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Literatura Brasileira Poesia (80hs) unid III

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Literatura BrasiLeira: Poesia
Unidade III
5 LITERATURA DESSACRALIZADORA
Se no Romantismo os poetas lutaram por uma literatura sacralizante, para a firmação de uma 
literatura de caráter nacional, os poetas do começo do século XX, do Modernismo, conceberam a 
identidade nacional no sentido de sua dessacralização, correspondendo a um pensamento politizado, 
com abertura contínua para o diverso, em que uma cultura pudesse estabelecer relações com outras 
culturas.
A literatura dessacralizante corresponde à desmontagem do sistema vigente. Essa literatura leva 
à emergência de uma consciência crítica e à inclusão sistemática de temas e processos retirados da 
cultura popular oral. Conforme Bernd (2011), os poetas modernistas tentaram captar o discurso excluído, 
escutar as vozes até então mantidas marginalizadas.
5.1 Consonâncias e dissonâncias: o ritmo do Modernismo
A existência da nacionalidade sempre foi, no Brasil, uma indagação a exigir resposta. O ano 
1922 é tido como marco de início do Modernismo e nele se comemorou o centenário de nossa 
independência política. Não foi por acaso que os idealizadores da Semana de Arte Moderna 
escolheram essa data, pois tinham como intenção simbolizar, após 100 anos, finalmente, o início 
de nossa independência cultural. Acompanhar o desenvolvimento de nossa literatura é olhar com 
atenção um processo de desalienação.
Um dos idealizadores da Semana de Arte Moderna de 1922 foi Oswald de Andrade (1890-1953). 
Seu poema, Canto de regresso à pátria, inverte o sentido do texto de Gonçalves Dias, Canção do exílio, 
contrapondo a nova estética modernista à estética romântica:
Canto de regresso à patria
Minha terra tem palmares 
Onde gorjeia o mar 
Os passarinhos daqui 
Não cantam como os de lá 
 
Minha terra tem mais rosas 
E quase que mais amores 
Minha terra tem mais ouro 
Minha terra tem mais terra 
 
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Ouro terra amor e rosas 
Eu quero tudo de lá 
Não permita Deus que eu morra 
Sem que volte para lá 
 
Não permita Deus que eu morra 
Sem que volte pra São Paulo 
Sem que veja a Rua 15 (ANDRADE, 2008, p. 118).
Temos um texto de paródia, na tomada de consciência crítica à terra natal, que não havia no texto 
que hoje chamamos de matriz. O que Oswald de Andrade buscava não eram as semelhanças do seu 
exílio com o de Gonçalves Dias, mas sim as diferenças. 
 Lembrete
O poema Canção do exílio, de Gonçalves Dias, foi escrito em 1843 e 
tornou-se símbolo de nacionalismo e ufanismo do nosso país, tendo versos 
copiados do Hino Nacional e sendo, a partir de sua criação, referenciado, 
reverenciado e intertextualizado em outros textos poéticos (e não poéticos 
também).
A paródia, nesse caso, age como um espelho invertido ou uma lente que exagera os detalhes, que 
podem inverter uma parte dos elementos focados num elemento dominante. Portanto, a parte é pelo 
todo, como se faz na caricatura.
A identidade nacional não está apenas no indianismo, ou seja, na busca da figura idealizada do 
primeiro povo americano. Como diz Oswald de Andrade, “Minha terra tem palmares / onde gorjeia o 
mar”. O Brasil passou a ser constituído também por outro grupo social: os africanos, que ao chegarem às 
terras brasileiras – por mar – tiveram o status de escravo. Na luta contra a escravidão, formaram local 
de fuga e proteção: os palmares. 
O que houve de continuidade romântica no Modernismo, conforme Gelado (2006), foi a preocupação 
com a definição de uma identidade nacional, bem como a consideração de que essa identidade estaria 
depositada no fundo do popular. Foi, em parte, no início de definição desse fundo que o Modernismo, 
na década de 1930, passou a dedicar seus esforços, sendo seguido pelos estudos etnográficos, o ensaio 
histórico e sociológico e a narrativa regionalista.
Essa ampliação da identidade nacional por parte dos modernistas leva em conta outros grupos 
sociais: o indígena, com outra configuração fora do indianismo, o negro africano, na condição de ex-
escravo, e os brasileiros de forma geral, na condição do popular.
Um novo e amplo quadro se forma no Modernismo, sintetizado no poema a seguir:
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Literatura BrasiLeira: Poesia
Pronominais
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro (ANDRADE, 2008, p. 117).
O poema inclui os grupos sociais formadores do povo brasileiro: o negro, o branco e a junção desses 
dois: o mulato. Além disso, seguindo a preocupação da época com o aspecto popular, o poeta mostra a 
manifestação da língua da maioria brasileira “Me dá um cigarro”, cuja sintaxe contraria a regra da norma 
gramatical culta.
A ação modernista no cenário brasileiro, de forma bem-humorada, inclusive, valoriza o português 
brasileiro e a oralidade, questionando o cânone literário brasileiro, que prezava a língua de um grupo 
social dominante ou que ainda seguia o modelo camoniano de escrita. 
Outro poeta modernista que tiraria a poesia brasileira de uma série de maneirismos, dando-lhe 
liberdade formal e linguística, bem como concretizou antológicos poemas com temática popular, foi 
Manuel Bandeira (1886-1968). Na sua vasta produção, temos:
Vou-me embora para Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada 
Lá sou amigo do rei 
Lá tenho a mulher que eu quero 
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada 
 
Vou-me embora pra Pasárgada 
Aqui eu não sou feliz 
Lá a existência é uma aventura 
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha 
Rainha e falsa demente 
Vem a ser contraparente 
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica 
Andarei de bicicleta 
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Montarei em burro brabo 
Subirei no pau-de-sebo 
Tomarei banhos de mar! 
E quando estiver cansado 
Deito na beira do rio 
Mando chamar a mãe-d’água 
Pra me contar as histórias 
Que no tempo de eu menino 
Rosa vinha me contar 
 
Vou-me embora pra Pasárgada 
Em Pasárgada tem tudo 
É outra civilização 
Tem um processo seguro 
De impedir a concepção 
Tem telefone automático 
Tem alcaloide à vontade 
Tem prostitutas bonitas 
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste 
Mas triste de não ter jeito 
Quando de noite me der 
Vontade de me matar 
— Lá sou amigo do rei — 
Terei a mulher que eu quero 
Na cama que escolherei 
Vou-me embora pra Pasárgada (BANDEIRA, 1986, p. 90).
O poema recupera, de maneira mítica, a vida que poderia ter sido e que não foi. Além disso, 
abandona quase integralmente a pontuação, libertando o texto de tudo aquilo que chamaríamos hoje 
de politicamente correto. 
A indagação sobre a identidade nacional envolve o próprio papel da literatura brasileira e sua 
identidade. Afinal, mesmo com o Brasil independente de Portugal, a mentalidade das elites continuou 
ainda colonizada, correspondendo a um prolongamento do pensamento europeu. Os integrantes dessa 
elite letrada, incluindo a intelectualidade institucionalizada, consideravam-se europeus transplantados. 
Na literatura, o modelo europeu foi satirizado e rompido pelos poetas modernistas. Um notório exemplo 
é o poema de Manuel Bandeira:
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Poética
Estou farto do lirismo comedido 
Do lirismo bem comportado 
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e 
manifestações de apreço ao sr. diretor. 
Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário o cunho 
vernáculo de um vocábulo. 
Abaixo os puristas. 
Todas as palavras, sobretudo os barbarismos universais 
Todas as construções, sobretudo as sintaxes de exceção 
Todos os ritmos, sobretudo os inumeráveis 
Estou farto do lirismo namorador 
Político 
Raquítico 
Sifilítico 
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo. 
De resto não é lirismo 
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com 
cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc. 
Quero antes o lirismo dos loucos 
O lirismo dos bêbados 
O lirismo difícil e pungente dos bêbados 
O lirismo dos clowns de Shakespeare. 
 – “Não quero saber do lirismo que não é libertação” (BANDEIRA, 2008, p. 
66).
A destruição tinha como objetivo, em um primeiro momento, o rompimento com estéticas passadas, 
especialmente a parnasiana. A figura do poeta parnasiano, comparado a uma “máquina de fazer versos” 
no Manifesto Antropófago (1928) de Oswald de Andrade, foi ridicularizada e atacada em inúmeros 
artigos e poemas, como Os sapos, de Manuel Bandeira, recitado por Ronald de Carvalho na segunda 
noite da Semana de Arte Moderna. 
Em oposição ao rigor gramatical e ao preciosismo linguístico parnasiano, os poetas modernistas 
valorizaram a incorporação de gírias e de sintaxe irregular e a aproximação da linguagem oral de vários 
segmentos da sociedade brasileira, como podemos observar no poema Pronominais, de Oswald de 
Andrade. 
Ainda no plano formal, o verso livre, a concisão e a objetividade são características marcantes do 
movimento. No poema de Manuel Bandeira, Poética, estão expressas as principais palavras de ordem da 
estética modernista.
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A poesia apresenta uma revolução literária: 
• novas ideias e novas temáticas; 
• fuga das fórmulas e dos preconceitos estabelecidos; 
• ruptura do tradicional; 
• destruição do espírito conservador;
• atualização de uma consciência criadora. 
Bandeira desperta o cidadão que, às vezes, se deixa levar por uma anestesia que adormece o senso 
de crítica e luta. O funcionário público representa a burocratização, desse modo, a poesia também 
se torna burocrática. Ela o é quando a forma supera a inspiração, quando as regras se sobrepõem ao 
lirismo, quando a estatização ganha da flexibilidade do pensar e do sonhar.
