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3 Moreira Alves noções gerais do direito de família

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lU
DIREITO DE FAMÍLIA
XLVII
NOÇÕESnITRODUTÓruAS
Sumário: 273. O objeto do estudo do direito de família romano. 274. Do direito ro-
mano ao moderno: a evolução da família proprio iure.
273. O objeto do estudo do direito de família romano - Modemarnente, o termo
família é empregado, em geral, em dois sentidos:
a) em sentido amplo, ele abrange o conjunto de pessoas vinculadas por parentesco
consangüineo, quer na linha reta, quer na colateral (vide n° 85); e
b) em sentido estrito, ele abarca os cônjuges e seus filhos (portanto, as pessoas liga-
das pelo casamento - os cônjuges, que não são parentes em virtude do matrimônio; e as
vinculadas por parentesco consangüíneo, mas restritas a pais e filhos).
É dafamilia em sentido estrito que se ocupa, principalmente, o direito de família
moderno. Àfamília em sentido amplo ele alude vez por outra, abrangendo nesse termo,
conforme a natureza das relações de que se ocupa, um círculo maior ou menor de paren-
tes consangüíneos. I
Em direito romano,2 porém, a questão se complica, pois, juridicamente, têm de ser
levados em consideração cinco grupos' de pessoas vinculadas pelo parentesco ou pelo
casamento:
A propósito, vide, enlre ouiros, Ruggiero-Maroi, Istituzioni di Diritto Privaio, I, 8"ed., § 48, p. 234 e
segs., Milano-Messina, 1950.
2 Para melhor compreensão da exposição que se segue no texto, vide o n° 85, onde se salienta (nota 27
do capítulo XI) que o vocábulo familia; 'nas fontes, é empregado em outras acepções que não as que
ora estudamos (a esse respeito, vide, também, Heumann-Seckel, Handlexikon zu den Quellen des Rã-
mischen Rechts, 9" ed., verbete familÚl, Jena, 1907).
3 Com a palavra grupo designamos não necessariamente organismo com estrutura própria (a família
comuni iure e o conjunto decognodos em sentido restrito não o eram), mas complexo de pessoas vin-
culadas pelo parentesro.
602 JOSÉ CARLOS MOREIRA AL VES
a) a gens, cujos membros, que se denominavam gentiles, julgavam descender de
um antepassado comum, lendário e imemorável, do qual recebiam o nome gentílico (e
era esse nome, e não, necessariamente, o parentesco consangüíneo, que os unia);
b) afamilia comuni iure, conjunto de pessoas que, sendo agnadas (isto é, ligadas
por parentesco agnatício - vide n° 85), estariam sujeitas àpotestas de um pater familias
comum, se ele fosse vivo;
c) o conjunto de cognados em sentido estrita.' isto é, aqueles que, não sendo agna-
dos uns dos outros, estavam ligados apenas pelo parentesco consangüíneo;
d) afamiliaproprio iure, o complexo de pessoas que se encontravam sob apotestas
de um pater familiasi' e
e) efamilia natural (denominação devida a romanistas modernos)," agrupamento
constituído apenas dos cônjuges e de seus filhos, independentemente de o marido e pai
ser, ou não,pater familias da mulher e dos descendentes imediatos.
O estudo do direito de família romano? tem como objeto, principalmente, «familia
proprio iure e afamília natural. Da gens, da familia comuni iure e do conjunto de cogna-
dos em sentido estrito, ele se ocupa incidentemente.
Assim, enquanto no direito de família moderno a atenção se volta para a família em
sentido estrito (que corresponde ao que os romanistas, em geral, denominam família na-
turals, no direito de família romano estuda-se não apenas a família natural, mas também
4 Cognado em sentido estrito para indicar os cognados que não são também aguados. Com efeito. quem
é agnado (com exceção do filho adotivo e da mulher casada sine manu) é igualmente cognado, mas a
recíproca não é verdadeira, pois há cognados - e é a esses que nos referimos com a expressão cogna-
dos em sentido estrito - que não são agnados (assim, por exemplo. o tio matemo e o sobrinho).
