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4 Moreira Alves a familia proprio iure

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XLVIII
A FAMÍLIA PROPRIO JURE
Sumário: 275. Os aspectos a estudar. 276. Ingresso na farnilia proprio iure pela suje-
ição àpatria potes tas. 277. A patria potestas. 278. Ingresso na família proprio iure pela su-
jeição à manus. 279. Os efeitos da conuentio in manum e a manus. 280. A extinção da patria
potestas. 281. A extinção da manus.
275. Os aspectos a estudar - Como já salientamos, a família proprio iure é o con-
junto de pessoas submetidas àpotestas dopater famílias.
Para estudá-Ia, é mister que se examinem os seguintes aspectos:
a) o ingresso nela, pela submissão àpatria potes tas ou à manus;
b) as relações pessoais e patrimoniais entre o pater familias e as pessoas sujeitas à
sua potestas (seja àpatria potestas, seja à manus); e
c) a saída, dessa família, dosfilii famílias mediante a extinção dapatria potestas ou
da manus.
Analisemo-los nos números que se seguem.
276. Ingresso na família proprio iure pela sujeição à patria potestas - O
ingresso na família proprio iure se dá pela sujeição àpatria potestas, quando ocorre:
a) procriação em justas núpcias (iustae nuptiae);
b) adoção em uma de suas formas: adoptio ou adrogatio; ou
c) legitimação.
Estudemo-Ios separadamente.
A) Procriação em justas núpcias
É este o modo normal de admissão na família. proprio iure. A criança nascida
dojustas núpcias sej a seu pai pater familias oufilius familias ingressa na~
612 JOSÉ CARLOS MORElRA ALVES
!I
I'.1
paterna pelo simples fato do nascimento, I caindo sob a patria potestas do paterfa-
miltas:
Nasce de justas núpcias a criança que vem à luz depois de 182 dias' de contraído o
casamento legítimo por seus pais, ou a que nasce até 300 dias após a dissolução desse
consórcio." Com relação ao pai - ao contrário da mãe, cuja maternidade é certa +, presu-
me-se que a criança nascida dentro desse espaço de tempo seja seu filho: pater uero is est.
quem nuptiae demonstrant (o pai é aquele que as núpcias atestam),' diz Paulo (O. lI, 4,
5).6 Mas admite-se que ele, mediante prova de - entre outros motivos - enfermidade, au-
sência, impotência, 7 destrua essa presunção."
Por outro lado, como observa Bonfante," se a criança não nasce dentro desse limite
de tempo, quem afirma a paternidade deverá prová-Ia contra quem - e este, em geral, será
o marido - a nega. 10
Segundo PeroZZÍ(Tollere Liberum, in Scritti Giuridici, Ill, p. 95 e segs., Milano, 1948), o uso (tol/ere
liberum} - que perdurou até o império - de o pater familias, sendo o recém-nascido colocado a seus
'pés, levantá-Io do chão ( demonstrando, com isso, querê-lo como filho), ou deixá-lo onde se encontra-
va (hipótese em que a criança era exposta), não tinha qualquer relevância jurídica para a legitimidade
do recém-nascido, pois, se o pater familias o levantava do solo, ele não se tomava fi/ius famílias por
isso, mas já o era pelo fato do nascimento, e, se opater famílias o deixava jazer no chão, estava o chefe
da família usando a faculdade de expor ofilius familias (ius exponendi). No mesmo sentido, Lanfran-
chi, Ricerche sulle Azioni di Stato nella Filiazione ill Diritto Romano, II (I" c. d. presunzione di pater-
nità), pp. 3 a 35, Bologna, 1964.
2 Não é correta - como demonstra Kniep, Gai Institutionum Commentarius Primus, § 51, p. 246 e segs.,
Jena, 1912 - a tese de Pernice (Labeo, I,p. 159, neudruck, Aalen, 1963 ), segundo a qual o pai da cri-
ança, ainda que fosse filius fami/ias, adquiria sobre ela a patria potestas, embora esse poder fosse
exercido pelo pater familias,
3 D. XXXVIII, 16,3, 12; e D. 1,5, 12.
4 Excepcionalmente, o imperador Adriano - conforme nos informa Aulo Gélio, Noctes Atticae, III, 16,23
-declarou legitima uma criança nascida onze meses após a morte de seu pai. Outro caso, também excep-
cional, é narrado por P1ínio, o Velho, Historia Naturalis, Vil, 5, 38 a 40. Justiniano, porém, na Novela
XXXIV, capo2, acentua que a viúva que der à luz uma criança onze meses depois de morto o marido in-
cide nas penas daquela que se casa antes de decorrido o ano de luto (vide nota n° 74 do Capítulo XLIX).
5 'Sobre se esse princípio é, ou não, clássico, vide Solazzi, "Pater is est quem nuptiae demonstram", in
IVRA, VII (1956), p. 131 e segs. Vide; também, Schulz, Classical Roman Law, p. 143, que, a propósi-
to, se manifesta pela negativa. Pela afirmativa, Lanfranchi, Ricerche sul/ie Azioni di Stato nella Ftlia-
zione in Diriuo Romano, II (10 c. d.presunzione di paternità), pp. 47 a 52, Bologna, 1964.
