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A instrução primária e secundária no município da Corte na Regência e Maioridade Por Primitivo Moacyr A instrução primária e secundária no município da Corte na Regência e Maioridade 2 Abrindo a Assembléia Constituinte, em 3 de maio de 1823, Pedro I disse que “tinha promovido os estudos públicos quanto era possível, necessitando-se para isto, porém, uma legislação particular. Fez o seguinte: aumentou o número de escolas e algum tanto o ordenado de seus mestres, permitindo-se, além disto, haver um sem número delas particulares; conhecendo a vantagem do ensino mútuo, também fez abrir uma escola pelo método lancasteriano...”. A Assembléia, assoberbada com os mais variados problemas da organização política, administrativa e financeira, não esqueceu o da educação popular. Em 9 de maio no projeto de organização das administrações locais, impunha-lhes o dever de “promover a educação da mocidade”. O projeto de constituição mandava criar escolas primárias em cada termo, ginásios em cada comarca, universidades nos mais apropriados lugares. E determinava ainda que “era livre a cada cidadão abrir aulas para o ensino público, contanto que respondesse pelos abusos”. Um projeto de lei reputava benemérito da pátria e como tal condecorado com a Ordem Imperial do Cruzeiro o cidadão que até o fim do corrente ano apresentasse à Assembléia o melhor “Tratado de educação física, moral e intelectual para a mocidade brasileira”. Criava um outro, o Instituto Brasílico, para a direção dos estudos e duas Universidades. A Carta Constitucional, outorgada em 25 de março de 1824, prescrevia apenas que “a instrução primária fosse gratuita para todos os cidadãos”. Disposição avançada para o tempo, pois nos países da Europa só aos indigentes era concedida esta mercê. O interesse pela educação não se perdeu com as paixões políticas da primeira Assembléia. Em 1826, o deputado Gonçalves Martins pedia ao governo uma estatística da instrução popular e autorizava a criação de escolas. A propósito vários deputados depõem sobre a ausência de escolas nas suas províncias e minguado estipêndio dos mestres. Ante uma “memória” sobre a instrução, a comissão técnica da Câmara dos Deputados formula um vasto plano de estudos integral. Escolas elementares (pedagogias), liceus, escolas subsidiárias (complementares aos liceus), ginásios e academias. O Instituto Brasil com atribuições administrativas e funções de cultura culminava o plano do deputado Januário da Cunha Barbosa. Desvanecido este formoso sonho, a Câmara cogita de medidas mais modestas. O deputado Olanda Cavalcanti pede que “sejam considerados professores públicos e, como tais, com o direito de receber da fazenda pública 300$000 anuais aos cidadãos brasileiros que dentro do Império lecionarem nas primeiras letras a mais de 20 homens, e 200$ aos que lecionarem de 10 a 20 discípulos em qualquer distrito do Império que não tenha escola alguma a dez léguas de circunferência”. O deputado Lino Coutinho propõe: “Haverá em cada convento de religiosas uma escola de meninas onde se ensine a ler, 3 escrever e contar, o catecismo da doutrina cristã, coser e outras habilidades do sexo feminino. A escola será dividida em três classes: a 1º, de ler, escrever e contar; a 2 º, de coser singelo; a 3 º, de bordar e outras atividades. A casa das escolas será na vizinhança da portaria do convento, livre e aberta gratuitamente às meninas que nelas houverem de estudar. As mestras destas três classes serão as mais aptas e idôneas, de mais rigorosa conduta e de paciência reconhecida. As abadessas prioras regentes dos conventos farão as nomeações e a mobília será pedida ao intendente de polícia, que mandará administrar. As mestras usarão de brandura conveniente ao ensino, fugindo dos dois extremos perigosos. As abadessas prioras, regentes dos conventos, são inspetoras naturais de semelhantes escolas”. A comissão de instrução, alegando que a idéia do projeto se acha em oposição com as regras canônicas, modificou-o criando as escolas nas Casas de Recolhimento. Este mesmo deputado, a propósito de uma indicação pedindo que a Câmara retomasse o estudo da criação de universidade, aprovada pela Constituinte de 1823, pondera: “Não se pode duvidar da precisão que temos de aulas maiores...Contudo é uma verdade, de que se não pode duvidar, que a instrução da classe, chamada povo, é um elemento de que depende a felicidade do Estado; e talvez se possa avançar esta proposição: que de saber ler e escrever depende a prosperidade da Nação, porque este é o princípio de toda a educação moral e política que se pode dar. Demais, esta primeira instrução de que tanto precisamos, está muito atrasada; há muita gente que não sabe ler nem escrever; o método de pensar é péssimo. Logo este deve ser um dos grandes objetos que devemos tratar, a primeira instrução. Podemos igualmente ocupar-nos das aulas maiores, mas como de objeto secundário. Seremos mais felizes com a instrução do povo, do que com o grande número de doutores”. Em 1827, os anseios do poder legislativo pela educação popular tiveram um começo de realidade. É apresentado pela comissão de instrução o seguinte projeto de lei: “Haverá escolas de primeiras letras, que se chamarão pedagogias em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos do Império. Os presidentes das províncias, em conselho, marcarão o seu número, localidades, ouvidas as respectivas Câmaras (municipais), enquanto não forem criados os conselhos gerais. Os presidentes das províncias, em conselho, são autorizados a extinguir as escolas que existem em lugares pouco populosos, removendo os seus professores para as escolas que se criarem onde mais aproveitem, quando sejam dignos de continuar no ensino público. Os presidentes da província, em conselho, farão que se examinem os pretendentes, cujo ato deve ser público, e à vista do seu exame nomearão professores, preferindo os de melhor conduta e instrução; estipularão os ordenados que deverão vencer, que nunca passará de 300$000 nos lugares em que for mais dificultosa a sua subsistência. São pela mesmo forma autorizados a conceder uma 4 gratificação que não passe da terça parte do ordenado, aqueles professores que provarem haver aproveitado no ensino público pelos desvelos, prudência e grande número de discípulos. Esta gratificação só lhes será concedida, passados 12 anos de exercício. Em cada capital de província haverá uma Escola de ensino mútuo; e naquelas cidades, vilas e lugares mais populosos, em que haja edifício público que se possa aplicar a este método, a escola será de ensino mútuo, ficando o seu professor obrigado a instruir-se na capital respectiva, dentro de certo prazo, e à custa do seu ordenado, quando não tenha a necessária instrução deste método. Os professores ensinarão a ler, escrever, contar, a gramática da língua nacional, os princípios da doutrina religiosa e da moral, proporcionados à compreensão. Serão nomeadas mestras de meninos e admitidas a exames, na forma já indicada, para cidades, vilas e lugares mais populosos, em que o presidente da província, em conselho, julgar necessário este estabelecimento, aquelas senhoras que, por sua honestidade, prudência e conhecimento, se mostrarem dignas de um tal ensino, compreendendo também o de coser e bordar. Pertence aos presidentes de província, em conselho, a fiscalização destas escolas enquanto outra coisa se não decretar. Elas serão regidas pelos estatutos atuais na parte em que se diz respeito às horas de ensino e economia das aulas ”. O deputado Ferreira França foi vencido no seio da comissão. O debate foi dos mais vivos da Câmara. Um deputado nota que o projeto esquece as freguesias que tem “gente suficiente para a criação de uma escola”. Vários deputados impugnam a expressão “pedagogias”. O Sr. França discuteo método e emenda o projeto: em vez de contar “prática das principais operações de aritmética e resolução prática dos problemas de geometria elementar”; em vez de gramática da língua nacional, “declinações e concordância dos nomes da língua portuguesa”. A uma objeção, explica: quero que o mestre prove o que ensina, como há de dividir um triângulo retilíneo em partes iguais; que forme a sua escala e que reduza da maior à menor grandeza; não quero que se diga que coisa é nome, nem que coisa é verbo, que tais partes as oração são essenciais e tais acessórias; quero que se faça perceber tão somente, por via de exemplo, qual não se trata de verbos, nomes e casos; quero que se ensine por via de exemplos tão somente”. O Sr. Odorico Mendes sugere para livros de leitura a Constituição e alguns clássicos da língua. O Sr. Lino Coutinho: a educação deve ser regulada pela idade; a dos meninos deve ser mais mecânica do que de teorias e princípios. Lembra para a leitura a “Vida de Frei Bartolomeu dos Mártires” e “obras” de Jacinto Freire de Andrade “livros escritos com exatidões, escolha e pureza de linguagem”. O Sr. Diogo Feijó pede que se dispensem as mestras de exame: é ato público para o qual é necessário muito desembaraço. O Sr. Bernardo de Vasconcelos é pelo estudo de geometria de aplicação imediata no campo, no terreno da escola; não há utilidade de geometria gráfica. Propõe ainda o estudo do direito, quando o menino já souber 5 a gramática. A Constituição e o Diário das Câmaras, para leitura. O Sr. Batista Ferreira: “ficam proibidos os castigos corporais, sob pena de culpa”. O Sr. Holanda Cavalcanti replica: quem quiser ensinar sem palmatórias que ensine: presumo, porém, que entre nós, atualmente haverá muito pouca gente capaz de ensinar sem palmatória. E ainda: que se dê ao mestre o arbítrio de ensinar pelo sistema que julgar melhor, e não se deve obrigá-lo ao método lancasteriano; a escola do ensino mútuo é diferente das outras? Esse método