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As instituições na perspectiva freudiana The Institutions in the perspective of Freud’s Theory Patricia Passos Sampaio* Resumo Este estudo tem por objetivo analisar o surgimento, a conceituação, a caracterização e as funções das instituições a partir das seguintes obras de Sigmund Freud: O Mal Estar na Civilização, Totem e Tabu e Psicologia de Grupo e Análise do Ego. Desenvolvidas para regular a vida social, as instituições – estado, família, religião, trabalho, mídia, ciência – têm assegurado certo equilíbrio social a partir de um consenso que viabiliza a vida em comum - base da nossa civilização. Palavras-chave: Instituição. Regulação Social. Civilização.. Abstract The present study’s objective is to analyze the creation, conceptualization, characterization, and functions of institutions from the following works of Sigmund Freud: Malaise in Civilization, Totem and Taboo and Group Psychology and Analysis of the Ego. Developed to regulate social life, the institutions – state, family, religion, work, media, and science – have assured a certain level of social balance from a consensus which makes possible the human common life – the basis for our civilization. Keywords: Institution. Social Regulation. Civilization. Introdução Freud, em seu texto Mal Estar na Civilização, utiliza a palavra civilização para descrever “[...] a soma integral das realizações e regulamentos que distinguem nossas vidas das de nossos antepassados animais[...]”(FREUD, 1980c, p.109). A civilização, pois, tem basicamente dois objetivos: o de proteger os homens das intempéries da natureza e o de ajustar os relacionamentos entre eles. A partir das definições que temos hoje de instituição: “norma universal ou considerada universal...”(LOURAU,1996, p.09) que se * Professa Adjunta do Curso de Psicologia da Universidade de Fortaleza. E-mail: patriciap@unifor.br Revista de Humanidades, Fortaleza, v. 24, n. 2, p. 244-255, jul./dez. 2009.244 245 As instituições na perspectiva freudiana Revista de Humanidades, Fortaleza, v. 24, n. 2, p. 244-255, jul./dez. 2009. propõe a regular a vida em sociedade, entendemos que, no momento em que Freud está se referindo à civilização, está, também, se referindo à instituição. Sendo assim, iremos buscar a origem das instituições na origem da civilização apresentada por Freud (1980c e 1980a) em suas obras O Mal-Estar da Civilização(publicada em 1930) e Totem e Tabu (publicada em 1912-13). A caracterização das instituições será discutida e terá como ponto de partida a caracterização de dois grupos artificiais - o Exército e a Igreja - apresentados no livro Psicologia de Grupo e Análise do Ego (FREUD, 1980b). No decorrer do trabalho, serão inferidas, com o auxílio de outros autores, a conceituação e as funções das instituições, com base nas três obras acima citadas. 1 O conceito de instituição O conceito de Instituição tal como o conhecemos hoje passou por uma evolução: no século XIX, quando alguém se referia ao termo, falava do direito, da lei, dos sistemas jurídicos. Durkheim (apud LAPASSADE,1983), no século XX, se apropria da instituição como objeto de estudo da sociologia, que segundo ele, deveria ser a ciência das instituições, já introduzindo a noção de “regulação social”.Para os objetivos deste trabalho, instituição será conceituada como: “certas formas de relações sociais, tomadas como gerais, que se instrumentam nas organizações e nas técnicas, sendo nelas produzidas, reproduzidas, transformadas e/ou subvertidas” (RODRIGUES & SOUZA,1981,p.42). Lourau (1995) e Lapassade (1983), quando discutem o assunto e conceituam Instituição, falam de normas universais, de reprodução das relações sociais, algo não localizável mas que regula a vida em sociedade. Enriquez (1997, p.73) afirma que “as instituições se apresentam como conjuntos formadores, referindo-se a um saber teórico legitimado, que tem por função garantir uma ordem e um certo estado de equilíbrio social”. Freud, em suas obras antropológicas - Mal- Estar na Civilização, Totem e Tabu, Psicologia de Grupo - quando se propõe discutir a origem da civilização, a caracterização da massa organizada bem como o totemismo, se refere o tempo inteiro ao conceito de instituição enquanto fator de regulação social, vínculos, regras, limites, ambigüidade, passagem do uno ao coletivo, como iremos constatar na discussão dos próximos capítulos. 