6 Note-se, porem, que a criança se submete àpatria potestas de quem a possui sobre seu pai no momen-
to da concepção. Assim, se, ao ser concebida, seu pai está sob a patria potestas do que será seu avô,
este terá pátrio poder sobre ela, ainda que, por ocasião do nascimento, o pai esteja emancipado ou te-
nha sido adotado por outro pater familias (cf. Inst. I, 12, 9).
7 D.I,4,6,6.
8 Mas - note-se-a presunção não cai ainda que a mãe, confessando o adultério, declare que o filho não
édeseumarido(c!.D.XXll,3,29,1).
9 . Cano di DirittoRo11Ul1l(), I (Diritto di Famiglia), reimpressão, p. 368, Milano, 1963.
10 Até o tempo de MarcO Aurélio, não havia a obrigação de o pai declarar à autoridade pública o nasci-
maIfodo filho.. Esse imperador foi quem estabeleceu tal obrigação, determinando que a declaração
DIREITO ROMANO 613
B)Adoção
A adoção é o ato jurídico pelo qual alguém ingressa, comofilius familias, em famí-
lia proprio iure que não é a sua de origem. .'
A adoção, conforme o adotado seja alieni iuris ou sui iuris, se distingue em adoptio
(adoção em sentido estrito) e adrogatio (ad-rogação).!'
***
A adoptio (também denominada datio in adoptionem) é o ato jurídico pelo qual um
alieni iuris ingressa na família do adotante como seu filho ou neto."
No direito cíássico" - conforme se vê em Gaio (Institutas, I, 132 a 135) -, o proces-
so para adotar-se era complexo, dividindo-se em duas fases:
a) a em que o alieni iuris se desvinculava de sua família de origem; e
b) a em que o alieni iuris era submetido àpatria potestas do adotante.
Para que o alieni iuris se libertasse de sua família de origem, valeram-se os juris-
consultos romanos do preceito da Lei das XII Tábuas que rezava: si pater filium ter ue-
num duit, a patre filius liber esto (se o pai vender o filho três vezes, seja o filho livre do
pai)." Assim, para realizar-se a adoção, o pater famílias, depois de combinar com um
amigo, lhe mancipava pro forma o filho que se tomava, com relação a este, pessoa in
mancipio (vide n? 86, B); em seguida, o adquirente o manumitia, voltando o filho a sub-
meter-se àpatria potestas de seupater familias de origem. De novo, efetuavam-se essas
mesmas operações. Na terceira vez, logo após a mancipatio pro forma, o filho - porque
se tinham verificado as três vendas - se libertava da potestas dopater famílias, e o adqui-
rente, com referência a quem o filho era pessoa in mancipio, ou não omanumitia (pois, se
o manumitisse, o filho não voltaria àpatria potestas do pater familias), ou o remancipava
pro forma aopater famílias (e, desse modo, o filho se tornava, com relação ao que fora
(natalis professio) se fizesse, dentro de 30 dias a partir da lustratio (cerimônia religiosa que se realiza-
va no nono ou no oitavo dia após o nascimento, conforme se tratasse de criança do sexo masculino ou
feminino), diante, em Roma, do praefectusaerarii, e, nas províncias, dos tabularii publici, os quais a
anotavam em registros públicos. Sobre essa matéria, vide Emilio Costa, Storia dei Diritto Privato, 2"
ed., p. 75 e segs., Torino, 1925; Cuq,Les Lois d'Auguste sur les déclarations de naissance, in Mélan-
ges Paul Fomier, p. 119 e segs., Paris, 1929; e Schulz, Roman Registers of births and birth certifica-
tes, in Bulletino dell'Istituto di Diritto Romano, vols. XIV-XV N. S. (1951), p. 170 e segs.
II D.I, 7,1.
12 E como neto, mesmo se o adotante não tivesse filhos. Por outro lado, a adoptio in fratrem (adoção
comoirmão) era proibida (C. IV, 24, 7).
13 Sobre os textos de Cícero (Brutus 68, 241; ePro Cluentio 26, 72) que aludem a umStaienus que se
adotou a si mesmo e se tomou Aelius Paetus, vide D'OrgevaI, "Qui se ipsum adoptat", in Studi in
onore di Pietro de Francisci; 11,p. 29 e segs., Milano, 1956.
14 Gaio,lnstitutas, I, 132.
614 ross CARLOS MOREIRA ALVES
seu pater famílias, pessoa in mancipio). Se o alieni iuris que iria ser adotado fosse, em
vez de filho, uma filha ou um neto ou neta dopater famílias, bastava para libertá-los do
poder deste uma única mancipatio pro forma. 15
Para completar-se a adoção - e essa é a segunda fase -, recorria-se à in iure cessio
(vide n° 154, U, b): na presença do magistrado - o pretor, em Roma; o governador, nas
províncias -, o adotante propunha contra o que tinha o adotado in causa mancipii (seu
próprio pater famílias, ou o amigo se não tivesse havido a remancipatioi a reivindicação
do alieni iuris como se seu filho fosse: o réu não a contestava, e diante dessa confissão si-
mulada, o magistrado fazia a addictio (adjudicação) do adotando ao adotante, nascendo,
em favor deste, legalmente, a patria potestas."
