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C iê nc ia s C rim in ai s Te or ia d o G ar an tis m o Pe na l - A ul a 02 LEITURA EXTRA A Instrumentalidade Garantista Do Processo De Execução Penal Aury Lopes Jr. Doutor em Direito Processual pela Universidade Complutense de Madrid Professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUC/RS Professor Adjunto de Direito Processual penal na FURG/RS. I. Introdução Em linhas gerais, o Direito Penal surge como um importante instrumento de manutenção da paz social, e, como resume JESCHECK[1], la misión del derecho penal es la protección de la convivencia humana en la comunidad. No mesmo sentido, WESSELS[2] explica que a tarefa do Direito Penal é a proteção dos valores elementares da vida comunitária, no âmbito da ordem social, e como garantidor da manutenção da paz jurídica. O injusto típico surge quando falha o Direito Penal em sua função de prevenir infrações jurídicas no futuro[3] - função de prevenção – e advém uma conduta humana voluntária, finalisticamente dirigida, que lesiona ou expõe a perigo esses bens e valores reconhecidos e protegidos pelo ordenamento. Praticado o delito, o esforço centra-se na fase pré-processual, na investigação preliminar (ou criminal). Isto porque, em primeiro lugar, deve-se preparar, investigar e reunir elementos que justifiquem o processo ou o não-processo. É um grave equivoco que primeiro se acuse, para depois investigar e ao final julgar. O processo penal encerra um conjunto de “penas processuais” que fazem com que o ponto nevrálgico seja saber se se deve ou não acusar. Verificado o fumus commissi delicti em grau de probabilidade, cabe ao Estado submeter seu poder de penar ao processo penal. O Direito Penal é despido de coerção direta e, ao contrário do Direito Privado, não tem atuação nem realidade concreta fora do processo correspondente. Para que possa ser aplicada uma pena, não só é necessário que exista um injusto típico, mas também que exista previamente o devido processo penal. A pena não só é efeito jurídico do delito[4], senão que é um efeito do processo; mas o processo não é efeito do delito, senão da necessidade de impor a pena ao delito por meio do processo. Por isso, a pena depende da existência do delito e da existência efetiva e total do processo penal, posto que se o processo termina antes de desenvolver-se completamente (arquivamento, suspensão condicional, etc.) ou se não se desenvolve de forma válida (nulidade), não pode ser imposta uma pena. Existe uma íntima e imprescindível relação entre delito, pena e processo, de modo que são complementares. Não existe delito sem pena, nem pena sem delito e processo, nem processo penal senão para determinar o delito e impor uma pena. Assim, fica estabelecido o caráter instrumental do processo penal com relação ao Direito Penal e à pena, pois o processo é o caminho necessário para a pena. É o que GOMEZ ORBANEJA[5] denomina de principio de la necesidad del proceso penal, amparado no art. 1º da LECrim[6], pois não existe delito sem pena, nem pena sem delito e processo, nem processo penal senão para determinar o delito e atuar a pena. O princípio apontado pelo � C iê nc ia s C rim in ai s Te or ia d o G ar an tis m o Pe na l - A ul a 02 autor resulta da efetiva aplicação no campo penal do adágio latino nulla poena et nulla culpa sine iudicio, expressando o monopólio da jurisdição penal por parte do Estado e também a instrumentalidade do processo penal. Verificado no curso do processo a efetiva existência do delito e proferida sentença penal condenatória, inicia-se a execução penal, onde o poder estatal de penar será levado a cabo. Com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, está constituído o título executivo. Contudo, o problema não está terminado, ao contrário, inicia-se mais uma problemática fase do já doloroso processo penal, definida por CARNELUTTI[7] como expiación de la pena, considerado como o conjunto de atos processuais que se verificam depois de haver passado em julgado a sentença condenatória. O processo de execução é atividade que exige, na sua plenitude, a atuação jurisdicional. A instrumentalidade, inerente ao processo, está fundada na tutela judiciária dos direitos subjetivos do sentenciado e, também, voltada para a efetividade do comando concreto emergente da sentença.[8] É importante destacar que atualmente o grande problema do processo penal está nos seus dois extremos: no inquérito policial e na execução da pena. Ambos administrativos e inquisitivos, deixando o sujeito passivo em completo abandono, sendo tratado com objeto e sem as mínimas garantias. O primeiro (inquérito policial), foi devidamente abordado em nossa obra “Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal”[9]. O segundo, ainda que sucintamente, será o objeto de nossa exposição, que buscará retratar a visão do processo de execução penal desde o ponto de vista de um processualista. Assim, buscaremos analisar a execução à luz dos princípios básicos do processo penal e da Constituição de 1988, ou seja, desde um paradigma constitucional e garantista. II. Sistemas Acusatório E Inquisitivo Apesar de possuir uma matriz jurisdicional, a LEP peca pela inquisitorialidade do sistema concebido. E não há nenhuma dicotomia em afirmar a coexistência de jurisdicionalidade e inquisitorialidade, pois não há nenhuma vinculação entre sistemas históricos-processuais acusatório/inquisitivo e o caráter jurisdicional ou administrativo da atividade desenvolvida. Nada impede que tenhamos uma atividade processual, que se desenvolva frente a um juiz imparcial e com todas as garantias inerentes a magistratura, e, ao mesmo tempo, de natureza inquisitiva. Basta analisarmos o processo penal brasileiro. Considerando que o princípio fundante do sistema acusatório é a gestão/iniciativa probatória, ao dar amplos poderes instrutórios ao juiz (arts. 156, 209, etc. do CPP), nosso modelo optou pelo sistema inquisitivo. Por outro lado, um procedimento administrativo pode orientar-se rigidamente pelo sistema acusatório, desde que atribua exclusivamente às partes a iniciativa/gestão probatória, bem como a iniciativa procedimental (necessidade de invocação e vedação da atividade acusatória de ofício, por parte do julgador). Na esteira de JACINTO COUTINHO[10], entendemos que o princípio diferenciador entre os sistemas processuais penais inquisitivo e acusatório está na gestão probatória. Cabe às partes e não ao juiz, ter a iniciativa e gerenciamento da prova, na mais goldschmidtiana[11] manifestação de que são elas quem têm “cargas” probatórias e devem caminhar em direção a uma sentença favorável libertando-se de tais cargas. A LEP é notadamente inquisitiva já nos primeiros passos da execução, pois a jurisdição executiva inicia de ofício, com a expedição da carta de guia pelo juiz. A continuação, atribui ao juiz ampla possibilidade de atuar ex officio, predomina a forma escrita dos atos, o contraditório e o direito de defesa são bastante limitados (defesa técnica), e, por derradeiro, a própria coisa julgada pode ser violada. Em definitivo, o processo de execução concebido pela LEP é inquisitivo, incompatível com a matriz democrática-garantista e, portanto, acusatória, da nossa Constituição. III. Lei De Execuções Penais: Inconvenientes De Um Modelo 2 C iê nc ia s C rim in ai s Te or ia d o G ar an tis m o Pe na l - A ul a 02 Inquisitivo Tão logo se encerra o processo de conhecimento e inicia-se a execução, encontramos o primeiro inconveniente: a atuação ex officio do juiz. Logo no início, a LEP abandona uma das principais características do sistema acusatório, que é radical separação entre as atividades de acusar e julgar, com o juiz atuandomediante invocação e não de ofício (ne procedat iudex ex officio). A iniciativa incumbe ao juízo da execução penal e caberá a ele expedir a guia de recolhimento sem que o Ministério Público tome qualquer iniciativa. E porque essa preocupação de que o juiz não atue de ofício e não gerencie a prova? Inicialmente por todos os graves inconvenientes que encerra o modelo inquisitivo. Além disso, coloca em risco o principio supremo do processo[12]: a imparcialidade. Não há dúvidas de que a posição do juiz inquisidor fulmina sua imparcialidade e, por decorrência, toda e qualquer esperança de efetividade dos direitos fundamentais do apenado. Na mesma linha, AGOSTINHO BENETI[13] argumenta que a execução penal só pode ser levada a cabo com estrita observância das garantias próprias do Estado de Direito e, portanto, deve realizar-se por intermédio da atividade jurisdicional. Para o autor, não seria de rigor lógico assegurar a imparcialidade apenas no julgamento da acusação no processo de conhecimento, e não garantir, na execução, idêntica imparcialidade. Não se olvide que, como já se disse, “a pena vive na execução”. IV. A Necessária Jurisdicionalização Da Execução Penal Para LEONE[14], a execução funde suas raízes em três setores distintos: no que respeita a vinculação da sanção com o direito subjetivo estatal de castigar, a execução entra no direito penal substancial; no que respeita a vinculação com o título executivo, entra no direito processual penal; e no que respeita a atividade executiva verdadeira e própria, entra no direito administrativo, deixando sempre a salvo a possibilidade de episódicas fases jurisdicionais correspondentes. É a tradicional posição mista, que apesar de algum acerto, não soluciona o problema e tampouco se mostra mais adequada. Ademais, como muito bem aponta SALO DE CARVALHO[15], não podemos admitir um sistema jurídico misto, pois a característica dos sistemas, como a dos paradigmas e dos tipos