Encontramos em Poética uma crítica social, uma vez que o que Bandeira combate não são somente 
as formas poéticas, mas as sociais.
A lírica dos sonhadores é muito mais bonita do que a dos burocráticos e tecnocráticos. O lirismo tem 
como pressuposto a liberdade, a alegria, a flexibilidade. O autor nos conclama a deixar as amarras da 
sociedade e da poesia formais.
O lirismo, como vimos, é a mais antiga expressão poética e acompanhou (e ainda acompanha) os 
versos dos poetas. O confronto ao lirismo não vem somente nas palavras, mas sim na quebra dos padrões 
formais da poesia rítmica. Se Platão acreditava que a poesia deveria se afastar da realidade, esse traço 
vem sendo esquecido pelos autores ao longo do século. Vimos em Poética que a crítica e a realidade se 
somam ao discurso poético e formam uma linda harmonia.
Por fim, para exemplificar melhor a preocupação dos poetas em incluir a cultura popular, temos o 
poema Na rua do sabão:
Na rua do sabão
Cai, cai balão 
Cai, cai balão 
Na Rua do Sabão!
O que custou arranjar aquele balãozinho de papel! 
Quem fez foi o filho da lavadeira. 
Um que trabalha na composição do jornal e tosse muito. 
Comprou o papel de seda, cortou-o com amor, compôs os gomos oblongos... 
Depois ajustou o morrão de pez ao bocal de arame.
Ei-lo agora que sobe – pequena coisa tocante na escuridão do céu. 
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Levou tempo para criar fôlego. 
Bambeava, tremia todo e mudava de cor. 
A molecada da Rua do Sabão 
Gritava com maldade: 
Cai cai balão!
Subitamente, porém, entesou, enfunou-se e arrancou das mãos que o 
tenteavam. 
E foi subindo... 
 para longe... 
 serenamente... 
Como se o enchesse o soprinho tísico do José.
Cai cai balão!
A molecada salteou-o com atiradeiras 
 assobios 
 apupos 
 pedradas.
Cai cai balão!
Um senhor advertiu que os balões são proibidos pelas posturas municipais. 
Ele foi subindo... 
 muito serenamente... 
 para muito longe...
Não caiu na Rua do Sabão. 
Caiu muito longe... Caiu no mar – nas águas puras do mar alto (BANDEIRA, 
1986, p. 70).
Dois importantes aspectos desse poema, representante do pensamento modernista, precisam ser 
destacados. Um deles é o aspecto formal. Mazzari (2002) ressalta o uso de versos livres, cuja técnica foi 
apurada na produção de Manuel Bandeira. 
Outro aspecto é o motivo popular. O poema começa com a citação de uma cantiga junina, 
anunciando assim, de chofre, um motivo popular: “Cai cai balão / Cai cai balão / Na Rua do Sabão!”. 
Predominam os versos brancos, mas se há na abertura uma rima simples e ingênua, é própria 
de cantigas populares e folclóricas. Observamos ainda que o versinho “Cai, cai balão” ocorre 
mais três vezes, constituindo-se uma espécie de leitmotiv que exprime a tendência contrária ao 
acontecimento celebrado no poema. 
Mas, se é possível falar em acontecimento celebrado no poema, então podemos também 
inferir daí que este possui um argumento narrativo, e até mesmo, indo um pouco além, que Na 
rua do sabão está impregnado – a exemplo de outros célebres poemas de Bandeira, como Gesso, 
Profundamente, O cacto – de elementos épicos, assumindo assim uma atitude para a qual teria a 
designação de enunciação lírica.
Nesse sentido, a primeira aproximação ao poema se poderia dar mediante a consideração de sua 
estratificação temporal – da dimensão, portanto, em que a narrativa poética é desdobrada. De que 
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forma essa exposição lírica de uma história que se desenvolve no tempo (mas também no espaço) 
concebe e articula entre si os diferentes planos temporais?
O primeiro e mais remoto apresenta, de maneira sintética, o trabalho de confecção; ressalta 
inicialmente a dificuldade que foi “arranjar aquele balãozinho de papel” e estende a descrição até o 
ajuste do “morrão de pez ao bocal de arame”. O artífice é referido apenas, de forma indireta, como “o 
filho da lavadeira”, a que se segue complemento introduzido pelo artigo indefinido: “um que trabalha 
na composição do jornal e tosse muito”.
Em nossa análise, novamente, aparece a infância pobre de Bandeira, personalizada no balãozinho de 
papel, brinquedo que está ligado a crianças de baixa renda.
A canção popular também remonta ao discurso oral presente nas sociedades mais pobres. Essa 
exaltação da música popular confere um momento de criticidade, pois as manifestações populares 
nascem da oposição à cultura dominante. Essas práticas culturais são um modo de reforçara origem 
popular e se contrapor ao discurso das elites.
5.2 Cobra Norato
Será somente no Modernismo, com Macunaíma (1928), de Mário de Andrade, que o propósito de 
construir uma narrativa épica para representar a origem do povo brasileiro será realizado. O autor 
integra, pela primeira vez, o mito indígena aos mitos africanos para explicar a formação do brasileiro, 
representado pelo personagem Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, o qual é uma alegoria à 
cultura brasileira e seu caráter inacabado. A ausência de caráter é sintoma de mentalidade cultural com 
possibilidades revolucionárias. 
Enquanto o projeto dos românticos, com o indianismo, consistiu em atribuir qualidades positivas 
ao índio, fundando a ancestralidade com base no processo de aculturação e desculturação, a criação 
de Mário de Andrade surgiu como um contradiscurso a essa consistência hegemônica que vinha se 
firmando ao longo de nossa história.
Outro aspecto que colabora nessa criação é a adoção, na obra, de formas orais e populares na 
narrativa. Nos esclarecimentos de Bernd (2011, p. 62), a identificação desse autor “com a visão do 
mundo do povo e a adesão à sua concepção mítica [...] se opunha frontalmente ao esquema lógico-
racional da tradição europeia”.
Vemos aí as marcas da função dessacralizante da literatura, uma vez que esta faz parte da desmontagem 
do sistema vigente. Surge a emergência de uma consciência crítica e a inclusão sistemática de temas 
e processos retirados da cultura popular oral. Essa cultura era (ou continua) considerada espúria e até 
então excluída do círculo da literatura sacralizante, apesar de autores como Machado de Assis e Lima 
Barreto haverem subvertido rituais discursivos baseados na exaltação e no ufanismo. 
A exemplo de Macunaíma, narrativa em prosa que superpõe mitos de origens diversas, Cobra 
Norato, de Raul Bopp, é igualmente o lugar das formas multifacetadas do imaginário oral e 
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popular brasileiro. Esse poema épico, de 1931, é constituído de 33 cantos breves e evoca mitos 
amazônicos. 
Na obra, o núcleo temático é o mito das cobras, o qual procede da Amazônia e parece ter intersecção 
com o mito da Teiniaguá, a enorme serpente que se escondia nos subterrâneos da igreja de São Miguel. 
Há, portanto, níveis de hibridação cultural no poema ao situar em um caminho do meio, subvertendo 
ao mesmo tempo a interpretação mítico-popular e a interpretação da Igreja Católica para a lenda da 
Cobra Grande.
A obra de Raul Bopp é considerada a melhor atualização de tudo o que o Modernismo, e 
mais especificamente o Manifesto Antropófago, de 1928, reivindicava: um Brasil sem clichês, a 
criação de uma arte brasileira, a estabilização de uma consciência criadora nacional. O próprio 
Bopp explicou a necessidade dessa descida antropofágica ao fundo da mata virgem para o 
reencontro de um Brasil autêntico, ainda não contaminado pela visão europeia e burguesa da 
realidade. 
Fica claro, no começo do poema, o desejo do poeta de penetrar nesse mundo desconhecido. Para 
tanto, terá de se enfiar na pele elástica da cobra: 
I
Um dia 
eu hei de morar nas terras do Sem-fim
Vou andando caminhando caminhando
Me misturo no ventre do mato mordendo raízes
Depois
faço puçanga de flor de tajá de lagoa
e mando chamar a Cobra Norato
[...]
Brinco então de amarrar uma fita no pescoço
e estrangulo a Cobra.
Agora sim
me enfio nessa pele de seda elástica 
e saio a correr mundo
Vou visitar a rainha Luzia
Quero me casar com sua filha
– Então você tem que apagar os olhos primeiro
O sono escorregou nas pálpebras pesadas (BOPP, 2009, p. 3). 
O poeta recusa-se a ter uma visão exógena, de turista, e entra na pele da cobra para decifrar o que 
está decifrado. Ao tomar tal atitude, despe-se de preconceitos e adere a outro modo (mágico-sacral) de 
interpretação do mundo. 
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Embora no poema mitos, lendas e crenças populares sejam evocados, basicamente dois deles 
estruturam o poema: os mitos da Cobra Grande (Boiuna) e da Cobra Norato. Os mitos aquáticos e com 
cobras remetem, em muitas mitologias, ao mal; porém, também à criação, às origens de uma civilização, 
portanto à renovação. 
Por ser um poema épico, embora com muito lirismo, há necessidade de:
• um herói: Cobra Norato;
• um objeto de busca: a filha da rainha Luzia;
• um opositor: a Cobra Grande;
• personagens que auxiliem o herói a realizar seu objetivo: o tatu-de-bunda-seca.
