaúcho poucas oposições enfrentou.
A conjuntura era favorável aos produtos rio-grandenses, o governo procurava auxiliar e in
centivar os produtores a organizarem-se, apoiando seus planos de renovação da estrutura
produtora. No que diz respeito aos latifundiários da pecuária, governo e estancieiros se
achavam empenhados neste momento em tomar realidade a implantação de uma empresa
frigorífica no Estado. Satisfazendo os interesses econômicos da classe dominante no Esta
do, o governo borgista pouca resistência enfrentou dos pecuaristas da oposição. Arrefe
ceu-se o problema político básico de não-circulação do poder no interior da classe domi
nante, em face de interesses econônücos maiores que estavam recebendo apoio do Estado.
O próprio conteúdo de moralidade e austeridade financeira do govemo receberia aprova
ção até os elementos oposicionistas.
Havendo, tradicionalmente, diferença entre receita e despesa, os saldos eram coloca
dos no Tesouro do Estado ou depositados nos Bancos da Província, do Comércio ou Pelo-
tense.
No que diz respeito ao setor bancário, o governo gabava-se de ocupar o Rio Grande
do Sul o primeiro lugar no país, quanto aos estabelecimentos nacionais de crédito.
Destacavam-se, entre eles, o Banco da Província, o primeiro dos estabelecimentos de
crédito do Estado, fundado em Porto Alegre em 1858. Em 1890 surgia a sua primeira
filial em Pelotas.
Em 1895 fundava-se também em Porto Alegre o Banco Nacional do Comércio.
Em 1906 surgia aquele que seria o grande representante da pecuária gaúcha e de seu
produto básico, o charque. Refere Letti:
O Banco Pelotense era o orgulho da fina flor dos pecuaristas e charqueadores do
nosso meridião, da pequena classe média urbana que era acionista minoritária e dos
donos das casas de negócio da área de colonização ítalo-alemã,^^
34 - MENSAGEM presidencial de 1914. Porto Alegre, Of. Gráficas d'A Federação, 1914. p. 57.
35- MENSAGEM presidencial de 1917, op. cit., nota 24. p. 109.
36 - LETTI, Nicanor. A gravata grená. Correio do Povo. Porto Alegre, 12 mar. 1977. p. 8.
287o Banco Pelotense manteve-se sempre como um aliado do governo do Estado, sen
do sua diretoria composta por homens do PRR.
Com relação à pecuária, o Banco Pelotense participou da constituição do Frigorífi
co Rio Grande, companhia projetada pela iniciativa dos pecuaristas com o apoio do Esta
do para empreender a renovação da estrutura econômica local, implantando um modo ca
pitalista de produção plenamente configurado. Face à debilidade de capitalização da área,
manifesta na carência de recursos dos criadores e na demora para integralizar o capital ne
cessário das ações constitutivas da companhia, foi o Banco Pelotense que tomou a seu
cargo as ações que faltavam, ou seja, o capital não subscrito pelos incorporadores {União
dos Criadores e Associação Comercial de Pelotas). Mediante a atitude do Banco Pelotense,
subscritando cerca de metade das ações necessárias para integralizar o capital da compa
nhia, a empresa pôde constituir-se, oficialmente, em setembro de 1917^'^.
Fora estes três maiores estabelecimentos de crédito, encontravam-se ainda no Esta
do bancos nacionais de menor porte, como o Banco de Crédito Territorial Sul-Brasileiro.
Em 1916, surgia no Estado o Banco Porto-Alegrense e era instalado no mesmo ano,
em Porto Alegre, uma filial do Banco do Brasil. Em 1919, surgia a casa bancária Jorge
Pfeiffer & Cia., conhecida após como Banco Pfeiffer S.A.
Dentre os estabelecimentos de crédito estrangeiros, figuravam o Brazilianishe Bank
e o London Brazilian Bank, com uma sede na capital e outra em Rio Grande, e o Banco
Franco-Brasileiro.
