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Fatores de risco cardiovascular Recebido em: 27/08/09 – Aprovado em: 27/06/10 Artigo de Revisão Review Article Artículo de Revisión p.650 • Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2010 out/dez; 18(4):650-5. RESUMO: As doenças cardiovasculares (DCV) representam causa importante e crescente de morbidade e mortali- dade mundial e estão associadas à presença de fatores de risco cardiovascular (FRC). O objetivo do estudo foi revisar a literatura sobre os FRC para oferecer subsídios ao cuidado com a saúde. Trata-se de pesquisa bibliográfica, nos últimos 9 anos, através da base de dados da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Ministério da Saúde, Biblioteca Virtual em Saúde, Portal da CAPES e Google, utilizando-se as palavras-chave: FRC; prevenção, controle e epidemiologia das DCV. Abordou-se aspectos epidemiológicos, diagnósticos, métodos e formas de controle de FRC como hipertensão arterial, Diabetes Melittus, sobrepeso/obesidade, dislipidemias, tabagismo, sedentarismo, ingestão excessiva de álco- ol e fatores psicossociais. Conclui-se que é imprescindível o conhecimento atualizado dos FRC e, portanto, o estudo contribui para implementar e aperfeiçoar novas formas de cuidar nos programas voltados para a prevenção primária e secundária das DCV. Palavras-Chave: Doenças cardiovasculares; fatores de risco; enfermagem; prevenção e controle. ABSTRACT: Cardiovascular diseases (CVDs) represent an important and growing cause of world morbidity and mortality. These diseases are associated with the presence of cardiovascular risk factors (CRFs). With a view to informing health care, this study reviewed the literature on CRFs produced in the past 9 years as recorded in the data bases of the Sociedade Brasileira de Cardiologia, Ministry of Health, Biblioteca Virtual em Saúde, CAPES portal and Google, using the keywords: CRF, prevention, control, and CVD epidemiology. Epidemiological and diagnostic aspects were addressed, as well as methods and forms of control of CRFs, such as hypertension, diabetes mellitus, overweight/obesity, dyslipidemias, tobacco use, physical inactivity, excessive alcohol consumption and psychosocial factors. It was concluded that current knowledge of CRFs is indispensable and that this study, therefore, contributes to the implementation and enhancement of new forms of care in primary and secondary CVD prevention programs. Keywords: Cardiovascular diseases; risk factors; nursing; prevention and control. RESUMEN: Las enfermedades cardiovasculares (ECV) representan causa importante y cresciente de morbidad y mortalidad mundial y están asociadas a la presencia de factores de riesgo cardiovascular (FRC). El objetivo del estudio fue revisar la literatura sobre los FRC para ofrecer subsidios al cuidado con la salud. Se trata de investigación bibliográfica, en los últimos 9 años, a través de la base de datos de la Sociedad Brasileña de Cardiología, Ministério de la Salud, Biblioteca Virtual en Salud, Portal de la CAPES y Google, utilizándose las palabras clave: FRC; prevención, control y epidemiología de las ECV. Se abordó aspectos epidemiológicos, diagnósticos, métodos y formas de control de los FRC como hipertensión arterial, Diabetes Mellitus, sobrepeso/obesidad, dislipidemias, tabaquismo, sedentarismo, ingestión excesiva de alcohol y factores psicosociales. Se concluye que es imprescindible el conocimiento actualizado de los FRC y, por lo tanto, portanto, el estudio contribuye para implementar y perfeccionar nuevas formas de cuidar en los programas destinados para la prevención primaria y secundaria de las ECV. Palabras Clave: Enfermedades cardiovasculares; factores de riesgo; enfermería; prevención y control. REVISANDO OS FATORES DE RISCO CARDIOVASCULAR REVIEWING CARDIOVASCULAR RISK FACTORS REVISANDO LOS FACTORES DE RIESGO CARDIOVASCULAR Glicia Gleide Gonçalves Gama I Fernanda Carneiro MussiII Armênio Costa GuimarãesIII IEnfermeira. Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal da Bahia. Professora Assistente do Departamento de Enfermagem da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Membro do Grupo Interdisciplinar sobre o Cuidado à Saúde Cardiovascular. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: gliciagama@hotmail.com. IIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Adjunta II da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia. Líder do Grupo Interdisciplinar sobre o Cuidado à Saúde Cardiovascular. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: femussi@uol.com.br. IIIMédico. Professor Titular de Cardiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia. Presidente da Liga Bahiana de Hipertensão e Aterosclerose. Membro do Grupo Interdisciplinar sobre o Cuidado à Saúde Cardiovascular. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: armenioguimaraes@terra.com.br. INTRODUÇÃO Nos países em desenvolvimento, a proporção de mortes por doenças cardiovasculares (DCV) vem au- mentando. No Brasil, na década de 1980 e início da década de 1990, o coeficiente de mortalidade por DCV aumentou 13%, representando a primeira causa de morte, responsável por 34% dos óbitos no país1. Cons- Recebido em: 27/08/09 – Aprovado em: 27/06/10 Gama GGG, Mussi FC, Guimarães AC Recebido em: 27/08/09 – Aprovado em: 27/06/10 Artigo de Revisão Review Article Artículo de Revisión Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2010 out/dez; 18(4):650-5. • p.651 Não podemos perder de vista que a educação em saúde pressupõe, minimamente, que os profissionais de saúde conheçam a população que estão assistindo, para que possam levar em consideração suas especificidades e limitações nas estratégias de educa- ção à saúde, visando a adesão à terapêutica e a valori- zação de uma nova forma de ser e de viver13. As ativi- dades educativas devem levar em conta as diferenças sociais e culturais8,10. O presente artigo teve como objetivo revisar a literatura sobre os FR cardiovasculares, com vistas a oferecer subsídios para o cuidado à saúde. Sabe-se que a enfermagem tem responsabilidade na elabora- ção de programas de educação em saúde, encorajando as pessoas a refletirem e valorizarem a modificação de comportamentos de risco. A maioria das doenças crô- nicas é prevenível, desde que seus FR sejam detecta- dos e controlados precocemente3. Esta afirmativa deve incluir adultos e crianças. METODOLOGIA Trata-se de revisão de literatura, incluindo as- pectos epidemiológicos, classificação, diagnóstico, métodos e metas de controle dos FR cardiovasculares. Utilizou-se artigos de periódicos e dissertações de mestrado sobre a temática entre os anos de 2001 a 2009, pesquisados por acesso aos portais da Bibliote- ca Virtual de Saúde, Coordenação de Aperfeiçoamen- to de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e GOOGLE, com base nas palavras-chaves: fator de risco cardiovascular, prevenção e controle das DCV, epidemiologia das DCV. Acessou-se, também, a ba- ses de dado do Ministério da Saúde (Secretaria de Vigilância à Saúde) e da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). RESULTADOS E DISCUSSÃO O conhecimento atual da etiopatogenia e história natural da doença arterial coronariana (DAC) permi- te identificar seus FR e avaliar o risco populacional e individual de suas manifestações clínicas11-14. Para uma melhor abordagem do problema, os FR são classificados em fatores: condicionantes, re- lacionados à hereditariedade e ao estilo de vida; cau- sais, relacionados diretamente ao dano cardiovascular, como dislipidemia, hipertensão arterial (HA), into- lerância à glicose (pré-diabetes), diabetes e tabagis- mo; predisponentes, facilitadores