A viagem de Cobra Norato é para decifrar a floresta cifrada:
II
Começa agora a floresta cifrada (BOPP, 2009, p. 5) 
Essa viagem é para encontrar as raízes da cultura popular e é realizada no espaço (“Vou andando 
caminhando caminhando” – Canto I) e no tempo, sendo preciso retroceder ao âmago do pensamento 
mágico, pré-Cabral. Os constantes deslocamentos do herói simbolizam a concepção de construção da 
identidade do poeta. Sendo a identidade permanente processo, perfazendo-se no próprio percurso, não 
há nunca uma forma acabada de identidade nacional ou cultural. São inúmeros os exemplos desses 
incessantes deslocamentos na obra:
• “sigo depressa machucando areia”, Canto III;
• “deixa eu passar que eu vou longe”, Canto III;
• “Então vamos”, Canto XVI;
• “preciso passar depressa”, Canto XXX;
• “siga agora o seu caminho”, Canto XXXIII.
O herói tem ainda de passar por provas para alcançar seus objetivos. O primeiro deles já aparece 
no Canto I e é revelador, porque “apagar os olhos” pode simbolizar despojamento do mundo do 
poeta para conseguir realmente penetrar e entender a floresta cifrada. Despir-se do aparato de 
racionalidade que comanda o universo urbano, herança ocidental europeia, cultura dominante, 
entre outros que não permitiriam o sucesso em sua empreitada. O poeta precisa renunciar ao 
pensamento coerente, silogístico, geométrico, cartesiano, ou seja, da herança do Iluminismo, do 
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Literatura BrasiLeira: Poesia
século XVIII, chamado Século das Luzes, em que a racionalidade impera. Cobra Norato faz, ao 
contrário, elogio da obscuridade. Os momentos importantes da obra ocorrem em noites de luar: o 
herói penetra na pele de Cobra Norato em noite de luar, a Cobra Grande aparece quando começa 
a lua cheia, o luar amansa o mato, o gosto da lua e da rainha Luzia se confundem, a pororoca 
ronca em noite de luar. Enfim, o mito lunar percorre o poema do início ao fim, dando-lhe unidade. 
Como a lua é associada ao ciclo das águas, ela se torna um símbolo de vida e de fertilização, pois 
transmite às águas virtudes gerativas.
XI
Acordo
A lua nasceu com olheiras
O silêncio dói dentro do mato
Abriram-se as estrelas
As águas grandes se encolheram com sono
A noite cansada parou
Ai compadre!
Tenho vontade de ouvir uma música mole
que se estire por dentro do sangue;
música com gosto de lua
e do corpo da filha da rainha Luzia
que me faça ouvir de novo
a conversa dos rios
que trazem queixas do caminho
e vozes que vêm de longe
surradas de ai ai ai
Atravessei o Treme-treme
Passei na casa do Minhocão
Deixei minha sombra para o Bicho-do-Fundo
Só por causa da filha da rainha Luzia (BOPP, 2009, p. 17).
Raul Bopp evoca o mundo mítico e também tecnológico, buscando integração do rural e do 
urbano. Essa busca pode ser verificada em expressões como: “escola das árvores”, “ouvem-se 
apitos um bate-que-bate”, “riozinho vai pra escola / estáestudando geografia”, “uma árvore 
telegrafou para a outra”. Essas expressões não formam ideias binárias, como mundo arcaico/
progresso, floresta/cidade, mas constituem uma tentativa de síntese que vai ser proposta 
no Canto XXXIII, quando o poeta convoca, para o mundo sem hierarquia, seres mitológicos: 
Joaninha Vintém, Pajé-pato, Boi-Queixume, artistas e amigos urbanos: Xico, Augusto Meyer 
(poeta gaúcho), pintora Tarsila.
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XXXIII
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Haverá muita festa
Durante sete luas sete sóis
Traga a Joaninha Vintém o Pajé-pato Boi-Queixume
Não se esqueça dos Xicos Maria-Pitanga o João Ternura
O Augusto Meyer Tarsila Tatizinha
Quero povo de Belém de Porto Alegre de São Paulo
– Pois então até breve, compadre
Fico le esperando
Atrás das serras do Sem-fim (BOPP, 2009, p. 57).
O autor superpõe referenciais míticos, poéticos e mágicos (dos contos infantis), além dos falares 
brasileiros, como o erudito e o popular, misturando vocábulos africanos e indígenas. Enfim, pratica o 
ritual antropofágico da devoração cultural e, especialmente, o congraçamento heterogêneo da festa de 
casamento, da identidade nacional.
 Exemplo de Aplicação
I. O poema a seguir é do modernista Manuel Bandeira. Após a leitura, discuta no que consiste a 
identidade tanto nacional quanto literária no poema.
Pensão familiar
Jardim da pensãozinha burguesa. 
Gatos espapaçados ao sol. 
A tiririca sitia os canteiros chatos. 
O sol acaba de crestar os gosmilhos que murcharam. 
Os girassóis 
amarelo! 
resistem. 
E as dálias, rechonchudas, plebeias, dominicais. 
Um gatinho faz pipi. 
Com gestos de garçom de restaurant-Palace 
Encobre cuidadosamente a mijadinha. 
Sai vibrando com elegância a patinha direita: 
– É a única criatura fina na pensãozinha burguesa.
Fonte: Bandeira (1986, p. 70).
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II. A obra Cobra Norato (2009), de Raul Bopp, é considerada a melhor atualização de tudo o que 
o Modernismo representa, mais especificamente o Manifesto Antropófago. Afinal, quais os pontos de 
intersecção entre a obra de Bopp e o Manifesto, transcrito a seguir?
Manifesto Antropófago 
Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.
Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os 
coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz.
Tupi, or not tupi that is the question.
Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos.
Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago.
Estamos fatigados de todos os maridos católicos suspeitosos postos em drama. Freud 
acabou com o enigma mulher e com outros sustos da psicologia impressa.
O que atropelava a verdade era a roupa, o impermeável entre o mundo interior e o 
mundo exterior. A reação contra o homem vestido. O cinema americano informará.
Filhos do sol, mãe dos viventes. Encontrados e amados ferozmente, com toda a hipocrisia 
da saudade, pelos imigrados, pelos traficados e pelos touristes. No país da cobra grande.
Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de velhos vegetais. E nunca 
soubemos o que era urbano, suburbano, fronteiriço e continental. Preguiçosos no mapa-
múndi do Brasil.
Uma consciência participante, uma rítmica religiosa.
Contra todos os importadores de consciência enlatada. A existência palpável da vida. E 
a mentalidade pré-lógica para o Sr. Lévy-Bruhl estudar.
Queremos a Revolução Caraiba. Maior que a Revolução Francesa. A unificação de todas 
as revoltas eficazes na direção do homem. Sem nós a Europa não teria sequer a sua pobre 
declaração dos direitos do homem.
A idade de ouro anunciada pela América. A idade de ouro. E todas as girls.
Filiação. O contato com o Brasil Caraíba. Ori Villegaignon print terre. Montaigne. O 
homem natural. Rousseau. Da Revolução Francesa ao Romantismo, à Revolução Bolchevista, 
à Revolução Surrealista e ao bárbaro tecnizado de Keyserling. Caminhamos.
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Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo. Fizemos Cristo 
nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará.
Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós.
Contra o Padre Vieira. Autor do nosso primeiro empréstimo, para ganhar comissão. O 
rei-analfabeto dissera-lhe: ponha isso no papel mas sem muita lábia. Fez-se o empréstimo. 
Gravou-se o açúcar brasileiro. Vieira deixou o dinheiro em Portugal e nos trouxe a lábia.
O espírito recusa-se a conceber o espírito sem o corpo. O antropomorfismo. Necessidade da 
vacina antropofágica. Para o equilíbrio contra as religiões de meridiano. E as inquisições exteriores.
Só podemos atender ao mundo orecular.
Tínhamos a justiça codificação da vingança. A ciência codificação da Magia. Antropofagia. 
A transformação permanente do Tabu em totem.
Contra o mundo reversível e as ideias objetivadas. Cadaverizadas. O stop do pensamento 
que é dinâmico. O indivíduo vítima do sistema. Fonte das injustiças clássicas. Das injustiças 
românticas. E o esquecimento das conquistas interiores.
Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros.
O instinto Caraíba.
Morte e vida das hipóteses. Da equação eu parte do Cosmos ao axioma Cosmos parte do 
eu. Subsistência. Conhecimento. Antropofagia.
Contra as elites vegetais. Em comunicação com o solo.
Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de senador do Império. 
Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses.
Já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua surrealista. A idade de ouro.
Catiti Catiti
Imara Notiá
Notiá Imara
Ipeju
A magia e a vida. Tínhamos a relação e a distribuição dos bens físicos, dos bens morais, 
dos bens dignários. E sabíamos transpor o mistério e a morte com o auxílio de algumas 
formas gramaticais.
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Perguntei a um homem o que era o Direito. Ele me respondeu que era a garantia do 
exercício da possibilidade. Esse homem chamava-se Galli Mathias. Comia.
Só não há determinismo onde há mistério. Mas que temos nós com isso?
Contra as histórias do homem que começam no Cabo Finisterra. O mundo não datado. 
Não rubricado. Sem Napoleão. Sem César.
A fixação do progresso por meio de catálogos e aparelhos de televisão. Só a maquinaria. 
E os transfusores de sangue.
Contra as sublimações antagônicas. Trazidas nas caravelas.
Contra a verdade dos povos missionários, definida pela sagacidade de um antropófago, 
o Visconde de Cairu: – É mentira muitas vezes repetida.
Mas não foram cruzados que vieram. Foram fugitivos de uma civilização que estamos 
comendo, porque somos fortes e vingativos como o Jabuti.