é defendido pelo Sr. Cunha Matos: de tudo que tenho lido não encontrei um método melhor; ele bebeu esta doutrina na índia e é de lá que tirou esse método de ensinar, não sabe como se possa dizer que o método de ensino mútuo não é bom, e que possam haver argumentos que mostrem o contrário. O Sr. B. de Vasconcelos entende que os mestres não devem ter ordenados fixos; devem ser pagos segundo o número de alunos. Quer exames para as mestras; se elas não têm desembaraço para o exame, também não terão para ensinar. O projeto, após 30 emendas e sugestões, é enviado para o Senado que o devolveu no fim de 60 dias. É a seguinte a redação definitiva dele: “Em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos haverá escolas de primeiras letras que forem necessárias. Os presidentes de províncias, em conselho, e com audiência das respectivas câmaras municipais, enquanto não tiverem exercício os Conselhos gerais, nomearão o número e localidades das escolas, podendo extinguir as que existem em lugares pouco populosos e remover os professores delas para as que se criarem, onde mais aproveitáveis, dando-se conta à Assembléia Geral Legislativa para final resolução. Os presidentes de província, em conselho, taxarão interinamente os ordenados dos professores, regulando-os de 200$ a 500$ anuais, em atenção as circunstâncias da população e carestia dos lugares e o farão presente à Assembléia Geral Legislativa para a aprovação. As escolas serão de ensino mútuo nas capitais das províncias, e o serão também nas cidades, vilas e lugares populosos delas em que for possível estabelecerem-se. Para as escolas de ensino mútuo se aplicarão os edifícios que houverem com suficiência nos lugares delas, arranjando- se com os utensílios necessários, à custa da fazenda pública. Os professores que não tiveram a necessária instrução deste ensino irão instruir-se em curto prazo, e à custa de seus ordenados, nas escolas das capitais. Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais de geometria prática, a gramática da língua nacional, os princípios de moral crsitã e de doutrina católica apostólica romana, proporcionadas à compreensão dos meninos, preferindo para o ensino de leitura a Constituição do Império e História do Brasil. Os que pretenderem ser providos nas cadeiras serão examinados publicamente perante o presidente da província, em conselho, e estes proverão o que for julgado mais digno, e darão parte ao governo para 6 sua nomeação legal. Só serão admitidos à oposição e examinados os cidadãos brasileiros, que estiverem no gozo de seus direitos civis e políticos, sem nota de culpa na regularidade de sua conduta. Os professores atuais não serão providos nas cadeiras que novamente se criarem sem exame e aprovação na forma acima indicada. Os presidentes de província, em conselho, ficam autorizados a conceder uma gratificação anual que não exceda a terça parte do ordenado àqueles professores que, por mais de 12 anos de exercício não interrompido, se tiverem distinguido por sua prudência, desvelo, grande número e aproveitamento de alunos. Haverá escolas de meninas nas cidades, vilas e lugares mais populosos em que os presidentes de província, em conselho, julgarem convenientes este estabelecimento. As mestras, além do programa acima declarado, com exclusão das noções de geometria, e limitando a instrução de aritmética só às quatro operações, ensinarão também prendas que servem à economia doméstica; e serão nomeadas pelos presidentes de províncias em conselho, aquelas mulheres que, sendo brasileiras, de reconhecida honestidade, mostrarem com mais conhecimentos aos exames na forma acima indicada. As mestras vencerão os mesmos ordenados e gratificações concedidos aos mestres. Os provimentos de professores e mestras serão vitalícios; mas os presidentes de províncias, em conselho, a quem pertence a fiscalização das escolas, os poderão suspender, e só por sentença serão demitidos, provendo interinamente quem os substitua. Estas escolas serão regidas pelos estatutos atuais no que não opuseram à presente lei. Os castigos serão aplicados pelo método de Lancaster. Na província onde estiver a Corte, pertence ao ministro do Império o que nas outras se incumbe aos presidentes. Ficam revogadas todas as leis, alvarás, regimentos, decretos e mais resoluções em contrário.” Esta foi a lei de 15 de outubro de 1827, a primeira lei sobre a instrução popular no Brasil. Promulgada a lei, mas não resolvido o problema da instrução. Faltavam mestres e casas para escolas. Em 1828 era dada às Câmaras municipais a inspeção das escolas. Em 1829 o governo dava ao poder legislativo sugestões: “Não concorrendo aos exames públicos das cadeiras de primeiras letras opositores que possuam conhecimentos das noções mais gerais de geometria prática, serão as mesmas cadeiras providas naqueles que se mostrarem mais dignos pela aprovação que merecerem nas outras matérias declaradas no plano da lei de 15 de outubro de 1927. Os professores providos sem conhecimento das noções de geometria prática só poderão ter o ordenado de 200$ a 300$, e só lhes poderá aumentar este quando, por novo exame sobre esta matéria, se mostrarem suficientemente instruídos nos mesmos conhecimentos. O máximo de ordenado de 500$ só poderá taxar-se àqueles professores que depois de quatro anos de trabalhos se mostrarem merecedores dele pela prudência, desvelo e grande número de aproveitamento de alunos. Os professores vitalícios das cadeiras de 7 primeiras letras ou gramática latina que se extinguirem têm direito ao ordenado que venciam e, sendo hábeis, serão providos em outras sem dependência de novo exame; se, porém, forem inábeis ou não quiserem aceitar as novas cadeiras para que forem nomeados serão aposentados com o ordenado por inteiro se contarem mais de 30 anos,e com dois terços se contarem 25 anos”. Depois de aceso debate, a Câmara rejeitou a sugestão. Entres as emendas oferecidas destacamos algumas: “Fica aprovado o ordenado de 500$ para os mestres de primeiras letras pelo ensino mútuo, havendo em cada freguesia duas escolas, uma de meninos e outra de meninas, dando-lhes utensílios e casas convenientes quando não houver em cada freguesia edifício público ou convento de que se possa lançar mão; as mestras terão sempre casas em que morem e tenham escolas”. Que faça extensiva a medida a respeito dos aluguéis de casas e utensílios não só nas capitais das províncias, como também nas vilas mais notáveis e estas com o ordenado que o governo, em conselho, julgar conveniente. “A Fazenda pública fornecerá casas próprias e os utensílios necessários para as aulas de ensino mútuo em todas as províncias” . O Sr. Cunha Matos se opunha a que “se arbitrasse dinheiro para casas; casas sim, mas dinheiro nunca, porque se der dinheiro nunca se hão de ter casas; a casa deve ser dada pela fazenda pública e nunca por outro modo...”. Além do deficiente provimento de cadeiras, de falta de prédios escolares, havia ainda ausência de inspeção. Em 1831, o ministro Lino Coutinho expede aos presidentes de província um aviso: “Havendo chegado ao conhecimento da Regência o mau estado em que quase geralmente se acham logo em começo as escolas elementares de ensino mútuo que o Estado, com sacrifício não pequeno, tem procurado estabelecer e espalhar, afim de meter na massa geral dos cidadãos a primeira e mais essencial instrução de ler e escrever, sem o que se não pode dar melhoria da indústria e nem de moralidade, e isto talvez pelo pouco cuidado da parte das municipalidades a quem cumpre prestar uma escrupulosa atenção em negócio de tanta transcendência, a mesma Regência, em nome do Imperador, sempre solicita em promover o bem estar dos cidadãos brasileiros, há por bem que V. Ex, fazendo conhecer às municipalidades da província o desgosto que lhe tem causado tal conhecimento, exija delas maior solicitude sobre escolas que se achem estabelecidas nos seus respectivos municípios, nomeando para inspetores homens de adequada inteligência na matéria e conhecido patriotismo, que, velando sobre o estado das aulas, método seguido, conduta dos mestres e aproveitamento dos discípulos, dêem às sobreditas municipalidades exatos e amiudados relatórios do que forem notando para se providenciar a respeito. Outrossim, que incumbam aos seus respectivos fiscais o cuidado de verem se as escolas estão sempre abertas nos dias que não forem feriados e pelas horas marcadas para cada uma das sessões de ensino, quer de manhã, quer de tarde; ficando os professores certos que, do conhecimento deste em diante, 8 não poderão receber seus ordenados sem apresentarem certidão de frequência, passada pelo respectivo fiscal, do distrito em que ensinam. E finalmente que Vossa Excelência, exigindo das municipalidades de conhecimento exato de três em três meses sobre o bom ou mal estado de tais estabelecimentos, informe com o que lhe ocorrer para se providenciar como se faz mister”. O mesmo ministro em 1832 informava à legislatura: “A instrução pública começa agora a dar alguns passos entre nós; e por isso está ainda longe daquela meta a que sempre deve atender às circunstâncias de nossa desigual população disseminada pela vasta superfície de Império; de maneira que de muitas escolas precisamos para bem poucos alunos...No Brasil, nas cidades mais populosas, contada é a escola lancasteriana, de inegável proveito e economia, que tenha 150 alunos, quando a sua despesa anual não custa à Nação menos de 800$ , termo médio, não entrando o aluguel da casa e outros utensílios. Muitas escolas se têm criado por todas as províncias e aprovadas pelo governo central; algumas têm sido providas; porém a maior parte delas ainda se acham vazias, apesar de repetidos concursos que se tem mandado abrir, ao menos na província do Rio de Janeiro; porque a falar a verdade carecemos