ideais, é sua identificação a partir de alguns rígidos princípios unificadores. Deles apenas se aproximam tendências opostas, sendo impossível fusão sistemática ou paradigmática. O modelo jurídico é garantista ou antigarantista. O sistema processual é acusatório ou inquisitório. O sistema executivo é jurisdicional ou administrativo. Isso não impede que tenhamos, como destaca o próprio autor, notas de um sistema no interior de outro que o contrapõem. Estas não descaracterizam a matriz original. Feitas essas considerações, devemos buscar a matriz da LEP. E desde logo encontramos no art. 2º a determinação de que a jurisdição será exercida no processo de execução pelos juízes e tribunais da justiça ordinária. A continuação, o art. 3º estabelece que ao condenado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei, o que nos leva a invocar, na Constituição, a garantia do due process of law, consagrada no art. 5º, LIV. Categórico, o art. 65 estabelece que a execução penal competirá ao juiz indicado na lei local de organização judiciária e, na sua ausência, ao da sentença. Destaque-se: na sua ausência, a execução será de competência do juiz da sentença e não de autoridade administrativa. Não há espaço para o ente administrativo presidir a execução. Por derradeiro, encontramos no art. 194 a consagração do procedimento judicial, que se desenvolverá perante o Juízo da Execução. Nenhuma dúvida existe de que a LEP consagra, ao menos normativamente, o procedimento jurisdicional. E não poderia ser diferente. � C iê nc ia s C rim in ai s Te or ia d o G ar an tis m o Pe na l - A ul a 02 Com razão HINOJOSA SEGOVIA[16] ao apontar que existe uma inequívoca tendencia a la jurisdiccionalización de la ejecución de las penas privativas de libertad, até mesmo por uma exigência das Regras Mínimas do Conselho da Europa, aprovadas pela Resolução de 19 de janeiro de 1973, que no seu art. 56.2 recomenda el respeto a los derechos individuales de los reclusos e en particular la legalidad de la ejecución de las penas, deberá estar asegurada por el control ejercido, conforme a la Reglamentación nacional, por una autoridad judicial o cualquier outra autoridad administrativa, legalmente habilitada para visitar a los reclusos y no perteneciente a la Administración Penitenciária. (grifamos) É inadmissível abrir-se mão da garantia da jurisdição quando da execução da pena. Devemos destacar que a LEP consagra uma série de incidentes que exigem a pronta intervenção jurisdicional, inerentes a um modelo progressivo. Nessa linha, ao lado do sursis e do livramento condicional, encontramos a progressão de regimes (fechado, semi-aberto e aberto), a regressão, a remição pelo trabalho, saídas temporárias, aplicação de normas posteriores mais benéficas, detração, soma ou unificação de penas, aplicação/substituição por medida de segurança, etc. O acompanhamento por parte do órgão jurisdicional deve ser permanente e intenso. Deve-se, acima de tudo, buscar o mais amplo acesso à justiça. E se o juiz é o garantidor da eficácia do sistema de garantias da constituição, ao não ter-se acesso a ele, é negado ao preso a eficácia da proteção constitucional. Em última análise, se-lhe negam os direitos fundamentais. Caberá ao juiz, também, estar atento para eliminar os abusos durante este processo e pronto para resolver as controvérsias sobre a execução do julgado, seus limites e possibilidades, e a respeito da tutela dos inúmeros interesses jurídicos do condenado[17]. Um dos grandes equívocos da práxis penitenciária é o de considerar que alguém, por ter sido condenado e estar preso, perdeu seus demais direitos constitucionais (além, é claro, do direito de ir e vir). Voltaremos ao tema ao tratarmos da garantia da jurisdição. V. Execução Penal E A Estrutura Dialética Do Processo: Um Ideal A Ser Alcançado É imprescindível aproximar a execução penal à estrutura dialética do processo[18], iniciando pela contraposição de funções e de órgãos encarregados de exercê-las. Isto resulta de uma imposição do sistema acusatório e não encontra nenhum obstáculo nos princípios de direito público ou da lógica. É a mesma duplicidade que permite que o Estado aceite as leis emanadas de si mesmo, proporcionando direitos dentro das mesmas, como pessoa jurídica. Tampouco configura uma novidade tal divisão de poderes. Como aponta BETTIOL[19], o enigma do processo penal reside no problema da imparcialidade do juiz, que para isso deve estar por encima de las partes. O problema surge no momento em que o Estado é o sujeito passivo de todo os delitos (públicos) pois aparece como portador de um valor de garantia da sociedade. O que resulta disso é uma importante conclusão: o juiz atua em causa própria, com o sacrifício das exigências de objetividade e de imparcialidade. O Estado é considerado como ofendido e como juiz. A solução desta dicotomia somente é possível em um Estado de Direito, em que vige uma respeitada divisão de poderes, com o Estado assumindo diferentes funções e garantindo que o Poder Judiciário esteja estruturado de tal modo que nenhuma consideração de oportunidade, por parte dos órgãos do Poder Executivo, possa desviar o reto procedimento da aplicação da justiça. A necessidade de assegurar a imparcialidade do julgador levou à criação do Ministério Público, que nasce exatamente na transição do sistema inquisitivo para o acusatório, para responder a uma exigência básica: separar as funções de acusar e julgar. Isso é perfeitamente invocável na execução penal, em que apesar de não existir mais acusação � C iê nc ia s C rim in ai s Te or ia d o G ar an tis m o Pe na l - A ul a 02 em sentido estrito, há sim um interesse do Estado em fazer valer o poder de penar que viu reconhecido no processo deconhecimento. Considerando que ainda existe uma série de incidentes a serem resolvidos no curso da execução e também limites da sentença a serem respeitados, surge a figura do juiz como um garantidor da eficácia do sistema de garantias do apenado. Para tanto, deve ser imparcial e, como conseqüência, não pode ter iniciativa procedimental e não deve atuar de ofício. Por isso, o MP foi uma parte fabricada para possibilitar o sistema acusatório e garantir a imparcialidade do julgador. Como disse GUARNIERI[20], o MP constitui a figura processual do contradictor natural del imputado (e também do condenado), a efeito de obter que do artificial e contingente contraste, brote para o juiz a luz da verdade, sendo o juiz o terceiro imparcial que está por em cima da luta, isto é, na melhor posição para formar um convencimento conforme a verdade. Devemos aproximar a execução penal da estrutura dialética do processo de conhecimento, deixando o juiz como um terceiro imparcial, colocando a iniciativa nas mãos do Ministério Público e assegurando ao apenado a possibilidade de resistir e fazer valer seus direitos públicos subjetivos, através de um procedimento jurisdicional, contraditório e com ampla defesa (principalmente técnica, a cargo de advogado). Outro aspecto importante de considerar a execução como uma relação processual – logo jurisdicional – está em considerar o apenado como verdadeiro sujeito e não mais como objeto. Considerando que existe um processo de execução, autônomo do processo de conhecimento, devemos atentar para a própria natureza jurídica do processo[21]. Concebida como o marco inicial para uma sistematização científica do tema, a célebre monografia de BÜLOW[22] sobre as exceções dilatórias e os pressupostos processuais, sepultou de vez as chamadas teorias privatistas (processo como contrato, quase-contrato e acordo) para modificar os pontos de vista e propiciar que novas teorias surgissem sob inspiração dos princípios básicos por ele delimitados, basicamente de que o processo é uma relação jurídica de direito público. A teoria do processo como uma relação jurídica é um marco[23] relevante para o estudo do conceito de partes, principalmente porque representa uma evolução de conteúdo democrático-liberal do processo, em um momento em que o processo penal era visto como uma simples intervenção estatal com fins de “desinfecção social” ou “defesa social”[24]. Representa um avanço na idéia de que o imputado – apenado no caso da execução - não é um mero objeto do processo, senão um sujeito que exercita nele direitos subjetivos e, principalmente, que pode exigir do juiz que efetivamente preste a tutela jurisdicional solicitada sob a forma de resistência (defesa). Existe também uma relação jurídica, obrigatória, do juiz com relação às partes, que têm o direito de lograr através do ato final um verdadeiro clima de legalidade e restabelecimento da paz social. Com isso, nestas superficiais linhas, pretendemos demonstrar que na execução deve existir uma relação jurídico-processual[25] triangular, como explica WACH[26] (seguindo a BÜLOW). Tal relação deve instaurar-se entre as partes (MP e apenado) e o juiz, dando origem a uma reciprocidade de direitos e obrigações processuais. Negar isso seria o mesmo que voltar a idéia de um Estado totalitário em que não existe o binômio poder-dever jurisdicional. Em suma, o reconhecimento da existência de uma relação jurídico-processual na execução penal fortalece a posição do apenado, assegurando-lhe a eficácia de seus direitos e garantias fundamentais não atingidos pela sentença. Com isso, o apenado deixa de ser um mero objeto e passa a ter o status de parte integrante do processo e, como tal, possuidor de um conjunto de direitos subjetivos exigíveis do Estado. Ademais, a existência de partes constitui uma exigência lógica da instituição, da própria estrutura dialética do processo, pois dogmaticamente, o processo não pode