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ALFABETIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM TEMA EM DISCUSSÃO Darlize Teixeira de Mello Universidade Luterana do Brasil/RS Resumo: Este trabalho tem por objetivo principal trazer para o debate a análise de práticas pedagógicas alfabetizadoras vigentes nas escolas de educação infantil, de alguns municípios do Estado do Rio Grande do Sul, a partir de narrativas presentes nos relatórios das alunas estagiárias do Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental da minha Universidade, disciplina de Prática de Ensino na Educação Infantil. Assim sendo, o referido trabalho tem a intenção de possibilitar elementos que possam auxiliar na compreensão da importância desse nível de ensino (educação infantil) no sentido de alicerçar o debate sobre a existência de uma infância que se constitui nesta cotidianidade de escola-vida. Palavras-chave: alfabetização, letramento, formação docente, Educação Infantil. A trajetória que venho construindo (professora/pesquisadora) passa por um encontro comprometido com o trabalho de formação de professores. O cotidiano acadêmico tem se mostrado, então, como um espaço peculiar, uma vez que o objeto de conhecimento/saber se constrói a cada momento e se revela em pequenos detalhes: nas ações, nos dizeres, na produção escrita e expressões (faciais, corporais, tom de voz, etc.) de cada um dos participantes da relação pedagógica. Deste modo, o presente trabalho, pretende analisar as práticas pedagógicas alfabetizadoras realizadas na Educação Infantil, através das narrativas que constituem os relatórios de práticas de ensino, produzidos por alunas do 7o semestre, da disciplina de Prática de Ensino na Educação Infantil, do Curso de Pedagogia – Magistério da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental da minha Universidade. Objetivos e questões norteadoras 2 O objetivo deste trabalho é de através das narrativas produzidas nos relatórios de prática de ensino na Educação Infantil, analisar as práticas pedagógicas vigentes, considerando a narrativa produzida como um processo de incorporação/apropriação de vozes e significações pelas alunas estagiárias. O estudo realizado procurou investigar as narrativas produzidas pelas alunas estagiárias, a partir de algumas questões norteadoras que podem ser assim sumariadas: 1) Quais as práticas pedagógicas alfabetizadoras vigentes na Educação Infantil, em diferentes municípios do Estado do Rio Grande do Sul? 2) Quais os fatores que favorecem a predominância de algumas práticas e não de outras nas narrativas produzidas? A partir de tais questões, o referido estudo teve a intenção de trazer elementos para a compreensão da importância desse nível de ensino (educação infantil) no sentido de alicerçar o debate sobre a existência de uma infância que se constitui nesta cotidianamente de escola-vida. Contextualização: o universo da pesquisa Focalizar a dinâmica discursiva, através das narrativas, significa considerar a linguagem não apenas como expressão e comunicação, mas como trabalho simbólico que envolve, simultaneamente, processo de construção de conhecimento, constituição de sujeitos e produção de sentidos.Tal foco permite observar que, quando se produz um texto, não se está simplesmente “escrevendo parágrafos”, está se mergulhando em um universo de significação, constituído coletivamente e subjetivamente, a partir da história de cada um. Ao considerar esse aspecto, a prática da pesquisa e a prática docente estiveram articuladas para a realização deste estudo. Isto é, durante a sua realização houve uma atuação minha enquanto professora dessa disciplina 3 (Prática de Ensino na Educação Infantil) e enquanto pesquisadora, pois esse trabalho faz parte de um projeto de pesquisa. Ressalto para justificar essa ação (professor/pesquisador) trabalhos de pesquisa de Smolka (1991, 1993); e de Fontana (1993) que têm considerado esta perspectiva, à medida que o professor, no percurso de um caminho compartilhado, pode definir-se como um itinerante que se interroga, analisando a expressão de muitas vozes e a memória de muitos lugares marcados pelo intervalo entre seu mundo e de seus alunos. A importância de tais pesquisas para o estudo em questão é que estas pressupõem a escrita como um processo em construção, determinado pelas inter-relações que se dão no contexto concreto de seus participantes. E têm nas interações sociais a constituição do processo de elaboração da escrita, levando em conta as multideterminações desse processo, onde os fatores cognitivos se interpenetram e se