de mestres e de mestras que ensinem todas as matérias designadas na lei de 15 de outubro de 1827 que fez das escolas de primeiras letras, aulas verdadeiramente maiores mandando ensinar muitas outras coisas, além de ler, escrever e contar. As escolas lancasterianas, tais como tem sido montadas, e na falta absoluta de um método razoável e uniforme de ensino, os meninos não se acham capazes e prontos para progredirem em outros maiores estudos ou a se aplicarem aos diversos misteres e ocupações da vida. Entretanto, há de se esperar que a “Sociedade Promotora do Ensino Elementar a quem tal respeito se pediu a coadjuvação de suas luzes, apresentando algumas judiciosas reflexões, não só sobre o método mais filosófico e fácil de ensinar, mas ainda sobre a uniformidade do ensino, escolha de cartas e compêndios, habilite o governo a dar a tais instituições o seu perfeito andamento”. Sobre o método de ensino público era, no ano seguinte, informado à Câmara dos Deputados: não tem apresentado aqui as vantagens obtidas em outros países; “por esta razão o governo está resolvido a não multiplicar as escolas onde se ensine pelo método lancasteriano, enquanto as existentes se não aperfeiçoarem. O edifício escolar é também um embaraço para o bom êxito da instrução; há falta de edifícios públicos, e os tomados de aluguel não tem as proporções necessárias. O remédio será construí-los, consignados os fundos necessários pela legislatura. O ordenado de algumas cadeiras é diminuto; convém que os menores se elevem, pelo menos, a 300$ sem o que não podemos esperar que as solicitem pessoas idôneas para o magistério; ou antes que 9 se conceda ao professor uma gratificação por aluno que freqüentar a maior parte do ano, o que convidaria a empregar maior zelo, e proporcionaria melhor a recompensa do trabalho”. Em 1834 era conferida às Assembléias legislativas das províncias pelo Ato Adicional a faculdade de legislarem sobre a instrução primária e os estabelecimentos destinados a promovê-la. O governo geral passou a concentrar toda sua ação, em matéria de ensino popular, ao Município Neutro. Neste mesmo ano o ministro sugere a criação do Inspetor dos Estudos, ao menos na capital do Império. O ministro, no ano seguinte, providencia a respeito do suprimento de casas e utensílios para se colher melhores vantagens do ensino mútuo prescrito pela lei de 15 de outubro de 1827. Os compêndios também precisam de uma fiscalização; não só os das aulas elementares como os das aulas maiores e academias, em quanto se não organize um plano geral de estudos. Este objeto é de interesse da instrução, dos estudantes e do Estado: àquela desterrando das classes alguns livros que já não estão a par da ciência de que tratam, como acontece nas aulas de filosofia racional e moral; aos estudantes poupando-lhes os atrasos que de ordinário sofrem, quando por qualquer motivo mudam de professores; e ao Estado, firmando a certeza de que se não corrompe o espírito débil da juventude, imbuindo-o em doutrinas falsas ou perigosas ou por qualquer outro motivo prejudiciais a ela ou à sociedade. O ministro José Ignácio Borges denuncia em abril de 1836 à Assembléia legislativa “o estado lamentável em que se acham as escolas primárias” sem uma fiscalização permanente da execução da lei de 15 de outubro, pois que tal não se pode reputar a comissão que deu às municipalidades, o que obrigou o governo a criar no Município Neutro essa fiscalização nomeando um cidadão de reconhecido mérito e a quem habilitou com algumas instruções adequadas ao melhoramento do ensino. Em abril baixa uma decisão: “O Regente há por bem que V. remeta anualmente a esta secretaria do Império uma relação circunstanciada da aplicação e moralidade de todos os estudantes que freqüentam as aulas públicas da Corte, tudo com imparcialidade e justiça como é de esperar; quequando em qualquer ocasião se der o fato de deslizar algum dos referidos estudantes do cumprimento de suas obrigações V. participe logo ao governo para lhe dar o conveniente destino, visto que a proteção, de que se forem credores, só pode abranger aos aplicados e morigerados”. Em março um decreto do regente Feijó regulamenta a escola primária. “Tendo mostrada a experiência que não obstante haver-se confiado às Câmaras Municipais a fiscalização das escolas, não se tem conseguido o desejado progresso em favor da juventude; antes pelo contrário, se há observado no que respeita às escolas de primeiras letras desta Corte e município um desleixo e abandono sobre tão interessante objeto que aliás deve, necessariamente, produzir uma péssima influência sobre a cultura moral e intelectual da 10 mocidade, em seus destinos futuros, e sendo por isso da maior urgência ocorrer quanto antes com o remédio a tais males, estabelecendo uma eficaz e permanente fiscalização sobre a conduta, assiduidade e mais obrigações dos mestres das ditas escolas, dando-se-lhes uma norma fixa para o regime de seu magistério em harmonia com os princípios liberais da legislação em vigor, afim de se preencherem os saudáveis fins da carta de lei de 15 de outubro de 1827; o Regente, em nome do Imperador, autorizado pelo art. 102 da Constituição, há por bem ordenar que se observem e guardem interinamente como Regulamento das sobreditas escolas, as providências e determinações que com este baixo, ficando contudo salva a fiscalização que a lei há recomendado à Câmara Municipal. 1°, haverá um diretor nomeado pelo ministro do Império e conservado enquanto bem servir com a gratificação anual de 600$. 2°, competem a este diretor a fiscalização e inspeção das escolas primárias da Corte e município que lhes ficam subordinadas e a respeito das quais fará observar, não só as presentes determinações, mas também todas e quaisquer instruções ou ordens que de futuro lhe forem pelo governo transmitidas. 3°, para este efeito lhe incumbe entrar no perfeito conhecimento e exame do préstimo, aptidão e moralidade dos mestres e do modo por que compõem os seus deveres, afim de poderem habilitar-se a dar em cada trimestre (e sempre que o julgue necessário) pela secretaria do Império, uma relação exata e fiel do estado das ditas escolas e dos abusos que nelas se tiverem introduzido; propondo os meios que lhes parecer mais convenientes para se lhes reformarem. 4° poderá advertir os mestres quando deixarem de satisfazer as suas obrigações, o que não produzindo efeito, assim o representará pela sobredita Secretaria de Estado, praticando o mesmo em todo e qualquer caso que mereça mais ampla providência do governo. 5° visitará as escolas quando julgar conveniente, e as horas incertas; e nestas ocasiões poderá assistir as lições que nelas se derem, indicando e insinuando os meios práticos que lhe parecerem profícuos para o melhor regime, em ocorrência com as presentes providências. 6° obrigará a cada um dos mestres a ter um livro de matrícula, rubricado e encerrado por ele diretor em que se inscrevem os nomes dos respectivos discípulos, com declarações do dia, mês e ano de suas entradas e saídas, e de seus pais, pátrias e idades, e com as observações sobre o comportamento, aplicação e progresso dos mesmos discípulos, cuja matrícula deverá conferir com os discípulos presentes todas as vezes que assim julgar conveniente. 7° assistirá aos exames e concursos que precederem ao provimento das cadeiras que vagarem, informando ao governo com o resultado dos mesmos exames, para legal nomeação do aprovado. 8°, na falta ou impedimento grave de moléstias de qualquer dos mestres nomeará pessoa hábil e idônea para servir de substituto durante o impedimento, afim de não parar de modo algum o ensino público; e se logo não puder encontrar sujeito com as circunstâncias 11 precisas dará disso parte ao governo, assim como se o impedimento do mestre se tornar mais prolongado. 9° cuidará de uniformizar, como lhe for possível, a disciplina das escolas, assim como os exemplares de escrita e compêndio. 10° , não se podendo sem cabal conhecimento do estado das escolas desta Corte e município formar um plano de regulamento com a exação e madureza que tão sério objeto exige, e que dê um impulso uniforme assim ao regime e peculiar economia de que são suscetíveis os seus alunos para se porem em prática as disposições da carta de lei de 15 de outubro de 1827; cumpre a que cada trimestre, uma exata relação dos seus discípulos em todas as circunstâncias, declarações e observações, já acima referidas. 11°, na mesma relação declarará também cada um dos mestres a execução que se tem dado “às disposições da dita carta de lei de 15 de outubro de 1827, na parte que lhes é respectiva; qual o método de que cada um deles se tem servido assim pelo que toca ao ensino das matérias de que trata a mesma lei, assim pelo que diz respeito à instrução moral e religiosa de seus discípulos, que também lhes ordena; e quais finalmente os inconvenientes que a tais disposições se possam ter oposto. 12°, em todo caso, porém, deverá cada um dos mestres, debaixo da mais estrita responsabilidade, empregar desde já o maior cuidado e vigilância em evitar tudo quanto possa conduzir para danificar e perverter a inocência e pureza dos costumes de seus discípulos, procurando por outro lado todos os meios acomodados à sua capacidade, de inspirar-lhes a submissão às verdades da Fé, à prática da moral evangélica e à obediência às leis do Estado e a seus superiores, segundo a letra e o espírito da lei. 13°, a estes mesmos fins muito convêm, e lhes é aqui ordenado, que dentro da escola tenham todos os discípulos debaixo de suas vistas, sem dividir em secções ou quartos separados, fora de sua presença, que lhes não permitam de modo algum palavra, expressões ou ações por mais indiferentes que possam a alguns parecer em que se ofenda o decoro e a honestidade e se alterem ainda levemente os sólidos princípios da educação moral que fica indicado; e que indefectivelmente tenham a escola aberta e nela compareçam às horas prefixadas de se começar o ensino, afim de se evitar que os discípulos se ajuntem à porta da rua ou se dispersem, ocupando-se em jogos e travessuras, e cometendo muitas vezes ações indecentes, com públicos incômodos e escândalos da vizinhança e dos que transitam por semelhantes lugares. 