Até 1920, o movimento bancário sofreu uma elevação contínua, condicionada em
parte pelos efeitos da inflação que acompanhou o período da guerra, elevando os preços e
aumentando o papel-moeda em circulação pela emissão. Os bancos aumentaram os seus
ativos e ampliaram o seu crédito, levando os pecuaristas, entusiasmados com as perspecti
vas ótimas de mercado no momento, a investirem na criação, contraindo dívidas. No dizer
de Alcebíades de Oliveira, que analisou este caso do ponto de vista da evolução do Banco
Pelotense, este processo acarretaria uma tríplice série de ilusões:
. \ a) dos preços, sempre em alta - resultava a ilusão de estabilidade nos lucros;
b) do aumento constante nos depósitos - decorria a ilusão de equilíbrio;
c) dos lucros crescentes - provinha a despreocupação das garantias.^^
Aumentando o seu capital dos depósitos particulares e dos saldos do Tesouro que
eram depositados, os bancos começaram a expandir-se no crédito, não exigindo maiores
garantias para o pagamento de empréstimos.
O governo estadual regozijava-se com a diminuição dos saldos populares nas caixas
econômicas federais, paralelo ao aumento dos depósitos popidares nas casas bancárias.
Esse fato é realmente significativo e benfazejo, sob todos os aspectos; evidencia a
energia do trabalho remunerador e o espírito acentuado da economia, ao mesmo
tempo que a organização progressiva do capital rio-grandense. Depois, esses depósi
tos populares não ficam estagnados nas caixas bancárias; voltam à circulação através
37 - PESA VENTO, Sandra Jatahy. Charqueadas, frigoríficos e criadores: um estudo sobre a Repúbli
ca Velha Gaúcha, Porto Alegre, PUC-RGS, 1978. (Tese de mestrado mimeografada.) p. 168.
38 - OLIVEIRA, Alcebíades de. Um drama bancário. Porto Alegre, Globo, 1936. p. 54.
288
das operações de crédito dos bancos e, pois, desenvolvendo o comércio e criando in
dústrias, fomentam o aumento da riqueza social^^
Na opinifo do governo, o mesmo não se dava com os depósitos das caixas econômi
cas federais, pois neste caso o dinheiro gaúcho era desviado para Minas, sem aplicação prá
tica no Estado.
Dentro da perspectiva do Estado, estes depósitos nos bancos deveriam ter aplicação
reprodutiva, no sentido de serem utilizados em atividades que revertessem em benefício
da coletividade, tais como as obras do cais da capital, reparações em estradas de ferro, etc.
Desta forma, cumpria-se o programa de desenvolvimento econômico do Rio Grande que,
dando a questão dos transportes como prioritária, visava atender a toda a produção do Es
tado.
Foi inclusive dentro deste espírito que o governo estadual enveredou pelo caminho
dos empréstimos externos, iniciados à partir de 1921 e com o objetivo de dar cumprimen
to ao programa de desenvolvimento da economia estadual pela dinamização dos transpor
tes.
Durante o quarto mandato presidencial de Borges de Medeiros, um empréstimo foi
feito pelo Rio Grande do Sul com banqueiros norte-americanos. Datado de 18 de novem
bro de 1921, o contrato feito entre o governo do Estado e Ladehburg, Thalmann 8i Cia.,
de New York, montava num empréstimo de dez milhões de dólares. Segundo os termos
do contrato, o dinheiro seria aplicado nas '*obras do cais de Porto Alegre", no ''melhora
mento dos canais inferiores", "na colocação das instalações e maquinismos necessários
para as minas de carvão de Gravataí" e no "resgate ou unificação da dívida consolidada"^®.
Quanto ao fim dos recursos trazidos pelo empréstimo externo melhoramento do
porto da capital, escoamento fluvial da produção e atividades de mineração — vê-se que o
governo dava-lhes uma aplicação que se orientava para a dinamização da economia local.
Por ocasião da encampação da Viação Férrea, em 1920, o governo lançou um em
préstimo interno, recolhendo dos bancos os saldos do Tesouro que neles haviam sido de
positados.