do aparecimento dos fatores causais, despontando o sobrepeso/obesi- dade (SOB/OB), sedentarismo e excessivo estresse psicológico11. O estudo de Framingham foi pioneiro na iden- tificação dos FR causais de DAC6 e na estratificação tituem a principal causa de gastos em assistência médica, respondendo por cerca de 16,2% do gasto total do Sistema Único de Sáude2. Segundo a OrganizaçãoMundial de Saúde (OMS)3, as projeções para o ano de 2020 indicam que as DCV permanecerão como a principal causa de mor- talidade e incapacitação, principalmente nas regiões em desenvolvimento. Isto devido ao aumento da longevidade, a mudanças inadequadas no estilo de vida e a condições socioeconômicas insatisfatórias4-6. A alta prevalência de DCV e suas múltiplas cau- sas desafiam o desenvolvimento de estratégias preven- tivas. As doenças arteriais coronarianas (DAC) e cerebrovascular decorrem de estâncias diversas, que vão desde a hereditariedade até o estilo de vida que favorece a aglutinação de fatores de risco (FR) cardiovascular, já se manifestando na idade pediátrica7. Existem evidências de que, quanto maior a associa- ção de FR em um indivíduo1, maior a probabilidade da doença e que a modificação desses fatores pode alterar o índice de sua progressão, com redução da morbidade e mortalidade8. Um estudo internacional, o INTERHEART9, avaliou pela primeira vez os FR para DCV em 262 países dos cinco continentes, incluindo o Brasil. Verificou-se que nove FR, simples de detectar e passíveis de modificação, são responsáveis por mais de 90% do risco atribuível para DCV, seis atuando de forma prejudicial (dislipidemia, hi- pertensão arterial, Diabetes Melittus, sobrepeso/obesida- de, tabagismo e estresse psicológico) e os outros três de forma protetora (exercício físico, consumo diário de ve- getais e frutas e bebidas alcoólicas em pequena dose). Por- tanto, o importante será identificá-los e controlá-los de modo eficiente. Os benefícios auferidos com os avanços na ci- rurgia cardíaca e nas técnicas percutâneas de inter- venção e o uso de medicamentos eficientes para o controle das dislipidemias, hipertensão e diabetes não têm conseguido freiar o avanço na prevalência e mor- talidade cardiovascular, com perspectivas de expan- são no mundo em desenvolvimento. Isto se deve, em grande parte, à influência do estilo de vida, modula- do pelos paradigmas da civilização ocidental, propi- ciando a expansão epidêmica dos FR. Baixo nível socioeconômico constitui enorme desafio para o controle dos FR, com renda, escolari- dade e condições de moradia correlacionando-se de forma negativa com mortalidade cardiovascular10, indicando a necessidade de investimento em políti- cas públicas de prevenção primária e secundária8,11,12. Assim, as atuais políticas preventivas do Ministério da Saúde devem ser consolidadas, e expandidas6,11. Nessas políticas, é necessário abordar os FR causais (hipertensão, dislipidemia, diabetes e tabagismo), assim como os predisponentes (sobrepeso/obesida- de, sedentarismo e estresse psicológico). Fatores de risco cardiovascular Recebido em: 27/08/09 – Aprovado em: 27/06/10 Artigo de Revisão Review Article Artículo de Revisión p.652 • Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2010 out/dez; 18(4):650-5. do risco deles decorrentes, permitindo classificar os indivíduos em baixo, médio e alto risco11. No Brasil, o estudo Afirmar14 mostrou como o Interheart9, que dislipidemia, HA, diabetes, SOB/OB, tabagismo, estresse psicológico, sedentarismo, alimentação ina- dequada e alcoolismo são responsáveis por mais de 90% do risco atribuível a DCV. Estratégias de prevenção e controle com foco no ris- co cardiovascular global são obrigatórias para os indivídu- os sob assistência e devem ser implementadas de forma extensiva e continuada8,13. A multiplicidade de FR