ser concebido sem a existência de partes contrapostas, ao menos in potentia[27]. É, também, um imperativo dos princípios que estruturam o atual Estado Democrático de Direito e os postulados de valorização do individuo, segundo os quais o apenado deixa de ser considerado como um mero objeto nas mãos do autoritarismo estatal para assumir sua função de parte na execução penal. � C iê nc ia s C rim in ai s Te or ia d o G ar an tis m o Pe na l - A ul a 02 É uma evolução encaminhada a fortalecer o direito à cidadania. A relação jurídico-processual é triangular, de origem iluminista, ligada a divisão de poderes e ao reconhecimento de esferas autônomas de liberdade do imputado, a precisos e inderrogáveis deveres do juiz em relação a ele. A própria teoria da relação jurídica tem uma clara noção individualista, liberal e corruptora das idéias orgânicas e totalitárias do Estado, sendo por isso rechaçada em um determinado momento por juristas vinculados ao verbo totalitário do nacional-socialismo[28]. Acima de tudo, o que buscamos é reforçar a posição do apenado enquanto parte passiva da execução penal, expurgando todo e qualquer resíduo do verbo totalitário. Em última análise, significa o abandono completo da concepção do apenado como um objeto, considerando-se agora no seu devido lugar: como parte no processo de execução. Tanto mais forte será sua posição quanto mais clara for a delimitação da esfera jurídica de atuação de cada parte. O fortalecimento da estrutura dialética do processo beneficia a todos os intervenientes e, principalmente, contribui a uma melhor administração da justiça. VI. Pilares De Um Processo Penal Garantista E A Execução Da Pena Como explicamos em outra oportunidade[29], o sistema garantista está sustentado pelos seguintes princípios básicos[30], que deverão nortear todo o processo penal (processo de conhecimento e de execução). Não há fundamento legal que justifique abandonar tais garantias num momento tão crítico como esse. Nessa linha, a Súmula 85 das Mesas de Processo Penal da USP assentou o seguinte entendimento[31]: “Tema: Direitos e garantias individuais no processo de execução penal Súmula nº 85 – São garantias plenamente aplicáveis ao processo de execução penal, como decorrência dos princípios constitucionais do devido processo legal, ainda que a lei processual não as assegure expressamente, a igualdade, a ampla defesa, o contraditório, o duplo grau de jurisdição, a publicidade.” Existe, sem dúvida, o que CARNELUTTI[32] define como reviviscencia del proceso de cognición durante la ejecución penal, isto é, ainda que no curso de um processo de execução, existem situações incidentes que levam necessariamente a uma atividade cognoscitiva e, posteriormente, decisória. Tudo isso dentro do processo de execução. Uma espécie de contaminação na jurisdição executiva por parte da jurisdição decisória. É exatamente nesses momentos que temos os incidentes da execução, que exigem a intervenção de todos os princípios garantistas aplicáveis ao processo de conhecimento, entre eles: A) JURISDICIONALIDADE E INDERROGABILIDADE DO JUÍZO Não só como necessidade do devido processo, mas também em sentido amplo, como garantia orgânica da figura e do estatuto do juiz. Também representa a exclusividade do poder jurisdicional, direito ao juiz natural, independência da magistratura e exclusiva submissão à lei. A inderrogabilidade do juízo deve ser vista no sentido de infungibilidade e indeclinabilidade da jurisdição, até porque a efetividade do sistema de proteção insculpido na Constituição está em grande parte pendente da atividade jurisdicional, principal responsável por dar ou negar a tutela dos direitos fundamentais. Como conseqüência, o fundamento da legitimidade da jurisdição e da independência do Poder Judiciário está no reconhecimento da sua função de garantidor dosdireitos fundamentais inseridos na (ou resultantes da) Constituição. Nesse contexto, a função do juiz é atuar como garantidor dos direitos do acusado no processo penal e também na fase de execução. No garantismo, o juiz passa a assumir uma relevante função de garantidor, que não pode ficar inerte ante violações ou ameaças de lesão aos direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, como no superado modelo positivista. O juiz assume uma nova posição[33] no Estado Democrático de Direito, e a legitimidade de sua atuação não é política, mas � C iê nc ia s C rim in ai s Te or ia d o G ar an tis m o Pe na l - A ul a 02 constitucional, consubstanciada na função de proteção dos direitos fundamentais de todos e de cada um, ainda que para isso tenha que adotar uma posição contrária à opinião da maioria. Deve tutelar o indivíduo e reparar as injustiças cometidas. No prólogo da obra de FERRAJOLI, BOBBIO define as grandes linhas de um modelo geral de garantismo: antes que nada, elevándolo a modelo ideal del estado de derecho, entendido no sólo como estado liberal protector de los derechos sociales; en segundo lugar, presentándolo como una teoria del derecho que propone un iuspositivismo crítico contrapuesto al iuspositivismo dogmático; y, por último, interpretándolo como una filosofía política que funda el estado sobre los derechos fundamentales de los ciudadanos y que precisamente del reconocimiento y de la efectiva protección (¡no basta el reconocimiento!) de estos derechos extrae su legitimidad y también la capacidad de renovarse sin recurrir a la violencia subversiva. Assim, a garantia da jurisdição é absolutamente crucial e não podemos prescindir dela no processo de execução, momento em que se dá a expiação, com elevado custo e inúmeros incidentes que exigem a intervenção do órgão jurisdicional. Mas uma intervenção garantista e não inquisitiva. B) SEPARAÇÃO DE ATIVIDADES Para aproximarmos a execução penal da estrutura dialética do processo de conhecimento (ideal garantista), devemos estabelecer de forma clara qual é a esfera de atuação de cada agente. É imprescindível que o Ministério Público assuma a iniciativa da execução e também atue no pólo ativo ao seu longo. Configura o Ministério Público como verdadeira parte ativa. Não cabe ao juiz ter iniciativa procedimental ou probatória. Deve o magistrado reduzir-se a uma posição de espectador da atividade das partes e não assumir o papel de ator. Juiz ativo é juiz inquisidor e, portanto, contaminado. Fulminam-se duas garantias básicas: imparcialidade e igualdade das partes. Ademais, transforma o modelo em inquisitivo, com todos os gravíssimos inconvenientes que isso acarreta. Por isso, o juiz deve permanecer inerte, atuando quando invocado pelas partes. O processo de execução (e o de conhecimento também) exige um juiz de garantias e não um juiz inquisidor. A posição desse juiz na execução é muito similar àquela que deve adotar na investigação preliminar, conforme já apontamos em outra oportunidade[34]. O juiz garante não investiga e tampouco assume uma posição de inquisidor, ativo na busca de elementos, pois isso acarreta um claríssimo comprometimento da imparcialidade (nisso reside um dos grandes equívocos do nosso sistema). Ao livrar-se da função inquisitiva (alheia à sua natureza), o juiz de garantias concreta sua superioridade, como órgão suprapartes, fortalecendo no plano funcional e institucional a própria figura de julgador. Esse juiz de garantias será quem, mediante prévia invocação do MP, decidirá sobre todos os incidentes da execução, especialmente daqueles que afetem os direitos fundamentais ou agravem a situação do apenado. Também, mediante invocação da defesa, decidirá sobre a legalidade dos atos realizados pelo MP ou da administração carcerária. É um verdadeiro controlador da legalidade da execução. Exemplo de tal posição nos dá o direito alemão, cujo §451 da StPO[35] determina que a execução penal será levada a cabo pelo Ministério Público. Como explica GOMEZ COLOMER[36], as decisões judiciais necessárias no transcurso da execução são realizadas pelas Salas de Ejecución Penal, sitas em los Tribunales del Land [§§ 78a y 78b GVC] cuya competencia material se extiende a dictar esas resoluciones judiciales necesarias,v.gr., la revocación de la suspensión de la pena [§453], la suspensión del resto de la pena [§ 454], etc. Conclui o autor afirmando que, portanto, as atividades se dividem entre o Ministério Público e o Tribunal. Na mesma linha, o processo penal português atribui ao Ministério Público a competência para promover a execução. Determina o art. 469º do CPP português que “compete ao Ministério Público promover a execução das penas e das medidas de segurança e, bem assim, a execução por taxa de justiça, custas, indemnização e mais quantias devidas ao Estado ou a pessoas que lhe incumba representar judicialmente”.As questões incidentais são decididas pelo Tribunal de Execução das Penas, dando a necessária jurisdicionalidade que o processo exige. No outro pólo está o apenado, parte passiva, que devidamente assistido pelo defensor, � C iê nc ia s C rim in ai s Te or ia d o G ar an tis m o Pe na l - A ul a 02 cumprirá resistir a toda pretensão estatal que lhe prejudique (sanções disciplinares, regressão, etc.), bem como ter a iniciativa de postular o reconhecimento de seus direitos públicos subjetivos (progressão, indulto, livramento condicional, etc.). Com essa nítida separação de atividades, aproximamos da dialética característica do processo. Por conseqüência, o juiz assume seu verdadeiro papel: solucionar os conflitos quando invocado. Só assim terá assegurada sua imparcialidade. Sempre que defendemos a imparcialidade do juiz e a sua inércia em relação ao início do procedimento e mesmo em relação a iniciativa probatória, surgem