Este fato conjugou-se com a situação de crise geral do pós-guerra, quando se seguiu
um período de deflação e queda dos preços dos produtos. As economias européias, retor
nando a uma economia de paz e desmobilizando seus exércitos, enfrentaram a tarefa de
reconstrução nacional e de reorientação dos setores produtivos até então vivendo em tor
no da guena. Seguindo uma política de contenção de despesas, retraiu-se a demanda
mundial e os preços caíram. À crise econômica seguiu-se a crise financeira, com o retrai-
mento do crédito. O Estado sulino, tendo de fazer frente a seus compromissos com o pro
grama de desenvolvimento dos transportes, recorreu especialmente ao Banco Pelotense,
cujos diretores, como o Cel. Alberto Rosa, eram homens do partido de fidelidade indis
cutível. Face a esta operação, vendo-se sem recursos, o Banco Pelotense foi obrigado a
tomar medidas radicais.
39 - MENSAGEM Presidencial de 1913, op. cit. nota 32. p. 62.
40 - GOVERNO do Estado do Rio Grande do Sul. Empréstimo externo de 1921 - contrato em dó
lares. (Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul)
289
[. . . ] expediu instruções severíssimas, determinando que todas as contas correntes
devedoras fossem convertidas em promissórias. E o prazo para execução dessa or
dem era terminante, peremptório: - 30 diasV'^^
Os pecuaristas, que nos bons tempos da guerra haviam contraído empréstimos para
aplicação na sua estrutura produtora, viam-se agora dentro de uma conjuntura de merca
do desfavorável, com os preços de seus artigos decaindo no mercado, completamente sem
recursos para saldar seus compromissos.
O governo, contudo, se fizera cercar de todos os meios legais. Em 20 de outubro de
1920, fazia passar na Assembléia de Representantes um projeto de lei que aprovava o
acordo feito a 12 de agosto de 1920, entre a União e o Estado, a respeito da encampação
da Viação Férrea e autorizava o governo gaúcho a realizar operações de crédito necessárias
para a efetivação da propalada "socialização dos serviços públicos"^ Na medida em que
o Estado encampava um serviço público que sofria exploração por uma concessionária es
trangeira, em detrimento dos interesses legítimos da comunidade, o governo dava coroa-
mento ao seu programa de desenvolvimento econômico. Quanto às operações de crédito
necessárias, o governo emitiria títulos de dívida do Tesouro para fazer frente aos novos
encargos. Para tanto, passou a recolher o que havia depositado nos bancos. Cercando-se de
mais garantias, o governo fezpassar na Assembléia um projeto de lei que, modificando
disposições anteriores, eliminava o limite de 6% de juro a ser pago pelo Estado nos depósi
tos particulares, fixando, daí por diante, a percentagem a seu critério, conforme as neces
sidades^^.
Contra a atuação do Estado no que tange aos empréstimos feitos (o externo de 1921
e o interno de 1920), a oposição, através do dep. Gaspar Saldanha, levantou sua voz na
Assembléia de Representantes:
Quando foi da encampação da Viação Férrea, o governo do Estado lançou um em
préstimo interno que teve ruinosas conseqüências, muito especialmente com refe
rência à indústria pecuária do Rio Grande do Sul O lançamento de semelhante em
préstimo, feito pelo governo para atender à encampação dessa grande via férrea,
trouxe como primeira conseqüência o fechamento por parte do Banco Pelotense das
contas correntes de seus comitentes, medida esta tão vexatória quão conhecida. [... ]
Eu mesmo fui incumbido pela Associação Rural de Alegrete de formular um protes
to dirigido à diretoria do banco contra semelhante medida, que vinha colocar os fa
zendeiros do Estado na mais apremiante dificuldade.^^
Prosseguindo no seu protesto, o deputado oposicionista lembrava à Assembléia que
o caso dos dez milhões de dólares importava em quantia muito maior e temia-se que o go
verno lançasse um outro empréstimo interno de igual vulto. Argumentava ainda contra a
utilidade do empréstimo quanto à questão da maquinaria para as minas de carvão. Neste
41 - OLIVEIRA, Alcibíades de, op. cit. nota 38. p. 56.
42 - ANAIS da Assembléia de Representantes do Estado do Rio Grande do Sul. 29.^ sessão ordiná
ria. Porto Alegre, Cf. Gráficas d'A Federação, 1921. 11.^ sessão, 21 out. 1920. p. 102.
43 - Ibidem, p. 103.
44 - ANAIS da Assembléia de Representantes do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Of.
Gráficas d'A Federação, 27 out. 1921. p. 126.
