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188 • Rev. bras. Educ. Fís. Esp., São Paulo, v.20, p.188-90, set. 2006. Suplemento n.5. XI Congresso Ciências do Desporto e Educação Física dos países de língua portuguesa Perspectivas da Educação Física Escolar: reflexão sobre a Educação Física como componente curricular José Pereira de MELO Departamento de Educação Física, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil Introdução A Educação Física como componente curricular Refletir sobre as perspectivas da Educação Física escolar é uma tarefa que, a meu ver, apresenta-se por duas vias de análise: a primeira pautada numa impressão futurista, considerando-se as expectativas que tenho sobre as mudanças qualitativas que devem ocorrer nas intervenções pedagógicas para consolidá-la como componente curricular na escola; a segunda, pela necessidade de incursão no passado para compreendermos o processo histórico da sua configuração como prática pedagógica, atitude esta que pode apresentar elementos significativos para idealizarmos as previsões futuristas. Observa-se, no trajeto histórico da Educação Física escolar, uma significativa mudança de status em relação a sua inserção e seu a fazer pedagógico na escola, em que transitamos da condição de mera atividade extraclasse a componente curricular, como bem expressa a mais recente Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira -LDB, promulgada em 1996.Constatam-se avanços na legislação, e a história da Educação Física no Brasil mostra-nos tais avanços, mas quando passamos a analisar sua função na escola e as práticas nela materializadas, percebemos um significativo descompasso.Considerando-se que paralelo aos avanços legais várias propostas pedagógicas foram concebidas para orientar sua pedagogia na escola, e que tais perspectivas sempre estiveram em pauta nos eventos e debates acadêmicos, poucas mudanças observamos na ação dos professores nas escolas.Assim, a presente reflexão tem o propósito de contribuir com o debate sobre as perspectivas para a Educação Física escolar, contextualizando- se aspectos possíveis de consolidá-la como componente curricular. A LDB de 1996 coloca a Educação Física como componente curricular, fato que exigiu um novo pensar e um novo agir dos seus professores. O novo pensar é caracterizado pela necessidade de se conceber a Educação Física na escola nas mesmas condições dos demais componentes curriculares, nos quais a organização dos seus aspectos didáticos os consolidam na edu- cação escolarizada. Exige-se, também, uma participação mais efetiva dos professores de Educação Física na concepção do projeto pedagógico, pois, ao considerá-la como componente curricular, as suas práticas deverão ser orientadas pelas diretrizes do projeto pedagógico da escola. Então, se os professores ficarem ausentes dos momentos de planejamento escolar, será difícil imaginar ações pedagógicas coerentes e pautadas nos eixos pedagógi- cos que organizam o trabalho escolar nos diferentes componentes. Enten- demos componente curricular como “a forma de organização do conteúdo de ensino em cada grau, nível e série, compreendendo aquilo sobre o qual versa o ensino, ou em torno do qual se organiza o processo de ensino- aprendizagem” (SAVIANI,1994, p.142). Assim, cabe aos professores de Educação Física envolver-se numa rotina escolar que permita situar claramente seus conteúdos de ensino e sua organização nos diferentes ciclos de escolarização, diferente da linearidade de conteúdo que se repete de forma hegemônica em todos os níveis escolares, bem como dissipar a idéia, muita vezes cristalizada na escola, de que a Educação Física é um apêndice curricular, caracterizada principalmente pela organização de atividades complementares, e não pela função precípua de tratar pedagogicamente o acervo da cultura de movimento como o conhecimento pedagógico de que os alunos devem se apropriar e re-significar no seu convívio social.Discutindo o delineamento da Educação Física na escola, SOUZA JÚNIOR (1999, p.19) esclarece que “críticas diversas são levantadas diante da organização do trabalho pedagógico na escola”, elas pautam-se principalmente nos determinantes sócio-políticos na elaboração do projeto pedagógico e nos aspectos que envolvem sua operacionalização. Assim, “o fato de a Educação Física ser considerada como mera ‘atividade’, relegada a algo sem importância no conjunto das disciplinas curriculares, restando-lhe o papel de mera executora de tarefas”, deve ser visto como equívoco frente à