Note-se - como observa Biondí (lstituzioni di Diritto Romano, 3' ed., § 144, p. 548 e nota 32) - que,
em virtude da progressiva substituição da agnatio, se verifica uma certa oscilação na terminologia
usada pelos juristas clássicos: cognados (assim, D. XXXVIll, 10,4,2, texto atribuído a Modestino) se
torna expressão genérica, distinguindo-se a cognatio ciuilis (que corresponde à agnatio) da cognatio
naturalis (que corresponde à antiga cognatio); por outro lado, Gaio (lnstitutas, m, 10) se refere aos
aguados como legitima eognatione iuneti(unidos porcognição legítima); Paulo (D. xxxvm, 10,2)
salienta que são eognati os que a Lei das XII Tábuas denominava adgnati; e Ulpiano (D. XXXVIII, 8,
I, 4) acentua que eognationem facit etiam adoptio (a adoção também cria a cognação).
5 Sobre a distinção entre afamilia eomuni iure e afamilia proprio iure, vide D. L. 16, 195,2 (texto atri-
buído a Ulpiano).
6 Os romanistas, porém, nem sempre usam essa expressão para designar apenas os cônjuges e seus fi-
lhos. Alguns (assim, entre outros, Salkowski, Lehrbueh der 1nstitutionem und der Geschichte des Rõ-
misehen Privatreehts, 6' ed., §42, I, p. 136, Leipzig, 1892; e Czyhlarz, Lehrbuch der 1nstitutionem
des Rõmischen Rechtes, l l" e 123 ed., §30, p. 56, Wien-Leipzig, 1911) se utilizam dela para indicar a
família cognatícia (que abrange todos os parentes consangüíneos). No sentido empregado no texto,
vide Carlo Longo, Corso di Diritto Romano (Diritto di Famiglia), p. 139, Milano, 1946.
7 Sobre o direito de família romano, vide, entre outros, Fadda, Diritto delle Persone e della Famiglia,
Napoli, 1910; Bonfante, Corso di Diritto Romano, 1- Diritto di famiglia, ristampa, Milano, 1963
(obra que continua fundamental para o estudo dessa matéria); Giannetto Longo, Dirttto Romano, 111-
Diritto difamiglia, Roma, 1940; e Carlo Longo, Corso di Diritto Romano - Diritto di Famiglia, Mila-
no, 1946.
DIREITO ROMANO 603
afamilia proprio iure: aquela constituída pelo casamento; esta fundada na potes tas (po-
der) do pater famílias.
Em vista disso, analisaremos o direito de família romano em três capítulos:
- no primeiro, examinaremos afamilia proprio iure, analisando apotestas do pater
famílias;
- no segundo, estudaremos afamilia natural, examinando sua constituição pelo ca-
samento, bem como as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges, e os pais e os
filhos, independentemente da potestas do pata familias; e
- no terceiro, como ocorre no direito moderno, analisaremos os institutos da tutela e
da curatela.
274. Do direito romano ao moderno: a evolução da família proprio iure - Do
confronto dos cinco complexos familiares que se distinguem no direito romano com as
duas acepções em que o termo família é empregado no. direito moderno, verifica-se que,
entre efamilia natural romana e afamília moderna em sentido estrito, não há diferenças
substanciais: ambas se constituem pelo casamento, e em ambas há relações pessoais e pa-
trimoniais entre os cônjuges, e pais e filhos. O mesmo, porém, não ocorre quanto, de um
lado, sfamilia moderna em sentido amplo, e, de outro, àgens, àfamilia comuni iure, ao
conjunto de cognados em sentido estrito e é famiiia proprio iure. Com efeito, hoje todo
parente consangüíneo (quer pelo lado paterno, quer pelo matemo) pertence àfamília em
sentido amplo; em Roma, não: em virtude dapotestas do pater familias e da distinção en-
tre parentesco agnatício e cognatício, os gentiles - que tinham o mesmo nome gentilício e
que julgavam descender de um antepassado lendário - constituíam a gens; osagnados,
que estariam sujeitos a um pater familias comum, se vivo, formavam a família comuni
iure; os cognados em sentido estrito integravam um complexo à parte, mas levado em
consideração pela ordem jurídica; e os agnados que se achavam submetidos àpotestas de
um pater familias constituíam, com este, afamília proprio iure.