Se Deus é a consciênda do Universo Incriado, Guaraci é a mãe dos viventes. Jaci é a mãe 
dos vegetais.
Não tivemos especulação. Mas tínhamos adivinhação. Tínhamos Política que é a ciência 
da distribuição. E um sistema social-planetário.
As migrações. A fuga dos estados tediosos. Contra as escleroses urbanas. Contra os 
Conservatórios e o tédio especulativo.
De William James e Voronoff. A transfiguração do Tabu em totem. Antropofagia.
O pater famílias e a criação da Moral da Cegonha: Ignorância real das coisas+ fala de 
imaginação + sentimento de autoridade ante a prole curiosa.
É preciso partir de um profundo ateísmo para se chegar à idéia de Deus. Mas a caraíba 
não precisava. Porque tinha Guaraci.
O objetivo criado reage com os Anjos da Queda. Depois Moisés divaga. Que temos nós 
com isso?
Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade.
Contra o índio de tocheiro. O índio filho de Maria, afilhado de Catarina de Médicis e 
genro de D. Antônio de Mariz.
A alegria é a prova dos nove.
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No matriarcado de Pindorama.
Contra a Memória fonte do costume. A experiência pessoal renovada.
Somos concretistas. As idéias tomam conta, reagem, queimam gente nas praças públicas. 
Suprimarnos as idéias e as outras paralisias. Pelos roteiros. Acreditar nos sinais, acreditar nos 
instrumentos e nas estrelas.
Contra Goethe, a mãe dos Gracos, e a Corte de D. João VI.
A alegria é a prova dos nove.
A luta entre o que se chamaria Incriado e a Criatura – ilustrada pela contradição permanente 
do homem e o seu Tabu. O amor cotidiano e o modus vivendi capitalista. Antropofagia. Absorção 
do inimigo sacro. Para transformá-lo em totem. A humana aventura. A terrena finalidade. Porém, 
só as puras elites conseguiram realizar a antropofagia carnal, que traz em si o mais alto sentido 
da vida e evita todos os males identificados por Freud, males catequistas. O que se dá não é uma 
sublimação do instinto sexual. É a escala termométrica do instinto antropofágico. De carnal, ele 
se torna eletivo e cria a amizade. Afetivo, o amor. Especulativo, a ciência. Desvia-se e transfere-se. 
Chegamos ao aviltamento. A baixa antropofagia aglomerada nos pecados de catecismo – a inveja, 
a usura, a calúnia, o assassinato. Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é contra ela 
que estamos agindo. Antropófagos.
Contra Anchieta cantando as onze mil virgens do céu, na terra de Iracema, – o patriarca 
João Ramalho fundador de São Paulo.
A nossa independência ainda não foi proclamada. Frape típica de D. João VI: – Meu filho, 
põe essa coroa na tua cabeça, antes que algum aventureiro o faça! Expulsamos a dinastia. É 
preciso expulsar o espírito bragantino, as ordenações e o rapé de Maria da Fonte.
Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud – a realidade sem complexos, 
sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama.
Fonte: Andrade (1928).
6 POESIA NOVECENTISTA E SUA RELAÇÃO COM O SAGRADO
Até o final do século XIX, a relação entre a literatura (a arte, de forma geral) e a religião baseava-se no 
modelo confrontativo, segundo De Mori et al. (2011), ou seja, acreditava-se que a arte era incompatível 
com o rigor e a clareza da doutrina. A partir daí, os textos estéticos passaram a ser vistos com base 
em valores heurísticos, cognitivos e mesmo espirituais, para reflexão e prática teológicas. Nesse novo 
modelo, o correlativo, a literatura não é julgada como literatura cristã, mas pela relevância que as obras 
podem ter para a reflexão sobre a religião de maneira geral, com base no lugar e na posição própria em 
que surgem.
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A literatura é considerada, finalmente, em si mesma e em sua multiplicidade de realização. É 
respeitada em sua especificidade e autonomia, sem cooptá-la ou instrumentalizá-la para fins religiosos 
ou teológicos. No entanto, ressalta-se que existe constante confrontação tensa dos textos literários com 
as tradições religiosas, bem como que esse confronto não pode ser incorrido em falsa estetização da 
religião nem em sacralização da arte.
Diante dessa relação, destacam-se alguns exemplos de autores brasileiros do século XX em cujas 
obras poéticas a religião é um tema relevante.
6.1 Augusto dos Anjos: um místico com Deus 
A imagem usual que os leitores brasileiros têm do poeta Augusto dos Anjos é de ele ser um poeta 
maldito, famoso pelo seu monismo materialista e pelo pessimismo. O materialista é aquele que vê na 
base material da existência, seja a natureza, o universo, a sociedade, a cultura, o corpo e tantos outros 
aspectos e realidades, a explicação para tudo (SANTOS, 2008). 
 Lembrete
Augusto dos Anjos é listado por muitos historiadores literários na 
fase pré-modernista. Outros críticos, no entanto, encaixam suas obras no 
Simbolismo. 
O materialista opõe-se ao idealista, cujo sentido, no vocabulário filosófico, não é a pessoa com 
ideais, pois um materialista também os tem, mas aquela que tem visão essencialista, religiosa ou não, 
do mundo.
A forma mais universal de idealismo é a religiosidade e, no caso do materialista, de acordo com o 
senso comum, é uma pessoa que não acredita em nada ou, especificamente, em Deus. Então, conviria 
melhor a palavra ateu: do grego a (sem) e theos (Deus). Quando o ateu reconhece a existência de 
realidades fora do nosso alcance, ele se diz agnóstico: do grego a (sem) e gnosis (conhecimento). Para o 
ateu agnóstico, respostas absolutas – por exemplo, à questão de quem criou o mundo – são inacessíveis 
ao conhecimento do homem, não devendo, portanto, ocupar seu tempo. Para o agnóstico, é indiferente 
se Deus existe ou não.
O ateu que não é agnóstico acredita na não existência de Deus e acaba na mesma situação do crente, 
porque provar a existência de Deus é análogo a provar a sua não existência. O agnóstico reconhece essas 
duas impossibilidades.
Materialista não é sinônimo nem de ateu, nem de agnóstico. Ser materialista é acreditar na 
materialidade de todas as coisas, mesmo as do espírito, e na possibilidade de explicar os fatos do mundo 
com ajuda de leis científicas, deixando de fora os fatos que não são deste mundo.
Augusto dos Anjos passou a ser identificado como materialista, em cujas obras poéticas assume postura 
existencial e emprega vocabulário rebuscado e científico, bem como tem alto pessimismo (BOSI, 1991).
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A visão amarga de mundo pode ser exemplificada pelo soneto Versos íntimos, o qual é enfaticamente 
anticristão:
Versos íntimos
Vês! Ninguém assistiu ao formidável 
Enterro de tua última quimera. 
Somente a Ingratidão – esta pantera – 
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera! 
O Homem, que, nesta terra miserável, 
Mora, entre feras, sente inevitável 
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro! 
O beijo, amigo, é a véspera do escarro, 
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga, 
Apedreja essa mão vil que te afaga, 
Escarra nessa boca que te beija! (ANJOS, 1994, p. 280).
Os tercetos, principalmente, opõem-se ao mandamento cristão “ama a teu próximo como a ti 
mesmo”. Augusto dos Anjos foi supostamente vítima da tuberculose, considerada por Margutti (apud DE 
MORI et al., 2011) uma explicação para esse fel moral encontrado no poema. Como diz Margutti (2011, 
p. 26): “Afinal, só um poeta tísico, condenado ao sofrimento e ao desconforto, teria algum motivo para 
expressar uma visão de mundo tão pessimista”.
A presença do divino manifesta-se sob a forma de um sentimento doloroso de privação espiritual 
diante da explicação meramente materialista do mundo. Essa manifestação dá-se de forma negativa.
Ao contextualizar o poema à época de sua produção, encontramos as origens da obra desse poeta 
nas encruzilhadas do pensamento filosóficobrasileiro do final do século XIX e do início do século XX, em 
que predominava o sanchismo tanto no Brasil quanto em Portugal.
A Península Ibérica assume uma postura filosófica medieval. Como elucida Unamuno (apud DE MORI 
et al., 2011, p. 27):
Sinto que trago em mim uma alma medieval e creio que é medieval a alma 
de minha pátria [Espanha]; que esta passou à força pelo Renascimento, a 
Reforma e a Revolução, aprendendo com elas, é verdade, mas sem deixar 
que lhe tocassem a alma, conservando a herança espiritual daqueles tempos 
que chamam de a Idade das Trevas.
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Literatura BrasiLeira: Poesia
Francisco Sanches (1552-1623), médico e filósofo, encarna a postura da alma medieval e, em sua 
obra Quo nihil scitur, de 1581, assume uma postura simultaneamente pessimista, cética e salvacionista, 
contrária à postura escolástica aristotélica de sua época. Tais características – pessimismo, ceticismo e 
salvacionismo – são precisamente da cultura medieval. 
Essa alma medieval lusitana esteve presente em nossa cultura desde os inícios da colonização. Na 
verdade, a inexistência de universidades no Brasil Colônia permitiu que o sanchismo se manifestasse 
entre nós de maneira explícita e fosse partilhado pela maioria.
No Brasil Colonial, o brasileiro viveu uma contradição entre os ideais morais europeus, defendidos 
pelos jesuítas, e as mazelas praticadas pelos colonos. Do ponto de vista filosófico, esse conflito gerou a 
consciência pessimista de caráter cético-estoico-salvacionista. 