argumentos no sentido de que nossa realidade processual e penitenciária é incompatível com isso, pois os apenados estão completamente abandonados e o juiz atua de ofício para evitar uma injustiça mais grave. Na verdade, a dicotomia é aparente e perfeitamente superável. Inicialmente, cumpre ao Estado o dever de criar e manter um serviço de defesa pública tão eficiente quanto o serviço de acusação pública (Ministério Público)[37] que ele mantém. É uma questão de interesse público e, portanto, indisponível. Na sua falta, a atuação do juiz no sentido de dar plena eficácia ao sistema de garantias previsto na LEP e na Constituição é perfeitamente tolerada pelo garantismo processual. Ademais, a eventual quebra de igualdade que se estabelece entre as partes é explicada pela Teoria da Quebra Positiva da Igualdade Jurídica. O sistema admite que o juiz atue, mas deverá fazê-lo necessariamente em benefício do hipossuficiente, logo, do apenado. Jamais atuar de ofício no sentido de auxiliar o Ministério Público ou suprir sua inércia. Se for para quebrar a igualdade, que seja uma quebra positiva, em benefício do hipossuficiente, que será sempre o apenado. É quebra positiva da igualdade quando um ato aparentemente desigual gera, na verdade, uma igualdade. Em definitivo, a única quebra da igualdade que o sistema admite é a quebra positiva, em favor do hipossuficiente (apenado), como forma de gerar uma igualdade jurídica. C) PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA EM RELAÇÃO A FATOS SUPERVENIENTES Não constitui nenhuma heresia falar em presunção de inocência em relação ao que já foi condenado de forma definitiva, pois estamos tratando dos fatos supervenientes a sentença condenatória. Em relação a esses fatos supervenientes, o apenado continua protegido pelo manto constitucional da presunção de inocência, vista como garantia de estado jurídico e de tratamento. Tal consideração implica diversasconseqüências no tratamento da parte passiva, inclusive na carga da prova (ônus da acusação) e na obrigatoriedade de que a constatação do delito e a aplicação da pena será por meio de um processo com todas as garantias e através de uma sentença. Adaptando-se isso a realidade do processo de execução, o apenado continua merecendo o tratamento de inocente no que se refere a novos delitos cometidos e, também, em relação a faltas disciplinares. D) CONTRADITÓRIO Decorrência do nulla probatio sine defensione, o contraditório é um método de confrontação da prova e comprovação da verdade, fundando-se não mais sobre um juízo potestativo, mas sobre o conflito, disciplinado e ritualizado, entre partes contrapostas: a acusação (expressão do interesse punitivo do Estado) e a defesa (expressão do interesse do acusado em ficar livre de acusações infundadas e imune a penas arbitrárias e desproporcionadas). � C iê nc ia s C rim in ai s Te or ia d o G ar an tis m o Pe na l - A ul a 02 O contraditório é uma nota característica do processo, uma exigência política, e, mais do que isso, se confunde com a própria essência do processo. É uma relação tão forte, que RANGEL DINAMARCO[38] afirma, acertadamente, que o conceito moderno de processo necessariamente deve envolver o procedimento e o contraditório, sem o qual não existe processo. A interposição de alegações contrárias frente ao órgão jurisdicional, a discussão em suma, não é só um eficaz instrumento técnico que utiliza o direito positivo para obter a descoberta de fatos relevantes, senão uma exigência da justiça que nenhum sistema de Administração de Justiça pode omitir.[39] No processo de execução, o contraditório pode ser invocado como o direito de informação e participação das decisões judiciais que lhe alcancem de qualquer forma, de igualdade de tratamento e de oportunidades em relação ao Ministério Público e, acima de tudo, no direito de audiência. O princípio audiatur et altera pars também constitui um dos pilares da igualdade de partes e está intimamente relacionado com o direito de audiência, em que o juiz deve conceder a ambas as partes, sob pena de parcialidade. Como aponta WERNER GOLDSCHMIDT, quien presta audiência a uma parte, igual favor debe a la otra.[40] O contato direto do juiz com o apenado é crucial, seja através de audiências ou ainda, indo pessoalmente ao presídio. Inadmissível qualquer tentativa de substituir o contato pessoal por interrogatórios através de meios informáticos (videoconferência e outros recursos similares). Se o problema é segurança e dificuldade de transporte, porque o juiz não vai até o preso? Nessa linha, magistral a lição de GERALDO PRADO[41]: Se as partes tradicionalmente têm o direito de serem ouvidas pelo juiz – é dito que têm direito ao seu dia na corte – o juiz passa a ter o direito (ou dever, diríamos nós?!) ao seu dia na prisão: one day in jail. Não há nada que justifique a falta de humanidade no trato com o preso e, como muito bem apontou BECCARIA[42] ¿ Cuál contraste más cruel que la indolencia de un juez y las angustias de un reo? ¿Las comodidades y placeres de un magistrado insensible, de una parte, y, de otra, las lágrimas y la suciedad de un encarcelado? Por isso, o contato do juiz com o preso deve ser direto, pessoal e humano, em audiência realizada no fórum ou no próprio estabelecimento penal. E) DIREITO A DEFESA TÉCNICA E AUTODEFESA a) Autodefesa positiva e negativa O direito de defesa pode ser decomposto em dois planos[43]: autodefesa e defesa técnica. A primeira é disponível e está a cargo do próprio apenado. Pode ser negativa ou positiva, conforme consista num atuar ou omitir-se. A atuação positiva em geral é exercida, basta ver a quantidade de cartas e bilhetes que os presos enviam ao juízo da execução postulando seus direitos... Também é importante, para plena eficácia desse direito, que o preso tenha acesso ao juiz, através de audiência, conforme foi explicado no ponto anterior. Contudo, a autodefesa negativa em geral lhes é negada, de forma arbitrária e ilegal. O direito de silêncio (autodefesa negativa) está expressamente previsto no art. 5º, LXIII da CB (“o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado...”). Parece-nos inequívoco que o direito de silêncio aplica-se tanto no processo de conhecimento quanto no processo de execução. Contribui para isso o art. 8.2, “g” da Convenção Americana de Direitos Humanos, onde se pode ler que toda pessoa (logo preso ou em liberdade) tem o “direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada”. Ao estar assegurado o direito de silêncio sem qualquer reserva na Constituição e na Convenção Americana de Direitos Humanos, por lógica jurídica, o sistema interno não pode atribuir ao seu exercício, qualquer prejuízo. Seria uma flagrante ilegalidade. Por isso, está revogada a última parte do art. 186 e também do art. 198 do CPP. � C iê nc ia s C rim in ai s Te or ia d o G ar an tis m o Pe na l - A ul a 02 O direito de calar também estipula um novo dever para a autoridade administrativa ou judicial que realiza o interrogatório: o de advertir o apenado de que não está obrigado a responder as perguntas que lhe forem feitas. Se calar constitui um direito do individuo e ele tem de ser informado do alcance de suas garantias, passa a existir o correspondente dever do órgão estatal a que assim o informe, sob pena de nulidade do ato por violação de uma garantia constitucional. O direito de silêncio é apenas uma manifestação de uma garantia muito maior, insculpida no princípio nemo tenetur se detegere, segundo o qual, o sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitir-se de colaborar em uma atividade probatória da acusação. A regra tem plena incidência no processo de execução. Com explica FERRAJOLI[44], o princípio nemo tenetur se detegere é a primeira máxima do garantismo processual acusatório, enunciada por Hobbes e recepcionada, a partir do século XVII, no direito inglês. Dele seguem-se, como corolários, na lição de FERRAJOLI: a) a proibição da tortura espiritual, como a obrigação de dizer a verdade; b) o direito de silêncio, assim como a faculdade do apenado de faltar com a verdade nas suas respostas; c) a proibição, pelo respeito devido a pessoa do preso e pela inviolabilidade da sua consciência, não só de arrancar a confissão com violência, senão também de obtê-la mediante manipulações psíquicas, com drogas ou práticas hipnóticas; d) a conseqüente negação de papel decisivo das confissões; e) o direito do apenado de ser assistido por defensor, para impedir abusos ou quaisquer violações das garantias processuais. Dessarte, através do princípio do nemo tenetur se detegere, o preso não pode ser compelido a declarar ou mesmo participar de qualquer atividade que possa incriminá-lo ou prejudicar sua defesa. Não pode ser compelido a participar de acareações, reconstituições, fornecer material para realização de exames periciais (exame de sangue, DNA, escrita, etc.), etc. Sendo a recusa um direito, obviamente não pode ao mesmo tempo ser considerado delito, nem mesmo como falta disciplinar. Trata-se de exercício regular de um direito que afasta a ilicitude da conduta, tornando-a impunível, tanto na esfera penal como também administrativa. b) Defesa Técnica Outro problema sério do processo de execução é a ausência de defesa técnica. O art. 272 do CPP afirma que ninguém pode ser processado sem defensor. Mas pode ser executada a pena sem defensor? Parece-nos óbvio que não. O direito de defesa é constitucional, amplo e indisponível, no que diz respeito a defesa técnica. No plano da existência formal, a LEP contempla expressamente a garantia dodefensor no art. 41, incisos VII (assistência jurídica) e IX (entrevistar-se com o advogado). O