Ora, se desaparecida apotestas majestática do paterfamilias e se abolido o paren-
tesco agnatício, as pessoas que, em Roma, se distribuíram por esses quatro agrupamentos
(gens, familia comuni iure, conjunto de cognados em sentido estrito efamília .proprio
iure) passariam a constituir, como atualmente, umafamíliaem sentido amplo (conjunto
de parentes consangüíneos).
Mas, durante toda a evolução do direito romano, observa-se apenas - pelo gradativo
enfraquecimento da potestas do pater familias e pela progressiva substituição do parentes-
co agnatício pelo cognatício - a tendência para se chegar à família moderna em sentido am-
plo. Mesmo no tempo de Justiniano não se atinge essa equiparação, pois, se nessa época é
abolido o parentesco agnatício," também é certo que a potes/as dopater famílias, embora
acentuadamente enfraquecida, ainda é, ao contrário do que sucede nodireito moderno, o
8 Nov. CXVIII.
604 JOSÉ CARLOS MORElRA AL VES
poder que submete ao pater familias, enquanto vivo, seus descendentes. O direito romano
não chegou a conhecer o instituto da maioridade, pelo qual, no direito moderno, o filho, ao
atingir uma idade determinada, se desvincula do pátrio poder. Por isso, ainda no direito jus-
tinianeu, depois de abolido o parentesco agnatício, vamos encontrar, em contraposição à
família moderna em sentido amplo, dois complexos familiares:
a) o conjunto de cognados (parentes consangüíneos em geral) que não se encontram
sujeitos à potestas do mesmo pater familias; e
b) afamilia proprio iure (embora com sua estrutura muito abalada em decorrência
do enfraquecimento da potestas do pater familias), constituída do pater familias e dos
descendentes submetidos à sua potestas.'
Para que se tenha uma visão geral dessa evolução, estudemos as etapas por que ela
passou - direito pré-clássico, direito clássico e direito pós-clássico e justinianeu -, to-
mando como elemento central da exposição a familia proprio iure (à qual- seguindo Pe-
rozzi - nos referimos, por antonomásia, com o termo família simplesmente), que foi o
organismo básico da estrutura familiar romana, e que, por isso, embora em decomposi-
ção, não desapareceu enquanto perdurou o sistema jurídico romano.
A)Direito pré-clâssico
A família, no direito pré-clássíco," se caracteriza por ser rigidamente patriarcal, e
por constituir um agrupamento que goza de relativa autonomia em face do Estado. Sêne-
ca 11 assim se referiu a ela: (maiores nostri) domum pusillam rempublicam esse iudicaue-
runt (os nossos antepassados julgaram que o lar doméstico era uma pequena república).
O Estado, em verdade, não interfere nas questões surgidas no seio da família, as quais são
soberanamente decididas pelo pater famílias, com a assistência, em certos casos, de um
conselho familiar.
Por outro lado, na família, distinguem-se duas categorias de pessoas:
a) o chefe absolnto - opater familias (pessoa sui iuris, isto é, independente), que é
aquele que não tem, na linha masculina, ascendente vivo a que esteja sujeito; e
b) as pessoas a ele subordinadas - os filii 'familias (pessoas alieni iuris), categoria que
abrange a esposa do pater familias, seus descendentes (inclusive adotivos) e mulheres.
Os poderes do pater 'familias sobre as pessoas a ele submetidas se designam, a prin-
cípio, com uma única palavra: manus. Mais tarde, criam-se denominações específicas
para indicar sua potestas sobre determinadas espécies de pessoas que constituem a famí-
9 Agem já desaparecera no principado; efamilia comuni iure, com a extinção da agnatio.
10 . Sobre a família romananesse período, vide, entre outros, Kaser, Das Rõmische Privatrecht, I, § 11, p.