O pessimismo, o estoicismo e o ceticismo estão ligados à constatação da finitude, da inutilidade e 
da transitoriedade das coisas. Essa constatação aponta em direção à renúncia aos prazeres e às vaidades 
deste mundo. O salvacionismo, por sua vez, envolve a solução do conflito mediante o recolhimento na 
interioridade, na contemplação mística, para redimir o homem ibero-tropical de seus pecados. Nessa 
perspectiva, as obras de Gregório de Matos Guerra, Antônio Vieira, Matias Aires, Nuno Marques, Souza 
Nunes e Cláudio Manoel expressam o sanchismo medieval no Brasil, cada um à sua maneira. Essa visão 
de mundo foi predominante até o século XIX.
No início da República, a postura sanchista é representada pela poesia de Augusto dos Anjos, 
pelo fato de ele unir preocupações filosóficas a seus poemas, constituindo uma resposta literária à 
encruzilhada filosófica em que se encontrava o pensamento brasileiro no fim do século XIX e início 
do século XX.
 Saiba mais
Augusto dos Anjos nasceu em 20 de abril de 1884, no Engenho Pau 
d’Arco, na Paraíba do Norte, formou-se em Direito pela Faculdade do Recife 
em 1907 e casou-se em 1910. No mesmo ano de seu casamento, mudou-se 
para o Rio de Janeiro e lá lecionou. Publicou quase toda a sua obra poética 
no livro Eu, em 1912. Morreu em 12 de novembro de 1914. Para conhecer 
mais sobre o poeta:
COUTINHO, A.; BRAYNER, S. Augusto dos Anjos: textos críticos. Brasília: 
MEC/INL, 1973.
A personalidade dividida do poeta entre o cientificismo e o espiritualismo parece ser a chave 
interpretativa mais adequada para a compreensão da sua poesia. Augusto dos Anjos a expressa no 
soneto Vítima do dualismo:
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Vítima do dualismo
Ser miserável dentre os miseráveis, 
Carrego em minhas células sombrias 
Antagonismos irreconciliáveis 
E as mais opostas idiossincrasias! 
Muito mais cedo do que o imagináveis 
Ei-vos, minha alma, enfim, dada às bravias 
Cóleras dos dualismos implacáveis 
E à gula negra das antinomias! 
Psiquê biforme, o Céu e o Inferno absorvo... 
Criação a um tempo escura e cor de rosa, 
Feita dos mais variáveis elementos, 
Ceva-se em minha alma, como um corvo, 
A simultaneidade ultramonstruosa 
De todos os contrastes famulentos! (ANJOS, 1994, p. 151).
O contraste mais sutil encontra-se na oposição entre minhas células sombrias, que aponta para o 
materialismo, no primeiro quarteto, e minha alma, no segundo quarteto, que aponta para o espiritualismo. 
As duas são reunidas sem conciliação na expressão psiquê biforme, no primeiro terceto. É verdade que 
no último terceto as oposições vorazes se alimentam da carne do poeta, parecendo dar ganho de causa 
ao materialismo, na leitura de Margutti (apud DE MORI et al., 2011). No entanto, o tom geral do soneto 
demonstra a perplexidade e a inquietação do autor diante dos dualismos que o perturbam.
Esse espírito aporético (cético) de Augusto dos Anjos aparece em outros textos do autor, tal como 
verificamos a seguir:
Ceticismo
Desci um dia ao tenebroso abismo, 
Onde a Dúvida ergueu altar profano; 
Cansado de lutar no mundo insano, 
Fraco que sou, volvi ao ceticismo. 
Da Igreja – a Grande Mãe – o exorcismo 
Terrível me feriu, e então sereno, 
De joelhos aos pés do Nazareno 
Baixo rezei, em fundo misticismo: 
– Oh! Deus, eu creio em ti, mas me perdoa! 
Se esta dúvida cruel qual me magoa 
Me torna ínfimo, desgraçado réu. 
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Literatura BrasiLeira: Poesia
Ah, entre o medo que o meu Ser aterra, 
Não sei se viva pra morrer na terra, 
Não sei se morra pra viver no Céu! (ANJOS, 1994, p. 371).
Nesse poema, a dúvida é algo profano que se encontra em um tenebroso abismo, sendo o cansaço 
e a fraqueza as causas do ceticismo a que a dúvida conduz. Em atitude mística, o eu poético reza aos 
pés de Cristo, pedindo perdão pela dúvida que não apenas magoa o poeta, mas também o diminui e o 
torna desgraçado. Fica em evidência um ser humano que, embora espiritualista, se acha atormentado 
pela dúvida.
Um importante soneto, nessa relação cultural literatura e religião, é Amor e crença, de 1901, que 
trata de Deus e da fé:
Amor e crença
Sabes que é Deus? Esse infinito e santo 
Ser que preside e rege os outros seres, 
Que os encantos e a força dos poderes 
Reúne tudo em si, num só encanto?
Esse mistério eterno e sacrossanto, 
Essa sublime adoração do crente, 
Esse manto de amor doce e clemente 
Que lava as dores e que enxuga o pranto?
Ah! Se queres saber a sua grandeza 
Estende o teu olhar à Natureza, 
Fita a cúp’la do Céu santa e infinita!
Deus é o Templo do Bem. Na altura Imensa, 
O amor é a hóstia que bendiz a Crença, 
Ama, pois, crê em Deus e... sê bendita! (ANJOS, 1994, p. 393).
Deus é visto como um ser infinito, tendo em si todas as perfeições. Surge como mistério eterno, 
objeto da sublime adoração do crente. Sua grandeza espelha-se na natureza por Ele criada, de que o céu 
estrelado constitui um exemplo. Ao homem resta crer em Deus para ser abençoado.
Esse soneto é profundamente cristão e, assim como os outros estudados aqui, levam Gilberto Freyre, 
como aponta Margutti (apud DE MORI et al., 2011, p. 51), a ver no poeta “uma fome mal reprimida de 
valores espirituais”. Para Freyre, Augusto dos Anjos é um místico que em seus versos substitui o latim 
mole da Igreja pelo latim duro da história natural.
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6.2 Jorge de Lima: terra sagrada, religião na poesia
Na concepção de Luciano Santos (apud DE MORI et al., 2011), ao poeta Jorge de Lima cabe, sem 
hesitação, a investidura de cristão como poucos escritores do século XX entre os nacionais e estrangeiros, 
a começar pela influência seminal sobre o poeta exercida pela religiosidade católica de suainfância, 
haurida junto à paisagem solar de sua terra natal e aos ritos e mitos de seu povo, mas sobretudo ao 
reencontro com a fé cristã em meio às bruscas transformações sociais e ideológicas do século XX.
Jorge de Lima nasceu em 1895, na cidade de União, em Alagoas, a poucos quilômetros do famoso 
quilombo dos Palmares, república dos negros fugidos, cujas histórias, narradas pelas tias velhas, atiçaram 
a imaginação do menino Jorge. A visita à Serra da Barriga, quando tinha 8 anos, proporciona a ele a 
primeira experiência poética de que tem consciência:
Sem qualquer exagero, posso dizer que naquele instante pela primeira vez 
me senti tocado pela poesia. Todo o imenso panorama que descortinei então 
– o rio Mundaú, que segundo a lenda nascera das lágrimas da Jurema, de um 
lado a Serra dos Macacos, do outro a planície do Jatobá, os campos verdes 
da Terra-lavada, o Fundão, a Tobiba, os banguês, a Great Western, as olarias, 
e lá longe a igreja da minha padroeira e o sobrado em que eu nascera, tudo 
aquilo entrou pelos meus olhos deslumbrados de menino e nunca mais saiu 
de dentro de mim (LIMA, 1958, p. 169-170).
Essa experiência ali, do alto da Serra da Barriga, leva o poeta à descoberta de seu lugar, a sua 
primeira morada no mundo e, doravante, qualquer outra experiência guardará alguma referência, 
ainda que indireta, a esse momento seminal. Não podemos desconsiderar que está presente no povo 
mestiço latino-americano, com base em suas heranças ameríndias, a experiência de arraigo comunitário 
na mãe-terra. A paisagem que invade os olhos não é do argonauta nem do astrônomo, mas a do 
caboclo provinciano, homem da terra. A estupefação do poeta pode ser contemplativa e cósmica, mas 
é principalmente afetiva e telúrica, constituindo ambas, terra e infância, um mesmo núcleo existencial 
em torno do qual gravita a memória.
A religiosidade presente na fase regional da poesia de Jorge de Lima é telúrica. Nas palavras de 
Luciano Santos (apud DE MORI et al., 2011, p. 67): 
Pertencer à terra natal é já partilhar as crenças, as rezas e os ritos do povo 
nativo e, desse modo, permanecer ligado à Fonte divina da qual a terra é 
dom e de cuja sabedoria esse povo é o guardião ancestral. 
Terra e povo formam um campo originário de sacralidade na poesia de Jorge de Lima que não aborda 
Deus a sós e de frente, confiando a Ele alegrias e inquietações, nem no interior da solidão meditativa. 
A espiritualidade na poesia é popular, comunitária, pois o poeta assume papel de humilde membro do 
povo de Deus:
Louvado seja N. S. Jesus Cristo 
E a mãe dele – Nossa Senhora, minha madrinha.
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Louvado seja o que é d’Ele e d’Ele vem: 
ritos, amitos, benditos, são beneditos!
Louvadas sejam suas palavras tão bonitas: 
Gloria Patri, Aleluia, Salve Rainha 
e também suas palavras misteriosas: 
per omnia secula, vita eterna, amen.
Louvado seja este louvado em nome d’Ele 
E mais louvado que este “louvado” – Jesus Cristo 
mais a mãe d’Ele – Nossa Senhora, minha madrinha.