14°, para não se dar menor aso à insubordinação dos discípulos que a tolerar-se acarretaria o mais pernicioso exemplo, e seria por si só capaz de transtornar o melhor plano de educação e instrução; torna-se necessário que os mestres não sejam jamais omissos em puni-la, devendo participar ao diretor qualquer ato que se faça digno de maior severidade ou castigo, para se darem as providências que forem oportunas. 15°, nenhum dos mestres admitirá na sua escola discípulo que tenha saído de outra sem que apresente atestação do mestre desta, pela qual mostre a sua conduta e possa, por virtude dela, ser 12 aceito; e constando o contrário, o diretor fará responsável o mestre pela infração. 16°, de qualquer falta ou impedimento de moléstia, por que haja de parar o ensino público, dará o mestre impedido parte ao diretor, para terem lugar as providências indicadas acima; o que igualmente praticará cada um dos mestres por qualquer incidente ou ocorrência de que deva ser ciente o diretor para o exercício e desempenho de suas atribuições. 17°, as presentes providências e determinações respeitem igualmente, nesta Corte e município, às escolas e mestras de meninas criadas pela dita lei de 15 de outubro de 1827; as mesmas mestras as observarão e cumprirão exatamente, guardadas as proporções no que toca às obrigações marcadas na referida lei”. Este Regulamento expedido nove anos depois de promulgada a lei de 1827 não impediu que o ministro Bernardo deVasconcelos (1838) assinalasse, depois de dizer que todas as cadeiras primárias da Corte estavam providas e que os mestres, em geral, eram hábeis, assíduos e zelosos, que “os resultados do sistema lancasteriano não correspondem à expectação pública quer no tempo, quer na perfeição”. E acrescentava: é sabido que o método de Lancaster limita-se a uma instrução grosseira por assim dizer, própria para as últimas classes da sociedade, e não se estende ao apuro, à delicadeza, à correção e ao cálculo que, na gramática, na religião, e nos outros conhecimentos a civilização hoje exige na instrução primária de todas as classes superiores àquela, as quais, pelo inverso do que acontece na Europa, abrangem a mesma população. Seja como for, o governo está disposto a não estabelecer escola alguma de ensino mútuo senão quando tiver edifício com todas as proporções necessárias para ela se mostrar rigorosamente no plano do sistema, fechando, destarte, a porta às desculpas com que os entusiastas dele se defendem contra as argüições de seus antagonistas. A consignação dos fundos necessários para a construção desses edifícios, assim como para o daqueles que devem servir de escolas de ensino simultâneo, é um objeto de primeira instância, visto que não há edifícios públicos que se possam adaptar aos serviços de umas e outras escolas; e os edifícios particulares, além do inconveniente de exorbitante aluguel e da despesa de repetidas mudanças e remontas, não possuem a precisa capacidade”. O ministro Vasconcelos sugeria ainda à Câmara dos Deputados a votação de uma pensão “para qualquer dos nossos melhores professores ou outra pessoa habilitada a viajar para Europa a instruir-se nos melhores métodos da instrução primárias aí usados”. Em 1839, novo ministro, novas queixas e reclamações dos “defeitos e imperfeições que resultam da falta de uniformidade no plano de estudos, e da falta de capacidade dos edifícios para se estabelecerem as determinadas cadeiras do ensino mútuo, com a exatidão que requer o ensino. Para regularizar o primeiro inconveniente, o governo cuidará em 13 organizar um regulamento para remover, porém, o segundo há mister de fundos para edificações de casas apropriadas a que são destinadas”. O ministro Assis Coelho diz (1840) que “é sumamente satisfatório o adiantamento dos alunos das escolas primárias e seu magistério, e principalmente das meninas...” A instrução primárias altamente reclama que o poder legislativo habilite o governo com os meios necessários para mandar construir casas próprias para escolas , ao menos uma em cada freguesia da Corte. Outro obstáculo para o tardamento do ensino elementar é a limitada liberdade que se atribuem aos pais, tutores e outras pessoas encarregadas da educação dos meninos para os mandarem à escola senão quando lhes apraz, faltando frequentemente semanas e meses consecutivos, do que resulta não só o atraso proveniente destas faltas, para aqueles que os cometem, como também o desarranjo para a economia interna da escola, onde muitas vezes a parte que eles devem tomar no ensino não pode ser suprida por outra, “E lembra que há nações que consideram o ensino tão restrito e obrigatório como o serviço militar para comum defesa, o mesmo parece que entre nós pode ter lugar...Outro obstáculo é a imperícia dos professores. As vantagens concedidas pela lei de 15 de outubro não são tão grandes que chamem ao magistério pessoas com todas as habilitações precisas naquele grau de perfeição que se deve desejar...Mais de uma vez o governo se tem visto na necessidade de prover a cadeira pela simples consideração de ser mais conveniente colocar um professor menos hábil, que deixar a mocidade completamente privada de instrução.” Acontecimentos políticos extraordinários (a Maioridade), diz o ministro Araujo Vianna, não permitiram ao governo dar a sua atenção ao problema do ensino. Além do regulamento, um dos primeiros passos a dar é levantar planos e fazer orçamentos dos edifícios escolares, ao menos nas freguesias da cidade do Rio de Janeiro; a rigorosa observância do ensino mútuo prescrito na lei de 15 de outubro depende de subordinar o sistema das escolas às proporções das casas em que elas se estabeleçam. A habilitação dos professores é melindrosa e dificultosa; o governo julga de suma importância que os candidatos às cadeiras primárias não só reúnam aos mais conhecimentos que devem possuir, os de gramática latina e filosofia racional , mas também que sejam homens de exemplar comportamento. Fatos que se têm apresentado levam o governo a recomendar, com a maior instância, à consideração do corpo legislativo estas últimas circunstâncias. Outra providência é o direito de inspeção de que deve estar revestido o governo sobre todas as aulas e colégios particulares e com muito maior razão a respeito daqueles dos estabelecimentos que são dedicados à instrução primária ou em que faz parte das matérias que nelas ensinam. “É porventura a educação da mocidade objeto de tão pequena monta que se consinta na existência de uma multidão de casas daquela natureza sem que o governo 14 tenha mui particular conhecimento do cabeça de cada uma dessas casas, das habilitações de seus professores, das matérias do ensino, da pureza de suas doutrinas e da maneira por que tanto o diretor do estabelecimento, como os mesmos professores desempenham as obrigações para com as pessoas que lhes confiam os seus filhos ou os seus tutelados? Parece incrível, mas é uma triste verdade que tudo isto se ignora nesta capital do Império”. Três anos depois (1843), há promessa de “organizar o regulamento para as classes de instrução primária e secundária”; e a afirmação de que “as plantas para os edifícios escolares acham-se prontas com os respectivos orçamentos e a designação dos lugares onde se devem levantar os sobreditos edifícios nas quatro freguesias mais centrais da cidade”. No ano seguinte, o ministro do Império comunicava à Câmara que “mandara abonar a cada um dos professores da Corte que não tinham casa paga pela Nação a quantia de 400$ para aluguel dela; e cometera aos párocos e aos juízes de paz a velarem sobre os professores no desempenho de suas obrigações, dando eles parte às Câmaras Municipais e ao diretor dos estudos, das omissões e irregularidades que observassem,e ao governo nos casos de maior gravidade”. Em 1845, ao invés de lamúrias, queixas e sugestões o poder executivo age. É expedido decreto regulando o modo dos concursos às cadeiras públicas de primeiras letras no município de Corte. “Logo que o ministro do Império abrir a sessão apresentar-lhe-á o diretor das escolas diversas cédulas à proporção do número dos examinadores e das matérias de ensino marcadas na lei de 15 de outubro de 1827, indicando aquelas cédulas os parágrafos dos livros ou compêndios que hão de servir nesse dia para os exames e de que o diretor apresentará dois exemplares. Estas cédulas, depois de revistas no mesmo ato, serão recolhidas a dois escrutínios para serem tiradas à sorte, por cada um dos próprios candidatos pela maneira seguinte: começará o exame pela leitura, e o primeiro examinador designado pelo diretor, indicando ao mesmo tempo o professor que o deve interrogar, aberto o respectivo escrutínio extrairá uma cédula e recitará em voz inteligível e pausadamente o parágrafo do livro que ele indicar tendo o examinador na mão o outro exemplar. Acabada a leitura, o examinador fará ao examinando as necessárias perguntas sobre a análise gramatical, sintaxe, regência e concordância em um ou mais períodos. Este exame, assim como o das demais matérias, durará o tempo que o ministro determinar. Em seguida, proceder-se-á o exame de escrita para o que extrairá o candidato outra cédula do mesmo escrutínio e escreverá o que o examinador for ditando pelo livro, no lugar que a cédula indicar. O que o candidato assim escrever se mostraráprimeiramente ao ministro, depois ao diretor, e depois aos