relacionam com o meio em que se inserem pelas narrativas do conhecimento. Sendo assim, o objetivo deste trabalho consiste em analisar os relatórios da Prática de Ensino na Educação Infantil, enquanto processo de constituição de práticas docentes. Tal pesquisa contribui para formação docente, à medida que analisa essas narrativas, a partir das inter-relações desenvolvidas na dinâmica discursiva de sala de aula. Trabalho de campo O trabalho de campo foi realizado no ano de 2003, em razão de ser um projeto-piloto iniciado no Curso de Pedagogia da minha Universidade, conforme já citado. Nesse período foram realizadas reuniões de orientação, individuais e coletivas, para a elaboração dos relatórios da Prática docente. Paralelo ao processo de planejamento, revisão teórica e docência, foi elaborado pelas alunas estagiárias um relatório da prática de ensino.Este 4 relatório expressa todas vivências que as alunas estagiárias tiveram durante a prática de ensino.Constitui-se na soma de ações, reflexões e ações, considerando a realidade encontrada, os estudos teóricos realizados ao longo do Curso de Pedagogia e a experiência da aluna estagiária na docência com as crianças dessa faixa etária, uma vez que temos alunas estagiárias que já atuam nas redes de ensino municipais e estadual do Rio Grande do Sul, enquanto professoras, pois têm o curso de magistério, em nível de ensino médio. As estratégias pedagógicas desenvolvidas, nas reuniões de orientação para o desencadeamento de uma dinâmica discursiva que possibilitasse a produção de narrativas nos relatórios, foram elaboradas incluindo a leitura. Isto se justifica, uma vez que o contato sistemático com professores de literatura e minhas leituras sobre produção escrita, tais como Guedes (2002) e Geraldi (2001) consolidam a idéia do quanto é em situações significativas, oportunizadas em sala de aula, que o aluno vai criando, através da leitura, apoio para desenvolver o ato de escrever e, no caso das alunas estagiárias, apoio para argumentar sobre o que escreveram. Por isso, não renunciei da leitura como fruição, como obra autônoma e de ruptura, que possibilitasse a arte de dissertar e a força de argumentar, conforme já apontado. Durante este período consegui acumular um conjunto de informações, junto aos 26 relatórios de prática de ensino analisados, a partir de sua composição: caracterização da realidade, caracterização da turma onde é realizada a prática docente (incluindo o relato de observação das aulas da professora titular) a prática docente propriamente dita (projeto de trabalho, planos diários e reflexões diárias) e artigo de pesquisa (elaborado a partir das situações vivenciadas no trabalho docente). Além da análise deste material, também, obtive contato com as professoras titulares (professoras regentes das classes onde as alunas estagiárias desenvolvem a prática de ensino) durante as visitas de supervisão realizadas a estas alunasestagiárias nas escolas. Essas visitas, muitas vezes, incluíam novas impressões e olhares configurando uma visão geral bastante sugestiva do que pensavam e sentiam as professoras titulares acerca dos 5 Projetos de Trabalho, organização de ensino desenvolvida pelas alunas estagiárias na Educação Infantil. Saliento, ainda, que ao atribuir à linguagem um papel central, na análise dessas informações, trato a narrativa (discurso) não como um conjunto de signos, mas como práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam (Foucault, 2000). Sendo assim, compreendo que não há nada que faça sentido fora do discurso e da linguagem. Entendo, também, que ao nomear, ao descrever, ao caracterizar fatos, fenômenos e sujeitos, a linguagem institui significados, constituindo a realidade de uma determinada forma. De acordo com Veiga-Neto (1996), isso que chamamos de realidade não é um dado externo a ser acessado pela razão, mas é, sim,o resultado de uma construção interessada. As narrativas que procurei analisar, então, descrevem práticas educativas que me atravessam, me constituem enquanto professora e pesquisadora. Assim sendo, não posso negar que sou também, em alguma medida capturada por seus efeitos. Traçarei, a seguir, alguns tópicos de análise das narrativas selecionadas. Definição de categorias de análise para fins de discussão Na tentativa de explicitar os diferentes aspectos em torno dos quais se pode refletir sobre a presença de diferentes tempos, espaços e práticas pedagógicas no material de análise, situarei as narrativas em aspectos diferenciados. Para melhor compreensão do leitor, a reflexão sobre as práticas pedagógicas alfabetizadoras vigentes na educação infantil foram organizadas em três categorias de análise: 1. Prática docente - professoras titulares; 2. Prática docente - Professoras titulares/alunas estagiárias e 3. Prática docente - alunas estagiárias. 