Louvadas sejam as virtudes teologais 
e entre elas três seja louvada a Fé.
Louvados sejam os santos nacionais 
martirizados pelos caetés.
Louvadas sejam as coisas religiosas: 
santas missões e procissões, sermões.
Louvado seja o meu país cristão 
pelo tempo da Páscoa descoberto 
todo enfeitado como um céu aberto.
Louvado seja esse Jesus d’aqui. 
Jesus camarada, Cristo bonzão, 
a quem todo brasileiro ofende tanto 
contando sempre com o seu perdão (LIMA, 1958, p. 306-307).
Nos versos “Louvado seja o meu país cristão / pelo tempo da Páscoa descoberto / todo 
enfeitado como um céu aberto.”, verificamos a inserção de um eu poético em seu povo de 
origem. Ser cristão é dádiva de nascença e nascer no chão pátrio, em contrapartida, é uma 
bênção, como ressaltam os versos “Louvados sejam os santos nacionais / martirizados pelos 
caetés.”.
O poeta recorre ao imaginário provinciano nordestino como forma de resistência aos ideais 
republicanos que separaram definitivamente os campos eclesial e civil. 
O povo cristão, no poema, concerne ao povo-nação, sujeito coletivo de uma história, língua e estilo 
de vida, bem como ao povo pobre, excluído dos privilégios do poder e do saber. 
Nascido em berço cristão, o poeta fez parte das tradições religiosas de seu povo, que lidava com 
figuras arquetípicas, como santos, profetas, anjos, com narrativas, preces, palavras rituais, cantos, 
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conjuntos de gestos, pictóricos e arquitetônicos. Esse cabedal religioso abrange tanto elementos 
litúrgicos hegemônicos, alguns romanizados, quanto os de matriz popular.
Os quatro séculos de hegemonia cristão-católica imprimiram sua marca no imaginário popular 
nordestino, verificados nos versos:
Louvado seja o que é d’Ele e d’Ele vem: 
ritos, amitos, benditos, são beneditos!
Louvadas sejam suas palavras tão bonitas: 
Gloria Patri, Aleluia, Salve Rainha 
e também suas palavras misteriosas: 
per omnia secula, vita eterna, amen.
A esse gosto pelas coisas religiosas e seres espirituais encontrados nos poemas de Jorge de Lima 
associa-se uma exuberante familiaridade com as pessoas de Deus, de Nossa Senhora e dos santos, 
demonstrada nos versos:
Louvado seja N. S. Jesus Cristo 
E a mãe dele – Nossa Senhora, minha madrinha.
O poeta chega a dirigir-se a Deus em segunda pessoa e até em inaudito diminutivo, deixando para 
trás qualquer resquício de temor, tal como verificamos nos versos de outro poema:
Senhor,
Címbalos e cítaras não tenho não!
Mas vou fazer uma procissão para você, Senhor.
Pra seu Menino, vou fazer uma novena!
Ladainha pra sua Mamãe, Senhor!
Aceite, meu Deusinho!
É Abel, quem está lhe dando!
[...] (LIMA, 1958, p. 312).
Outro poema que emprega diminutivo é Santa Teresinha do Menino Jesus:
Santa Teresinha do Menino Jesus
Santa Teresinha.
Santa Teresinha que ris
Só para alegrar Nosso Senhor.
Ele te vê do Crucifixo que tu tens
E te vendo Teresa
Tão nova e bonitinha
Ele se lembra de quando
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Era também menino e andava nos braços
Das Nossas Senhoras
De todos os altares do Brasil!
– Menino Jesus das Vitórias,
Nuzinho,
Com a bola do mundo aos pés,
Sua bola de borracha, seu brinquedo mais querido (LIMA, 1958, p. 269)
Caro aluno, sugere-se que você faça uma pesquisa para confirmar se, de fato, Jorge de Lima foi o 
primeiro a empregar o diminutivo no nome de Santa Teresa.
Trata-se de um poeta de sensibilidade religiosa mestiça, sondando o imaginário popular 
cristão-afro-ameríndio, passeando pela mitologia do Nordeste caboclo e espraiando-se pelo 
campo afrodescendente. Sem paralelo na poesia brasileira de filiação modernista, Jorge de Lima 
faz menção a elementos míticos e rituais sincretizados com o cristianismo, bem como a elementos 
do candomblé de matriz africana.
 Observação
Poemas de Jorge de Lima que fazem referência ao imaginário religioso 
popular brasileiro: Olhado, O medo, Santa Dica e Diabo brasileiro, Benedito 
Calunga, Passarinho cantando, Exu comeu Tarubá, Obambá e batizado, Rei 
é Oxalá, rainha é Iemanjá, Janaína, Quando ele vem e Para donde que você 
me leva.
A religiosidade litúrgica fortalece o sentimento de arraigo propiciado pelo ritmo regular da natureza 
e da pacata rotina interiorana, como mostra o poema a seguir:
A voz da igrejinha 
 
E o sino da Igrejinha com vozfina de menina 
tem dlins-dlins 
para o batismo dos pimpolhos. 
 
Para os mortos: devagar – DLIM-DLIM... 
é como um choro de menino, compassado 
sem 
fim. 
 
Dlin-dlins para as manhãs loucas de luz, 
para as tardinhas que são como velhinhas 
passo tardo, xale preto, corcundinhas... 
 
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As andorinhas conhecem esses dlins-dlins 
e vêm 
ouvi-los no verão. 
As ave-marias vêm 
ouvi-los ao sol-pôr... 
E a estrela Vésper 
atrás da torre, 
e entre a neblina 
ouve quieta: dlim, dlim, dlim... 
 
E há dlins-dlins de esperança, 
de venturas de saudades e de fé... 
 
Todo o pulsar da vila: 
virgens que morrem, virgens que casam... 
Viático... 
Novenas... 
Comunhões... 
E nas missas domingueiras 
que alegria, que repiques argentinos 
aos namoros das mocinhas... 
Casamentos... 
Batizados... 
Agonias... 
Meu deus! Dlins-dlins para os que morrem... 
Dlim-dlim (LIMA, 1958, p. 255-256).
O ressoar do sino da matriz avisa todos os acontecimentos da cidade: do dia, da semana, eventos 
significativos, fazendo do templo uma espécie de ressonância da vida e do estilo dos antigos povoados 
medievais. Novamente, vemos profusão de diminutivos nos mais diversos afetos e aspirações humanos.
De acordo com Luciano Santos (apud DE MORI et al., 2011), o traço animista, de origem afro-
ameríndia, empresta vida a bichos e estrelas, bem como expressa a sintonia afetiva do poeta com a 
natureza.
Essa espiritualidade telúrica da poesia de Jorge de Lima também recebe inspiração franciscana, que 
prega fraternidade entre o ser humano e os seres naturais, saídos do mesmo criador.
A partir de 1932, a obra de Jorge de Lima migra cada vez mais para a cidade grande. O poeta se mudou 
para o Rio de Janeiro em 1930, onde permaneceu até sua morte em 1953. Ele, de repente, defrontou-
se com os grandes acontecimentos do século XX, vivendo sua maior experiência de desarraigo, cuja 
existência é deslocada do eixo província-natureza, com ciclos imutáveis, para o eixo complexo cidade-
indústria, regido por demandas de produção, acumulação e consumo. A diferença entre os eixos pode 
ser estabelecida no quadro a seguir:
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 Quadro 8
Província-natureza Cidade-indústria
Sujeito da história: povo (sua memória, seus 
valores e estilo de vida).
Sujeito da história: indivíduo autorreferente 
(que se constitui com base nele mesmo).
Vida social: ligação da comunidade única 
(comunhão dos diferentes).
Vida social: assimilação a uma massa uniforme 
(fragmentação dos iguais).
Referência do sujeito: tradição e sua sabedoria 
ancestral.
Referência do sujeito: projeto concebido pelo 
próprio sujeito.
Tarefa confiada às gerações: preservar o tesouro 
espiritual legado.
Tarefa confiada às gerações: garantir o 
indefinido progresso de técnicas e recursos.
Passa a atravessar nos poemas de Jorge de Lima um clima de ruptura:
• sentimento de vertigem ← e não mais de proteção;
• angústia ante o futuro ← e não mais de fruição do presente;
• existência dramática abandonada a si mesma ← e não mais o abrigo de uma vida simbólica, em 
sintonia com fontes perenes.
De forma paradoxal, porém, nesse deserto espiritual o poeta encontrou sua mais profunda fonte, 
verificado no poema Meu país, que é um texto de transição; pois, de um lado, se despede da terra natal, 
e, de outro, vislumbra outro lugar, refugiando-se a partir daí não em memórias doces do passado, mas 
na nostalgia resultante da incapacidade de se conciliar com o presente e acreditar no futuro. Um poema 
contundente, dessa fase de nostalgia, é O filho pródigo:
O filho pródigo
Nas engrenagens das fábricas
bolem como vermes – dedos decepados de operários.
Há vaivéns do correame das oficinas.
A cor e a alegria das moças empregadas
dissolvem-se na algazarra monótona dos teares.
O avião comeu a saudade das mães
que a distância separou dos filhos vagabundos.
Há máquinas que cegam os adolescentes
ansiosos de ver o progresso do mundo.
Um homem teve medo de enlouquecer
perseguido pela força e pelo orgulho
das máquinas assassinas.
Cadê a luz trêmula de vela
pra alumiar o meu poema antigo?
O lirismo perdeu a sua liturgia.
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As lâmpadas Osram velam funebremente a poesia.