problema está na eficácia de tal direito. A defesa técnica supõe a assistência de uma pessoa com conhecimentos[45] teóricos do direito, um profissional, que será tratado como advogado de defesa, defensor ou simplesmente advogado. Explica FENECH[46] que a defesa técnica é levada a cabo por pessoas peritas em direito, que tem como profissão o exercício desta função técnico-jurídica de defesa das partes que atuam no processo penal, para proteção de seus direitos. A justificação da defesa técnica está na presunção de hipossuficiência do sujeito passivo, de que ele não tem conhecimentos necessários e suficientes para resistir a pretensão estatal, em igualdade de condições técnicas com o acusador. Essa hipossuficiência leva o preso a uma situação de inferioridade ante o poder da autoridade estatal encarnada pelo administrador, promotor ou mesmo juiz. No processo de execução a situação de inferioridade é extremamente agravada, pela impossibilidade física de atuar de forma efetiva e pelo próprio contexto em que o preso se encontra. Para FOSCHINI[47], a defesa técnica é uma exigência da sociedade, porque o preso pode, ao �0 C iê nc ia s C rim in ai s Te or ia d o G ar an tis m o Pe na l - A ul a 02 seu critério, defender-se pouco ou mesmo não se defender, mas isso não exclui o interesse da coletividade de uma verificação negativa no caso do delito não constituir uma fonte de responsabilidade penal. A estrutura dualística do processo expressa-se tanto na esfera individual como na social. Por isso, o direito de defesa está estruturado no binômio: - defesa privada ou autodefesa; - defesa pública ou técnica, exercida pelo defensor. Por esses motivos, a defesa técnica é considerada indisponível, pois, mais do que uma garantia, é uma condição de paridade de armas, imprescindível para a concreta atuação do contraditório. Inclusive, fortalece a própria imparcialidade do juiz. Como explica MORENO CATENA[48], a defesa técnica atua também como um mecanismo de autoproteção do sistema processual penal, estabelecido para que sejam cumpridas as regras do jogo da dialética processual e da igualdade das partes. É, na realidade, uma satisfação alheia a vontade do apenado, pois resulta de um imperativo de ordem pública, contido no princípio do due process of law. O Estado deve organizar-se de modo a instituir um sistema de “Serviço Público de Defesa”, tão bem estruturado como o Ministério Público, com a função de promover a defesa de pessoas pobres e sem condições de constituir um defensor. Assim como o Estado organiza um serviço de acusação, tem esse dever de criar um serviço público de defesa, porque a tutela dos direitos do preso não é só um interesse individual, mas público. Neste sentido, a Constituição garante no art. 5º, LXXIV que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Para efetivar tal garantia, o sistema brasileiro possui uma elogiável instituição: a Defensoria Pública, prevista no art. 134 da CF, como instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo- lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados. O problema é a deficiência material e pessoal que enfrenta a instituição. A necessidade da defesa técnica está expressamente consagrada no art. 261 do CPP, onde se pode ler que “nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor.” No âmbito internacional, o art. 8.2 da Convenção Americana de Direitos Humanos prevê o “direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se livremente e em particular com seu defensor”. Também garante o “direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei”.’ Talvez o ponto nevrálgico da ausência de defesa técnica venha da frágil justificativa de que o preso tem plena capacidade postulatória (art. 41, XIV, da LEP). É uma falácia, que serve apenas para acobertar o imenso prejuízo que ele sofre pelo abandono. O preso não deve possuir capacidade postulatória, porque isso é uma falsa vantagem. Ele tem que ter, isso sim, um defensor, pois a defesa técnica é imprescindível e indisponível. Tal situação é agravada ao extremo quando cotejada com o mofado discurso de que na execução todos são advogados do preso (juízes, promotores, servidores, etc. ). Tecnicamente, tais construções não encontram o menor amparo legal ou constitucional e só contribuem para aumentar o abandono e a injustiça que sofrem os apenados. São argumentos intimamente vinculados ao discurso inquisitivo e autoritário, completamente incompatíveis com o paradigma constitucional e garantista-acusatório que defendemos, e seus seguidores causam um imenso prejuízo ao sistema. Na inquisição, o Directorium Inquisitorum[49] considerava totalmente inútil a defesa, pois o delito de heresia estava no cérebro, escondido na alma, de modo que nada tinha maior valor probatório que a confissão. Se o acusado confessa, não é necessário advogado para defendê- lo, pois a função do advogado é fazer o réu confessar logo e se arrepender, além de pedir a pena para o crime cometido. O antigo processo inquisitivo deve ser visto como uma expressão lógica da teoria do Estado de sua época[50], como manifestação do absolutismo que concentrava a potestade estatal �� C iê nc ia s C rim in ai s Te or ia d o G ar an tis m o Pe na l - A ul a 02 de maneira indivisível nas mãos do soberano, quem legibus absolutus não estava submetido a restrições legais. Para este sistema, os cidadãos ficam reduzidos a mero objeto do poder soberano. Não resta dúvida de que a idéia do Estado de Direito influi de forma imediata e direta no processo penal, e pode-se afirmar que el principio del Estado de Derecho como principio de organización del procedimiento penal [51]. Na atualidade, a presença do defensor deve ser concebida como um instrumento de controle da atuação do Estado e de seus órgãos na execução penal, garantindo o respeito à lei e a justiça. Se o processo penal deve ser um instrumento de proteção dos direitos fundamentais do sujeito passivo, o defensor deve adequar-se a esse fim, atuando para sua melhor consecução. Está intimamente vinculado ao direito fundamental da salvaguarda da dignidade humana, obrigando ao defensor a uma atividade unilateral, somente a favor daquele por ele defendido. O defensor unicamente tem que vigiar o processo penal para evitar infrações da lei ou injustiças contra seu cliente, chegando HEINZ GÖESSEL[52] a afirmar que evitar um processo ilegal ou injusto a favor do imputado por parte do poder sancionador, não constitui uma tarefa do defensor. O defensor no processo penal é o correlativo do acusador, na dialética processual dos contrários, o momento da antítese[53] e, como tal, indispensável para a administração da justiça, como muito bem soube destacar o art. 133 da Constituição Federal. A função do advogado e do debate mesmo é criar a dúvida, porque o fundamental é que o juiz duvide. Na célebre expressão de CARNELUTTI: Ah do juiz que não duvide! Se no processo civil a defesa pode ser considerada como uma carga processual da parte, o mesmo não ocorre no processo penal, onde a defesa técnica assume o caráter de obrigação de caráter público, um autêntico direito fundamental do indivíduo contra o Estado. Não existe a possibilidade de levar adiante um processo – seja de conhecimento ou de execução - sem a presença de um defensor técnicoe, a inércia do sujeito passivo em indicá-lo, obriga o juiz a nomear um defensor dativo. Como bem aponta MORENO CATENA[54], parece que a submissão do condenado a execução leva como lógica e iniludível conseqüência a privação de toda possibilidade de intervir nas atividades que nela se realizam, ou de opor-se a ela, como se o Estado se convertesse em um ser onipotente frente ao condenado, devendo este padecer qualquer atividade ou restrição em seus direitos, ainda que resulte arbitrária ou excessiva, olvidando a estrita sujeição da execução ao princípio da legalidade. Nada mais equivocado. O apenado não perde o direito de defesa técnica e, essa restrição na prática forense de uma das manifestações capitais do direito de defesa (se não do direito mesmo, em toda sua extensão), carece de qualquer justificação a luz de seu reconhecimento como norma fundamental.[55] Em suma, a defesa técnica é essencial para garantir o contraditório e a própria igualdade de armas. Como aponta SCARANCE FERNANDES[56], “a defesa técnica, para ser ampla como exige o texto constitucional, apresenta-se no processo como defesa necessária, indeclinável, plena e efetiva. Por outro lado, além de ser garantia, a defesa técnica é também direito e, assim, pode o réu escolher defensor de sua confiança”. Não tendo condições de fazê-lo, é dever inafastável do Estado oferecer-lhe um serviço público de defesa, tão bem estruturado como está o Ministério Público. F) FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES A fundamentação das decisões é uma garantia inafastável, insculpida no art. 93, IX da CF e também no art.59, parágrafo único da LEP. Sua principal função é a de permitir o controle da racionalidade, pois só a fundamentação permite avaliar se a racionalidade da decisão predominou sobre o poder. Explica FERRAJOLI que ...el modelo penal garantista equivale a un sistema de minimización del poder y de maximización del saber judicial, en cuanto condiciona la validez de las decisiones a la verdad, empírica y lógicamente controlable, de sus motivaciones.