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ponto, a oposição criticava o governo por imiscuir-se em serviços de natureza particular,
tanto no que diz respeito à intervenção do Estado no caso das minas, como no da encam
pação da Viação Férrea. Considerava o deputado da oposição que realmente um dos pro
blemas básicos do Rio Grande eram os transportes. O empréstimo visava a viação fluvial,
argumentava o dep. Gaspar Saldanha, mas os transportes ferroviários deveriam ser melho
rados. A atuação do governo, contudo, estava provando o contrário. A companhia estran
geira havia pleiteado um aumento de 25% nas tarifas, o que lhe fora negado. O governo,
uma vez encampando a Viação Férrea, havia aumentado as taxas para 36%"*^. Na sua opi
nião, o aumento das tarifas era a expressão do déficit da companhia ferroviária adminis
trada pelo Estado.
Criticando a atuação do governo, a oposição atacava um dos principais orientadores
da sua conduta no plano econômico, ou seja, a de que o Estado, face à debilidade do ca
pital particular, pode transformar-se no promotor do desenvolvimento econômico.
Nesta crise em que se debatia não só a pecuária, mas toda a produção do Estado no
após-guena, a oposição ia avolumando as suas críticas contra o governo. São sintomáticas,
neste caso, as palavras do deputado de oposição Alves Valença:
Há trinta anos que assistimos, dolorosamente, em cada canto da fronteira do Rio
Grande, ao esquecimento completo das prerrogativas populares, [. , ,]0 nobre re
presentante dr, Possidônio da Cunha [. . . ] afirmou que a receita já quase cobre a
despesa, Mas eu pergunto com que dolorosos sacrifícios se faz a cobertura dessa des
pesa, Ela se faz à custa de campos que não recebem mais a charrua do lavrador; ela
se faz à custa de milhares de cabeças de gado que, não podendo suportar o peso das
tarifas, ficam eternamente a emagrecer nas invemadas [... ] Que importa que estre-
buche o produtor; que importa que o arroz se deteriore; que importa, enfim, que o
comércio, a indústria e a lavoura se asfixiem, se a receita já quase dá para cobrir a
despesa\^^
Na verdade, o princípio do equilíbrio orçamentário, antes considerado como padrão
de honestidade e moral, era agora encarado como falso artifício frente a uma economia
em crise e uma escassez do meio circulante. Para enfrentar seus encargos com os transpor
tes e para operacionalizar o funcionamento da Viação Férrea, o governo foi obrigado não
só a elevar os impostos sobre a terra, mas os próprios fretes ferroviários.
Neste momento da crise, os pecuaristas descontentes, como representantes da classe
dominante no Estado, é que catalisaram o processo de descontentamento com o governo.
Um governo como o gaúcho durante a República Velha, essencialmente autoritário, ao fa
lhar no seu programa de desenvolvimento econômico, estribado numa economia carente
de capitais, deixou de legitimar-se pela eficácia para legitimar-se apenas pela violência.
A falência do Estado em solucionar o problema da pecuária, ou em fazer valer,
frente ao poder central, os direitos e as reivindicações dos fazendeiros, fez com que, no
contexto sulino, uma crise econômico-financeira degenerasse em crise política. Grande
contingente de pecuaristas arregimentados na oposição foi às armas contra o governo.
45- Ibidem, p. 127.
46- Ibidem, p. 129.
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Uma das reivindicações básicas no terreno financeiro, que remontava a antes da
guerra, seria a da concessão do crédito. Em suma, a questão revelava, antes de mais nada,
as necessidades de capital de uma economia carente, em permanente crise, produzindo
para o mercado nacional gêneros alimentícios de baixo preço que enfrentavam forte
concorrência, ou para o mercado internacional através de um setor monopolizado pelas
companhias frigoríficas estrangeiras.
No 2P Congresso dos Criadores, .que se realizou em Santa Maria, em maio de
1913, debateu-se a questão da necessidade da criação de um Banco Rural que atendesse às
solicitações de crédito dos estancieiros. Nada tendo ficado acertado, no ano seguinte, por
ocasião do 3P Congresso de Criadores em Santa Maria, o pecuarista João de Souza Masca-
renhas propôs a formação de um Banco de Crédito Rural. Na sugestão de Mascarenhas, o
governo do Estado levantaria, na Europa, um empréstimo e cederia ao Banco a quantia de
50 mil contos de réis. Este, por sua vez, emprestaria dinheiro aos criadores a juro baixo e
prazo longo.