cardiovascular torna a utilização de escores para estratificação do risco de extrema importância5. O escore de risco de Framingham, considerado uma ferramenta sim- ples para estimar o risco cardiovascular em adultos, é o mais utilizado, mas apresenta limitações a serem complementadas, como valorizar o risco da hereditarieda- de, SOB/OB, pré-diabetes, hipertrigliceridemia (HTG), sedentarismo, estresse psicológico e baixo nível socioeconômico. Fatores de risco como idade, gênero, etnia e here- ditariedade não são controláveis, mas mesmo assim merecem atenção por indicar a vulnerabilidade do indi- víduo aos fatores de risco controláveis, alertando para a necessidade de um controle mais rigoroso11. Fatores de Risco Não Controláveis Quanto à idade, o risco de DCV duplica após os 55 anos15, com morbidade duas vezes maior nos ho- mens, dos 35 aos 44 anos, com queda progressiva des- ta diferença, reduzindo-se a 1:1 após os 75 anos16. Em relação ao gênero, a perda do efeito protetor do perfil hormonal estrogênico pré-menopausa pa- rece ser FR importante11. No que se refere ao perfil genético, a predisposi- ção genética para DCV é indicada por história fami- liar de DAC, acidente vascular cerebral (AVC), HA e diabetes11. É importante FR de DAC prematura em parentes do primeiro grau, homens abaixo dos 55 anos e mulheres abaixo dos 65 anos15,17. Quanto à etnia, a raça negra é um determinante de elevado risco de evento cardiovascular8. A alta prevalência de hipertensão, obesidade e diabetes en- tre negros pode contribuir para elevadas taxas de mor- talidade por DCV. O mesmo tem ocorrido, com etnias indígenas, como a tribo Pima, nos Estados Unidos e os indianos, na Ásia. No Brasil, a importância da misci- genação na modificação desse risco ainda é fator a ser melhor avaliado. Fatores de Risco Controláveis e Hábitos de Vida Modificáveis Hipertensão arterial Hipertensão é definida como pressão arterial (PA) sistólica 140 mmHg e/ou PA diastólica 90 mmHg, confirmada em pelo menos duas medidas, dias ou semanas a parte, ou pelo uso de medicação antihipertensiva18. A HA ocorre, frequentemente, agregada à dislipidemia, SOB/OB visceral, resistên- cia à insulina e diabetes (tipo 2)2, apresentando-se, em 20 a 30% dos casos, associada à síndrome metabó- lica19. A adesão ao tratamento é baixa na rede primá- ria (cerca de 10 a 20%), podendo chegar a 50% se otimizada através de abordagem interdisciplinar20,21. O tratamento atual da HA é baseado em medidas não farmacológicas e farmacológicas22. As primeiras in- cluem ajuste calórico para manter o Índice de Massa Corporal (IMC) abaixo de 25kg/m2, e maior do que 18,5Kg/m2, com distribuição das calorias diárias em 30% de gordura, 7% a 10% de gorduras saturadas, 55% de carboidratos, 15% de proteínas e 300mg ou menos de colesterol, com ingestão ideal de sal de 6g (2,4g de sódio) diárias ou menos, a depender da sensibilidade individu- al, e aumento do teor de potássio, através de maior con- sumo de frutas, verduras e legumes19. A queda da PA reduz proporcionalmente o risco de AVC e de DAC em cerca de 40% e 25%, respectivamente23,24. Diabetes Melittus O Diabetes Melittus tipo 2 (DM2) é o principal FR de doença macro e microvascular, atingindo principal- mente as artérias e arteríolas coronárias, cerebrais, re- nais e periféricas dos membros inferiores. O seu princi- pal fator predisponente é o SOB/OB, com excesso de gordura visceral abdominal. A atividade desses adipócitos, com excessiva produção de ácidos graxos é a principal responsável pela resistência à ação da insulina ao nível da musculatura estriada, levando à hipersinsulinemia. Do desequilíbrio entre o grau de re- sistência à insulina e a produção de insulina pelas célu- las beta do pâncreas resultam graus variados de intole- rância à glicose (glicemia de jejum persistente 100mg/ dL e <126mg/dL) e