[57] O juízo penal e toda a atividade jurisdicional é um saber-poder, uma combinação de conhecimento (veritas) e de decisão (auctoritas). Com esse entrelaçamento, quanto maior é o poder, menor é o saber, e vice-versa. No modelo ideal de jurisdição, tal como foi concebido por Montesquieu, o poder �2 C iê nc ia s C rim in ai s Te or ia d o G ar an tis m o Pe na l - A ul a 02 é “nulo”. No modelo autoritarista - totalmente rechaçado na atualidade - o ponto nevrálgico está exatamente no oposto, ou seja, na predominância do poder sobre o saber e a quase eliminação das formas de controle da racionalidade. Tais regras básicas de um modelo garantista devem ser aplicadas na sua totalidade no processo de execução, inclusive na apuração de faltas disciplinares, pois muitas vezes a sanção é tão ou mais grave que aquela atribuída pela lei penal a condutas delituosas[58]. No modelo garantista não se admite nenhuma imposição de pena: sem que se produza a comissão de um delito; sem que ele esteja previamente tipificado por lei; sem que exista necessidade de sua proibição e punição; sem que os efeitos da conduta sejam lesivos para terceiros; sem o caráter exterior ou material da ação criminosa; sem a imputabilidade e culpabilidade do autor; e sem que tudo isso seja verificado através de uma prova empírica, levada pela acusação a um juiz imparcial em um processo público, contraditório, com amplitude de defesa e mediante um procedimento legalmente preestabelecido. A discricionariedade judicial deve ser sempre dirigida não a estender, mas a reduzir a intervenção penal enquanto não motivada por argumentos cognoscitivos seguros. A dúvida sobre a verdade jurídica exige a intervenção de instituições como a presunção de inocência do imputado até a sentença definitiva; o ônus da prova a cargo da acusação; o princípio in dubio pro reo; a absolvição em caso de incerteza sobre a verdade fática e, por outro lado, a analogia in bonam partem e a interpretação restritiva dos pressupostos típicos penais e extensiva das circunstâncias eximentes ou atenuantes. Como destaca FERRAJOLI em diversos momentos, a dúvida deve ser resolvida sempre pela aplicação do princípio in dubio pro reo (critério pragmático de solução das incertezas jurisdicionais) e a manutenção da presunção de inocência. A única certeza que se pretende no processo penal está relacionada com a existência dos pressupostos que condicionam a pena e a condenação, e não com os elementos para absolver. O princípio in dúbio pro reo é perfeitamente invocável no processo de execução, especialmente em momentos críticos de valoração, como ocorrem nos exames criminológicos. Se não houver consenso na equipe de observação ou houverem laudos divergentes, está criada a dúvida, que necessariamente deve ser resolvida em benefício do apenado, reconhecendo-se o direito pleiteado (progressão, livramento condicional, etc.). Da mesma forma, se o juiz entender que os argumentos invocados para desautorizar a medida forem frágeis ou despidos de suficiente lastro, deve pender a balança em benefício do apenado. Também cumpre apontar a importância da adoção do principio da verdade formal e não da verdade substancial, pois a verdade substancial, ao ser perseguida fora das regras e controles e, sobretudo, de uma exata predeterminação empírica das hipóteses de indagação, degenera o juízo de valor, amplamente arbitrário de fato, assim como o cognoscitivismo ético sobre o qual se embasa o substancialismo penal, e resulta inevitavelmente solidário com uma concepção autoritária e irracionalista do processo penal.[59] Em sentido oposto, a verdade perseguida pelo modelo formalista como fundamento de uma condenação é, por sua vez, uma verdade formal ou processual e só pode ser alcançada mediante o respeito das regras precisas e relativas aos fatos e circunstâncias considerados como penalmente relevantes. Como explica FERRAJOLI[60], a verdade processual não pretende ser a verdade. Não é obtida mediante indagações inquisitivas alheias ao objeto processual, mas sim condicionada em si mesma pelo respeito aos procedimentos e garantias da defesa. A verdade formal é mais controlada quanto ao método de aquisição e mais reduzida quanto ao conteúdo informativo que qualquer hipotética verdade substancial. Essa limitação se manifesta em 4 sentidos: - a tese acusatória deve estar formulada segundo e conforme a norma; - a acusação deve estar corroborada pela prova colhida através de técnicas normativamente preestabelecidas; - deve ser sempre uma verdade passível de prova e oposição; - a dúvida, falta de acusação ou de provas ritualmente formadas impõem a prevalência da presunção de inocência e atribuição de falsidade formal ou processual às hipóteses acusatórias. Por isso, não cabe ao juiz ter iniciativa probatória: se está em dúvida, não deve atuar como inquisidor, mas sim absolver. O principio in dubio pro reo e a manutenção da presunção de inocência são critérios pragmáticos para solução da incerteza judicial. �� C iê nc ia s C rim in ai s Te or ia d o G ar an tis m o Pe na l - A ul a 02 O valor do formalismo está em presidir normativamente a indagação judicial, protegendo a liberdade dos indivíduos contra a introdução de verdades substancialmente arbitrárias ou incontroláveis. De nada serve um sistema formalmente garantista e efetivamente autoritário. Essa falácia garantista[61] consiste na idéia de que bastam as razões de um “bom” Direito, dotado de sistemas avançados e atuais de garantias constitucionais para conter o poder e pôr os direitos fundamentais a salvo dos desvios e arbitrariedades. Não existem Estados democráticos que, por seus sistemas penais, possam ser considerados plenamente garantistasou antigarantistas, senão que existem diferentes graus de garantismo e o ponto nevrálgico está no distanciamento entre o ser e o dever ser. Por derradeiro, chamamos a atenção para o gravíssimo inconveniente que é adoção como fundamento de decidir, dos argumentos utilizados por Psicólogos e Psiquiatras das Equipes de Observação Criminológica. Toda e qualquer avaliação sobre a personalidade de alguém é inquisitiva, visto estabelecer juízos sobre a interioridade do agente. Também é autoritária, devido às concepções naturalistas em relação ao sujeito autor do fato criminoso. Qualquer prognóstico que tenha como mérito “probabilidades” não pode, por si só, justificar a negação de direitos, visto que são hipóteses inverificáveis empiricamente. Uma porta aberta para o subjetivismo incontrolável. Nesses laudos, em geral, podemos verificar que o superadíssimo direito penal do autor continua sendo aplicado, talvez fruto da dificuldade em compreender o fenômeno da secularização ou ainda, por culpa da prisionalização que atinge a todos aqueles que atuam na execução e os impede de repensar posições ultrapassadas. Como conseqüência, a lógica inquisitiva continua dominando amplamente e em todos os aspectos. Além de ser um diagnóstico absolutamente impossível de ser feito (salvo para os casos de vidência e bola de cristal) é flagrantemente inconstitucional, pois a única presunção que a Constituição permite é a de inocência. E, por favor, não se diga que o preso não está protegido pela presunção de inocência, pois esta permanece intacta em relação a fatos diversos daquele que ensejaram a condenação. Continua existindo, principalmente em relação a fatos futuros. Não existe base legal para prognósticos de reincidência ou ainda, para o mofado discurso da periculosidade. Recorda SALO DE CARVALHO[62] que uma das principais distinções entre o sistema inquisitivo e o acusatório-garantista se manifesta no que diz respeito à existência de possibilidades de concreta refutação das hipóteses probatórias. Não raramente encontramos em laudos – acolhidos pelos juízes – que negam o direito pleiteado aduzindo que “a personalidade é imatura, ele é mesocriminoso preponderante, possui atenção normovigil e normotenaz, orientação auto e alopsíquica, afeto normomodulado”[63], e outras pérolas que são absolutamente impossíveis de serem demonstradas e refutadas. Logo, fulminados estão os direitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Diga-se de passagem, que o fato de ter sido condenado não implica perda de tais direitos. O apenado continua tendo o direito de refutar e contraditar juízos de valoração negativos feitos contra ele. Mas isso é impossível, pois o discurso da psiquiatria destrói qualquer possibilidade de contraditório e direito de defesa, eis que não há como refutar as hipóteses, resistir em igualdade de condições. Na verdade, o que ocorre no processo de execução e ninguém quer admitir, é que nosso modelo implica reducionismo sócio-biológico. É um absurdo retrocesso aos conceitos lombrosianos de propensão ao delito, causas da delinqüência e personalidade voltada para o crime, como muito bem identificou SALO DE CARVALHO. �� C iê nc ia s C rim in ai s Te or ia d o G ar an tis m o Pe na l - A ul a 02 A função do juiz fica reduzida a acolher os laudos e com isso há a perigosa fundição do modelo jurídico com o discurso da psiquiatria. E o perigo está no excesso de subjetivismo, pois o discurso jurídico é refutável, mas o da psiquiatria não. É a ditadura do modelo clínico. Para os juízes, o papel de mero homologador de laudos técnicos é muito cômodo. Eles acabam substituindo o discurso jurídico pelo discurso da psiquiatria, tornando sua decisão impessoal, inverificável e impossível de ser contestada. Ademais, o julgador acaba “lavando as mãos”, pois a decisão punitiva passa a ser reflexo de um juízo que não é feito por ele, mas pelo psicólogo ou psiquiatra de plantão. Existe uma pulverização da responsabilidade de decidir. Verifica-se de plano a nefasta substituição do direito penal do fato pelo direito penal do autor. Não se pune mais pelo que o apenado objetivamente fez, mas sim pelos diagnósticos irrefutáveis de personalidade perigosa, desviada, etc. Com isso, explica FERRAJOLI[64], cai por terra um das bases