Ah! que existe uma tristeza na terra
que nem lágrimas produz
de sua esterilidade tão seca.
Eu sou um corpo distraído.
Boiam os meus olhos pelas superfícies.
Mas os meus olhos correm mais perigo
do que se andassem em acrobacias contemplativas
pulando no céu alto, perto das estrelas.
Vovozinha, venho de longe,
ando há muitos séculos à pé.
Ensina-me de novo a ficar de joelhos,
que já é tarde e eu quero me deitar (LIMA, 1958, p. 331).
Esse poema é uma síntese do mundo moderno, com sua violência, falta de viço, monotonia, 
desarraigo e deslumbrada cegueira. Essa falta de hospitalidade pode secar as fontes da poesia. 
Alijado das fontes, o poeta capitula ao desencanto e erra pelo deserto urbano como um corpo-
coisa no tempo-espaço indiferente. Nesse contexto, a quem recorrer e para onde fugir? Ele toma 
o caminho de volta e pede para ficar de joelhos. A reza, por sua vez, torna-se apenas um rito de 
regresso à infância.
Poucos anos depois, em prolongada crise existencial, Jorge de Lima reconverte-se à fé católica. 
Na verdade, ele não abandonara o campo religioso, mas a transformação ocorreu, tornando a fé mais 
profunda e com caráter definitivo. O poeta despregou-se de um de um cristianismo regional (ou uma 
sensibilidade religiosa herdada com a língua, os costumes, a paisagem etc.) para encontrar de fato a fé 
ou a concepção cristã católica em sentido próprio.
Por haver atravessado o deserto da modernidade, quando os poderosos laços afetivos à terra natal 
e ao passado foram rompidos, o poeta adquiriu a necessária disponibilidade espiritual para encontrar a 
transcendência do mistério cristão. 
Fez parceria com o poeta Murilo Mendes e publicou, em 1935, Tempo e eternidade, sob o inusitado 
lema Restauremos a poesia em Cristo, causando estranheza no meio literário da época, que vivia em 
plena estética modernista. Nessa obra, em síntese, a poesia assume a linguagem da fé, e a fé, por sua 
vez, é a suprema inspiração da poesia.
Na síntese de Luciano Santos, a poesia de Jorge de Lima passa de uma teologia da criação a uma 
teologia da redenção, que revela o estado decaído desse mundo e a urgência de sua regeneração por 
intervenção divina. 
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As características cristãs – reconvertidas – são acentuadas na publicação do livro posterior A túnica 
inconsútil, em que Jorge de Lima cria o poema mais exponencial da obra, monumento em que há a 
fusão da estética com a efusão mística, Poema do cristão, considerado uma teopoética:
Poema do cristão
Porque o sangue de Cristo 
jorrou sobre os meus olhos,
a minha visão é universal
e tem dimensões que ninguém sabe.
Os milênios passados e os futuros
não me aturdem porque nasço e nascerei,
porque sou uno com todas as criaturas,
com todos os seres, com todas as coisas,
que eu decomponho e absorvo com os sentidos,
e compreendo com a inteligência
transfigurada em Cristo.
Tenho os movimentos alargados.
Sou ubíquo:estou em Deus e na matéria;
sou velhíssimo e apenas nasci ontem,
estou molhado dos limos primitivos,
e ao mesmo tempo ressoo as trombetas finais,
compreendo todas as línguas, todos os gestos, todos os signos,
tenho glóbulos de sangue das raças mais opostas.
Posso enxugar com um simples aceno
o choro de todos os irmãos distantes.
Posso estender sobre todas as cabeças um céu unânime e estrelado.
Chamo todos os mendigos para comer comigo,
e ando sobre as águas como os profetas bíblicos.
Não há escuridão mais para mim.
Opero transfusões de luz nos seres opacos,
posso mutilar-me e reproduzir meus membros como as estrelas-do-mar,
porque creio na ressurreição da carne e creio em Cristo,
e creio na vida eterna, amém.
E, tendo a vida eterna, posso transgredir leis naturais:
a minha passagem é esperada nas estradas,
venho e irei como uma profecia,
sou espontâneo com a intuição e a Fé.
Sou rápido como a resposta do Mestre,
sou inconsútil como a sua túnica,
sou numeroso como a sua Igreja,
tenho os braços abertos como a sua Cruz despedaçada e refeita,
todas as horas, em todas as direções, nos quatro pontos cardeais,
e sobre os ombros A conduzo
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através de toda a escuridão do mundo, porque tenho a luz eterna nos olhos.
E tendo a luz eterna nos olhos, sou o maior mágico:
ressuscito na boca dos tigres, sou palhaço, sou alfa e ômega, peixe, cordeiro, comedor de 
gafanhotos, sou ridículo, sou tentado e perdoado, sou derrubado no chão e glorificado, tenho 
mantos de púrpura, e de estamenha, sou burríssimo como São Cristóvão, e sapientíssimo 
como Santo Tomás. E sou louco, louco, inteiramente louco, para sempre, para todos os 
séculos, louco de Deus, amém!
E, sendo a loucura de Deus, sou a razão das coisas, a ordem e a medida;
sou a balança, a criação, a obediência;
sou o arrependimento, sou a humildade;
sou o autor da paixão e morte de Jesus;
sou a culpa de tudo.
Nada sou.
Miserere mei, Deus, secundum magnam misericordiam tuam!
Fonte: Lima (1958, p. 425).
Esse poema (e a obra no geral) foi admirado por filósofos franceses da linha cristã, meditado por 
monges beneditinos e frades dominicanos do Brasil e da Europa, traduzido e publicado em revistas 
literárias europeias.
No texto, a lógica da contradição, em que ocorre a exclusão dos opostos: isto ou aquilo dá espaço à 
lógica dos contrastes, em que as diferenças se compõem: isto e aquilo. No que diz respeito ao mistério 
cristão, a criação é inteira, em que a unidade absoluta de Deus encontra a criatura humana em sua 
indômita multiplicidade.
O poeta não nega o que passou, nem foge; passa a ser contemporâneo do tempo. Por isso, “nasce e 
nascerá” a cada dia. Não há ser, acontecimento, raça, língua, gesto ou signo que não esteja prenhe de epifania, 
pois tudo é graça e cristão-poeta é oficiante desse conúbio de eternidade e tempo. Em contrapartida, não há 
dimensão do humano que de algum modo não pertença, por direito, ao cristão-poeta.
O poeta identifica-se com diferentes tipos, em especial à figura do louco, que, desde os tempos 
iniciais da tradição cristã, se desenvolveu: “loucos de Cristo”. Não se fia no próprio juízo nem obedece à 
própria vontade, sendo insubmisso à lógica, excluído pelos sábios do mundo. Essa loucura do cristão não 
constitui uma desmedida, mas a própria medida do Logos divino, pela qual tudo o mais deve medir-se.
6.3 Adélia Prado: poesia materno-teologal
Como forma de apresentação da poeta, recorro à notória Eliana Yunes (2004, p. 24):
Adélia Luzia Prado de Freitas nasceu para a literatura quando Carlos 
Drummond de Andrade anunciou, em sua crônica de jornal, que o Brasil tinha 
uma grande poeta-mulher, prestes a sair do prelo, em 9 outubro de 1975. A 
moça católica, mãe de filhos que faz pão e reza todo dia, continuava sua lide 
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Literatura BrasiLeira: Poesia
de casa, sem perder a poesia, sem sair das Minas Gerais, mais precisamente 
de Divinópolis, nome profético para berço de uma poeta a quem seu arauto, 
ao fazer o anúncio, chamou de “bíblica”: sei que Deus mora em mim, mas 
esta letra é minha.
Bagagem, publicado em 1976, é o primeiro livro de Adélia Prado, considerado original por despontar 
em um contexto político da ditadura, mas comprometido mais com a lírica doméstico-religiosa do 
que com o lado político-ideológico. Além disso, a obra não se filia aos ideais feministas nem segue o 
experimentalismo formal, em voga entre os poetas.
Nos poemas de Adélia Prado, perpassam a fé e a crença, as quais atravessam igualmente as correntes 
mais puramente humanas da vida cotidiana, descobrindo, ali, o transcendente. Para ela, sua poesia é 
derivada e nascida da mesma fonte de todo Poema que é a Palavra de Deus (BINGEMER apud DE MORI 
et al., 2011).
Antes do nome
Não me importa a palavra, esta corriqueira.
Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe,
os sítios escuros onde nasce o “de”, o “aliás”, o “o”, o “porém” e o “que”, esta 
incompreensível
muleta que me apoia.
Quem entender a linguagem entende Deus
cujo Filho é o Verbo. Morre quem entender.
A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda,
foi inventada para ser calada.
Em momentos de graça, infrequentíssimos, 
se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão.
Puro susto e terror (PRADO, 1999, p. 22).
No poema, a inspiração é assumidamente divina. Como o próprio texto diz, antes do nome está o 
nome que a tudo nomeia e por nada e ninguém pode ser nomeado. Nome apresenta-se impronunciável 
pelos humanos, mas que de forma misericordiosa faz-se acessível à carne perecível e mortal, destinada 
à morte e transpassada de finitude.
Ao longo da história da humanidade, profetas e poetas têm expressado essa dignidade da condição 
humana de ser confidente privilegiada do misterioso e “esplêndido caos de onde emerge a sintaxe, os 
sítios escuros”, onde nascem as preposições, os advérbios, os nomes próprios e comuns.