professores, passando por último às mãos do examinador, o qual fará ao candidato as convenientes perguntas sobre a ortografia, pontuação e acentuação, notando os 15 erros em que o candidato houver incorrido, sem contudo se corrigirem na matéria por ele escrita, por dever servir esta de prova. Semelhantemente se procederá ao exame de aritmética, segundo as matérias mandadas ensinar pela lei de 15 de outubro de 1827 nas escolas de meninos. Depois do exame de aritmética, far-se-ão as perguntas sobre as noções mais gerais de geometria prática exigidas pela lei, demonstrando o candidato alguns fáceis problemas na tábua preta. Seguir-se-á o exame sobre os princípios da moral cristã e da doutrina da religião católica, apostólica, romana. Far-se-á por último o exame da prática do ensino mútuo, do qual o examinando explicará um só processo, fazendo-o executar pelos meninos. Pela mesma forma, sem discrepância alguma, far-se-ão os exames dos demais candidatos; e as matérias tiradas por sorte por um deles, nos lugares designados nas cédulas, não poderão servir de objeto para o exame dos outros; por isso, findo o exame de cada um, rasgar-se-ão as cédulas extraídas. Se os professores se não derem por satisfeitos com as perguntas do examinador designado, farão as que julgarem necessárias para se habilitarem a votar com acerto o merecimento do candidato. Acabados todos os exames dos candidatos e levantada a sessão, retirar-se-ão os examinadores a outra sala, e sós, e livremente, conferirão entre si sobre a aprovação de cada um dos candidatos; e declararão concienciosamente o seu parecer por escrito, concluindo quanto à aprovação com as seguintes notas: ótimo, bom, suficiente, e quanto à desaprovação pela fórmula, “esperado”. Este parecer, que ficará em segredo até se lavrar a ata no livro competente, será entregue ao diretor com os mais papéis dos exames, o qual levará tudo, com informação sua, à presença do ministro, na forma do decreto que regulamenta as escolas primárias.” No ano imediato, o ministro Almeida Tores insiste a pedir ao parlamento fundos para construir prédios escolares afim de ser rigorosamente observado o método de ensino decretado na lei de 15 de outubro; pede ainda autorização para dar novo regulamento ao ensino. Enquanto os ministros do Império vinham apontando com teimosia as mais urgentes necessidades do ensino popular (casas escolares, mestres idôneos, melhores ordenados deles) o parlamento agitava planos e projetos sem nenhuma relação com o ambiente do momento. O Deputado Ferreira França mandava que “em cada paróquia do município do Rio, se formará uma sociedade de amparo às meninas desamparadas da respectiva paróquia”. O governo concorreria “com o que fosse rogado e pendesse da riqueza nacional”. Ainda o mesmo deputado pedia que “adicionasse em cada paróquia do município do Rio as seguintes cadeiras integrantes da instrução primária: a) de geometria plana e esférica; prática e desenho; b) de história natural e das artes abreviadas demonstradas; c) química geral e particular abreviada e demonstrada; d) de moral geral e particular abreviada e demonstrada; 16 e) de moral geral e prática dos deveres do homem e do cidadão brasileiro; f) do uso saudável das coisas e comportamento nas enfermidades até a chegada do médico ou cirurgião; g) de economia doméstica ou administração de casa; h) de ginástica e defesa do corpo, compreendidos nado, equitação e dança; i) de música nacional”. Os ordenados e vantagens seriam os mesmos das cadeiras de primeiras letras, que seriam ocupadas por nacionais de ambos os sexos que fossem aptos. No meio das fantasias legislativas levantava-se uma voz para provocar a atenção da legislatura para o ensino, especialmente o particular. O Deputado Justiniano José da Rocha (professor e jornalista) diz que “a instrução pública não oferece em geral garantia alguma ao Estado, nem aos pais de família. Não há centralização do ensino. Não há inspeção, nem na parte civil, nem na parte literária, nem desgraçadamente na parte religiosa. Não há mesmo inspeção nos sentimentos políticos que inspira a mocidade. Vemos que são estrangeiros, quase geralmente, os mestres, os educadores dos moços. Não sabemos que livros andam nas mãos deles em que gastam as suas horas, de que máximas se lhes imbue o espírito. Se assim é para as aulas pagas pelo Estado, o que será das aulas particulares? Estão elas em completa independência. Fundando-se no artigo 179 § 24 da Constituição que nenhum gênero de trabalho, indústria ou comércio pode ser proibido uma vez que se não oponham aos bons costumes públicos, à segurança e saúde dos cidadãos” fundando-se neste artigo e desprezando as suas restrições, tem-se entendido que a instrução é objeto entregue a todas as especulações... Eis o projeto que o deputado mineiro julgava ser uma das medicinas do mal: “Todo indivíduo que quiser abrir qualquer estabelecimento de instrução pública primária ou secundária deverá previamente impetrar licença do governo, provando: a) que tem a necessária capacidade para o ensino a que se dedica; b) que tem a necessária moralidade, e que ainda não sofreu pena alguma infamante. E declarando: qual a sua residência e acomodação da casa em que se estabelecer; qual o sistema, método e livros de ensino que pretende adotar; qual o regime interno do estabelecimento, especialmente na parte religiosa. E ainda: provar que os professores subsidiários têm capacidade e moralidade; e, se os estrangeiros, que têm residência, pelo menos, de dois anos no Império”. Estes documentos eram submetidos ao apreço de uma comissão de professores jubilados do ensino secundário e presidida por um lente jubilado de qualquer academia. Os chefes dos estabelecimentos, se brasileiros, deveriam pagar certa quantia, a título de patente (não fixada no projeto) e anualmente 5% das pensões dos seus alunos; se estrangeiros, patente e imposto. Multa no caso de infração. Uma comissão de pessoas competentes, de preferência professores jubilados, examinaria o estado dos estabelecimentos. Relatórios reservados, e, em casos 17 raríssimos de censura ou de elogios, poderia o governo mandar imprimi-los. Este brado de Justiniano J. da Rocha não teve eco no parlamento durante três anos. No ano de 1846, houve na Câmara dos Deputados vozes eloquentes e insistentes em prol da instrução: Francisco Salles Torres Homem (professor de aula pública de filosofia na Corte), Domingos Gonçalves de Magalhães e Dias de Carvalho, membros da Comissão do ensino. Neste ano, a comissão pediu atenção de seus pares para três aspectos do problema educacional: a) retornar a ideia de 1843 sobre as restrições ao direito de abrir aulas e dirigir colégios; b) pediu organização e inspeção; c) cuidou dos estudos secundários (Liceu Nacional). Um Conselho Geral de Instrução pública destinado a auxiliar o governo na organização, inspeção e direção da instrução pública em todo Império foi sugerido pela referida Comissão de instrução. A Câmara deu de ombros à atitude destes paladinos. Os projetos nem foram dados ao debate... Em 1847 é o próprio ministro do Império, Marcelino de Brito, quem informa ao corpo legislativo a deslavada exploração de que é alvo o ensino. “As aulas e colégios particulares, de que tanto abunda esta Corte (O mercantil de 13 de janeiro de 1846, aponta 13, quase todos os dirigidos por estrangeiros), estabelecem-se sem que o saiba a autoridade pública; não se exige dos seus diretores nem uma prova de habilitação, nem mesmo de moralidade; e assim se arvora quem quer em diretor de um colégio, sem prévia declaração das obrigações a que se compromete, e sem risco, portanto, de lhe ser imposta pena alguma pela falta de cumprimento dos deveres. Óbvias são as perniciosas consequências deste estado de indiferença e abandonoem matéria de tanta gravidade; querendo o governo providenciar quanto antes sobre tão importante objeto, nomeou uma comissão de pessoas reconhecidamente habilitadas e incumbiu de examinar com toda urgência o estado das escolas públicas, como dos colégios e escolas particulares existentes nesta Corte, verificando as matérias que nela se ensinam, o sistema por que o fazem, livros de que usam, a moralidade que se observa e todas as circunstâncias que possam servir para esclarecer o governo. Acabava de escrever o que fica dito, quando me foi apresentado o trabalho da Comissão, que passo a examinar: e em vista dele procederá o governo convenientemente”. Ainda este ano, o Deputado Salles Torres Homem (membro da comissão a que se refere o Ministro Marcelino de Brito e provavelmente a sua mais assinalada figura) refunde em um só projeto as iniciativas legislativas anteriores, autorizando o governo a reformar a instrução pública primária e secundária da capital do Império, segundo o plano indicado. Depois de traças as bases do Liceu Nacional, um colégio de externos, cujo curso será de seis anos (o futuro externato Pedro II), de traçar as normas para o ensino particular, diz quanto ao ensino comum: “Todas as escolas primárias existentes pertencerão ao 1° grau; serão 18 estabelecidas 8 do 2° grau, nas quais, além das matérias ensinadas no 1° grau, se ensinarão: geografia e história nacional; desenho linear; aritmética completa; princípios gerais de física e história natural com aplicação aos usos da vida, explicação dos fenômenos mais importantes da natureza; os primeiros elementos de geometria; música e exercícios de canto. Os alunos das escolas do 2° grau pagarão cada um 12$ anualmente. Os vencimentos dos mestres das escolas elementares serão elevados a 800$ e dos mestres das intermediárias será de 1:000$, além do produto das matrículas, que formará a parte eventual do seu ordenado. O exercício não interrompido do magistério, tanto nas escolas elementares, como nas intermediárias, durante 25 