própria função social da escola, vinculada, entre outros aspectos, ao propósito de acessar os alunos a um saber sistematizado.Dessa forma, um novo agir dos professores deve ser implementado para dar sentido às práticas pedagógicas e às aprendizagens delas decorrentes.Tal atitude permite imprimir um novo olhar para a Educação Física na escola, possibilitando, dentre outros sentidos, uma valorização e sua consolidação pelo desenvolvimento de conteúdos que tenham significados para os alunos. Historicamente as ações extensionistas, como jogos escolares, organização de festas e desfiles comemorativos, por exemplo, têm garantido a presença da Educação Física na escola, mas mostram-se insuficientes para consolidá-la como um verdadeiro componente curricular. Soma-se a isso o caráter facultativo que a legislação possibilita para alunos que têm jornada de trabalho igual ou superior a seis horas, maior de trinta anos de idade, que estiver prestando serviço militar, que tenha prole, entre outros aspectos. Ora, não encontramos tais benefícios vinculados aos outros componentes curriculares, aspecto que parece indicar sua fragilidade curricular, a pouca importância a ela atribuída na escola e, principalmente, a certeza de que suas possibilidades pedagógicas são dispensáveis e de que a educação do corpo não é considerada na instituição escolar. Rev. bras. Educ. Fís. Esp., São Paulo, v.20, p.188-90, set. 2006. Suplemento n.5. • 189 XI Congresso Ciências do Desporto e Educação Física dos países de língua portuguesa M e s a R e d o n d a P e r s p e c ti v a s d a E d u c a ç ã o F ís ic a E s c o la r A necessidade de estruturar didaticamente os conhecimentos pedagógicos da Educação Física Recentemente fui solicitado a refletir sobre a importância do ensino de Educação Física na escola e fui levado a uma viagem no tempo em que fazíamos uso do corpo em diferentes jogos populares, sem as amarras ou controles das nossas expressões corporais e, muito menos, imaginávamos que tais vivências nos acessavam a um conhecimento corporal que contribuía para o nosso desenvolvimento e, por conseguinte, oportunizava a descoberta das nossas possibilidades de ação e as relações sociais que podem ser estabelecidas a partir do nosso corpo em movimento. Não podemos esquecer que as experiências vividas na infância em movimento nos proporcionam tantas aprendizagens, principalmente as relacionadas às nossas descobertas corporais e aos usos que podemos fazer do nosso corpo nas diferentes situações e contextos sociais, nas quais vivenciamos aprendizagens pelo movimento. Ao transitarmos desse mundo de expressões para a escola, por exemplo, entramos em um contexto no qual as aprendizagens são outras, o corpo começa a ser visto como um estorvo, e o controle dos seus movimentos passa a ser a palavra de ordem para não atrapalhar o processo da educação escolarizada. Parece, então, que se fala e se convive com outro corpo, e não Ao considerar o corpo e suas linguagens como intrusos na aprendizagem do saber sistematizado, a instituição escolar e os próprios professores parecem não estar preparados para lidar com o corpo em movimento. Podemos, assim, inferirque não é à toa que as práticas corporais como conteúdos da Educação Física não têm espaço na escola. Isso se dá pelo fato de seus caminhos pedagógicos serem opostos dos preceitos metodológicos dos outros componentes curriculares, pois seus conhecimentos advêm da expressão corporal como linguagem, e suas formas de aprendizagem consideram o homem em movimento, como até hoje o é fora da escola. Dessa forma, torna-se premente uma mudança de mentalidade dos professores, dirigentes escolares, gestores públicos e alunos para se configurar uma Educação Física pautada nas novas imposições legais e principalmente nas exigências pedagógicas que a coloca como componente curricular que tem objetivos, conteúdos, metodologias de ensino e processo de avaliação, a exemplo dos demais componentes da escola, e que as ações dos professores sejam capazes de expressar sua real importância na educação escolarizada. com aquele brincante de fora da escola (MELO & BORBA, 2006, p.25). Ao evidenciar a necessidade de um novo pensar e de um novo agir dos professores como principais perspectivas para a educação física escolar, torna-se premente compreendermos que “o processo didático está centrado na relação fundamental entre o ensino e a aprendizagem, orientado para a confrontação ativa do aluno com a matéria sob a mediação do professor. Com isso, podemos identificar