246 Revista de Humanidades, Fortaleza, v. 24, n. 2, p. 244-255, jul./dez. 2009. Patricia Passos Sampaio Vale ressaltar que, o assédio moral é fonte de estresse e frustração gerando possíveis prejuízos ou debilidades de cunho físico e/ou psíquico, como já salientado, o que o relaciona diretamente a uma baixa qualidade do ambiente de trabalho e, consequentemente, a uma baixa produtividade. Com isso, há que se considerar que os custos nos âmbitos da saúde e do jurídico decorrentes do assédio causam prejuízos significativos para os indivíduos e a organização. 2 A origem das instituições Freud nos apresenta duas hipóteses para explicar o surgimento da civilização e de suas instituições: uma de cunho mais biológico (Mal-Estar na Civilização) e outra de cunho mais psicossocial (Totem e Tabu). Na primeira hipótese, ele apresenta o surgimento da família, primeira instituição humana, no momento em que a necessidade de satisfação genital deixou de ser esporádica para se tornar permanente. Segundo este ponto de vista, o homem se ergue do chão e assume uma postura ereta, talvez até pela diminuição dos estímulos olfativos que são substituídos pela visão - sentido condutor da vida humana. A visão ampliou o campo de percepção humana, alterando também a excitação sexual. O homem passa a se excitar a partir da visão dos órgãos sexuais e não mais a partir dos odores exalados pelos parceiros. Tal modificação traz em si um imperativo: a formação da família cuja primeira função é manter os parceiros sexuais unidos. Especificamente para o homem, tal modificação se apresenta como uma possibilidade de não privar-se de seu objeto sexual: a mulher. Com a formação da família, a mulher não precisará se separar daquela parte de si que dela fora tirada - seu filho. A este tipo de família primitiva falta ainda uma característica essencial da civilização: a vida em comunidade. Esta característica é introduzida quando Freud nos apresenta a segunda hipótese. Segundo ele, uma “hipótese fantástica” que decorre da horda primitiva de Darwin e da interpretação psicanalítica do Totem e da refeição totêmica. Freud considera Totem e Tabu seu trabalho mais inovador depois da Interpretação dos Sonhos. Para ele, a compreensão dos fenômenos totêmicos é a via, por excelência, para exploração do vínculo social. Nesta obra, Freud apresenta uma teoria radicalmente pessimista. Ele afirma que, nos povos primitivos, o lugar das instituições sociais e 247 As instituições na perspectiva freudiana Revista de Humanidades, Fortaleza, v. 24, n. 2, p. 244-255, jul./dez. 2009. religiosas é ocupado pelo sistema totêmico: O totem via de regra é um animal[...] e mais raramente um vegetal ou fenômeno natural[...] que mantêm relação peculiar com todo o clã[...] o totem é o antepassado comum do clã; ao mesmo tempo é o seu espírito guardião e auxiliar, que lhe envia oráculos e, embora perigoso para os outros, reconhece e poupa os seus próprios filhos (FREUD, 1980a, p.21) O interessante é que os integrantes do clã não podiam matar, destruir ou comer a carne do animal totêmico (salvo em rituais específicos), e a relação dos primitivos com seu totem era a base de todas as obrigações sociais e restrições morais. Outro fato curioso é que, na maioria dos lugares em que se encontravam totens, existia uma rígida lei contra as relações sexuais entre pessoas do mesmototem. Quem violava uma das duas proibições era submetido a castigos horrendos, pois tratava-se de impedir um perigo que ameaçaria toda a comunidade. Em algumas tribos, a violação de tais proibições era punida com a morte. O