44 e segs., MÜDChen,1955, ela Famiglia Romana Arcaica in Conferenze Romanistiche (Università
degli 'SiwJidi Triestre], I,p. 39 e segs., Milano, 1960; Cuq, Les Institutions Juridiques des Romains,
L'Ancien Droit, p. 152 e segs., Paris, 1891; Cornil, Ancien Droit Romain, p. 31 e segs., Bruxel-
les-Paris, 1930; e Voei, Qualche Osservazioni sulla Famiglia Romana Arcaica, in Studi di Diritto Ro-
mano, I,pp. 199 a 209, Padova, 1985.
11 Epistolae ad Lucilium, V, 47, 14.
DIREITO ROMANO 605
lia: a manus maritalis (ou potestas maritalis) traduz o poder marital (dele sobre sua espo-
sa ou dele sobre as esposas dos sujeitos à: sua patria potestas); a patria potestas, o pátrio
poder (dele sobre seus descendentes ou adotados); a potestas (a expressão dominica po-:
testas não é romana, mas moderna), o poder sobre os escravos; e o mancipium, o poder
sobre as pessoas in mancipio (yide n° 85, B).
São absolutos os poderes do pater famílias sobre as pessoas e coisas a ele submetidas. 12
É ele o chefe militar da família, seu sacerdote e juiz; tem poder de vida e de morte sobre todos
os membros da família - pode, até, expor os filhos, ao nascerem; ou, depois, vendê-los, no es-
trangeiro, como escravos. Todo o patrimônio da família lhe pertence; daí, tudo o que as peso
soas, que lhe são submetidas, adquirem passa a pertencer a ele. Somente ingressa na família
quem o pater familias quiser: até os filhos de sua esposa ele deverá reconhecê-los como
seus.'? E para que uma pessoa alieni iuris saia de sua familia é necessário que opater famí-
lias o consinta, pela emancipação ou pela extinção da manus maritalis.
Não há, em Roma, o que modernamente se denomina maioridade. No período históri-
co, morto o pater familias, a família se divide em tantas quantas forem os filii familias que
passam a patres familias, que ficaram sem ascendente masculino vivo a que estejam sujei-
toS.14 Em tempos mais remotos - conjetura Bonfante," com base em outros direitos primiti-
vos e na estrutura do direito hereditário romano - é possível que essa divisão não ocorresse,
verificando-se apenas, quando falecia opaterfamílias, sua substituição por um dosfilii famí-
lias previamente designado por ele, permanecendo indivisível o agrupamento familiar.
Os autores procuram explicar essas características por diferentes concepções sobre
a família romana primitiva. Sumner Mainel6 defende a tese de que era ela um agrupa-
mento patriarcal, baseado no vinculo de sangue. Fustel de Coulanges.V dando especial
relevo à religião, vê nela um agrupamento de pessoas ligadas por um culto: o dos mortos
- crença segundo a qual os antepassados continuavam a viver no túmulo, transformados
em deuses tutelares dafamília, mas necessitando dos cuidados de seus descendentes, que
os mantinham enterrados junto ao lar comum. Meyer'" entende que a família.romana sur-
giu da cisão de grupos sociais mais amplos do que ela, guardando-lhes as características.
12 Gal10 (Osservasioni sulla signoria dei pater famílias in epoca arcaica, fi! Studi in onore di Pietro de
Francisci, vol. 11,p. 195 e segs., Milano, 1956) sustenla a tese de que os vários poderespatrimoniais e
pessoais concentrados nas mãos do pater familias no período clássico resultaram de uma única e in-
distinJa senhoria existente nas origens.
13 Essa é a opinião comum entre os autores (vide, entre outros, Declareuil, Patemité et Filiation legiti-
mes, in Mélanges P. F. Girard, I, p, 326 e segs., Paris, 1912). Sobre a opinião contrária dePerozzi,
vide nossa nota 1 do capítulo XLVllI.