entre os elementos constitutivos: os conteúdos das matérias que devem ser assimilados pelos alunos de um determinado grau; a ação de ensinar em que o professor atua como mediador entre o aluno e as matérias; a ação de aprender em que o aluno assimila consciente e ativamente as matérias e desenvolve suas capacidades e habilidades” (LIBÂNEO, 1994, p.56). Pensando na Educação Física, temos seus conteúdos vinculados à cultura de movimento, o esporte, que tem se configurado como prática hegemônica, é apenas um desses conteúdos. Na maioria das vezes, a ação de ensiná-lo sustenta-se unicamente no acesso aos seus elementos técnicos, e a sua aprendizagem limita-se à linearidade do movimento que compõe cada modalidade esportiva. Devemos considerar que “para ensinar e aprender, faz-se necessário o conhecimento técnico-científico da área de conhecimento e o trânsito entre os saberes, com suas diferentes lógicas, modos de fazer e compreender. Esse conhecimento deverá propiciar um processo contínuo de leitura e interpretação do mundo e do próprio conhecimento da cultura corporal ou cultura de movimento em suas diferentes expressões sociais, culturais e históricas (NÓBREGA, 2005, p.89). Em outras palavras, trata-se de organizar o conhecimento pedagógico da Educação Física de forma a garantir uma efetiva aprendizagem de seus conteúdos por parte dos alunos, pois “a aprendizagem escolar é, assim, um processo de assimilação de determinados conhecimentos e modos de ação física e mental, organizados e orientados no processo de ensino. Os resultados da aprendizagem se manifestam em modificações na atividade externa e interna do sujeito, nas suas relações com o ambiente físico e social” (LIBÂNEO, 1994, p.83). As aprendizagens decorrentes das práticas pedagógicas da Educação Física devem ampliar a compreensão dos alunos em relação às práticas corporais e à sua própria cultura de movimento. Assim, tenho me questionado com muita freqüência sobre o que se aprende nas aulas de Educação Física, e os pensamentos me conduzem para algumas conclusões desalentadoras, pois pouco se ensina nas aulas e, em conseqüência, quase nada se aprende. Ora, nem o futebol e a queimada, duas práticas recorrentes na Educação Física escolar são ensinadas, pois os alunos já chegam à escola com esses conteúdos aprendidos. Deve-se entender que a aprendizagem escolar é “uma atividade planejada, intencional e dirigida, e não algo casual e espontâneo” (idem, p.86). Alerta-nos o autor para o fato de que “a atividade cognoscitiva do aluno é a base e o fundamento do ensino, e este dá direção e perspectiva àquela atividade por meio dos conteúdos, problemas, métodos, procedimentos organizados pelo professor em situações didáticas específicas” (idem). Assim, organizar didaticamente os conhecimentos pedagógicos da Educação Física é assimilar a necessidade de sistematização dos seus conteúdos para possibilitarmos uma aprendizagem mais ampla e plural,pois os alunos não se apropriam de um conhecimento específico em uma única aula, uma vez que “a aprendizagem é um processo gradativo”.Sistematização aqui compreendida como a “seleção, seqüenciação e dosagem dos conhecimentos e habilidades de cada disciplina no tempo e no espaço escolar, dando-lhes assim, um caráter de conteúdos de ensino(SAVIANI apud SOUZA JÚNIOR, 1999, 190 • Rev. bras. Educ. Fís. Esp., São Paulo, v.20, p.188-90, set. 2006. Suplemento n.5. XI Congresso Ciências do Desporto e Educação Física dos países de língua portuguesa Considerações finais Referências CASTELLANI FILHO, L. Política educacional e educação física. Campinas: Autores Associados, 1998. GONÇALVES, M.A.S. Sentir, pensar, agir: corporeidade e educação. Campinas: Papirus, 1994 LIBÂNEO, J.C. Didática. São Paulo: Cortez, 1994. MELO, J.P.; BORBA, S.M. (Orgs.). A importância do ensino de artes e educação física na escola. Natal: UFRN/PAIDEIA/MEC, 2006. NOBREGA, T.P. Corporeidade e educação física: do corpo objeto ao corpo-sujeito. 