6 Cabe, ainda, ressaltar que para este trabalho selecionei a análise de narrativas onde a prática docente das professoras titulares e das alunas estagiárias foram explicitadas, principalmente salientando as situações de letramento, uma vez que nessa mesa de trabalho busca–se discutir “Múltiplas narrativas sobre a alfabetização”. Tomando, então, como ponto de partida as narrativas que focam as situações de letramento, dessas práticas pedagógicas apresentarei a seguir análise realizada. As primeiras experiências das crianças com a linguagem escrita: algumas práticas e narrativas. A partir de dados de pesquisa apontados pela UNESCO (2003) são grandes as dificuldades referentes a informações sobre a qualidade dos serviços destinados a educação infantil. Tal fato, pode estar relacionado à maneira descaracterizada de como a educação infantil se construiu ao longo dos anos. Fazendo um breve histórico sobre as creches e pré-escolas podemos, a partir dos estudos de Bujes (2001), vislumbrar como essas instituições foram sendo criadas. As mudanças econômicas, políticas e sociais que ocorreram na sociedade pela incorporação das mulheres à força de trabalho assalariado, constituíram na organização das famílias um novo papel. Geraram idéias novas sobre a infância, e de como torná-la, através da educação um indivíduo produtivo e ajustado às exigências dessa conjuntura social. Bem, mas como é que, a partir dessa constituição da Educação Infantil, espaço/lugar de produção de subjetividades é possível analisar as primeiras experiências das crianças com a linguagem escrita? Em primeiro lugar, marcando a escola de Educação Infantil no contexto atual. As mudanças sociais continuam provocando uma mudança nas escolas de educação infantil. Estas deixaram de atender à clientela que a elas se dirigiam. 7 Principalmente, nas escolas públicas situadas em periferias, tal clientela mudou, ampliando, assim, significativamente o número de escolas. Essas escolas têm muita dificuldade em lidar com essa clientela crescente que aí está, pois a cultura vivida por tal clientela na comunidade, na cidade, na rua, nas praças, nos pontos de encontros, nos meios de comunicação, na família e a cultura formal que a escola representa ainda estão muito distanciadas, encontrando-se nas salas de aula poucos tradutores, intérpretes, interlocutores, conforme será evidenciado nas narrativas selecionadas para análise. Em segundo lugar, salientando que sempre que me referida à escola de Educação Infantil, estarei me referindo as escolas públicas, pois as práticas das narrativas selecionadas como corpus compõe em sua totalidade redes municipais de ensino e a rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul, e em especial os níveis A e B da pré-escola, uma vez que as alunas estagiárias optam, em sua maioria, por esses níveis de ensino para suas práticas docentes. Analisando os relatórios saliento, então, uma das narrativas que evidencia, apesar de todo discurso vigente sobre o brincar na educação infantil, como por exemplo o trabalho de Moyles (2002), os poucos interlocutores presentes na educação infantil no trabalho com o jogo simbólico realizado pelas crianças, quando essas brincam no momento da praça. As crianças foram para o pátio da Escola, que é destinado apenas para o jardim, lá elas brincaram nos poucos brinquedos que tem, como escorregador balanço. Também brincaram com alguns potes que a professora levou. Em nenhum momento a professora [titular] brincou com as crianças. (Nível B, Escola Estadual de Porto Alegre). Estamos no cenário da urbanidade, imaginemos essa cena. Podemos escutar o “ruído” das crianças, o barulho de suas vozes e o silêncio da professora. Pois bem, a partir dessa narrativa temos o exemplo de uma prática que podemos denominar de prática socializadora. É comum ouvirmos de pais e professores que a Educação Infantil é um espaço/lugar de socialização. Há alguns artigos produzidos por estudiosos (Costa 8 e Silva, 2000) da educação infantil que são assim intitulados “O adulto um parceiro especial: o adulto facilita a criança a explorar o ambiente e a socializar- se”. No entanto, a partir da narrativa apontada, cabe-nos perguntar: Socializar o quê? Com quem a criança se socializa? Onde estão as professoras que de posse de um intransferível desejo de conhecer quem são seus alunos, se dedicam a uma prática nova em