Fazendo considerações sobre o problema do crédito e da taxação sobre a pecuária,
Mascarenhas afirmava, comparando a situação do Rio Grande do Sul com a do Prata:
Na esfera econômica, temos contra nós o preço do dinheiro, a sua deficiência e a de
preciação da moeda fiduciária. Admitindo, sem exagero, que o criador rio-grandense
paga juros pelo menos sobre 20% do valor de sua pecuária, só em um decênio, tem
po ainda insuficiente para o melhoramento dos gados [. . . ] teremos que o criador
nacional paga dezenas de milhares de contos de réis mais do que paga sobre o mes
mo valor o criador platino, [. . . ] Creio se possa estimar o valor mínimo atual da
nossa população bovina em 500 mil contos de réis, e neste caso, o valor da divida
do criador rio-grandense em 100 mil contos de réis. Da diferença das taxas bancá
rias, de 7% no Rio da Prata para a de 10% entre nós, tem o criador do nosso Estado,
contra si, a elevada soma de 3.000 contos de réis anualmente [... ] meu ver toma-
se necessário que o criador tome iniciativa decisiva e recorra ao poder público, para
que se liberte dessa escravidão em que tem vtvido.^'^
Ante o acúmulo de encargos e taxas que agravavam a pecuária, o criador se via sem
recursos e no caso de ter de recorrer aos bancos, os prazos de pagamento eram considerá-
dos reduzidos e os juros cobrados além das possibilidades dos estancieiros. Apesar da pro
palada expansão do capital e do crédito afirmada pelas diretorias dos Bancos da Província,
do Comércio e Pelotense, os recursos eram considerados insuficientes para as necessidades
da pecuária, não só no que tange ao seu volume como à forma de concessão^ Na opi
nião de Mascarenhas,a expansão bancária em termos de capital se dera em função da con
fiança da fortuna particular nos estabelecimentos de crédito, neles empregando seu di
nheiro.
Neste caso, a pecuária reivindicava um atendimento especial para si, através de um
Banco de Crédito Rural. Afirmava Mascarenhas:
47 — Mascarenhas, João de Souza. Organização do nosso crédito e meio de defesa contra a especula
ção de nossos industriais. A Estância. Porto Alegre (16): 124, jun. 1914.
48- Ibidem, p. 126.
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Os nossos institutos bancários, constituídos para satisfazerem as necessidades de
outras fontes de nossa atividade, de pouco, muito pouco, nos podem servir.^^
Apresentado o projeto no 3.^ Congresso de Criadores, foi o mesmo rejeitado pela
comissão nomeada para dar o seu parecer.
Firmino Paim Filho, representante do governo, colocou a invibialidade da fundação
do Banco Rural, uma vez que "o Estado não pode amparar diretamente qualquer
comércio ou indústria" a não ser "indiretamente, pela isenção de impostos". Da
mesma forma, Borges de Medeiros, na qualidade de presidente do Estado, "sempre
atento aos interesses dos criadores, jamais deixou de atendê-los no que era possível
ao seu alcance". A solução cabível, no caso do Banco Rural, era pelas ações.^^
Manifestava-se, no caso, uma divergência entre os níveis de aspiração de parte dos
criadores e aqueles que se identificavam com o Estado de feição positivista. Dentro da
postura comtista adotada, o governo não admitia privilégio de espécie alguma a qualquer
setor da produção em especial, beneficiando um grupo social em detrimento dos demais.
O estado de orientação positivista considerava-se o representante de todas as classes so
ciais e tinha a meta de obter o desenvolvimento gaúcho em termos de auto-suficiência,
promovendo a diversificação da produção rio-grandense em todos os setores. Com relação
à economia, a atuação do Estado era concebida como intervindo de forma indireta, sobre
todos os níveis setoriais, ou diretamente, através da socialização dos serviços públicos.
Com referência aos bancos, a orientação positivista era pela ausência de intervenção do
governo neste setor. A sugestão feita, de criar um banco por ações, era inviável, uma vez
que o problema dos pecuaristas era, justamente, a falta de numerário.