anos, dará direito à jubilação com o ordenado dos edifícios que devem servir para as escolas de ambos os graus. Em cada paróquia será estabelecida uma comissão permanente de inspeção das escolas primárias ali existentes; e na repartição dos Negócios do Império será criado com o título de Comissão Central uma junta destinada a auxiliar o governo na organização, inspeção e direção de instrução pública. Os membros das comissões paroquiais e os da Comissão Central não vencerão vencimento algum; mas aqueles que se distinguirem pela sua assiduidade e zelo no desempenho das suas funções, assim como pela utilidade e importância de seus trabalhos, terão direito a exigirem do governo imperial as recompensas honoríficas que o Estado destina aos grandes serviços públicos”. O deputado Torres Homem expõe à Câmara a situação de miséria da instrução popular, combatendo de início a lata liberdade de abrir escolas. Todas as liberdades tem suas restrições; só não as terá o exercício do magistério, a de educar? Só gozaria deste privilégio a liberdade de todas a mais perigosa, a que se exerce sobre o assunto mais melindroso e importante, a que se modela o espírito e coração das novas gerações, a que decide de seus futuros destinos, aquela, conseguintemente, onde o abuso traz males consigo males mais duráveis e profundos, porque ataca e arruína os alicerces mesmas da sociedade? Em frente destas fontes viciadas o Estado mantém a Corte e município 25 escolas primárias, 17 para meninos e 8 para meninas. A população da capital não pode ser computada em menos de 100.000 habitantes livres. Ora, segundo os dados de estatística geralmente admitidos, o número de meninos de um dia a 14 anos forma o terço da população total de qualquer país, o número dos de 7 a 14 anos, período em que principia e acaba a vida escolar, constitui os ¾ deste 1/3. Calculando sobre esta base temos que o número de meninos que na capital se acham na idade de freqüentar as escolas primárias, deve ser de 14.286, desprezadas as frações. Mas as 25 escolas apenas contem 1.352 alunos e este é efetivamente o máximo que a insuficiência dos edifícios lhe permite conter. Restam 12. 934 jovens a quem o Estado não ministra meio algum de instrução. Pode-se, pois, dizer que a 19 instrução primária pública não existe na primeira cidade do Império; que a promessa da Constituição não foi ainda nesta parte, realizada. Abrir escolas para mil meninos, quando 14 mil é o número dos que necessitam de instrução, equivale, decerto, da parte do governo a um abandono total do ensino primário. De 25 escolas para 10.000 habitantes; toca uma a cada 4.000 o que corresponde, segundo a base estabelecida, a uma escola para 564 meninos em idade de as frequentar; e, entretanto, nenhuma delas, tais como se acham organizadas oferece capacidade para mais de 50 a 60 alunos. Para preencher esta imensa lacuna, a especulação particular multiplicou as escolas por toda parte, mas o ensino sendo aí pago, a classe menos favorecida da fortuna (e esta forma sempre a máxima parte da população) é delas excluída. Quatro mil alunos de ambos os sexos freqüentaram esse estabelecimento, os quais, reunidos aos das aulas públicas, perfazem um total de 5.322. Ainda restam 8.932 meninos que não podem achar ensino, nem nas escolas públicas, nem nas particulares; é mais da metade da população condenada a vegetar toda a sua vida na mais completa ignorância. O número de escolas é insuficiente. Serão ao menos bem organizadas e dirigidas? Elas não se apresentaram aos olhos da comissão nomeada pelo governo debaixo de um aspecto menos triste e lamentável que os estabelecimentos particulares. As casas que lhes serem de sede não oferecem nenhuma das condições requeridas para semelhante fim; vimos em cada uma delas uma multidão de meninos amontoados, apenas podendo mover-se e respirar em salas estreitas, mal arejadas, e inadequadas para o método de ensino que se adotou. Este o lado material. A sua face moral é representada por um homem profundamente descontente da sorte, pungido pela necessidade, queixoso da desconsideração e descrédito em que é tida a sua nobre profissão, e explicando o mau estado do estabelecimento com a exigüidade do ordenado, que mal lhe chega para as primeiras precisões da existência. Esse homem é o mestre público que ensina por ensinar, mas sem fé, sem gosto, sem entusiasmo no cumprimento de um difícil dever. Há a notar o programa: ler e escrever, as primeiras operações de aritmética, alguns rudimentos de gramática e de catecismo: eis tudo, para as classes minimamente pobres, e que vivem do trabalho manual nas regiões inferiores da sociedade. Entre a instrução elementar e os cursos da humanidade, não existem aqui instituições intermediárias de ensino, onde as classes que medeiam entre as operárias e as científicas possam colher o benefício de uma instrução mais extensa e variada do que a que convém a um simples obreiro. Para eles, estão hoje fundadas em quase todos os países civilizados, escolas do 2° grau, onde, além das matérias de nossas escolas atuais, se ensina a geometria com as suas aplicações usuais. A agrimensura, os princípios gerais de física, e de história natural, geografia e noções de esfera, história nacional, desenho linear e canto. A primeira e última lei que passou no corpo legislativo sobre a instrução primária ( lei de 15 20 de outubro de 1827) , lei incompleta e defeituosa, conta já 19 anos de existência; nossa população cresceu consideravelmente depois disso; e as fontes do ensino não foram alargadas na mesma relação. O projeto de reforma compreende as providências relativas à deficiência na quantidade de escolas primárias existentes, à extensão das matérias que deve compor-se o 1° grau do ensino e ao melhoramento da sorte dos mestres. Para ocorrer àquelas necessidades, só doisexpedientes havia; ou conservar o mesmo número de escolas atuais, e munir o governo com os recursos precisos para dar a cada uma delas um desenvolvimento quatro ou cinco vezes maior, escolhendo para sua sede vastos edifícios, capazes de conter 400 ou 500 alunos, e fazendo-os dirigir pelo sistema de Lancaster; ou então aumentar-lhes o número no caso de preferir-se escolas menos povoadas, e dirigidas pelo método simultâneo. O sistema Lancaster foi adotado e prescrito por ato do governo que fundou as atuais escolas, sem adotar a capacidade dos edifícios à natureza própria do método, resultando daí que nestas escolas que dificilmente poderão conter mais de 60 alunos, sofrem todos os inconvenientes inerentes ao sistema dos monitores sem a posição da única vantagem que ela realmente pode oferecer. Entre estes dois expedientes a comissão de instrução, autora do projeto de reforma, não hesitou em rejeitar o das escolas lancasterianas, e preferiu aumentar o número de escolas que serão para o futuro dirigidas diferentemente, bem que não fosse esse expediente o mais econômico. O sistema Lancaster é radicalmente vicioso, é impróprio para dar educação, que é a parte mais preciosa e indispensável do ensino. O saber ler e escrever, considerado independentemente do ensino religiosos e da educação, pode conduzir, tanto ao mal como ao bem...Essa ciência que recebemos na aurora da existência não é um fim; é um meio subordinado ao aperfeiçoamento moral, sem a qual será talvez antes prejudicial que útil. O ensino é nulo no sistema dos monitores porque se reduz a simples recitação material, da cartilha. A educação também aí não existe, porque a intervenção do mestre desaparece da quase totalidade de seus alunos para ser substituída pela de outros meninos, sem nenhuma autoridade moral sobre o seu espírito. A comissão preferiu a multiplicação das escolas, e dilatar a esfera do ensino primário, com as escolas intermediárias. E como a instrução não seja aí inteiramente a primária de que trata a Constituição, e participa igualmente da natureza do ensino secundário, as qualificamos de escolas intermediárias e exigimos uma módica retribuição da parte dos alunos. Essa retribuição serve menos a compensar o governo da despesa do Estado do que a interessar os pais no progresso dos filhos e a levá-los a auxiliar a criação da escola, o que não acontece quando o ensino é inteiramente gratuito, como a experiência tem 21 provado. O aumento do ordenado é de rigorosa justiça. A condição dos professores é miserável: falta-lhes a recompensa suficiente que releve e reabilite a sua posição; falta-lhes o incentivo que os convide ao trabalho sem desânimo e substitua a sua indiferença pela dedicação. Esse mestre de primeiras letras, tão mal remunerado e desprezado, exerce funções que não excedem a nenhumas outras em importância: exerce um augusto sacerdócio. Apesar da eloquencia dos fatos e cifras citadas, a Câmara limitou-se a criticar o projeto na parte relativa à instrução secundária. O deputado D. Manuel de Assis Mascarenhas admira que havendo negócios importantes na presente sessão, negócios recomendados pela Coroa, na fala do trono; admira que se fosse procurar um projeto que na atualidade se deve considerar, com razão de muito menos importância que outros trabalhos de casa. Não seria mais importante cuidarmos do projeto sobre a guarda nacional, do projeto sobre o recrutamento, do projeto de reforma judiciária? O deputado Visconde de Goyana acha o projeto ocioso, dispendioso e inútil; desejaria um plano geral para a instrução nacional, não só primária como secundária e de graus acadêmicos, abrangendo todo o Brasil, estabelecendo uma universidade. O projeto em debate só tem utilidade para a Corte. O deputado Ferraz pede a audiência do ministro cuja experiência sobre a matéria é incontestável. Pede o adiamento ou ouvirmos a sua opinião...A Câmara atendeu a este pedido. Entretanto, no ano seguinte (1848), o poder executivo dizia em relatório que “a