seu mundo profissional, utilizando a pesquisa de dados e os registros que melhor possam revelar e desvelar quem são aqueles seres com quem interagem cotidianamente em sala de aula? Em hipótese alguma, nessa análise, estou desejando desconsiderar o papel do adulto enquanto parceiro mais experiente nessa primeira fase de reconhecimento e exploração do ambiente pela qual a criança passa, mas justamente chamar a atenção para a dinâmica das relações que estão se instituindo na educação infantil. Não é raro, encontrar nas narrativas produzidas pelas alunas estagiárias a descrição de práticas em que, enquanto as crianças brincam as professoras titulares aproveitam para fazer outras tarefas. Mas, qual a relação dessa narrativa com as situações de letramento? De alfabetização? Bem, o próprio jogo simbólico nos permitiria apresentar razões para ter elencado essa narrativa, pois é através do jogo simbólico que a criança assimila a realidade externa - adulta - à sua realidade interna. Porque quando uma criança brinca, joga ou desenha, ela está, de acordo com Freire (1999), desenvolvendo a capacidade de representar, simbolizar. Simbolização necessária para a representação do código escrito, por exemplo. No entanto,além dessa razão, nesta narrativa há um aspecto que urge, não apenas na Escola Infantil, mas na Educação Básica como um todo que é o fato de a professora não ser interlocutora/tradutora. A expressão “...em nenhum momento a professora [titular] brincou com as crianças...” remete-me a uma observação de Ferreiro (2001), em que ela aponta que as crianças urbanas, rodeadas de escrita desde que nascem, nem sempre são rodeadas de informantes e intérpretes. A autora salienta, ainda, que ao chegarem à escola, as crianças encontram uma professora que em vez de agir como intérprete, limita-se 9 a agir como decodificadora: diz M é “eme” ou /m/; diz que MA é “ma”, ou seja, /m/ + /a/. No entanto, a partir da próxima narrativa, podemos perceber que nem em situação de decodificadora a professora da narrativa a ser analisada é colocada, e eu salientaria o quanto em determinadas situações de alfabetização ou mesmo de letramento precisamos ser, enquanto professoras, decodificadoras, apesar de compreender a posição de Ferreiro (2001). Vejamos. Neste dia a professora [titular] deu para os alunos uma folha onde tinha o nome do aluno escrito pela professora em cima, e eles deveriam repetir 3 vezes abaixo. Depois dos alunos terem feito o trabalho eles o levavam até a professora...conforme iam acabando o trabalho do nome a professora [titular] entregava uma folha mimeografada, que segundo ela trabalhava a motricidade fina. (Nível B, Escola Estadual de Porto Alegre). Podemos observar o quanto a situação professora decodificadora, informante, intérprete ou tradutora distancia-se das narrativas apontadas. Cabe, também, ressaltar o quanto essa prática pedagógica, a qual denominaremos “hora da atividade”, está alicerçada na forma de planejamento apontada por Ostetto (2000). O planejamento, nesta prática, é baseado em listagem de atividades. Segundo a autora, esse tipo de planejamento poderia ser considerado um dos mais rudimentares, pois está baseado na preocupação do educador em preencher o tempo de trabalho com o grupo de crianças, entre um e outro momento da rotina (higiene, alimentação, pátio, etc.). Assim, como o planejamento é diário, a professora vai listando as possíveis atividades a serem desenvolvidas pela criança. Conforme as narrativas apontadas pelas alunas estagiárias essa é a forma como as professoras ainda organizam seus planejamentos. Bem, um contraponto a estas narrativas, seriam as narrativas a seguir, onde a prática docente é exercida pelas alunas estagiárias. Certamente o fato das alunas estagiárias estarem em formação marcará algumas diferenças. 10 Gostaria, no entanto, de ressaltar que na disciplina de prática de ensino na Educação Infantil, o trabalho com as alunas estagiárias busca priorizar estratégias de trabalho que possibilitem o contato da criança com o material gráfico impresso, que sirva para explorar a apropriação dos princípios básicos de organização da escrita, suas convenções e suas funções. Essas estratégias se concretizam na incorporação de um amplo leque de materiais e de atividades capazes de sensibilizar a criança para com o meio escrito. Em outras palavras, os textos e os suportes existentes na vida cotidiana são os materiais que as alunas estagiárias oferecem às crianças. Nas aulas com as crianças, elas devem possibilitar que esses materiais sejam manipulados, recortados e classificados para a elaboração