DM2(glicemia de jejum persistente 126mg/dL). O diagnóstico, na maioria dos casos, é fei- to a partir dos 40 anos de idade. Contudo, com a cres- cente prevalência de SOB/OB infanto-juvenil, a prevalência e precocidade de DM2 tem aumentado24. A DCV é a principal causa de morte em diabé- ticos. Outras complicações frequentes, principalmen- te em diabéticos mal controlados, incluem nefropatia, com evolução para doença renal terminal, retinopatia, levando à cegueira, e doença arterial periférica, causa frequente de pé diabético. A prevenção e tratamento da DM2 inclui mudançasno estilo de vida, como per- da de peso, com mudança de hábitos alimentares e exercício físico regular, suspensão do fumo e contí- nua educação em saúde23, 25. Sobrepeso/obesidade O SOB e a OB visceral são expressas pelo índice de massa corporal (IMC), calculado pela fórmula de Quetelet - peso(kg)/altura(m2) - e pelo perímetro da Gama GGG, Mussi FC, Guimarães AC Recebido em: 27/08/09 – Aprovado em: 27/06/10 Artigo de Revisão Review Article Artículo de Revisión Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2010 out/dez; 18(4):650-5. • p.653 circunferência abdominal (CA). O IMC 25 e <30 indica SOB e 30 OB. O perímetro da CA >88cm em homens e >84cm em mulheres, em estudo reali- zado em Salvador, em 2006, indica SOB/OB visceral26,27. Os valores internacionalmente aceitos são 102cm para os homens e 88cm para mulheres28,29. Sabe-se que 32% da população brasileira apre- senta SOB (IMC25) e 8% OB (IMC30), com ten- dência ao crescimento destas prevalências, atingindo todos os extratos sociais, gêneros e grupos etários30,31. A principal causa é o aumento do consumo calórico aliado ao sedentarismo, principalmente urbano31. O SOB e a OB visceral constituem o principal fator predisponente de HA, resistência à insulina, DM2 e dislipidemia aterogênica [HDL-C (high-density lipoprotein) baixo e triglicérides (TG) alta], nas popu- lações pediátrica e adulta32. Estes, quando agregados, no mínimo em três, constituem a síndrome metabó- lica (SM)28,33. A sua prevenção e tratamento é funda- mental para manter a saúde (prevenção primordial) e diminuir a prevalência e incidência de DM2 e DCV (prevenção primária e secundária). A principal es- tratégia de prevenção e tratamento é o binômio dieta balanceada e exercício físico regular. O tratamento farmacológico ainda espera maiores avanços, deven- do representar uma abordagem de segunda linha e individualizada34. Dislipidemias As dislipidemias ocorrem às custas de: aumento do colesterol [total e LDL-C (low-density lipoprotein)], aumento dos TG, ou de ambos, e/ou redução do HDL- C, sendo classificadas em hipercolesterolemia ou hipertrigliceridemia isolada ou mista, na presença de ambas, ou de HDL-C baixo quando apenas esta fração se encontra diminuída33. Comumente, a diminuição do HDL-C ocorre em paralelo com a elevação dos TG, constituindo a chamada dislipidemia aterogênica. O risco de aterosclerose deste tipo de dislipidemia pode ser avaliado pela relação TG/HDL-C, estando au- mentado em conexão a valores desta relação 3,834. As dislipidemias constituem FR causal maior de aterosclerose, mormente DAC. Assim, a sua iden- tificação precoce e o controle são importantes para a prevenção primária e secundária da doença aterosclerótica. Devem ser pesquisadas obrigatoria- mente em crianças, adolescentes e adultos com FR para DCV, e em adultos de baixo risco, como medida geral de saúde pública33. Os níveis séricos de colesterol total (CT) foram avaliados no Brasil em regiões específicas. Estudo con- duzido em nove capitais, envolvendo 8.045 indiví- duos com idade mediana de 35 ± 10 anos, no ano de 1998, mostrou que 30% dos homens e 35% das mu- lheres tinham CT 200 mg/dL. Nesse estudo, o CT foi mais alto em mulheres com idade 50 anos35. O perfil lipídico é definido através da