instrução pública primária continua a oferecer um aspecto melancólico e triste. Esta espécie de instrução de que depende essencialmente a educação moral da mocidade, e que tanto cuidado deve inspirar ao governo está longe de corresponder aos seus grandes fins. Causas diversas se aglomeram para dar este resultado; sendo a principal origem de tão perniciosos efeitos quatro diversos elementos, que, consistindo de há muito, porém, desapercebidos, poderão, à sombra da desatenção pública, tornar-se grandes males a que urge opor grandes remédios. A falta de idoneidade no pessoal desta instrução é sem dúvida uma das causas, um dos elementos de que procede este estado desanimador. Salvas poucas exceções , faltam nos mestres de ambos os sexos, os indispensáveis conhecimentos para o completo desempenho de tão importantes encargos, nascendo, como necessária conseqüência, os acanhados resultados de ensino e educação das principais idades. Vem, em seguida, o descontentamento profundo em que vivem os mestres, desgostos que provem da quase nenhuma proteção que dos poderes públicos tem merecido, e da falta de recompensa pecuniária suficiente que não só os ponha a salvo das privações, mas também os possa, à carência de outro móvel, animar no penoso trabalho a que se entregam. A deficiência de 22 métodos convenientes aplicados a este gênero de ensino, figura como terceiro elemento. A falta de edifícios de uma capacidade adequada às precisões do ensino, bom desempenho dos métodos, regular andamento do serviço e observância de uma boa higiene, forma o último elemento que cumpre quanto antes remover. Os mestres do ensino primário em extremo descoroçoados e descontentes, não podem ocupar-se da instrução da mocidade com este amor, interesse e dedicação que faz caminhar e fortificar, por que eles vêm dos minguados meios, com que se lhes paga trabalho tão lidado, o medonho aspecto de uma velhice apertada por tantos afrontamentos e fadigas. Melhorar a sorte destes homens, sobre as quais pesa tão grande responsabilidade, animá-los com uma remuneração pecuniária em perfeita harmonia com o estado do país e assegurar-lhes, pela jubilação, em um tempo dado, o pão e amparo da velhice, são medidas tão essenciais que sem ela veremos ir crescendo o desalento e, por fim, a total ruína da instrução pública. Esta medida, porém, não deve ser isolada; cumpre que ao mesmo tempo se repare nos meios de dar ao ensino mestres de uma instrução acabada e perfeita, nos quais se reúna à necessária moralidade soma de conhecimento de que se compõe hoje a instrução primária nos países mais adiantados... O que se conseguiria organizando escolas como as normais da Europa, onde os moços de capacidade pudessem preparar um tirocínio para a grande vida do magistério. Uma legislação apropriada deve também fixar a escolha do método para o ensino das escolas primárias, onde hoje existe o vago e a irregularidade. Segundo as informações do zeloso diretor das escolas o ensino mútuo mandado seguir nas nossas, por lei, não tem entre nós colhido os resultados que prometia, sendo isto devido, no sentir do mesmo diretor, já a falta da necessária capacidade das casas , já à nímia latitude que a lei dá autoridade paterna; por isso que, não sendo os pais obrigados a mandar seus filhos às escolas, os retiram delas juntamente quando principiam a poder ser úteis ao ensino pelo seu adiantamento, anulando-se deste jeito um dos recursos deste método de ensino. Estes conceitos do ministro Visconde de Macaé talvez despertasse o poder legislativo da sua atitude displicente em relação ao ensino. Não funcionando as Câmaras em 1847, no ano seguinte, alguns advogados da boa causa voltaram a pedir medidas que resolvessem aquele “aspecto melancólico e triste da instrução” a que se referiu o ministro. O deputado Justiniano José da Rocha sugere mandar à Europa pessoahabilitada, com as necessárias instruções, estudar o sistema e organização do ensino público primário e secundário. No debate do projeto o deputado Paula Cândido observa que, antes de pretender aperfeiçoar o ensino, cumpre saber qual seja ele. Mal sabemos do ensino primário do Império, porque, dos relatórios dos ministros, dos presidentes das províncias, apenas consta que há tantos estudantes nas escolas públicas, que tantos aproveitaram e que tantos não aproveitaram. Será 23 isto instruir o corpo legislativo? Temos ao menos conhecimento das matérias que constituem a instrução primária e secundária em cada região do país? Temos, porventura, alguns esclarecimentos dos métodos seguidos nas diferentes escolas? O projeto ainda se acha em falta por outro princípio: que não é sem dúvida a instrução primária e secundária dos países estrangeiros a que oferece melhores vantagens. “Julgo que precisamos de uma instrução especial adequada ao país: uma das medidas a adotar como fundamental de instrução da mocidade seria procurar dar outra direção às ambições dos jovens dirigindo-as a outros fins, e removendo-as desse intento de entupir as avenidas do poder para conseguir empregos públicos...” A razão é falta de boa direção da instrução, por conseqüência falta de conhecimento dos objetos que a reclamam...A missão à Europa ficou adiada... Em 1850, o Sr. Visconde de Monte Alegre, que ocupava a pasta do Império, informa à Legislatura que “os males da instrução apontada em relatórios anteriores subsistem, e subsistirão enquanto não forem, como convém, cortados pela raiz. Há falta de unidade de pensamento bem compreendido e que tenha em todas as capacidades do magistério um desenvolvimento conveniente. O meio de removê-lo é pois organizar um plano de instrução, subordinando-o por toda a parte a uma só e mesma inspeção que, figurando com a fonte ou origem daquele pensamento, possa velar no seu cabal desenvolvimento, e cortar-lhes os vícios apenas se manifestem. Não é somente nas grandes escolas, nos liceus, nos colégios que se deve manifestar aquela unidade de vistas na direção dos objetos que a ela compreende; ela se deve estender a todas as espécies de que compõem a instrução, deve portanto abranger a instrução primária, sistematicamente neste gênero de ensino, de maneira que se possa reconhecer um só centro de movimento e fiscalização que leve, por assim dizer, a vida aos espalhados membros do grande corpo, e lhes transmita o pensamento e o método. Deste modo, os mestres não serão mais, como até aqui, existências desligadas e incoerentes, mas sim unidas e subordinadas, cujo tipo se verá estampada nos caracteres do seu centro de vida e ação, Refiro, disse o Visconde de Monte Alegre à fundação de uma universidade composta dos estabelecimentos científicos já existentes e de alguns outros que convêm anexar-lhe; e enquanto isso se não fizer, da criação de uma comissão permanente ou de um conselho diretor de educação...Só desta forma se tornará a instrução uma instituição verdadeiramente nacional. Se o corpo legislativo autorizar o governo a criar essa comissão ou conselho, e marcar-lhes as atribuições, afianço que ele se esmerará para que possa corresponder à confiança da Assembléia Geral Legislativa. Como complemento da medida indicada, reputo essencial a ida de uma missão a Europa de pessoa em que concorrem habilitações, afim de estudar ali os diversos sistemas de instrução e confeccionar uma vasta notícia que será de grande auxílio para o acerto da reforma projetada.” 24 As despesas com a instrução elementar, na Corte e município, de 20 contos em 1833, subiu em 1848 a menos de 50. Existiam 25 escolas. O ensino secundário público na Corte e município esteve, antes da criação do Colégio Pedro II, em 1837, sob o regime de aulas avulsas, criadas pela reforma de Pombal, em 1759, com variantes. De lotação restrita de alunos, o Internato decretado pela Regência não as aboliu; manteve-as até a reforma Pedreira do Couto Ferraz que criou o Externato, reclamado 8 anos antes, no Parlamento, pelo deputado Torres Homem com o seu projeto do Liceu Nacional. Esta desordem no ensino oficial entretinha uma larga difusão de estabelecimentos privados, em grande parte dirigidos por estrangeiros. No projeto de reforma Cunha Barbosa, 1826, os liceus das cidades e grandes vilas (cabeças de comarca) tinham o curso dividido em três anos: no 1° se daria uma idéia geral dos reinos da natureza e convenientes conhecimentos de química e sua aplicação às artes; no 2°, os princípios de álgebra ordinários, os elementos de trigonometria, os princípios gerais de mecânica e de física em geral; no 3°, noções mais importantes de economia e de comércio em geral, e exposição dos princípios fundamentais da moral. As escolas subsidiárias eram destinadas a um curso mais completo, e a dar um mais amplo desenvolvimento aos talentos não ordinários; nelas se ensinariam a história natural, a física, a química, a agricultura, as matemáticas puras e mistas, a moral, a economia política e o desenho; todo este corpo de doutrina seria dividido em diversas classes ou cursos distintos, que os discípulos poderiam seguir separada ou cumulativamente, segundo a vontade e a extensão de seus talentos; gratuitas somente para os seis estudantes mais hábeis que houvessem terminado os estudos nos liceus. Os ginásios, estabelecidos nas capitais das províncias, ensinavam: a análise completa das faculdades e operações do entendimento; a gramática geral ou a arte de falar; a retórica ou arte de escrever; o estudo das línguas mortas e o das vivas. O conhecimento dos diversos modos da sua escritura ou sejam os diplomas ou em moedas e inscrições lapidadas; a hermenêutica ou a arte de distinguir os monumentos e diplomas genuínos dos apócrifos; e finalmente, a geografia antiga e moderna, a cronologia e a história filosófica, tanto civil como literária. “Haverá, em todo o Império, Cursos de estudos elementares em