A revelação chega ao ser humano como graça que surpreende e convoca a liberdade. É graça divina 
não apenas pelo fato de Deus fazer essa proposta ao ser humano, mas também pelo fato de que o 
homem, limitado e finito, poder ouvi-la, acolhê-la e a ela responder na fé, carente de evidências e 
comprovações empíricas. A poesia de Adélia Prado parece ser uma dessas respostas à proposta divina.
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Assim, o ser humano, além de ser um ouvinte da palavra, é um ser criador e emissor de palavra, um 
ser de linguagem. A linguagem da fé tem o potencial de criar e transformar a realidade. 
A palavra pronunciada, antes que tudo fosse nomeado, será a transcrição teografada dessa palavra 
que era no princípio, quando só existia “o caos esplêndido”. Palavra que um dia se fez carne, o verbo 
encarnado.
 Observação
A palavra teografia é do professor padre Ulpiano Vázquez, que a 
emprega para significar a escrita de Deus nos corações humanos, inspirado 
em 2 Coríntios 3.3 (BINGEMER apud DE MORI et al., 2011, p. 242).
O cristianismo não menospreza o corpo; ao contrário, inclui-o em sua reflexão e o situa 
proeminentemente ao falar sobre o mistério do divino. A transcendência no cristianismo é a experiência 
de um Deus encarnado. Portanto, é uma experiência que passa pela corporeidade. O leitor verifica esse 
dado central do cristianismo no poema a seguir:
O aprendiz de ermitão
É muito difícil jejuar
Com a boca decifro o mundo, proferindo palavras,
Beijando os lábiosde Jonathan que chama Primora,
Nome de amor inventado.
Flauta com a boca se toca,
Do sopro de Deus a alma nasce,
Dor tão bonita que eu peço:
Dói mais, um pouquinho só.
Não me peça de volta o que me destes, Deus.
Meu corpo de novo é inocente.
Como a pastos sem cerca amo Jonathan,
Mesmo que me esqueça.
Ó mundo bonito!
Eu quero conhecer quem fez o mundo
Tão concertadamente descuidoso.
Os papagaios falam, Jonathan respira
E tira do seu alento este som: Primora.
“Tomai e comei.”
Vosso Reino é comida?
Eu sei? Não sei.
Mas tudo é corpo, até Vós,
Mensurável matéria. 
O espírito busca palavras, quem não enxerga ouve sons,
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Literatura BrasiLeira: Poesia
Quem é surdo vê luzes,
O peito dispara a pique de arrebentar.
Salva mistérios! Salve mundo!
Corpo de Deus, boca minha, 
Espanto de escrever, arriscando minha vida:
Eu te amo, Jonathan,
Acreditando que você é Deus e
Me salvará a palavra dita por sua boca.
Me saúda assim como à Aurora Consurgens:
Vem, Primora.
Falas como um homem,
Mas o que escuto é o estrondo
Que vem do setentrião.
Me dá coragem, Deus, para eu nascer (PRADO, 1999, p. 422).
Tudo que faz parte do humano não causa estranheza ao divino, segundo o cristianismo. Assim, toda 
tentativa de minimizar a corporeidade e a carne e delas escapar é tentação que descaracteriza a fé 
cristã. Na explicação de Bingemer (apud DE MORI et al., 2011, p. 244):
A partir desta convicção central cristã de que o corpo humano é condição 
de possibilidade da encarnação e, sobretudo, da experiência do divino, a 
poesia de Adélia Prado adquire, aos olhos da teologia, uma luminosidade 
toda especial. Acreditamos mesmo que aí se encontra o eixo central que 
rege toda a sua obra, seja em poesia ou em prosa.
Em sua obra, a poeta não cessa de redimir e louvar o corpo humano, em busca incessante da 
comunhão com Deus. Adélia Prado faz o leitor recordar que o cristianismo por excelência é a religião da 
economia dos corpos: no batismo, o corpo é lavado no Sangue de Cristo; na eucaristia, o corpo nutre-se 
do Corpo de Deus; no matrimônio, os corpos fundem-se em uma só carne. Enfim, a identidade humana 
é de ser espírito encarnado.
 Saiba mais
Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, a poeta Adélia 
Prado esclarece sobre a personagem Jonathan, constante em sua poesia.
Para saber mais sobre o início da fama da poeta, sua relação com a 
religião cristã e processo de criação, veja a entrevista no site:
<http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/716/entrevistados/adelia_
prado_1994.htm>.
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Ao encontrar seu corpo humano e mortal, encontra o corpo do Senhor encarnado, vivo, morto e 
ressuscitado e dado eucaristicamente em alimento ao povo.
O sacrifício
Não tem mar, nem transtorno político, 
nem desgraça ecológica 
que me afaste de Jonathan. 
Vinte invernos não bastaram 
Para esmaecer sua imagem. 
Manhã, noite, meio-dia, 
como um diamante, 
meu amor se perfaz, indestrutível. 
Eu suspiro por ele. 
Casar, ter filhos, 
foi tudo só um disfarce, recreio, 
um modo humano de me dar repouso. 
Dias há em que meu desejo é vingar-me, 
proferir impropérios: maldito, maldito. 
Mas é a mim que maldigo, 
pois vive dentro de mim 
e talvez seja Deus fazendo pantomimas. 
Quero ver Jonathan 
e com o mesmo forte desejo 
quero adorar, prostrar-me, 
canta com alta voz Panis Angelicus. 
Desde a juventude canto. 
Desde a juventude desejo e desejo 
a presença que para sempre me cale. 
As outras meninas bailavam, 
eu estacava querendo 
e só de querer vivi. 
Licor de romãs, 
Sangue invisível pulsando na presença Santíssima. 
Eu canto muito alto: 
Jonathan é Jesus (PRADO, 1999, p. 359-360).
Esse poema faz parte do livro O pelicano, publicado em 1987, que é todo permeado pela presença 
de Jonathan, como figura amorosa e apaixonada, constituindo a corporeidade feita poesia. No 
poema, Jesus é transliterado em Jonathan e é o verdadeiro amor do qual os outros amores são 
pálidos reflexos.
Enfim, para Adélia Prado, Deus e poesia confundem-se, e falar de um é falar de outra e vice-versa.
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Literatura BrasiLeira: Poesia
Exemplos de Aplicação
I. A. Poema de Jorge de Lima, publicado em 1927:
Nordeste
Nordeste, terra de São Sol!
Irmã enchente, vamos dar graças a Nosso Senhor,
que a minha madrasta Seca torrou seus anjinhos
para os comer. 
São Tomé passou por aqui?
Passou, sim senhor!
Pajeú! Pajeú!
Vamos lavar Pedra Bonita, meus irmãos,
com o sangue de mil meninos, amém!
D. Sebastião ressuscitou!
S. Tomé passou por aqui?
Passou, sim senhor.
Terra de Deus! Terra de minha bisavó
que dançou uma valsa com D. Pedro II.
São Tomé passou por aqui?
Tranca a porta, gente, Cabeleira aí vem!
Sertão! Pedra Bonita!
Tragam uma virgem para D. Lampião! (LIMA, 1958, p. 326).
Sertão do Pajeú localiza-se em Pernambuco.
Cabeleira é o apelido de José de Gomes, um dos primeiros cangaceiros de Pernambuco.
B. Início do último capítulo de Vidas secas, obra de Graciliano Ramos publicada em 1938:
“A vida na fazenda se tornara difícil. Sinha Vitória benzia-se tremendo, manejava o rosário, mexia 
os beiços rezando rezas desesperadas. Encolhido no banco do copiar, Fabiano espiava a catinga amarela, 
onde as folhas secas se pulverizavam, trituradas pelos redemoinhos, e os garranchos se torciam, negros, 
torrados. No céu azul as últimas arribações tinham desaparecido. Pouco a pouco os bichos se finavam, 
devorados pelo carrapato. E Fabiano resistia, pedindo a Deus um milagre.” 
Copiar é varanda. 
Garrancho é ramo tortuoso de árvore. 
Arribação é tipo de ave.
C. Anúncio produzido pela agência de publicidade Integra Comunicações, Fortaleza/Ceará e premiado 
em concurso no ano de 2000 em Nova York. 
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Figura 5
A seguir, a transcrição do que consta do anúncio, na parte inferior, à direita: 
Hoje é dia de São José. Reze com a gente. Ó glorioso São José, a quem foi dado o poder de tornar 
possíveis as coisas humanamente impossíveis, vinde em nosso auxílio nas dificuldades em que nos 
achamos. Tomai sob a vossa poderosa proteção as causas que vos confiamos, para que tenham uma 
solução favorável (faz-se o pedido). Ó pai amantíssimo, em vós depositamos toda nossa confiança. 
Que ninguém possa jamais dizer que vos invocamos em vão. Já que tudo podeis junto a Jesus e Maria 
mostrai-nos que vossa bondade é igual ao vosso poder. São José, a quem Deus confiou o cuidado com a 
mais santa família que jamais houve, sede o pai e protetor das nossas e impetrai-nos a graça de vivermos 
e morrermos no amor de Jesus e Maria. São José do Perpétuo Socorro rogai por nós que recorremos a 
vós. Amém. Obrigado, São José, por estar atendendo tão bem às nossas preces, mandando a chuva que 
o Ceará tanto precisa (BANDINI, 2010, p. 171).
a) Nos três textos, avulta o drama social e geográfico da região nordestina brasileira. Indique o maior 
problema da região.
b) A religiosidade está presente nos três textos. Especifique como o aspecto religioso é tratado em 
cada texto, discutindo a relação entre religiosidade e o problema da questão anterior.
II. Entre os críticos, acredita-se que o diminutivo dado ao nome de Santa Teresa foi pelo poeta 
Jorge de Lima. Esse diminutivo foi intertextualizado

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