No direito justinianeu, o processo de adoção se simplificou: opater familias, o ado-
tante e o adotado dirigiam-se à autoridade judicial competente, e, diante desta, os dois
primeiros faziam declaração concorde no sentido da adoção, a ela aderindo o adotando
com o simples silêncio.
Quanto aos requisitos para a adoção, é preciso distinguir o período clássico do justi-
nianeu.
No direito clássico, exigia-se, para a adoção, o acordo de vontades dopater famílias
e do adotante. O princípio de que a adoção imita a natureza não era levado em considera-
ção pelos jurisconsultos clássicos, para quem era ela meio de ingresso na.família proprio
iure mediante submissão àpatria potestas. Por isso, a mulher - que era incapaz de ser ti-
tular dapatria potestas - não podia adotar,17o mesmo não ocorrendo, porém, com ho-
mem que não pudesse gerar, ou que não fosse casado. Por outro lado, no tempo de Gaio, 18
discutia-se se o adotante tinha, ou não, de ser mais velho que o adotado.
No direito justinianeu, vigora a regra adoptio naturam imitatur (a adoção imita a
natureza), e, em virtude disso, se torna necessária a observância de requisitos para que ela
se assemelhe à ~aternidade natural: o adotante deve ser, no mínimo, 18 anos mais velho
que o adotando; 9 e não podem adotar os que são incapazes de gerar, como os castrados."
Demais, além do consentimento dopater famílias e do adotante, é preciso ainda o do ado-
tando.
Finalmente, com relação aos efeitos da adoção, eles também variaram no direito
clássico e no direito justinianeu.
No direito clássico, a adoção só produz efeitos com referência ao alieni iuris, que
passa, como adotado para a nova família; se ele, porém, tiver filhos ou netos (ainda que
15 A essa interpretação chegaram os jurisconsultos clássicos por entenderem que, tendo a Lei das XII Tá-
buas se referido ap:m!S ao filius, as três vendas não seriam necessárias para os demais descendentes
que não filhos. -
16 Essa forma de reaIm.--se a adoptio foi a utilizada durante todo o direito clássico, embora nas provínci-
as orientais - comosevê de papiros descobertos no Egito - se efetuassem, nesse período, adoções me-
diante contrato, S<'.a'Jt a intervençâo de autoridade pública.
17 Cf. Gaio, InstiiuiDs;.J,l 04 o
18 Institutas,r, 106..
19 Inst., l, 11,4.
20 Inst.,l, 11,9.
DIREITO ROMANO 615
apenas concebidos), estes continuarão na família de que saiu o adotado. Portanto, com a
a~oção, o adotado rompe os laços que o prendiam à família de origem, perdendo seus di-
reitos sucessórios nela. Em compensação, ele, ao ingressar na família do adotante, embo-
ra el~ geral não traga patrimônio (o alieni iuris, por via de regra, não possui bens),
adq~ure ?S mesmos direitos sucessórios que os descendentes agnatícios do novo pater fa-
==.E certo, no entanto, que, se o adotante privá-I o desses direitos sucessórios (por
emancipá-lo ou por deserdá-lo), o adotado ficará sem eles, quer quanto à família de ori-
gem (da qual, com a adoção, se desligou), quer quanto à do adotante (por ter sido emanci-
pado ?u d~serdado!-. Mas o pretor, no âmbito do direito honorário, corrigiu, em parte,
essa situação, permitindo que o adotado - e isso porque a adoção não rompe o parentesco
cognatício - concorresse, caso tivesse sido emancipado pelo adotante antes de seu pai na-
tural falecer, à sucessão deste, na qualidade de cognado.
No direito justinianeu, por motivo de ordem sucessória, encontramos duas espécies
de adoção:
a) a adoptio plena: aquela em que o adotante é ascendente, pelo lado paterno ou
pelo lado matemo, do adotado; e
b) a adoptio minus plena: aquela em que o adotante é um estranho."
Os efeitos da adoptio plena são substancialmente os da adoção clássica; mas Justi-
nian022 estabeleceu que, se o adotado for emancipado, volta a ter direitos sucessórios na
família do seu pai natural.
Quanto à adoptio minus plena, o adotado não se desvincula de sua família de ori-
gem, nem, tampouco, ingressa na do adotante; entre adotante e adotado apenas se estabe-
lece um vínculo pelo qual este, se o adotante morrer ab intestato (isto é, sem deixar
testamento), tem direito de suceder nos bens como heres suus (vide n° 323). Mas o adota-
~o não tem sequer direito à legítima (vide n° 330) com relação ao pai adotivo, que, por
ISSO, pode não contemplá-lo em seu testamento?
***
Pela adrogatio (ad-rogação) umpater familias ingressa, na posição defilius famili-
as (ele sofre, portanto, uma capitis deminutio minima, passando de pessoa sui iuris a alie-
ni iuriss, na família de outro pater familias/"
21 As expressões adoptio plena e adoptio minus plena são devidas aos comentadores do direito romano.
22 C. VIII, 47 (48), 10 Ia, 1b e lc.
23 Demais, como a adoptio minus plena não confere ao adotante apatria potestas sobre o adotado, admi-
te-se que a mulher, para consolo da perda de seus próprios filhos (ad solacium amissorum libero rum)
(Inst., i, 11, 10; eCo VIII, 47 (48),5), adote.