círculos para esse fim destinados. Nestes cursos ensinar-se-ão elementos de história natural, química numa só cadeira; noutra cadeira: elementos de geografia, metafísica, lógica; 3° cadeira : filosofia moral (contendo a teoria desta ciência), direito natural e político. Na capital de cada província haverá três cadeiras: a 1° de latim e francês; a 2° de aritmética e geometria; a 3° de retórica e poética. Os presidentes das províncias marcarão os círculos que devem ter, pelo menos, 35 mil habitantes livres. Sobre este projeto a comissão de instrução disse: “não lhe 25 parecendo nas matérias, nem no seu arranjo suficiente, não prestou a sua assinatura quando foi apresentado pelo seu autor (padre Feijó, membro da comissão); todavia como a Câmara já julgou a matéria de deliberação é de parecer que se imprima para entrar em discussão.” Neste mesmo ano de 1827 a Câmara conhece mais dois projetos oferecidos pelo deputado de Deus da Silva. Um deles cuida de um Colégio de Belas Artes em Belém do Pará. Nele se ensinarão a gramática e língua italiana, a cronologia, e geografia, a história geral profana, a história sagrada, a história do Império, a ideologia e ética, a retórica e poética, a aritmética, a geometria, o direito natural público das nações com análise da Constituição do Império. No segundo, o deputado mandava criar, na cidade de Fortaleza, várias cadeiras; a) de gramática latina e portuguesa; b) de gramática e língua francesa; c) de ideologia e ética; d) retórica e poética; e) de história geral sagrada e profana e da particular do Império; f) de direito público universal das nações em análise da Constituição. Várias cadeiras pedia o deputado Carneiro da Cunha para sua província, a Paraíba: de retórica, geografia e história; de filosofia; de francês. Um Liceu de humanidades na Corte; o ensino constaria de grego, latim, francês, inglês, filosofia racional e moral,retórica e análise dos clássicos portugueses, declamação, matemáticas elementares. Todos estes devaneios foram sugeridos na legislatura de 1837. Em 2 de dezembro deste ano de 1837 decretava a Regência, sendo ministro do Império Bernardo Pereira Vasconcelos: “O Seminário de São Joaquim é convertido em Colégio de Instrução secundária. Este colégio é denominado Colégio D. Pedro II”. Nele serão ensinadas as línguas latina, grega, francesa e inglesa, (note-se a omissão da língua nacional), retórica, os princípios elementares da geografia, história, filosofia, zoologia, mineralogia, botânica, química, física, álgebra, geometria e astronomia. Um reitor, um síndico ou vice-diretor, professores, substitutos e inspetores de alunos. Um capelão e professor de religião. Um médico e cirurgião de partido. Os professores públicos de aulas avulsas de ensino secundário (latim, grego, francês, inglês, filosofia e retórica) na Corte podiam ser chamados para terem exercício no Colégio. Alunos internos e externos, podendo o governo admitir gratuitamente até 11 alunos internos e 18 externos. Em 31 de janeiro de 1838 era expedido o Regulamento do Colégio definindo as obrigações dos funcionários administrativos, professores e alunos. “Compete aos professores não só ensinar aos seus alunos as letras e ciências, na parte que lhes couber, como também, quando se oferecer ocasião, lembrar-lhes seus deveres para com Deus, para com os seus pais, pátria e governo; entregar todos os sábados ao vice-reitor um mapa sobre o procedimento e trabalho dos alunos; entrarem nas aulas vestidos decentemente, nas horas prescritas, imediatamente antes da entrada dos alunos; é-lhes proibido aceitar dos alunos 26 retribuição ou presente de qualquer natureza que seja... Os alunos serão repartidos em classe de 30 a 35 cada uma e, quanto ser possa, dos que forem da mesma idade e da mesma aula. Ninguém será admitido aluno, se em sem favor não concorrerem os requisitos seguintes: a) idade, pelo menos, de 8 anos e de 12 quando muito; b) saber ler, contar e as quatro operações de aritmética; c) atestado de bom procedimento dos professores ou diretores das escolas que houverem frequentado. Além disso deverá o que pretender ser aluno interno ter tido bexigas naturais ou vacinado. O colégio é dividido quanto ao estudo em 8 aulas; no interior será dividido em classes; cada classe não poderá conter mais de 30 a 35 alunos, terá sua mesa distinta no refeitório, na sala de estudos e, quanto ser possa, seu dormitório à parte. As lições de dança serão dadas nos dias feriados aos alunos, cujos pais houverem determinado que a aprendam; nas quintas-feiras e domingos poderão os alunos aprender a nadar nos lugares em que o reitor, de acordo com os professores de saúde (os médicos) houver escolhido e com todas as necessárias precauções tomadas por eles. Todas as aulas e refeições serão precedidas por uma breve oração. Durante a refeição um dos alunos das classes superiores fará uma leitura indicada pelo reitor. Nas quintas e domingos terá lugar a instrução religiosa distribuída do seguinte modo: além da missa haverá orações de vésperas, que são comuns para todo o colégio, os alunos da oitava (1° série), decorarão história sagrada e pedaços do Novo e Velho Testamento que lhes serão explicados pelo capelão; os das aulas 7°e 6° (2° e 3° séries) decorarão o catecismo da diocese, com as explicações que o capelão julgar necessárias; os alunos da 5°, 4° e 3°aulas (3°, 4° e 5° séries) assistirão à exposição dos dogmas da religião e das provas em que se apóiam; para as aulas 2° e 1° (7° e 8° séries) haverá conferências filosóficas sobre a verdade da religião e sua história, e os benefícios que lhe deve a humanidade. Os castigos, privação de recreio, de passeios com trabalho extraordinário, proibição de sair; prisão (em lugar suficientemente claro e fácil de ser inspecionado, onde o aluno ocupar-se-á constantemente de algum trabalho extraordinário); privação de férias em todo ou parte, vestir a roupa às avessas (o aluno assim vestido ocupará lugar à parte em aulas e salas de estudos e não assistirá aos passeios, nem aos recreios), moderação corporal; expulsão do colégio. O ministro do Império ouvidos o reitor e os professores formará o catálogo das obras que devem ser adquiridas para as aulas. Em dezembro começarão em cada aula os exames; estes serão feitos pelos próprios professores, na presença do reitor e de um comissário do ministro do Império, todos eles farão parte do tribunal de exame. Cada exame durará uma hora. Além destes exames a que são obrigados haverá no quinto mês do ano letivo, exames para os que pretenderem passar de uma aula para outra. Só passará para aula imediata o aluno que for unanimemente aprovado. Concluídos os exames haverá a solenidade da distribuição dos prêmios. Em cada 27 aula o aluno que, nos diversos trabalhos, houver sido mais vezes o primeiro será premiado, se no exame for conservada a mesma superioridade. Além desse prêmio haverá mais dois e duas menções honrosas, para os alunos que melhor fizerem dissertações filosóficas em língua nacional. O estudo da gramática nacional que não consta do decreto de 1837 está incluído na tabela de aulas (5 lições por semana) para 1° e 2° séries. Além dos ordenados fixos vencerão os professores uma gratificação, determinada da maneira seguinte: deduzir- se-á das retribuições dos alunos a décima parte, que será rateada entre os professores em proporção ao número de seus alunos. Os professores das aulas de retórica, filosofia, matemáticas, ciências naturais, entrarão nesse rateio pelo duplo dos alunos que freqüentaram as suas aulas. O aluno que houver feito os estudos declarados nos estatutos obterá o diploma de bacharel em letras, quando em todas as matérias ensinadas for aprovado. O bacharel em letras não será obrigado a fazer exames preparatórios para entrar nas Academias do Império, bastando apresentação do diploma. ” Em 25 de março de 1838, aniversário da Constituição, era o Colégio D. Pedro II instalado. Inaugurando-o, o ministro Bernardo Pereira de Vasconcelos, em discurso de belos conceitos e forma modelar, disse ao reitor nomeado o bispo de Animuria: “Convencido de que o colégio e o reitor que nele principia e (?) a beleza e a utilidade de um tal estabelecimento, e dando o devido apreço à dedicação patriótica com que V. Excia., aceitou a trabalhosa tarefa de o reger e dirigir, escusava o Regente outra providência, que não fosse a de autorizar a V. Excia. para conduzi-lo segundo sua sabedoria e suas virtudes; mas uma casa de educação, que ocupa tantos empregados e acomoda tantos domésticos, precisa de regras permanentes que bem assinalem os direitos e os deveres de cada um para que nem o arbítrio domine, nem o conflito embarace, nem a fusão prejudique à mocidade estudiosa. Ótimas que sejam as tenções do chefe; ilustradas as suas medidas; se não forem elas altamente estudadas, e perfeitamente entendidas, impossível será os diversos executadores as saibam desempenhar. Eis as razões do Regulamento: A perfeição de obra tal só pode provir-lhe da experiência; ela e o tempo é que hão de mostrar a necessidade das alterações , e modificações que cumprirá fazer; e o governo as mandar adotar, quando convencer-se de sua importância e sua utilidade. Um dos meios, e talvez o mais proveitoso, de fazer sentir os inconvenientes de um regulamento, é a sua fiel e pontual observância. Cumpre, pois, que, longe de modificar esta regra na sua execução, seja ela contrário, religiosamente observada, afim de serem conhecidas as faltas, aparecerem seus defeitos, e terem lugar os precisos melhoramentos, porém, competentemente decretados. Só assim deixa receios infundados de tomar a natureza de dificuldades reais; só as se evitará o escândalo de estilos arbitrários e porventura opostas providências e às intenções do governo;
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