O presidente da União dos Criadores, órgão de classe dos estancieiros gaúchos, no
relatório que apresentou aos associados, lamentou a incongruência entre os pontos de
vista dos criadores e o do governo:
De fato, o que as classes rurais mais precisam é o crédito a largo prazo, a juro bara
to, enfim, do crédito real ou hipotecário, e todo o nosso empenho visava a este fim.
Ora, com um capital de cinco, seis ou mesmo dez mil contos subscrito entre os cria
dores, jamais poder-se-ia atender eííe desideratum.O meio mais viável que encontra
mos para a realização dessa grande aspiração de nossa classe era, a par da subscrição
daquele capital, a obtenção da garantia do governo do Estado para as letras hipote
cárias emitidas pelo banco e que seriam negociáveis no estrangeiro, cujos capitais se
conformariam com juros baratos e longo prazo. Infelizmente, procurando conhecer
o parecer do governo a respeito, tivemos conhecimento de que nem esta idéia, nem
mesmo a de fundação de um Banco do Estado com as mesmas prerrogativas, esta
vam de acordo com o seu pensamento, contrário à intervenção oficial em matéria
bancária. ^ ^
O problema do crédito só tenderia a agravar-se, dentro dos quadros de uma econo
mia carente de capitais. No período da guerra, como já se viu, os bancos haviam ampliado
49 - Ibidem, p. 127.
50 - PESAVENTO, Sandra Jatahy, op. cit., nota 37. p. 135.
51 - RELATÓRIO apresentado pelo presidente da União dos Criadores Coronel Alfredo G. Moreira,
à Assembléia Geral, reunida na cidade de Santa Maria, em 24 de maio de 1914. A Estância. Por
to Alegre (16): 114, jun. 1914.
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o crédito, concedendo empréstimos sem maiores garantias. Com a década de 20, que se
inaugurou com uma crise econômico-financeira, foi novamente cerceado o crédito. O Ban
co Pelotense, em especial, pôde reabilitar-se mediante o apoio que seus diretores, homens
do partido^ obtiveram de Borges de Medeiros.
No contexto de pós-guerra, a falta de capital manifestar-se-ia, por exemplo, na fa
lência do projeto de montagem de um frigorífico nacional que os estancieiros pretendiam
levar a cabo. Apesar das inúmeras campanhas, não conseguiram tomar realidade o funcio
namento da companhia dentro dos moldes de operação em larga escala, e o estabelecimen
to foi vendido ao capital inglês no início do ano de 1921.
Dentro da crise geral da pecuária gaúcha, os criadores continuaram insistindo, face
à carência de capitais, na necessidade de conseguir crédito fácil. Frente a estas reivindica
ções, o govemo argumentava que, se os créditos fossem ilimitados, haveria uma alta artifi
cial dos preços, o que seria ruinoso, não só para a pecuária, como para toda a economia
do Estado^
Insistindo na sua postura, os pecuaristas, sob a liderança de Carlos Corrêa, constituí
ram uma Comissão de Criadores^ que redigiu um memorial ao governo central. Entre
outras medidas de salvação para a pecuária, que contudo não cabe analisar aqui, solicita
ram a formação de um plano de crédito rural hipotecário. A intervenção de Borges de Me
deiros neste processo, oferecendo-se como mediador entre os criadores e a União, veio dar
em resultados diversos daqueles almejados pelos estancieiros. Representando um Estado
de economia subordinada ao centro, e portanto submisso ás diretrizes da política econô
mica cafeeira, e tendo ele próprio, como governo regional, um ponto de vista firmado so
bre o problema do crédito e sobre a concessão de privilégios a um setor em especial, o go
verno borgista não conseguiu — ou nem pretendeu fazer valer na íntegra as reivindicações
dos criadores. No terreno financeiro, a Lei nP 4.657, de 24 de agosto de 1922, criou a
carteira de crédito agrícola do Banco do Brasil.