24 Sobre a adrogatio, vide, entre outros, Bonfante (Corso di Diritto Romano, 1- Diritto di Famiglia - re-
impressão, p. 20 e segs., Milano, 1963), Dessertaux (Études sur les Effets de l'Adrogation, Dijon;
1892 - trata-se de um extrait de Ia Revue bourguignonne de l'Enseignement supérieur, année 1892),
Lavaggi (Una riforma ignorata di Giustiniano: Adrogatio plena e minus plena; e L 'arrogazione dei
libertini - ambos ernStudia et Documenta Historiae et Iuris; ano XII, 1946, p. 45 e segs., e 115 e segs.,
respectivamente) e JaneauÇConstántin et Ia prohibition d'adroger les "naturales", in Conférences
faites à I 'Instiua de Droit Romainen 1947, p. 131 e segs., Paris, 1950) ..
616 JOSÉ CARLOS MORE1RA ALVES
No direito pré-clássico, tendo em vista que, com a ad-rogação, uma família era ab-
sorvida por outra - o ad-rogado, ao ingressar na família do ad-rogante, levava para ela o
seu patrimônio e todas as pessoas que se achavam submetidas a sua potestas -, o que,
principalmente nos tempos primitivos, interessava ao Estado (havia alteração no número
de famílias que o constituíam) e à própria religião (extinguia-se o cultodoméstico da fa-
mília absorvida), a adrogatio tem de ocorrer diante do comício por cúrias (vide n" 11 e
19, A), presidido pelo Pontífice Máximo. Este interrogava o ad-rogante, para saber se
ele, realmente, queria ser pater familias do ad-rogado; o ad-rogado, para verificar se efe-
tivamente pretendia tornar-se filius familias do ad-rogante; e o povo, reunido em comí-
cio, para ver - segundo parece" - se ele concordava em que se realizasse a adrogatio.
Nos fins da república - e, portanto, no início do direito clássico -, entrando em de-
cadência os comícios por cúrias (vide n° 19, A), a adrogatio passa a celebrar -se na pre-
sença dos 30 lictores que representam aquela assembléiapopular reduzindo-se as
indagações do Pontífice Máximo a duas: ao ad-rogante e ao ad-rogado.
Mas, quer diante do povo reunido em comícios por cúrias, quer na presença, ape-
nas, dos 30 lictores, a ad-rogação somente podia realizar-se em Roma (onde esses comí-
cios se reuniam), o que, como é óbvio, era um inconveniente sério para os habitantes das
províncias. ,
A partir do séculom d.e., surge, ao lado da adrogatio realizada diante dos lictores,
outra forma de ad-rogação que não apresenta o inconveniente daquela: a adrogatio por
rescrito do imperador (em que continua necessário o consentimento expresso do ad-ro-
gado), que é a única que persiste no tempo dos imperadores cristãos.i"
Os requisitos para a adrogatio variaram muito durante a evolução do direito romano.
No direito pré-clássico e no início do clássico, quando as mulheres e os impúberes
não podiam ser ad-rogados," os pontífices - a quem incumbia verificar se nada havia
contra a ad-rogação pretendida - foram estabelecendo, a pouco e pouco, requisitos sem
25 Não é improvável, como decorre da exposição de AuIo Gélio, Noetes Atticae, V, 19, que o povo, a
princípio, votasse a favor da ad-rogação ou contra ela.
26 C. VIll, 47 (48),2; e VIII, 47 (48), 6.
Por outro lado, textos literários aludem à ad-rogação testamentária, cujo exemplo mais célebre é o de
Otávio (mais tarde, Augusto), adotado por Júlio César em seu testamento. Os jurisconsultos romanos
silenciam totalmente sobre essa forma de ad-rogação, que, aliás, apresenta singularidades: não émeio
de aquisição dapatria potestas pelo ad-rogante (que já morreu, quando ela produz seus efeitos); e é
acessível às muIhm:s. Sobre as diferentes teses que procuram explicar esses textos, vide Bonfante,
Corso di Diritto Romano, 1-Diritto di Famiglia, reimpressão, p. 26 e segs., Milano, 1963). A propó-
sito dessa matéria, 1Iide ainda Prevost,Les Adoptions politiques àRome sous Ia République et le Prin-
cipat,Paris, 1949; Henne, A propos du testament de César, ;niDroits de l'Antiquité et Sociologie
;Juridique (MélangesHenriLévy-Bruhl);p. 141 e segs., Paris, 1959; J. Paoli,Le testament "calatis co-
mitiis"etl'~ d'Octave, in Studi inonorediEmilio Betti.Ill.p. 546 e segs., Milano, 1962; e
Lemosse;L'adoptita d'Octave et ses TCI[1p0rtsavee les rêgles traditionneJ/es du Droit Civil, in Studi
in memoria diEmilio Albertaro, I, p. 371 e segs., Milano, 1953.