14 D. L. 16, 195,2.
15 Corso diDiritto Romano, I, (Diritto di Famiglw), reimpressão; p. 11 e segs., Milano, 1963.
16 As passagens de Sumner Maine, relativas a essa tese, se acham amplamente indicadas em Bonfante,
Teorie vecchie e nuove sul/e formazioni socialt primitive, in Scritti Giuridici Varií, ItFamiglia esuco
cessione), p. 21 e segs., nota 2, Torino, 1926.
17 La CiIéAntique,19" ed, p. 39 e segs., Paris, 1905.
18 Sobre a tese de Meyer, vide Bonfante, Teorie vecchie e nuove sulle formazioni sociali primitive, in
Scritti Giuridici Varii, I (Famiglw e successione),p. 26 esegs., Torino,1926. .
I
606 JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES
Arangio-Ruiz" a concebe como órgãos com finalidade precipuamente econômica.
Bonfante/" a caracteriza como verdadeiro organismo político. E Kaser,21por último, pro-
cura explicar as particularidades da família, em Roma, pela vida rural nos tempos primi-
tivos.
Apesar das críticas que tem sofrido" - algumas das quais não convenientemente
superadas -, a teoria que, a nosso ver, ainda melhor explica as peculiaridadesda família
no direito pré-clássico é a de Bonfante: a família romana primitiva é um organismo polí-
tico. Essa tese está, aliás, em consonância com outra defendida pelo genial romanista ita-
liano: a de que a gens era um agrupamento de famílias, com caráter político (dada sua
finalidade de manutenção da ordem e de proteção contra inimigos externos), tendo prece-
dido ao próprio Estado. Este, quando surge, entra em luta com a gens, e, para destruí-Ia,
provavelmente fortalece as diferentes famílias que compõem as diversas gentes, respei-
tando-lhes a organização política. Comisso, agens entra em decadência e,então, o Esta-
do, vencido o inimigo maior, começa a enfraquecer a família, retirando-lhe a pouco e
pouco as características de um pequeno Estado dentro do Estado.
Em favor da tese de Bonfante, há uma série de semelhanças entre a organização, em
Roma, do Estado e a da família, as quais, por certo, não são simplesmente obra do acaso.
Opaterfamilias desempenha,na familia, as funções do rei no Estado; sobre as pessoas a
ele sujeitas tem poder de vida e de morte; sobre as coisas que constituem o patrimônio fa-
miliar dispõe domancipium que mais se aproxima da soberania do que, propriamente, do
direito de propriedade. E,assim como o cidadão não pode estar vinculado a dois Estados,
ninguém pode pertencer, ao mesmo tempo, a duas famílias.
B) Direito clássico
No direito clássico, a evolução da família decorre, principalmente, da atuação, nos
fins da república, do pretor, e, no principado, dos imperadores e jurisconsultos.r'
Como observa Cuq,24essa evolução se caracteriza por três fatos:
19 Cf.Bonfante, ob. cit., na nota anterior,p. 44 e segs.
20 A propósito, vide Corso di Diritto Romano, I (Diritto di Famiglia) p. 8 e segs.; La "gens" e Ia "fami-
lia" e Teone vecchie e nUOl'esulle formazioni sociali primitive, ambos em Scritti Giuridici Varii, I
(Famiglia esuccessioneu p. 1e segs. e 18e segs., Torino, 1926, respectivamente; e La progressiva di-
versificaziose del diritto pubblico e privato, in Scritti Giuridici Varii, IV (Studi Generali), p. 28 e
segs., Roma, 1925.
21 Das Rômische Privatrecht, I, § lI,p. 44 e segs., München, 1955; eLa Famiglia Romana, Arcaica, in
ConferenzeRomanistiche (Università degli Studi di Trieste), I, p. 39 e segs., Milano, 1960.
22 Como, por exemplo, a de Voei, Esame delle tesi del Bonfante sul Iafamiglia romana arcaica, in Studi
in Onore di Yicenzo Arangio-Ruiz nelXLVanno dei suo insegnamento, I, p. 101 e, segs., Napoli,
s/data. ViJe, também, os autores citados por Gallo,Osservazioni sulla signoria de! pater familias in
epoca arcaica; in Studi in onore di Pietro de Francisci, vol. Il, p. 196, nota 1, Milano, 1956.