determina- ção bioquímica do CT, HDL-C e TG. O jejum de 12 a 14 horas é requerido para a dosagem de TG. O LDL-C é calculado pela fórmula de Friedewald (LDL-C = CT - HDL-C - TG/5), onde TG/5 representa o colesterol li- gado às VLDL-C (very low density lipoprotein); esta fór- mula só é aplicável com valor de TG<400mg/dL28. O colesterol não-HDL (NHDL-C) deve ser calculado na presença de TG elevados (CT-[HDL-C]) e visa quantificar a fração aterogênica do plasma composta pelas LDL e VLDL e seus resíduos ricos em colesterol28. A relação TG/HDL-C deve, também, ser calculada, pe- las razões anteriormente mencionadas. Os pacientes com dislipidemia devem ser ori- entados para mudanças alimentares. A redução do valor energético total (VET) diário é fundamental para o controle do peso, cuja meta ideal é a normali- zação do IMC e da CA. A ingestão diária de colesterol deve ficar entre 200 e 300mg, o total de gordura em 30%, sendo <10 a <7% de gordura saturada; com relação de 2:1 de gorduras mono para poliinsaturadas. O tratamento farmacológico tem sua base no uso de estatinas (hipercolesterolemia) ou de fibratos (hipertrigliceridemia) ou sua combinação, visando a normalização do perfil lipídico. É importante o cum- primento das metas recomendadas. Para indivíduos de alto risco ou com doença aterosclerótica o LDL-C deve ser <100mg/dL e de muito alto risco <70mg/ dL; TG<150mg/dL e HDL-C 40mg/dL para ho- mens e 50mg/dL para mulheres28. Atividade física regular e cessação do tabagismo constituem medida auxiliar para o controle das dislipidemias, principal- mente com vista à elevação do HDL-C. Tabagismo O tabagismo é um dos maiores FR causais de DAC e aterosclerose das artérias dos membros inferiores (doença arterial periférica). Além disso, é o principal FR de câncer brônquico e de bexiga e principal causa de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC)7. Há evidências claras de que esse hábito está as- sociado à morte prematura e à incapacidade. A OMS estima que um terço da população mundial adulta, isto é, 1 bilhão e 200 milhões de pessoas (entre as quais 200 milhões de mulheres) sejam fumantes12. Em publicações recentes da OMS foi relatado que o con- sumo de cigarro diminuiu em países desenvolvidos, mas está aumentando nos países em desenvolvimen- to, a 3,4% ao ano. Caso as atuais tendências de ex- pansão do seu consumo sejam mantidas, esses núme- ros aumentarão para 10 milhões de mortes anuais por volta do ano 2030, sendo metade delas em indi- víduos em idade produtiva36. O cuidado individual do tabagista é prioritário para toda a equipe de saúde. O apoio psicoemocional e a prescrição de medicamentos têm-se mostrado eficazes. Fatores de risco cardiovascular Recebido em: 27/08/09 – Aprovado em: 27/06/10 Artigo de Revisão Review Article Artículo de Revisión p.654 • Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2010 out/dez; 18(4):650-5. Recomenda-se a execução simultânea de atividades fí- sicas e educação alimentar para evitar o ganho excessi- vo de peso que pode ocorrer ao se parar de fumar18,37. Sedentarismo O sedentarismo é definido como a falta ou a grande diminuição de atividade física. Para deixar de fazer parte do grupo dos sedentários o indivíduo pre- cisa gastar no mínimo 2.200 calorias por semana em atividades físicas3. Estimativas globais da OMS indi- cam que a inatividade física é responsável por quase dois milhões de mortes, por 22% dos casos de DAC, e por 10% a 16% dos casos de DM238. As vantagens do exercício físico aeróbio, regu- lar, incluem o controle do peso, PA e perfil lipídico (aumento do HDL-C), melhora da sensibilidade à insulina e diminuição de fatores trombóticos. Reduz, também, o estresse psicológico e combate a depres- são5. O exercício aeróbico apresenta efeito hipotensor maior em indivíduos hipertensos que normotensos18. A atividade