27 Gaio,Insti.tutas,1, 101-102.
D1RErroROMANO 617
os quais eles se opunham à adrogatio. Assim - como acentua Cícero'" -, não se permitia,
em seu tempo, a adrogatio por pessoas que ainda pudessem ter esperança de formar pro-
le, ou que tivessem filhos nascidos de casamento legitimo. Demais, além da idade dó
ad-rogante - que não podia ser mulher, nemfilius familias -, levava-se em conta a impor-
tância da gens e do culto familiar do ad-rogado. Esses requisitos, porém, não eram abso-
lutos, podendo ceder diante de motivos justos,
Na época de Gaio, discutia-se se o ad-rogante podia ser incapaz de gerar, e se ele ti-
nha de ser mais velho do que o ad-rogado."
Antonino, o Pio, em cartas aos pontífices - segundo informação de Gaio (Instuutas,
I, 102) -, autorizou a ad-rogação de impúberes, havendo justa causa (iusta causa) e ob-
servados certos requisitos."
No direito pós-clássico, admitiu-se que a mulher fosse ad-rogada, 31 e - a título ex-
cepcional - permitiu-se que aquela que tivesse perdido seus filhos ad-rogasse uma pes-
soa sui iuris.32 Os imperadores cristãos proibiram a ad-rogação, pelo pai,dos filhos
nascidos de concubinato (naturales liberi).
No tempo de Justiniano, em virtude do princípio de que a ad-rogação devia imítar a
natureza.P e do fato de que a adrogatio passou a ser encarada, não como meio de aumen-
tar o poder de uma família, mas de dar filhos a quem não os tivesse, exigiam-se, para que
ela se realizasse, os seguintes requisitos (que, no entanto, podiam ser dispensados por
motivos justos):
a) o ad-rogante, que não pode ser castrado, nem ter filho legitimo," deve ser 18
anos mais velho do que o ad-rogado, e ter, no mínimo, 60 anos de idade" (ou, então,
achar-se gravemente enfermo);
b) em regra, o ad-rogado não deve ser mais rico que o ad-rogante;"
c) não pode ser ad-rogado quem já o foi por outra pessoa; e
28 De demo sua, XN.
29 Institutos, 1,106.
30 Esses requisitos, em síntese, eram os seguintes: a) os magistrados competentes deviam apurar, preli-
minarmente, se o ad-rogante era idôneo e se a adrogatio seria vantajosa para o impúbere (D. I, 7, 17,2;
Inst.,1, 11,3); b) os parentes do impúbere deviam ser consultados (C. VIll, 47 (48), 2); c)era mister
que o tutor (ou tutores) do impúbere desse sua auctoritas (C. V., 59,5); ti) o ad-rogante, quando da re-
alização da adrogatio, devia dar canção às pessoas que seriam herdeiras do ad-rogado, se não houves-
se a ad-rogação, para garantir-lhes a entrega dos bens do ad-rogado, na hipótese de ele morrer antes de
atingir a puberdade (Inst., I, 11, 3).
31 Gaio, Institutionum Epitome, I, 5,2.
32 C.vm, 47 (48), 5.
33 hrst,1, 11,4.
34 D.1,7,17,3.
35 D.1,7, 15,2.
36 D. 1, 7, 17,4.
618 JOSÉ CARLOS MORElRA ALVES
!
d) não podem ser ad-rogadas várias pessoas," nem liberto de outrem (salvo se seu
. ) 38patronus consentir .
Além do efeito comum com a adoção - aquele segundo o qual o ad-rogado ingressa
como alieni iuris na família do ad-rogante, sofrendo, assim, capitis deminutio minima=,
a ad-rogação, por se aplicar a pessoa sui iuris, apresenta dois efeitos que não resultam da
adoção:
a) as pessoas que estão sujeitas à patria potestas ou à manus do ad-rogado passam
para o poder do ad-rogante, tomando-se todos (ad-rogado e as pessoas anteriormente
submetidas a ele) aguados e gentiles do ad-rogante e de seus agnados e gentiles - assim,
a família do ad-rogante absorve a do ad-rogado; e
b) o ad-rogante se toma proprietário, por sucessão inter uiuos a título universal, dos
bens do ad-rogado - com exceção dos direitos que se extinguem com a capitis deminutio
minima, como o usufruto e o uso -, não respondendo, porém, pelos débitos deste, senão
os hereditários;" o pretor, no entanto, concedia aos credores do ad-rogado:
1-ou uma actio utilis contra o próprio ad-rogado, considerando como não ocorrida
a adrogatio (rescissa capitis deminutione); 40 e, se o ad-rogado não se defendesse, podiam
os credores vender os bens que ele teria se não tivesse havido aad-rogação;
2 - ou uma actio de peculio contra o ad-rogante."
No direito justinianeu, o ad-rogante passou a ter sobre os bens doad-rogado os mes-
mos direitos que o pai possuía com relação aos do filho: o ad-rogante adquiria sobre eles
apenas o usufruto; a nua propriedade era do ad-rogado.
Por outro lado, quanto à adrogatio de impúbere, produzia ela (e isso para evitar que
a ad-rogação se convertesse, para o ad-rogante, em especulação) certos efeitos patrimo-
de '1' d . 42niais em favor do ad-rogado ou e sua ramr Ia e ongem.