23 Vide, a propósito,Monier,Manuel Élémentaire de Droit Romain, I, 6" 00., nos 189 e segs., p. 251 e
segs.
24 Manuel des Institutions Juridiques des Romains, 'l!' 00., p. 131.
DIREITO ROMANO 607
a) a decadência da família proprio iure e, portanto, dos direitos decorrentes da ag-
natio;
b) a importância progressiva da família natural (baseada no casamento e no vínculo
de sangue), graças ao relevo que, a pouco e pouco, se vai dando à cognatio; e
c) a regulamentação, pela lei, das relações de família.
Nos fins da república, o pretor, no âmbito do ius honorarium, inicia a adaptação da
família às novas condições sociais de Roma. Assim, para permitir ao paterfamilias que
se utilize melhor dos serviços das pessoas a ele sujeitas (alieni iuris e escravos), concede
a terceiros ação contra opater familias com referência a negócios jurídicos que ele reali-
ze por meio de alieni iuris ou de escravo. Sob a influência de concepções filosóficas, o
pretor estabelece, iure honorario, mediante a bonorum possessio unde cognati (vide
n° 324), direito de sucessão entre cognados, quando não há agnados.
No principado, desaparecem os últimos vestígios da gens,25e, com ela, as derradei-
ras caracteristicas de organismo político que a família lhe herdara. A partir do século I a.C.,
verifica-se, também, a decadência do casamento seguido da conuentio in manum (isto é,
aquele em que o marido adquire a manus - poder marital- sobre a mulher, e esta,por isso
mesmo, se desvincula totalmente da família de origem, para ingressar na do marido,
como se sua filha fosse), e a generalização do casamento em que não há a conuentio in
manum; desse fato decorrem as seguintes conseqüências:
a) a mulher continua vinculada ao seu pater famílias de origem; e, se sui iuris, seus
bens lhe pertencem, não ingressando no patrimônio da família do marido;
b) admitem-se obrigações recíprocas entre marido e mulher;
c) a mãe liga-se por laços mais estreitos com seus filhos;
d) os senatusconsultos Tertuliano eOrficiano criam sucessão hereditária civil entre
mãe e filho, aperfeiçoando, com relação a essas pessoas, o direito de sucessão - criado
pelo pretor - entre cognados; e
e) dá-se à mãe, quando o pai ou o tutor tem má conduta, a guarda de seus filhos.26
De outra parte, os imperadores, por meio de constituições imperiais, restringem a
patria potestas (pátrio poder), chegando a permitir que o filho peça proteção, contra o
pai, ao Estado, mediante a utilização do processo extra ordinem (extraordinário). As pro-
vidências dos imperadores podem assim sintetizar-se:
a) em virtude de constituições imperiais, no século II d.e., o pai só tem direito, com
relação aos filhos, àmodica castigatio (castigo moderado), e o que mata o filho, sem mo-
tivos imperiosos e sem observância das formalidades tradicionais, se expõe a severas pu-
nições;"
25 Gaio, Institutas, 1Il, 17.
26 Cf. D. XLIIl, 30, 1, 3; D. xun, 30,3,5; e C. V, 49, 1.
27 Assim.D, XLVIII, 9, 5.
608 JOSÉ CARLOS MOREIRA AL VES
I
I
I
b) no começo do principado, a venda do filho pelo pai (a da mulher, que se encon-
trava sob a manus do marido, sempre foi condenada pelos costumes) desaparece, e so-
mente no período pós-clássico é que, por influência de usos orientais e em virtude da
miséria decorrente de crises econômicas, se volta a admitir a venda de crianças re-
cém-nascidas;
c) segundo parece, isso porque no principado surge a idéia de que aos direitos de-
correntes do pátrio poder correspondem deveres, a Lei Júlia,28 no tempo de Augusto,
obriga o pai a dotar a filha; e, a partir do século II d.C,; constituições imperiais o compe-
lem a prover as necessidades dos membros de sua família."