totemismo ocupava o lugar da religião entre os povos primitivos da Austrália, América e África e era a base de toda sua organização social. O totem protegia o homem, pois proporcionava relações de respeito e proteção mútua entre um homem e seu totem. Como sistema social, “consiste nas relações dos integrantes do clã uns com os outros e com os homens de outros clãs” (FREUD,1980a, p.129). O totemismo caracterizava-se por ser uma fase de transição entre o homem primitivo e a civilização mais adiantada. Intrínseco ao totemismo está o conceito de tabu, termo polinésio de origem desconhecida e que tem dois significados: sagrado, consagrado ou misterioso, perigoso, proibido, impuro. Apesar de não se basear numa ordem divina o tabu é expresso principalmente em proibições e restrições. Ele é dirigido contra os anseios mais poderosos a que estão submetidos os seres humanos. Segundo Freud o desejo de violá-lo persiste no inconsciente, o que lhe confere uma atitude ambivalente; a renúncia é a base da obediência ao tabu. Ele parece ser anterior a qualquer espécie de religião, é revestido de um caráter de naturalidade : diante de um tabu, todos estavam convencidos de que qualquer violação do mesmo teria automaticamente a mais severa punição. Para ficar mais clara a relação entre o totemismo e o tabu, observemos as três classes de tabu existentes entre os australianos: 248 Revista de Humanidades, Fortaleza, v. 24, n. 2, p. 244-255, jul./dez. 2009. Patricia Passos Sampaio 1. animais: não se podia matar nem comer o animal totêmico; 2. em determinadas ocasiões os homens não podiam ser tocados: rapazes são tabus em seus ritos de iniciação. São também tabus mulheres menstruadas, recém-nascidos e mortos; 3. qualquer coisa (árvores, casas, localidades) que provoque temor ou seja misterioso se transforma em tabu. Todavia, as mais antigas e importantes proibições ligadas ao tabu são as duas leis básicas do totemismo: não matar o animal totêmico e evitar relações sexuais com membros do clã totêmico do sexo oposto. Fato por demais interessante do totemismo é que em determinados rituais existiam a matança e a ingestão do animal totêmico (em qualquer outra ocasião era extremamente proibido comer tal animal). Na celebração, tem-se a liberdade de fazer o que via de regra é proibido. O consumo de animal, nas festas, possibilitava a aquisição da santidade a partir da identificação com o totem e com os demais integrantes da tribo. É a interpretação do totemismo e da refeição totêmica que leva Freud a levantar a segunda hipótese para explicar a origem da civilização e de suas instituições. Para ele, a refeição totêmica ato é o substituto de um ato inaugural. Tal celebração explica a filogênese : a humanidade nasce a partir de um crime cometido em comum. Um crime que jamais poderá ser esquecido. Segundo ele é justamente a presença persistente do desejo de assassinar, um dos fatores que impede a felicidade humana: para ele, um parricídio é indispensável à criação e manutenção da cultura, pois a decisão unânime de realizar o crime representa a passagem de um mundo marcado pelas relações de força a um mundo de alianças e de solidariedade (passagem do estado de natureza para o estado de direito). Freud parte da horda primeva sugerida por Darwim: um pai violento e ciumento que guarda todas as fêmeas para si e expulsa os filhos à medida que crescem. Freud acrescenta à explicação de Darwin que os irmãos que haviam sido expulsos voltam juntos - por conta de algum avanço cultural, talvez o domínio de uma nova arma, o que lhes confere um senso de força superior ou “pode ter-se baseado em sentimentos e atos homossexuais, originados durante o período de expulsão” (FREUD,1980a, p.173) - matam e devoram o pai colocando fim à horda patriarcal. Tal fato mostra porque a criação do social é acompanhado por sentimentos paradoxais: amor, veneração, amizade, culpa. 