37 D. 1,7, 15,3.
38 D. 1,7, 15,3; e D. XXXVIII, 2, 49.
39 E isso porque, de acordo com o ius ciuilie, o ad-rogante se tomava o herdeiro.
40 Gaio, Institutas, I1I, 84.
41 D. XV, 1, 42.
42 Esses efeitos eram os seguintes: a) se o ad-rogado morresse impúbere, e sob apotestas do ad-rogante,
este estava obrigado a entregar os bens do adrogatus àqueles que seriam seus herdeiros se não tivesse
ocorrido a ad-rogação; b) chegando o ad-rogado à puberdade, sob a potestas do ad-rogante, tinha
aquele, se descontente com a ad-rogação, o direito (D. I, 7,32, pr. e 33) de provar que ela lhe era preju-
dicial, e de obter, assim, a in integrum restitutio (demais, alcançada a puberdade pelo ad-rogado, a
caução - vide nota n° 30 deste Capítulo - dada pelo ad-rogante era liberada, conforme se verifica do D.
I, 7, 20); c) se o ad-rogante fosse emancipado, antes de alcançar a puberdade, era preciso distinguir se
a emancipação decorrera de motivo justo ou não: na primeira hipótese, o ad-rogado podia recuperartodos os bens existentes no momento da adrogatio e os que ele, posteriormente, adquirira para o
ad-rogante; na segunda, além desses direitos, tinha ele ainda o de, por ocasião da morte do ad-rogante,
eventualmente, recolher a quarta parte dos bens deste (Inst., I, 11, 3; D. X, 2, 2, 1; e D. XXXVII, 6, 1,
21) (era a quarta diui Pii ou quarta Antonina, assim denominada porque foi criada por Antonino, o
Pio); é d) se o ad-rogado fosse deserdado antes de atingir a puberdade, teria ele direito à quarta diui
Pii, independentemente de a deserdação ter sido justa ou não.
DIREITO ROMANO 619
C) Legitimação
Legitimação (legitima tio ),43em direito romano, é o ato pelo qual os filhos nascidos
de concubinato (naturales liberi - viden° 294) adquirem a condição de filhos legítimos."
A legitima tio somente foi admitida no direito pós-clássico 45 quando, em virtude da
influência do cristianismo, é combatido o concubinato, surgindo a concepção de que é in-
digna a condição dos naturales liberi.
Há, no direito romano, três processos de legitimação:
a) a legitima rio per subsequens matrimonium (legitimação por casamento subse-
qüente);
b) a legitimatio per rescriptum principis (legitimação por rescrito do príncipe); e
c) a legitimatio per oblationem curiae (legitimação por oblação àcúria).
A legitimação por casamento subseqüente surgiu, em 335 d.C., graças a Constanti-
no,"mas em caráter excepcional, pois somente foi admitida com relação aos filhós natu-
rais já havidos quando da promulgação dessa constituição imperial. Com Anastácio, em
517 d.C.,47a legitimatio per subsequens matrimonium tomou-se instituto permanente. O
sucessor de Anastácio, Justino, em 519 d.C.,48aboliu essa forma de legitimação, a qual,
no entanto, foi restaurada definitivamente, em 529 d.C., por Justíniano/" queestabele-
ceu, para que ela ocorresse, os seguintes requisitos:
a) que a mãe - em vez da exigência que havia até então de ela ser ingênua'? - fosse
livre;"
b) que, por ocasião da concepção da criança, fosse possível a realização do casa-
mento de seus pais52 - o que impedia a legitimação dos filhos adulterinos ou incestuo-
SOS;53
c) que o filho consentisse na legítimação, ou que, pelo menos, a ela não se opusesse;" e
43 Sobre essa matéria, vide, entre outros, Bonfante, Corso di Diritto Romano, 1-Diritto di Fam/glia~,
reimpressão, p. 371 e segs., Mílano, 1963; e Kaser, Das Rõmisches Privatrecht, Il, § 230, p. 157, Mün-
chen,1959.
44 A legitimatio se aplica apenas aos liberi naturales, e não aos uulgo quaesiti (também denominados
uulgo concepti ou spurii) (vide n° 294).
45 Portanto, em época em que a família agnatícia já havia perdido muito de sua antiga importância.
46 A Constituição imperial em causa se perdeu; a ela alude o imperador Zenão (C. V, 27,5), em 477 d.C.,
que a renovou.
47 C. V, 27, 6.
48 C. V, 27, 7.
49 C. V, 27,10; C. V, 27,11; e Inst., I, 10, 13.
50 C. V, 27, 5.
51 Inst.,I, 10, 13;eC. V, 27, 10.
52 Inst.,1,10, 13; e C. V, 27, 11.
53 Derrogando.esse princípio, Justíniano (Nov, XVIII, capo 11; e Nov. LXXVIII, caps. 3 e4) admitiu que
os filhos de escrava podiam ser legitimados, se o dono dela (e pai deles) a libertasse e a esposasse.