2. ed. Natal: EDUFRN, 2005. ______. O ensino de educação física de 5ª a 8ª séries. Natal: UFRN/MEC/PAIDÉIA, 2005. SAVIANI, N. Saber escolar, currículo e didática: problemas da unidade conteúdo/método no processo pedagógico. Campinas: Autores Associados, 1994. SOUZA JÚNIOR, M. O saber e o fazer pedagógicos: a educação física como componente curricular? Isso é história! Recife: EDUPE, 1999. p.25)”.Afirmo, dessa forma, que uma das principais perspectivas para redimensionarmos a Educação Física na escola é a necessidade de os professores entenderem a lógica da progressividade no desenvolvimento do seu conhecimento pedagógico, como ocorre com os demais componentes curriculares, pois “a aprendizagem é a assimilação ativa de conhecimentos e de operações mentais, para compreendê-los e aplicá- los consciente e autonomamente.A aprendizagem é uma forma do conhecimento humano-relação cognitiva entre aluno e matéria de estudo - desenvolvendo-se sob as condições específicas do processo de ensino.O ensino não existe por si mesmo, mas na relação com a aprendizagem” (LIBÂNEO,1994, p.91). Dessa forma, necessário se faz abrirmos novos espaços para a Educação Física na escola, não somente espaços físicos como quadra e outros espaços para as demais práticas corporais e não somente o esporte, mas também espaço institucional, principalmente no desafio que se coloca para que os alunos percebam, incorporem e utilizem os conhecimentos pedagógicos aprendidos na Educação Física nas suas relações sociais. Parece que a maior dificuldade para assimilarmos a idéia da Educação Física como componente curricular reside no fato de não compreendermos nossa própria corporeidade. Precisamos fazer com que os alunos e professores compreendam seu corpo e suas formas de expressão, pois, como enfatiza NÓBREGA (2005, p.85), “para desenvolvermos a linguagem do corpo, a escuta sensível precisa estar afinada. O sensível coloca a experiência perceptiva como campo de possibilidades para o conhecimento, investido de plasticidade e beleza de formas, cores e sons. O corpo e o conhecimento sensível compreendidos como obra de arte, aberta e inacabada, horizontes abertos pela percepção do ser humano em movimento”. Portanto, precisamos considerar a importância do ensino de Educação Física na escola para re-significar os conhecimentos advindos das nossas próprias experiências de vida e admitira possibilidade de compreensão de conteúdos que perpassam o universo da ética, da estética e da cultura de movimento de cada aluno. Os caminhos para se saber o que a Educação Física deve ensinar na escola são diversos, mas temos investido na cultura de movimento como critério organizador desses caminhos. Para isso dispomos de um acervo de manifestações corporais já incorporadas pela Educação Física, como é o caso do esporte, das lutas, dos jogos, da dança e de outros que fazem parte do mundo vivido dos alunos e poderão ser formalizados na escola. Tratar esse conhecimento na escola não diz respeito somente a lidar com as questões de ordem técnica vinculadas ao saber fazer, mas fomentar nos alunos uma compreensão crítica desse conhecimento, desde a sua inserção histórica à sua prática propriamente dita. Se tomássemos o conteúdo esporte como exemplo, seria não ensinar somente os fundamentos que compõem as diversas modalidades esportivas; só isso não evidencia uma aprendizagem profunda desse conhecimento. Torna-se necessário o aluno descobrir aspectos relativos a sua inserção social, sua história, seus elementos constitutivos, o “adversário” como parceiro de jogo, a mercantilização, o fair play, o suborno, o dopping, a ética, entre outros elementos que podem ser discutidos numa aula de Educação Física. Dessa forma, convergimos com o pensamento de CASTELANI FILHO (1998, p.45), ao esclarecer que “para nos dizermos possuidores de conhecimento sobre determinada modalidade esportiva, não é suficiente dominarmos apenas o saber prático de seus gestos técnicos, ou a lógica do jogo em si mesma, pois temos claro que esses são apenas dois de seus elementos constitutivos”. O que ensinar na escola para efetivamente ser considerada componente curricular a Educação Física tem, basta que seus professores busquem práticas pedagógicas que estruturem um saber corporal nos alunos, sem discriminação, pois o conhecimento da cultura de movimento é patrimônio construído coletivamente nos diferentes grupos sociais, de que todos participam, e a escola não pode fugir desse pressuposto. Assim, reportamo-nos à necessidade de as agências formadoras de professores de Educação Física estimularem, na formação profissional, uma transição adequada do que se vê na academia e o que se operacionaliza na escola, principalmente considerando-se a nova legislação, os investimentos em políticas públicas para a Educação Física, como a constituição dos Centros de Formação Continuada de Professores pelo Ministério da Educação, por exemplo, as novas Diretrizes Curriculares para a área e as reformas pedagógicas realizada nos cursos universitários nos últimos anos.
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