249 As instituições na perspectiva freudiana Revista de Humanidades, Fortaleza, v. 24, n. 2, p. 244-255, jul./dez. 2009. O violento pai primevo, temido e invejado, é também modelo para cada um do grupo de irmãos; ao devorá-lo identificam-se com ele. A interpretação dada por Freud é que o animal totêmico nada mais é do que um substituto do pai primevo e que a refeição totêmica, o mais antigo festival da humanidade, comemora o “ato memorável e criminoso que foi o começo de tantas coisas: da organização social, das restrições morais e da religião” (FREUD,1980a, p.170). Segundo Freud o sentimento dos filhos para com o pai é ambivalente : ao mesmo tempo que o odiavam por ser um obstáculo ao anseio de poder e aos desejos sexuais, também o amavam e o admiravam. “O pai morto tornou-se mais forte do que o fora vivo” (FREUD,1980a, p.171). Quando eles satisfazem o ódio através da refeição totêmica , identificam-se com ele, surgindo a afeição recalcada sob a forma de remorso (sentimento de culpa). Sendo assim, nenhum dos filhos pode realizar seu desejo original - tomar o lugar do pai. Desse modo, a refeição totêmica ressalta bem o sentimento de ambivalência em relação ao pai: recordação do triunfo X tentativa de expiação. Freud defende que é a partir desse sentimento de culpa filial que se originam os dois tabus fundamentais do totemismo: a) a lei que protege o animal totêmico tem uma base emocional: “anularam o próprio ato proibindo a morte do totem , o substituto do pai” (FREUD,1980a, p.172); b) com relação ao incesto o motivo parece ser mais prático: para que tudo não se transformasse em uma grande luta, os irmãos não tiveram outra alternativa senão viverem juntos. A horda patriarcal foi substituída pela horda fraterna, cuja base da vida em sociedade nada mais é do que a cumplicidade do crime comum. Todo o sistema totêmico reproduz um pacto com o pai: por um lado, proteção, cuidado e indulgência; por outro, o comprometimento grupal de que não repetiriam o ato que causara a destruição do pai real. A partir desse mito, Freud chega a algumas conclusões: “os começos da religião, da moral, da sociedade e da arte convergem para o Complexo de Édipo” (FREUD,1980a, p.185) ; “.... a existência simultânea de amor e ódio para com os mesmos objetos - jaz na raiz de muitas instituições culturais importantes” (FREUD,1980a, p.186). Outro fato apontado por Freud é que a raiva que levou os filhos 250 Revista de Humanidades, Fortaleza, v. 24, n. 2, p. 244-255, jul./dez. 2009. Patricia Passos Sampaio a cometer o parricídio vai, com o passar do tempo, cedendo lugar à saudade. Este sentimento possibilita surgir “um ideal que corporificava o poder eliminado do pai primevo contra quem haviam lutado, assim como a disposição de submeter-se a ele”(FREUD, 1980a, p.177). Esta mudança de atitude para com o pai tanto explica o surgimento dos deuses quanto influencia uma nova organização social - a organização em base patriarcal. Ele, inclusive, considera que a evolução se deu da seguinte forma: pai tirânico, horda sem pai, organização matriarcal e organização patriarcal. Ao se indagar se tudo isso realmente aconteceu, Freud contrapõe realidade psíquica e realidade concreta quando afirma que “...o simples impulso hostil contra o pai, a mera existência de uma fantasia plena de desejo de matá-lo e devorá-lo, teriam sido suficientes para produzir a reação moral que criou o totemismo e o tabu” (FREUD,1980a, p.189). No seu texto Psicologia de Grupo, Freud (1980b) constrói ,de forma também esplêndida, uma teorização sobre a influência decisiva do grupo sobre a vidamental do indivíduo; ele chega a concordar com outros autores sobre a existência de uma mente grupal, no entanto explica a sua essência a partir das relações amorosas - é o laço libidinal que mantém um grupo. Para ele, quase toda relação emocional íntima, entre duas pessoas, que perdura muito (casamento, amizade, relação pai- filho), contém sentimentos de aversão e hostilidade só que de forma recalcada. Podemos observar bem esta argumentação quando voltamos nossa atenção para a horda primeva. A mais remota expressão