Também a ação dos jurisconsultos, como salientamos atrás, se faz sentir nessa evo-
lução. Graças a eles, admite-se que ofilius familias possa obrigar-se por delitos e contra-
tos, tendo, porém, os credores de esperar que ofilius familias possua patrimônio, ou por
se tomar pater familias por morte 'daquele a que está sujeito, ou por passar a sui iuris por
emancipação, ou por constituir um pecúlio embora permanecendo na situação de pessoa
alieni iuris. 30É certo que, em contrapartida, no tempo de Vespasiano, o senatusconsulto
Macedoniano restringiu a capacidade jurídica do filius familias, ao proibir que terceiros
lhe emprestassem dinheiro.
Ainda no principado, surge uma exceção à regra de que tudo o que fosse adquirido
por alieni iuris passava a pertencer aopater familias.Essa exceção foi opeculium castren-
se, constituído de bens que não ingressavam no patrimônio familiar, mas que, ao contrário,
eram dofilius familias que, na qualidade de soldado, os havia adquirido. De início, Augus-
to (ou, segundo alguns autores, Júlio César) permite que osflliifamilias testem os bens ad-
quiridos no serviços militar. Os imperadores Nerva e Trajano confmnam esse direito."
Mais tarde, admite-se que osfllii 'familias possam transferir inter uiuos esses bens. Em face
disso, os jurisconsultos concluem que opeculium castrense pertence ao filho durante sua
vida, mas se este falecer sem deixá-Io, em testamento, a alguém, opater familias o adquiri-
ráiure peculii (pordireito de pecúlio, e não por direito sucessório).
C) Direito pós-clássico ejustinianeuEssa evolução prossegue no direito pós-clássico.
Constamíno." em.319 d.C., pune comas penas do parricidium o pai que mata o fi-
lho qqenãosejarecém..,nascido.Em374d.C.,3 oinfanticídio é reprimido como se fosse
homicídio.
;, .
28 "Não é, porém, pacífioo que daI..eiJÚl~decorresse para o pai a obrigação de dotar a filha; autores há
que entendem que, até o Baixo Império, não havia mais do que um dever moral de constituir o dote. A
propósito, vide Mooier, Manuel Élémentaire de Droit Romain, I, 6" ed., n° 190, p. 254.
29 Entre outros textos, vide D. XXV, 3, 5, 5 a 9.
30 D.XLVI,4,8,4.
31 Inst., fi, 12,pr.
32 C. Th. IX, 15, 1;ec,rx, 17, 1.
33 C. IX, 16,7 (8).
DIREITO ROMANO 609
Além do pecúlio castrense, passam a integrar o patrimônio dosflliifamilias o pecu-
lium quasi castrense (que surge com Constantino, abrangendo, no início - 326 d.e. -, os
bens por eles adquiridos no exercício de cargo na Corte; depois - 422 d.C. -, abarcando
os decorrentes da advocacia; e, enfim -472 d.C. -, englobando os provenientes de qual-
quer cargo público ou eclesiástico) e os bens adventícios (os que resultavam da sucessão
materna, e que, a partir de Constantino, passaram a pertencer aos filii familias).
Ainda nesse período, admitiu-se que a filha - o que já se verificava com o filho-
poderia obrigar-se por contrato; o que, aliás, era conseqüência do fato de, no direito
pós-clássico, ter desaparecido 'a incapacidade relativa das mulheres púberes.
No direito justinianeu, ocorrem dois fatos de suma importância na evolução da fa-
mília romana:
a) dá-se o triunfo do parentesco cognaticio sobre o agnatício (este, abolido por Jus-
tiniano, na Novela 118), daí resultando que a família passa a fundar-se no parentesco
cognatício; e
b) firma-se o princípio de que aquilo que o filho ou a filha adquirem o fazem para si
(embora ainda se mantenham os diferentes tipos de pecúlio e os bens adventícios, o que é
certo é que, nessa época, se modificam, em favor do filho ou da filha, suas regras de com-
posição, administração e disposição).

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