física regular constitui medida au- xiliar para o tratamento da DAC, no entanto o Brasil é um país sedentário, onde apenas 7,9% praticam exer- cício três ou mais vezes por semana11. As recomenda- ções atuais indicam a prática de 30 minutos de ativi- dade física, cinco dias por semana, em intensidade moderada, de forma contínua ou acumulada. Ingestão de álcool O consumo moderado de bebidas alcoólicas mostra correlação favorável com a morbidade e mor- talidade das DCV5. Recomenda-se, para os que usam bebidas alcoóli- cas, limitar o consumo a, no máximo, 30g/dia de etanol para homens e 15g/dia para mulheres ou pessoas de bai- xo peso. Aos que não se enquadrarem nesses limites máximos de consumo, é recomendado o abandono. Não é recomendávela indicação de bebidas alcoólicas para a prevenção de DCV, pelo risco de dependência, com con- sumo excessivo, expondo o indivíduo aos potenciais efei- tos maléficos sociais e orgânicos18. Fatores psicossociais O Brasil, apesar do produto interno bruto (PIB) elevado, ainda mostra intensas desigualdades sociais, com mais de um terço da população na pobreza. Con- tingente maior, porém, tem dificuldades relativas ao acesso à educação, serviços de saúde e saneamento sendo privado dos direitos básicos de cidadania39. As condições de moradia e de educação, acesso à alimentação com base em frutas, legumes e verdu- ras, o lazer, a inclusão social, os cuidados básicos de saúde, todos são aspectos influentes na determina- ção das DCV40. No Brasil, o estudo Afirmar14 mostrou que renda elevada e formação superior conferiram proteção contra evento cardiovascular. O estresse psicológico configura-se, também, como FR cardiovascular, a curto, médio e longo prazo, facilitando o progresso da aterosclerose ou o surgimento das suas complicações41. Os fatores emoci- onais são inerentes ao comportamento do indivíduo e podem ser representados pela depressão, ansiedade, hostilidade, e raiva. Já o estresse crônico se relaciona a fatores externos, tais como baixo padrão socioeconômico, problemas financeiros, estresse no trabalho e problemas familiares14. No Interheart9, ob- servou-se que no grupo com infarto agudo do miocárdio, estresse emocional e depressão foram mais intensos que nos controles. A eliminação desses fato- res traria redução de 33% nos eventos cardiovasculares. É bastante evidente a interferência dos proces- sos psicossociais na promoção da saúde. Não basta apenas identificar os FR para DAC e estratificar o risco individual, é necessário compreender, que rela- ções se estabelecem entre o adoecer, sua história de vida, seu modo de viver e esses fatores42,43. Nesse con- texto, um grande desafio para a diminuição da alta morbidade e mortalidade por DCV é aumentar a ade- são ao tratamento e modificar o estilo de vida. CONCLUSÕES Fatores de risco como idade, gênero, etnia e he- reditariedade não são controláveis, mas merecem atenção por indicar a vulnerabilidade dos indivíduos aos fatores de risco controláveis — há, Diabetes Mellitus tipo 2, SOB/OB, deslipidemias, tabagismo, sedentarismo, ingestão de álccol e estresse psicológi- co, alertando para o necessário controle. Os FR cardiovasculares tradicionais são de fácil identificação e podem ser evitados ou controlados. As mudanças no estilo de vida constituem a maneira mais eficiente de manter a saúde cardiovascular. REFERÊNCIAS 1.Mathias TAF, Jorge MHPM, Laurenti R. Doenças cardiovasculares na população idosa. Análise do compor- tamento da mortalidade em município da região sul do Brasil no período de 1979 a 1998. Arq Bras Cardiol. 2004; 82(6):533-41. 2.Nobre F, Lima NKC. Hipertensão arterial: conceito, clas- sificação e critérios diagnósticos. In: SOCESP: manual de cardiología: SOCESP; São Paulo. 2002. p. 303-6. 3.Organização Mundial de Saúde. 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