54 Por isso, os loucos, os infantes, os ausentes podiam ser legitimados por casamento subseqüente, Vide
D. I, 16, 11; e Nov. LXXXIX, capo 11.
620 JOSÉ CARLOS MORElRA ALVES
d) que se redigisse instrumento. dotal (instrumentum dotale) para indicar que hou-
vera a substituição. do concubinato pelo. matrimônio Iegítimo.f
A legitímação por rescrito do. príncípe'" somente foi criada por Justiniano, nas No-
velas." Aplicava-se apenas aos casos em que a legitimação por casamento. subseqüente
não era possível em virtude de morte, de ausência, de indignidade ou de tomada de or-
dens sacras ocorrida com a mãe. Provado que o pai não tinha filhos legítimos, que o filho
a ser legitimado havia consentido nisso, e que o. casamento de seus pais era possível quando.
de sua concepção, podia requerer a legitima tio per rescriptum principis:
a) o.próprio. pai; ou
b) o. filho, após a morte do. pai, desde que este houvesse salientado, no. testamento,
ser seu desejo. legitimá-lo." '.
Por outrolado, estabeleceu Justiriiano'" que, para verificar-se a Iegitimação po.r res-
critó do. príncipe, era preciso. que não'existisse filho legítimo.
Finalmente, a legitimatio per oblationem curiae se prende a uma constituição im-
perial de Teodósio IIe Valentiniano III,60 do. ano 443 d.e., com fins administrativos e fis-
cais. Com efeito, tendo. em vista que, nesse tempo, as cúrias municipais, em razão. de seus
pesados encargos (como.por exemplo, a responsabilidade da arrecadação. de impostos e
as despesas com jogos e espetáculos públicos), necessitavam de decuriões, os citados im-
peradoresestabeleceram qll;e o.pai, não. tendo filho. legítimo, podia testar ou doar seu pa-
trímônio.em parte ou 00 todo, aos liberi naturales, desde que - sendo. o. filho. homem - o.
inscrevesse entre os decuriões, ou - se se tratasse de filha - a desse em casamento. a um
decurião. Com o.tempo, esse ato. foi tomando. o caráter de legitimação, e, em 470 d.e.,
por urna constituição de Leão e Antêmio," esses filhos passaram a ter o.direito. de suce-
der ab intestato (isto. é, na ausência de testamento) a seu pai. Apesar disso, porém, e ao
contrário do. que ocorria com a legitimatio per subsequens matrimonium (e, mais tarde,
com a legitimatio per rescriptum principisy; o. pai, na legitimação por oblação à cúria,
não. adquiria pátrió poder sobre o. filho. legitimado, nem este passava a ter todos os direi-
tos do. filho. legítimo. Justiniano introduziu modificações nos efeitos da legitimatio per
oblationem curiae: concedeu ao pai a patria poiestas (pátrio poder) sobre o. filho. legiti-
mado, e estabeleceu, entre ambos, direito. recíproco de sucessão.f Demais, admitiu a le-
gitimação por oblação à cúria ainda que o.pai tivesse filhos legítimos; e permitiu que ela
55 Inst., I, 10, 13; C. V, 27, 10 e 11; Nov. LXXXIX, capo 8.
56 Sobre sua origem, viJe Janeau, De I 'adrogation des liberi naturales à Ia legitimation par rescrit du
Prince, Paris, 1947.
57 Nov. LXXIV, capo2, 1; e LXXXIX, caps. 9 elO.
58 Note-se que, ainda DeSSahipótese, a legitimação éper rescriptum principis, e não - como pretendem
alguns autores - 0UIIll modalidade de legitimação, a legitimatio per testamentum.
59 Nov. LXXIV. tapo 1; e Nov. LXXXIX, caps.9 e 10.
60. C. V,27,3_·,
61 C,V. 27,.4. " ..
62 Nov. LXXXIX. cap. 11.
DIREITo. Ro.MANO 621
se fizesse por testamento." Mas, mesmo no. direito. justinianeu, a legitima tioper oblatio-
nem curiae vinculava apenas pai e filho, e não este e a família de seu pai."
277. A patria potestas65 - A patria potestas (pátrio poder) é o conjunto. de poderes
que o pater familias tem sobre seusfiliifamilias.
Segundo. Gaio 66- e isso. é exato, pois, nos tempos históricos, não. se encontra em ne-
nhu~ outro povo instituto. juridico com caracteristicas semelhantes -, zpatria potestas é
uma instituição exclusiva do. direito. romano,
A princípio, os poderes do.pater familias enfeixados na patria potestas são. absolu-
tos: o pater familias pode ser comparado a um déspota. A pouco e pouco, porém - e essa
tendência s~ a~o.lurna decididamente a partir do. início do. período. pós-clássico -, os po-
deres constltut~vos da p~tria potestas se vão. abrandando, até que, no. direito. justinianeu -
mudado o ambiente social, alteradas fundamentalmente as funções e a estrutura da famí-
lia ro.~ana, e. so.brepujado. o.parente~c~ agnatício pelo. cognatício -, apatria potes/as se
aproxuna do. conceito modemo de patno poder (poder educativo e levemente corretivo),
embora conserve - o. que a afasta deste - duas características antigas:
a) a vitaliciedade (mesmo. no periodo justinianeu não. se conhece, no direito. roma-
no, o. instituto da maioridade: enquantovivo o.pater familias, estão. sujeitos àpatria po-
testasseusfilii familias); e
b) a titularidade, não pelo pai natural, mas pelo. ascendente masculino mais remoto.
A patria potestas atribui ao.paterfamilias poderes sobre:
a) a pessoa do.sfilii familias; e
b) os bens adquiridos pelos filii familias.
Analisemo-Ios separadamente.