de um laço emocional com outra pessoa é a identificação. Como vimos anteriormente, este processo é ambivalente, pois, ao mesmo tempo que é expressão de ternura, é também desejo de afastamento. Outra tese freudiana é que o processo de identificação está na origem das instituições. “A identificação esforça-se por moldar o próprio ego de uma pessoa segundo o aspecto daquele que foi tomado como modelo” (FREUD, 1980a p.134 ). Na horda primitiva, há uma identificação dos filhos em relação ao pai, e dos filhos entre si. É, pois, o processo de identificação aliado ao processo de idealização que possibilitam a vida em comunidade - aspecto significativo da vida civilizada. Como já foi mencionado anteriormente, a civilização tem como macro objetivos “proteger os homens contra a natureza e o de ajustar os seus relacionamentos mútuos” (FREUD,1980b, p.109). Desse modo, os pais da civilização humana seriam EROS e ANANKE ( Amor e Necessidade). O impulso de controlar forças da natureza e de 251 As instituições na perspectiva freudiana Revista de Humanidades, Fortaleza, v. 24, n. 2, p. 244-255, jul./dez. 2009. satisfazer as necessidades humanas resultariam em uma verdadeira compulsão ao trabalho. Ao mesmo tempo, o poder do amor faz com que o homem não queira privar-se de seu objeto sexual nem a mulher queira privar-se de parte de si - seu filho. 3 Caracterização das Instituições No texto Psicologia de Grupo Freud (1980b) caracteriza dois grupos artificiais : o Exército e a Igreja. Ao caracterizá-los, ele faz a equivalência entre massas organizadas e instituições. As características apresentadas por ele são: • durabilidade (permanência): a sensação que temos é que tais instituições existem desde que o homem é homem ; • artificialidade: estes grupos exigem força externa para manter seus integrantes reunidos e para evitar alterações em sua estrutura; fortes mecanismos de coerção mantêm as pessoas presas a tais grupos; • organização e estrutura bem definidas: os papéis e hierarquias são claramente estabelecidos ; • a pessoa não é consultada ou não tem escolha sobre se deseja ou não ingressar nesses grupos; • qualquer tentativa de abandono é logo seguida de perseguição ou de severas punições; • presença do líder: ele é a referência que mantêm as pessoas vinculadas; • a ilusão de amor do líder: um cabeça que a todos ama de igual modo - na igreja, Cristo; no Exército, o comandante maior. Esta ilusão é muito poderosa no sentido de manter a união em tais grupos. Nesses grupos artificiais cada indivíduo está ligado por fortes laços libidinais ao líder e aos demais membros do grupo. Enriquez (1997), a partir de uma leitura desse texto de Freud, aponta ainda como características das instituições: elas se fundamentam em um saber que tem a força de lei, que é a expressão de uma verdade inquestionável: as obras de Freud para a Psicanálise; a Bíblia para os cristãos, por exemplo; a lei deve se interiorizar nos comportamentos concretos, nas regras de vida organizadas. E a obediência não é consequência da obrigação e coação mas da interiorização de um ideal. O interessante é que a instituição estabelece tanto a relação de submissão quanto a alegria dessa submissão;toda instituição tem um caráter reprodutor, educativo e formador: refere-se a um tipo de homem e tipos de comportamentos 252 Revista de Humanidades, Fortaleza, v. 24, n. 2, p. 244-255, jul./dez. 2009. Patricia Passos Sampaio que devem ser reproduzidos segundo uma forma dada e de uma vez por todas; nesta educação, a coação é um elemento forte; um sistema de interdições, de limites, de regras está constantemente em jogo. O curioso é que se trata de uma violência disfarçada para aqueles que prontamente obedecem e uma violência manifesta contra os traidores; as instituições se originam a partir de uma pessoa: Deus, pai de família, líder militar - está sempre presente a questão da paternidade. 