de outros materiais, para a confecção de um álbum, de um jogo de memória, como no exemplo abaixo. Ofereci ao grupo o jogo de memória que confeccionamos com caixas de leite. Alguns ainda não sabiam jogar o jogo de memória e os colegas que sabiam, junto comigo foram ensinando. (Nível B, Escola Estadual de Porto Alegre). Conforme a percepção dos leitores, a partir do que foi apontado, podemos analisar que os estudos de Teberosky e Colomer (2003), permeiam essa narrativa, quando as autoras afirmam que para entrar no mundo da escrita, é importante que as crianças interajam com uma grande diversidade de objetos escritos, pois a presença destes e a atitude da professora que facilita, interage e orienta sua exploração, favorece as atividades de ler e escrever, mesmo antes de as crianças poderem fazê-lo de forma convencional. Tal aspecto pode ser analisado, também, na narrativa abaixo. Em seguida vem a novidade da semana que é a sacola surpresa. Coloquei várias sucatas como: caixa de sabonete, pote de xampu, lata de azeite, etc. Tudo estava dentro de uma sacola grande escrita nos dois lados da sacola: sacola surpresa onde destaquei a letra S de sacola e o S de 11 surpresa em vermelho e ainda amarrei as duas alças com uma fita vermelha com dourado fazendo um tope...(Nível A, Escola Comunitária do Município de Gravataí/RS). Bem, parece-nos pelo que está sendo apontado nestas narrativas e pelo comentário anterior que o curso de formação dessas alunas estagiárias prioriza, mesmo na educação infantil, a organização de um ambiente alfabetizador. Entretanto, cabe-me ressaltar dois aspectos com relação a esta idéia. Primeiro, fazer menção e corroborar com Soares (2003), quando aponta o quanto às práticas pedagógicas construtivistas são permeadas por equívocos e por falsas inferências, quando postulam que através do convívio intenso com o material escrito que circula com a cultura escrita, a crianças se alfabetiza. Saliento, ainda, como o letramento acabou obscurecendo a alfabetização, e conseqüentemente a perda de sua especificidade. E segundo, incorporar a idéia de ambiente alfabetizador, apontada anteriormente, uma complementação. Isto é, quando em interação didática com as alunas estagiárias propomos a idéia de um ambiente alfabetizador e de letramento, pois esses processos segundo Soares (2003) são interdependentes, embora distintos, estamos situando que é pouco colocar os materiais escritos “nos cantinhos” (prática de organizar os espaços da sala de aula da educação infantil de forma temática: cantinho da leitura, da casinha, do ateliê, etc ). É preciso transformar a sala de aula em um ambiente alfabetizador. E para isto é preciso que a ação docente se dê no sentido de provocar múltiplas interações das crianças e da professora com os materiais que estão em exposição e, mais do que tudo, propor o uso destes materiais. Nesse sentido, apostamos, sim, em uma escola de Educação Infantil que estabeleça vínculos entre o conhecimento cotidiano e o conhecimento formal, a partir de uma interação didática que priorize a tradução, a interpretação e a interlocução. 12 Considerações finais Nesse trabalho de pesquisa todas as colocações feitas, a partir do lugar em que me situo – professora/pesquisadora - trazem para mim importantes reflexões sobre o ato educativo na educação infantil. Apesar da ênfase de meu trabalho ter se desenvolvido, a partir de situações de letramento, reconheço que, de fato, durante a análise não salientei apenas esse aspecto. Sendo assim, as narrativas apontadas ecoavam e ecoam outras análises. Penso que “isso que chamamos de realidade não é um dado externo a ser acessado pela razão, mas é sim, o resultado de uma construção interessada (Veiga Neto, 1996), pois, ao invés de narrativas simplesmente enunciadas, vamos percebendo no processo de descrição dessas narrativas a configuração de polêmicas, de disputas, permeadas por interesses, convicções e valores em jogo. Vamos percebendo que os movimentos das narrativas não se dão de maneira linear, nem mesmo pendular, mas que os enfoques se esboçam e se explicitam a partir do é do que temsido privilegiado socialmente. Nesse sentido, buscar outros olhares sobre a multiplicidade de narrativas em uma narrativa foi o grande desafio deste trabalho que se constituiu em um jogo estratégico para empreender uma aventura nas narrativas cotidianas da escola de educação infantil. Referências Bibliográficas BUJES, Maria Isabel E. .Escola Infantil: Pra que te quero? In: CRAIDY, Maria Carmem e KAERCHER, Gládis E. P. da Silva. 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