do liberalismo que norteia um Estado democrático de Direito: o direito de cada um ser e permanecer ele mesmo, e, portanto, a negação ao Estado de indagar sobre a personalidade psíquica do cidadão e de transformá- lo moralmente através de medidas de premiação ou de punição por aquilo que ele é e não por aquilo que ele fez. Como dissemos, não existe a menor possibilidade (salvo os casos de vidência...) de uma avaliação segura sobre a personalidade de alguém, até porque, existem mais de 50 definições diferentes sobre a personalidade[65]. É um dado impossível de ser constatado empiricamente e tão pouco demonstrável objetivamente para poder ser desvalorado. O diagnóstico da personalidade é extremamente complexo e envolve histórico familiar, entrevistas, avaliações, testes de percepção temática e até exames neurológicos e isso é absolutamente impossível de ser constatado através dos exames feitos pela CTC/EOC. Não podemos admitir um juízo negativo sem fundamentação e base conceitual e metodológica. Com a conseqüente adoção do modelo acusatório, exige-se a plena refutabilidade das hipóteses e o controle empírico da prova e da própria decisão, que só pode ser admitida quando motivada por argumentos cognoscitivos seguros e válidos. A decisão do juiz sempre deve ser verificável pelas partes e refutável, bem como deve-se compreender o processo de racionalização desenvolvido e isso não é possível quando o julgador simplesmente acolhe um laudo desfavorável como esses emitidos pela CTC ou pela EOC. Com acerto já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (Ap. Nº 70000907659, 6ª Câmara Criminal, Rel. Des. Sylvio Baptista, j. em 15.6.2000) no sentido de que as circunstâncias judiciais da conduta social e personalidade, previstas no art. 59 do CP, só devem ser consideradas para beneficiar o acusado e não para lhe agravar mais a pena. A punição deve levar em conta somente as circunstâncias e conseqüências do crime. E excepcionalmente minorando-a face a boa conduta e/ou a boa personalidade do agente. Tal posição decorre da garantia constitucional da liberdade, prevista no art. 5º da Constituição Federal. Se é assegurado ao cidadão apresentar qualquer comportamento (liberdade individual), só responderá por ele, se a sua conduta (lato senso) for ilícita. Ou seja, ainda que sua personalidade ou conduta social não se enquadre no pensamento médio da sociedade em que vive (mas seus atos são legais), elas não podem ser utilizadas para o efeito de aumentar a pena, prejudicando-o. Ora, isso não se aplica só na dosimetria da pena, mas também no processo de execução. O que não podemos pactuar é com um hediondo retorno a culpabilidade do autor e pela conduta de vida. Tampouco podemos tolerar decisões sem a devida fundamentação, que não são constatáveis empiricamente e, portanto, refutáveis. �� C iê nc ia s C rim in ai s Te or ia d o G ar an tis m o Pe na l - A ul a 02 VII. Conclusões O processo de execução regrado pela Lei de Execuções Penais está eivado de sérios inconvenientes. O principal deles está na adoção do principio inquisitivo na sua matriz sistêmica, em completo desacordo com essência democrática-garantista e, portanto, acusatória, de nossa Constituição. O modelo adotado fulmina também a imparcialidade do juiz e qualquer esperança de efetividade dos direitos fundamentais do apenado. Outro sério problema é o acesso ao poder judiciário, pois o sistema, apesar deser normativamente jurisdicional, está sendo, na prática, convertido em administrativo. A garantia da jurisdição é crucial e não podemos prescindir dela no processo de execução, tendo em vista o elevado custo da expiação. Ademais, os excessos e arbitrariedades cometidos pelos órgãos administrativos exigem uma atuação enérgica do juiz, não inquisitiva, mas garantista. É o juiz o guardião da eficácia do sistema de garantias previsto na Constituição e nisso reside sua legitimidade e independência. Devemos aproximar a execução penal da estrutura dialética do processo de conhecimento, deixando o juiz como um terceiro imparcial, colocando a iniciativa nas mãos do Ministério Público e assegurando ao apenado a possibilidade de resistir e fazer valer seus direitos públicos subjetivos, através de um procedimento jurisdicional, contraditório e com ampla defesa (principalmente técnica, a cargo de advogado). A mudança passa, necessariamente, por uma melhor definição da posição do juiz no processo de execução: não mais como ator, mas sim espectador, conseqüência inafastável da matriz acusatória-garantista. Defendemos a figura do juiz de garantias e não do juiz inquisidor, como foi adotado pela LEP. Colocando o juiz no seu devido lugar, estaremos fortalecendo a estrutura dialética do processo, em beneficio de todos os intervenientes e, principalmente, contribuindo para uma melhor administração da justiça. Para tanto, devemos tratar a execução penal como uma relação processual – logo jurisdicional – considerando o apenado como verdadeiro sujeito e não mais como mero objeto. É o completo abandono do verbo inquisitivo e autoritarista que caracteriza o modelo atual. É imprescindível fortalecer a figura do apenado, através da assistência de defensor. A defesa técnica é indisponível e absolutamente necessária no processo de execução, em que o apenado está completamente fragilizado e à mercê dos abusos e excessos do Estado. Por derradeiro, devemos abandonar o direito penal do autor, ainda em plena vigência no processo de execução. Os juízos de valor devem ser objetivados e controláveis empiricamente. Só assim poderão ser refutados. A adoção do modelo garantista-acusatório impõe a plena refutabilidade das hipóteses e o controle empírico da prova e da própria decisão, que só pode ser admitida quando motivada por argumentos cognoscitivos seguros e válidos. Por tanto, inadmissível o reducionismo sócio-biológico e a fundição do modelo jurídico com o discurso da psiquiatria. Não podemos admitir a ditadura do modelo clínico. Qualquer perspectiva de evolução passa, necessariamente, por uma maximização da intervenção jurisdicional e um fortalecimento da situação jurídica do apenado, pois, apesar de condenado, não perdeu sua característica de ser “social” e, como tal, merecedor de incondicional respeito de seus direitos e garantias fundamentais. Notas [1] Tratado de Derecho Penal, parte general, p. 2. [2] Direito Penal – parte geral, p. 3. [3] JESCHEK, Hans Heinrich. Op.cit. p. 3. [4] Como explica GOMEZ ORBANEJA, Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal. Tomo I. p. 27 e ss. [5] Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal, tomo I, p. 27. �� C iê nc ia s C rim in ai s Te or ia d o G ar an tis m o Pe na l - A ul a 02 [6] Norma processual penal espanhola - Ley de Enjuiciamiento Criminal. [7] CARNELUTTI, Francesco. Lecciones sobre el Proceso Penal, v. 4, trad. Santiago Sentis Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1950, p. 191. [8] PELLEGRINI GRINOVER, Ada. “ A exigência de jurisdicionalização da execução na América Latina”. In: O Processo em Evolução.Rio de Janeiro, Forense, 1996, p. 259. [9] Publicado pela Editora Lumen Juris, 2001. [10]“Introdução aos Princípios Gerais do Processo Penal Brasileiro”, in Separata do Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais, ITEC, Porto Alegre, 2000, p. 3 e ss. [11] Estamos nos referindo a JAMES GOLDSCHMIDT e sua teoria do processo como situação jurídica. Sobre o tema consulte-se suas obras: Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal. Barcelona, Bosch, 1935. Derecho Justicial Material. Trad. Catalina Grossman do original de 1905. Buenos Aires, Ediciones Jurídicas Europa-America, 1959. Derecho Procesal Civil. Trad. Prieto Castro. Barcelona, Labor, 1936. [12] A expressão é de ARAGONESES ALONSO, Pedro, na obra Proceso y Derecho Procesal, 2ª edição, Madri, 1997, p.127. É notória e reconhecida pelo próprio autor a marcante influência de WERNER GOLDSCHMIDT na construção de seu pensamento, especialmente da magistral obra Dikelogia – La Ciencia de la Justicia, Buenos Aires, DePalma, 1958. [13] AGOSTINHO BENETI, Sidnei. Execução Penal. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 6 e 7. [14] LEONE, Giovanni. Tratado de Derecho Procesal Penal, v. 3, trad. Santiago Sentis Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1963, p. 472. [15] Pena e Garantias: Uma Leitura do Garantismo de Luigi Ferrajoli no Brasil. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2001, p. 185 e ss. [16] HINOJOSA SEGOVIA, Rafael; OLVIA SANTOS, Andrés; ARAGONESES MARTINEZ, Sara; MUERZA ESPARZA, Julio e TOME GARCIA, José Antonio. Derecho Procesal Penal, Madri, Ramon Areces, 1996, p. 762. [17] PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório. A Conformidade Constitucional das Leis Penais. 2ª Edição. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2001, p. 270. [18] Mesmo considerando a execução penal como um processo autônomo, não há dúvidas de que sua estrutura está muito distante da dialética existente no processo de conhecimento e, respeitadas suas peculiaridades, não há nenhum inconveniente de aproximar-se a execução da dialética que caracteriza todo e qualquer processo. [19] Instituciones de Derecho Penal y Procesal Penal, p. 183 e ss. [20] Las Partes en el Proceso Penal, p. 29 e ss. [21] Uma tema extremamente complexo e que não constitui objeto de nossa exposição, de modo que a abordagem será, propositadamente, superficial. [22] O original em alemão foi publicado em 1868. Posteriormente, BÜLOW voltou ao tema aperfeiçoando sua teoria frente as criticas que sucederam ao lançamento de sua obra, mas mantendo a linha básica da teoria da relação jurídica. Segundo CHIOVENDA (La Acción en el Sistema de los Derechos, p. 41), em maio de 1903, na obra Klage und Urteil, BÜLOW volta ao tema para rechaçar as críticas de WACH sobre a ação e, entre outros pontos, aceitar a teoria da ação como direito potestativo defendida por CHIOVENDA. [23] Como aponta CHIOVENDA (Principios de Derecho Procesal Civil, v.1, p. 123) a ”la sencillísima pero fundamental idea notada por HEGEL, afirmada por BETHMANN-HOLLWEG y desenvuelta principalmente por BÜLOW y más tarde por KOHLER y por otros muchos, incluso en Italia: el proceso civil contiene una relación jurídica”. Na realidade, não se pode afirmar que BÜLOW criou a teoria da relação jurídica, pois como aponta ARAGONESES ALONSO (Proceso y Derecho Procesal, p. 206), o tema já havia sido aludido por BETHMANN-HOLLWEG anteriormente. Ademais, existem antecedentes históricos nos juristas italianos medievais, como Búlgaro de Sassoferrato que ao afirmar que judicium est actus trium personarum, judicis, actoris, rei contemplava no processo as três partes: o juiz que julgue, o autor que demande e o réu que se defenda. Contudo, foi BÜLOW quem racionalizou a teoria e, principalmente, a desenvolveu sistematicamente frente ao processo. [24] BETTIOL, Guiseppe. Instituciones de Derecho Penal y Procesal Penal, p. 243. [25] Sem entrar especificamente na natureza jurídica do processo, cumpre destacar que a teoría de BÜLOW foi o ponto de partida de outras variantes. A nosso juízo, as principais foram a teoria do processo como situação jurídica de J.GOLDSCHMIDT e a teoria do processo como instituição jurídica de GUASP. Tais teorias não podem ser concebidas como inconciliáveis, mas sim como complementares. Por isso, concordamos com WERNER GOLDSCHMIDT(“Prólogo” da primeira edição da obra Proceso y Derecho Procesal de ARAGONESES ALONSO, p.35) no sentido de que “mientras la teoría de la situación destaca lo que ocurre en el Derecho cuando éste opera en el plano dinámico del proceso, la teoría institucional, señala ARAGONESES ALONSO, se mueve en el mundo abstracto de los conceptos. Por ello, estas dos posiciones no sólo se ofrecen como incompatibles, sino como complementarias, de la misma forma que pueden concebirse como complementarias la teoria de la relación.” Somente com a integração �� C iê nc ia s C rim in ai s Te or ia d o G ar an tis m o Pe na l - A ul a 02 destes conceitos podemos compreender como nasce o proceso e qual é o fundamento metafísico da sua existência (teoria da instituição), o conteúdo real do processo tal como se desenvolve na vida e sua contínua evolução (teoria da situação jurídica) e, finalmente, qual é a força que une os diversos sujeitos que nele operam (teoria da relação jurídica). [26] Manual de Derecho Procesal Civil, v.1. [27] GUASP, Jaime. “Administración de Justicia y Derechos de la Personalidad”. In: Estudios Jurídicos, p. 180 e ss. [28] Neste tema, a interpretação histórica desempenha um papel fundamental. Vide BETTIOL, Instituciones de Derecho Penal y Procesal, p. 243 e ss. [29] Na nossa obra Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal, p. 15 e ss. [30] Nos baseamos em FERRAJOLI - Derecho y razón, p. 732 – adaptando as peculiaridades da execução. [31] Conforme noticia Ada Pellegrini Grinover, op. cit. p. 261. [32] Lecciones sobre el Proceso Penal, v. 2. p. 274. [33] SILVA FRANCO, Alberto. O Juiz e o Modelo Garantista. In: Doutrina do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, disponível no site do Instituto (www . ibccrim.com.br) em março de 1998. [34] Na nossa obra Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. [35] Utilizamos a tradução espanhola da StPO e StGB, coordenada por Emilio Eiranova Encimas, Madrid, Marcial Pons, 2000. [36] GOMEZ COLOMER, Juan-Luis.El Proceso Penal Aleman – Introduccion y Normas Basicas. Barcelona, Bosch, 1985, p. 228 e ss. [37] E não se invoque a imparcialidade do Ministério Público para justificar a deficiência estatal nos serviços de defensoria pública ou para qualquer outro motivo, simplesmente porque ela não existe. É uma monstruosidade lógica e jurídica acreditar na imparcialidade de uma parte. Como explicamos em nossa obra Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal, são múltiplas as críticas à artificial construção jurídica da imparcialidade do promotor no processo penal. O crítico mais incansável foi, sem dúvida, o mestre CARNELUTTI (Poner en su puesto al Ministerio Publico. In: Cuestiones sobre el Proceso Penal, p. 211 e ss.), que em diversas oportunidades pôs em relevo a impossibilidade de la cuadratura del círculo: ¿ No es como reducir un círculo a un cuadrado, construir una parte imparcial? El ministerio público es un juez que se hace parte. Por eso, en vez de ser una parte que sube, es un juez que baja. Em outra passagem (Lecciones sobre el Proceso Penal, v. 2, p. 99), CARNELUTTI explica que não se pode ocultar que, se o promotor exerce verdadeiramente a função de acusador, querer que ele seja um órgão imparcial não representa no processo mais que uma inútil e hasta molesta duplicidad. Para GOLDSCHMIDT (Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal, p. 29), o problema de exigir imparcialidade de uma parte acusadora significa cair en el mismo error psicológico que ha desacreditado al proceso inquisitivo, qual seja o de crer que uma mesma pessoa possa exercitar funções tão antagônicas como acusar, julgar e defender. [38] A Instrumentalidade do Processo, P. 177. [39] GUASP, Jaime. “Administración de Justicia y Derechos de la Personalidad”. In: Estúdios Jurídicos, p. 182 e ss. [40] “La Imparcialidad como Principio Básico del Proceso.” In: Revista de Derecho Procesal, n° 2, 1950, p. 189 e ss. [41] Sistema Acusatório, p. 276. [42] De los Delitos y de las Penas, p. 61. [43] Sobre o tema, veja-se nossa obra Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal, p. 318 e ss. [44] Derecho y Razón, p. 608. [45] Na Espanha, utiliza-se a expressão “letrado” em clara referência ao presumido conhecimento que o advogado deve ter, não só técnico-jurídico, mas também de outras áreas, especialmente das letras. [46] Derecho Procesal Penal, v.1, p. 458. [47] L’Imputato, p. 27 e ss. [48] La Defensa en el Proceso Penal, p. 112. [49] EYMERICH, Nicolau. Manual dos Inquisidores, p. 138 e ss. [50] HEINZ GÖSSEL, Karl. El Defensor en el Proceso Penal, p. 15 e ss. [51] HEINZ GÖSSEL, Karl. El Defensor en el Proceso Penal, p. 17. [52] El Defensor en el Proceso Penal, p. 28. [53] GUARNIERI, op. cit. p. 328. [54] MORENO CATENA, Victor; GIMENO SENDRA, Vicente e CORTES DOMINGUEZ, Valentin. Derecho Procesal Penal, Madri, Colex, 1996, p. 888 e ss. [55] MORENO CATENA, Victor. Idem, p. 888. [56] SCARANCE FERNANDES, Antonio. Processo Penal Constitucional, p. 252. �� C iê nc ia s C rim in ai s Te or ia d o G ar an tis m o Pe na l - A ul a 02 [57] FERRAJOLI, op. cit. p. 22 e ss. [58] Elucidativo exemplo nos dá GERALDO PRADO (Sistema Acusatório, p. 272): “Caio, reincidente em crime doloso, condenado a dezoito anos de reclusão, em regime fechado, trabalha internamente durante nove anos. Como para cada três dias de trabalho é possível a remição de um dia de pena, Caio tem direito a remir três anos de sua pena, que ficaria reduzida a quinze anos, nove dos quais cumpridos! Acontece que, de acordo com o artigo 127 da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84), o condenado que for punido por falta grave perderá o direito ao tempo remido, de sorte que se Caio, num dia menos inspirado, cometer falta grave, por essa indisciplina receberá a sanção adicional correspondente a três anos de reclusão, pena superior à de muitos crimes!” [59] FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón, p. 44 e ss. [60] Idem, ibidem. [61] A expressão é de FERRAJOLI, na obra citada, p. 943 e ss. [62] Pena e Garantias: Uma Leitura do Garantismo de Luigi Ferrajoli no Brasil. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2001, p. 199. [63] Os exemplos são de SALO DE CARVALHO, Pena e Garantias: Uma Leitura do Garantismo de Luigi Ferrajoli no Brasil. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2001. [64] Derecho y razón. Madrid, Trotta, 1997. [65] Sobre o tema, veja-se a dissertação intitulada Fatores Subjetivos na Medição da Pena, de autoria de Rodrigo Moraes de Oliveira, apresentada e aprovada no Curso de Pós-Graduação – Mestrado – em Ciências Criminais da PUC/POA. Porto Alegre, 20/12/99. Bibliografia AGOSTINHO BENETI, Sidnei. Execução Penal. São Paulo, Saraiva, 1996. ARAGONESES ALONSO, Pedro. Proceso y Derecho Procesal. 2.ed. Madri, Edersa, 1997. BECCARIA, Cesare. De los Delitos y de las Penas. Trad. de Juan Antonio de las Casas. Madri, Alianza, 1996. BETTIOL, Guiseppe. Instituciones de Derecho Penal y Procesal. Trad. Faustino Gutiérrez-Alviz y Conradi. Barcelona, Bosch, 1976. BÜLOW, Oskar Von La Teoria de las Excepciones Dilatórias y los Presupuestos Procesales. Trad. Miguel Angel Rosas Lichtschein do original de 1868. Buenos Aires, Ediciones Jurídicas Europa- America, 1964. CARNELUTTI, Francesco. Derecho Procesal Civil y Penal. Trad. Enrique Figueroa Alfonzo. México, Episa, 1997. . “Poner en su Puesto al Ministerio Publico”. In: Cuestiones sobre el Proceso Penal. Trad. Santiago Sentís Melendo. Buenos Aires, Librería el Foro, 1960. . Lecciones sobre el Proceso Penal. 4 Tomos. Trad. Santiago Sentís Melendo. Buenos Aires, Bosch, 1950. . Principi del Processo Penale. Napoli, 1960. CARVALHO, Salo de. Pena e Garantias: Uma Leitura do Garantismo de Luigi Ferrajoli no Brasil. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2001. CHIOVENDA, Guiseppe. La Acción en el Sistema
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