4 Funções das instituições 1. Regulação Social: como já foi mencionado anteriormente, “o tabu tornou-se o método comum de legislação nas comunidades por ele afetadas e veio a servir a objetivos sociais” (FREUD,1980a, p.56). De que forma entendemos a regulação social? Um assassino vitorioso era submetido a restrições sentidas na dieta, no relacionamento sexual e na distância da tribo e dos amigos. Na ilha Timor, quando os guerreiros chegavam de uma guerra, com a cabeça do inimigo, eram oferecidos sacrifícios a fim de apaziguar as almas dos mortos e o chefe da expedição era submetido a uma série de restrições: ele ficava em uma cabana especial, preparada para este fim, passava dois meses submetido a uma purificação espiritual e corporal. E, para isso, não podia se encontrar com a esposa, e a comida devia ser colocada, por outra pessoa, em sua boca. Apesar dos privilégios, existiam uma série de restrições aos governantes e reis: restrições impostas à liberdade de movimento e à dieta. Por exemplo: um micado japonês, nos primeiros séculos, não podia tocar o chão - prejudicial para sua dignidade e santidade – só se deslocava nos ombros dos servos; não podia ficar ao ar livre, pois o sol não era considerado digno de brilhar sobre sua cabeça; todas as partes de seu corpo eram santas, por isso não podiam ser tocadas - não cortava cabelo, barba ou unhas. Para não ficar muito sujo, podiam limpá-lo à noite enquanto dormia; tinha que ficar algumas horas imóvel no trono, sem se mexer, a fim de trazer paz e tranquilidade para o reino. Em algumas tribos africanas, quanto mais poderoso o rei, mais tabus tinha de observar. O herdeiro do trono estava sujeito a tabus desde a infância. Não se torna, pois, estranho o fato de alguns herdeiros fugirem para não se tornarem reis. Através do exercício do poder, a instituição assegura uma regulação e um consenso social sobre o que é possível fazer, o que é desejável fazer, o que é obrigatório fazer,etc. 2. Manutenção do “status quo”: neste sentido, a instituição tem 253 As instituições na perspectiva freudiana Revista de Humanidades, Fortaleza, v. 24, n. 2, p. 244-255, jul./dez. 2009. também por objetivo manter um estado de coisas e assegurar a sua transmissão. E isso só é possível a partir de mecanismos de poder; 3. é função das instituições , a fim de fazer surgir a harmonia , o consenso, a solidariedade, mascarar os conflitos e as violências possíveis e por outro lado exprimi-las quando se fizer necessário; 4. Proteção do homem contra o próprio homem: Freud vai defender a tese da inclinação “natural” do homem para a agressão. Consequentemente o outro não é visto só como ”ajudante potencial”ou um “objeto sexual”: Os homens não são criaturas gentis que desejam ser amadas e que, no máximo, podem defender-se quando atacados; pelo contrário, são criaturas entre cujos dotes instintivos deve- se levar em conta uma poderosa quota de agressividade. ( FREUD, 1980c, p .133). [...] mas também como alguém que tenta satisfazer sobre o outro a sua agressividade, a explorar sua capacidade de trabalho sem compensação, utilizá-lo sexualmente sem o seu consentimento, apoderar-se de suas posses, humilhá-lo, causar-lhe sofrimento, torturá-lo e matá-lo (FREUD,1980c, p. 33). A civilização se apresenta para aplacar tal furor,estabelecendo limites para a agressividade humana a fim de manter suas manifestações sob controle. Podemos compreender então a causa de tamanho desconforto e mal-estar: a civilização impõe sacrifícios não somente à sexualidade humana mas também à sua agressividade. Além do que as instituições se apresentam como uma proteção contra o desamparo infantil: “a experiência vivida nas instituições é a de um poder totalitário mas que esconde a violência com toda uma série de cerimônias feitas para o bem do indivíduo” (ENRIQUEZ, 1997, p.73 ) 5. Além de impor determinados limites, ela também propicia o alívio às proibições, por exemplo, através dos festivais totêmicos. No Brasil, temos o carnaval - quando tudo é permitido. 6. As instituições proporcionam ao sujeito um sentimento de pertinência, quando possibilita que ele se aferre às suas origens. 