O govemo da União emprestava-lhe um máximo de 400.000:000$000 em apólices
da divida pública, podendo a carteira emitir letras hipotecáveis a juro que não exce
desse 5% na proporção máxima de 50% dos seus títulos hipotecários aprovados pelo
fiscal do govemo. As letras hipotecárias seriam oferecidas ao público desde que não
excedessem ao capital realizado em cada banco. O Banco do Brasil tornava-se, assim,
um intermediário entre o govemo e os criadores e ficava autorizado para operar até
o limite máximo de 50.000 contos, na concessão de crédito aos pecuaristas necessi
tados. ^ ^
Quanto ao problema do contrabando do charque platino para o mercado brasileiro,
que afligia o Estado sulino, os criadores haviam solicitado a elevação do imposto sobre o
produto estrangeiro e a garantia do mercado interno para o artigo gaúcho. As tarifas pro
tecionistas iam tanto contra os princípios do PRR, que condenava qualquer tipo de prote
cionismo ou privilégio, quanto contra os interesses do centro do país, que queria baratear
o consumo do charque, alegando agir em defesa das camadas populares urbanas. Agia mui
to mais, isso sim, em seu próprio proveito, uma vez que minorava o nível de tensão social
52- A FEDERAÇÃO, 2Zm?ii.\92\.
53 - PESAVENTO, Sandra Jatahy, op. cit., nota 37. p. 308.
294
que comprometia a estabilidade do sistema. Em vez da obtenção das medidas pleiteadas
pelos criadores, o que estes conseguiram foi a limitação de importação do charque estran
geiro no máximo igual à média da sua importação no último triênio.
A reação dos criadores foi imediata. Com relação ao crédito, reclamava Carlos Cor
rêa através das páginas do Correio do Povo:
De que nos serve essa ridícula carteira hipotecária, que vai funcionar com 50 mil con
tos de fundos, para empréstimos que devem ser reembolsáveis em prestações força
das de 20% cada ano? E quando só em um município de nosso Estado os débitos
dos fazendeiros atingem, quase,esta quantia?^ ^
Aos poucos, no plano estadual, a crise degeneraria de econômico-financeira para po
lítica, em conflito aberto dos fazendeiros, arregimentados em grande parte na oposição,
contra Borges de Medeiros. Não se quer com isso dizer que a Revolução de 1923 teve sua
raiz básica na política financeira do Estado de orientação positivista. Apenas se procura de
monstrar que a conduta do governo, em termos de política fmanceira, estava se conver
tendo num ponto de atrito que, inserido dentro de um contexto geral de crise econômica,
agravada pela não-circulação do poder político no interior de toda a classe dominante,
motivou a revolta armada que tentou depor o presidente do Estado.
Denunciava-se, sobretudo, que, se Borges o quisesse, teria estendido a mão à pecuária,
uma vez que os cofres públicos se achavam repletos com os dólares recebidos pelo emprés
timo de 1921. Contudo, Borges de Medeiros colocou acima do problema particular da pe
cuária o programa de desenvolvimento econômico do governo, ou seja, aquele relacionado
com os transportes. Igualmente, por motivos eivados de sua orientação doutrinária, não
achava conveniente a realização de uma política de proteção a um só setor de economia.
Diante da orientação seguida pelo governo instituído, muito significativas foram as
palavras de Assis Brasil, em torno do qual se anegimentaram as oposições:
O remédio é dinheiro a juro suficientemente baixo e a prazo bastante amplo para per
mitir a restauração das forças combalidas do devedor. [... ] a instituição do crédito
hipotecário ou imobiliário [. .. ] despertará para a torrente circulatória a formidável
massa de valores dormentes representados pelos bens imóveis e sem acessórios. ® ®
Com a Revolução de 1923, terminavam os melhores momentos da dominação in
contestável do governo borgista no Rio Grande do Sul. Nos anos seguintes, as perspectivas
todas se voltariam para a figura daquele que seria o seu sucessor no Estado e que ocupava
a pasta da Fazenda no governo de Washington Luís. Com isto, iniciava-se também um re
cuo do governo de orientação nitidamente positivista e a política financeira seguiria outros
rumos.
54 - CORRÊA, Carlos. A crise de nossa pecuária. Correio do Povo. Porto Alegre, 27 jun. 1922. p. 3.
55 - CORRÊA, Carlos. Problemas da pecuária e o Dr. Assis Brasil. Correio do Povo. Porto Alegre, 4
juL 1922. p. 3.
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