7. As instituições oportunizam a vida em comum, que é, então, estabelecida como direito. Segundo Freud (1980c), é essa substituição do poder do indivíduo pelo poder de uma comunidade que faz a diferença quando se fala de civilização. Tal postura apresenta restrições nas possibilidades de satisfação individual dando origem a uma das primeiras exigências da civilização - a justiça ou seja, a 254 Revista de Humanidades, Fortaleza, v. 24, n. 2, p. 244-255, jul./dez. 2009. Patricia Passos Sampaio garantia de que uma lei não será quebrada em favor de um indivíduo. Essa exigência de igualdade é a raiz da consciência social e do senso de dever .O sentimento social, assim se baseia na inversão daquilo que a princípio constitui um sentimento hostil , em uma ligação de tonalidade positiva, da natureza de uma identificação (FREUD,1921, p.153). Considerações finais Freud, ao citar Trotter, parte do pressuposto que o homem não é um animal gregário, discordando deste autor que afirma existir um instinto gregário que se manifesta como senso de justiça, igualdade, falta de necessidade de líder. Para Freud, o homem é “ um animal de horda, uma criatura individual numa horda conduzida por um chefe”(FREUD,1980a, p.154). Para ele, os primórdios da religião, da moralidade e da organização social podem ser encontrados no totemismo. A comunidade totêmica é compreendida como “todos os direitos iguais e unidos pelas proibições totêmicas que se destinam a preservar e a expiar a lembrança do assassinato” (FREUD,1980a, p.170). Outro fato apontado por Freud, que merece nossa atenção, é que a Instituição falha em sua missão. Ela demonstra certa fragilidade no momento em que contraria a finalidade para a qual foi criada - a justiça legitima a injustiça; a saúde não promove saúde – gerando o mal-estar e o desassossego estrutural a que estamos submetidos. A guisa de conclusão, gostaríamos de destacar algumas questões que foram apresentadas por Enriquez (1990, p. 12-16) e que merecem nossa reflexão: Por que a obediência é tão fácil, a servidão voluntária tão freqüente e a revolta tão difícil? Que relações existem entre o destino individual e o destino da sociedade? Por que os homens temendo a luta de todos contra todos, multiplicam as instituições que outorgam ao Estado as bases para transmissão de seu poder? Por que as instituições que os homens edificam funcionam mais como órgãos de repressão do que como conjuntos que favorecem a vida comunitária, paz, liberdade e expressão da individualidade e felicidade para todos? Como falar de um vínculo onde a reciprocidade não seja um engodo e a solidariedade apenas uma aparência? Somos atravessados por instituições que regulam nossas ações em sociedade: estado, família, religião, mídia, ciência, mercado. Instituições que, apesar de suas fragilidades, e em nome da ilusão de 255 As instituições na perspectiva freudiana Revista de Humanidades, Fortaleza, v. 24, n. 2, p. 244-255, jul./dez. 2009. segurança e equilíbrio social, nos desencorajam a questionar a nossa lealdade ao instituído (LAPASSADE,1983). Referências ENRIQUEZ, E. A organização em análise. Petrópolis: Vozes,1997. ENRIQUEZ, E. Da horda ao estado: psicanálise do vínculo social. Rio de Janeiro: Zahar,1990. FEUD, S. O mal estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago,1980a. (Obras completas, v. 21). FREUD, S. Psicologia de grupo e a análise do ego. Rio de Janeiro: Imago,1980b. (Obras completas, v.18). FREUD, S. Totem e tabu. Rio de Janeiro: Imago,1980c. (Obras completas, v. 13). LAPASSADE, G. Grupos, organizações e instituições. Rio de Janeiro: F. Alves, 1983. LOURAU, R. Análise institucional. Petrópolis: Vozes,1996. RODRIGUES, H. B. C.; SOUZA,V. L. B. A análise institucional e a profissionalização do psicólogo. In: KAMKHAGI, V. R.; SAIDON, O. (Org.). Análise institucional no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço Tempo, 1991. p. 27-45.
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