A) Poderes sobre a pessoa dos "filiifamilias "
Os poderes do.paterfamilias so.bre a pessoa do.sfiliifamilias são. os seguintes:
a) o ius uitae et necis: o.pater familias podia punir os filii familias co.mo.bem enten-
desse, inclusive com a morte;
.b) o ius noxae dandi:quando. ofiJjusfamili~.co.metia ato. ilicito.(delictum) contra
terceiro, o pater familias podia eximir-seda responsabilidade de indenizar a vítima en-
tregando-~e, co.tn0 p'e~soa i~ mancipio (v/de n~,86,B), o.filius famílias culpado;
, .c) o,~ uendendi: podia o.pater familias vender eeas filii familias, que, 110 direito.
cl~SICo., na~ s~ to.rnav~ escra:o.s do comprador, mas, sim, pessoas in mancipio; no di-
reíto ~s-classlco, porem admite-se - tendo em vista a calamitosa situação. econômi-
co-social dessa época - que ofilius familias vendido passe a ser escravo. doadquirente; e
63 C.V,27, 9.
64 C. V, 27,9; eNov. LXXXIX; 4. .
65 S~bre apatriapotestas, vide Voei, Storia della "potriapotestasdaAugusto aDiocleziano ••e "LaPa-
tria Potestasda Costantino a Giustinúmo", in StudidiDirittoRomano,ll,pp. 399'a463 e467 a543,
Padova, 1985.
66 Institutos, I, 55.
622 JOSÉ CARLOS MORElRA ALVES
d) O poder de expor ou de manter os filii famílias recém-nascidos.
Esses poderes, que - como salientamos atrás - eram, a princípio, absolutos, foram
sofrendo, no decurso do tempo, atenuações.
Assim, com relação ao ius uitae et necis - que, no periodo clássico, por imposição
dos costumes (mores maiorum), opater familias não exercia sem fazer-se assistir, previ-
amente, por um consilium domesticum (conselho familiar) -, a reação a ele começa no sé-
culo I d.e., quando Trajano determina que o paterfamilias que maltratasse seu filius
familias estava obrigado a emancipá-lo" e, no D. XLVIII, 8, 2, salienta-se que o filho
não podia ser morto pelopater familias sem antes ser ouvido - são providências que, em-
bora não visem a extinguir o ius uitae et necis, mas a reprimir abusos, demonstram que
ele não é mais encarado como poder absoluto do pater famílias. O ius uitae et necis vai
desaparecer com os imperadores cristãos: Constantino'" pune, com a pena do parricidi-
um, O pai que mata o filho, e Valéntiniano e Valente'" estabelecem que, quando ofilius
famílias comete delito grave (enorme delictum), deve ser ele enviado à autoridade judi-
ciária competente, queo punirá, pois o poder punitivo do pater familias não mais abrange
punições severas.
O ius noxae dandi, a partir do século IV d.C., cai, pouco a pouco, em desuso, e é
abolido, finalmente, por Justiníano.?' ,
Quanto ao ius uendendi,71desde o tempo de Constantino, é admitido apenas com re-
lação aos recém-nascidos (a venda do filius familias era proibida),72 admitindo-se, po-
rém, que, com o reembolso do preço pago pelo comprador, ou com a entrega de um
escravo para substituir ofilius [amilias, este recupere a liberdade. Justiniano 73 ainda ad-
mite a venda tão-somente dos recém-nascidos, reduzindo, porém, seu campo de aplica-
ção e atenuando seus efeitos: essa venda só é válida se motivada por miséria extrema do
pater [amilias (se isso não ocorre, a venda é nula), e ofiliusfamilias pode recuperar a li-
berdade se ele, o pato familias, ou terceiro restituir ao comprador o preço, ou der, em
troca, um escravo.
Valentíniano, Valente e Graciano.Í" em 374 d.C., proíbem que se mate re-
cem-nascido, sob pena de suplício capital; e, com relação à exposição de recém-nascidos
(que Constantino considerava lícita, estabelecendo que acarretava apenas a perda da pa-
I '1" 75Ambtria potestas sobre o exposto), a rep~tam, naque e mesmo ano, ilícita, as essas
Inst., N, 8,7.
Vide, a propósito, Vmzetti, Vendita ed esposizione degli infanti da Constantino a Giustmiano, in Stu-
dia et Documenllll1ii.floriae et Iuris, vol. 49 (1983), pp. 225 a 260.
Fragmenta qrmeiliitantur Vaticana, 33;
ce C.N, 43, 2.
C.IX, 16,7.
C. VIII, 51 (52).2.
67
68
69
70
71
72
73
I 7475•"
D. xxxvn, 12.,s,
C. Th.1X, 15,1; C.IX, 17, 1.
C. Th.IX, 13, 1; c. IX, 15, 1.
DIREITO ROMANO 623
constituições foram acolhidas por Justiniano, que, possivelmente," puniu a exposição do
recém-nascido com a pena do homicídio.
B) Poderes sobre os bens adquiridos pelos "filii familias"
Originariamente, osfilii famílias eram incapazes de ter patrimônio - qui in potesta-
te alterius est, nihil suum habere potest (aquele que está sob poder de outrem nada pode
ter de seu), acentua texto de Gaio
77
Tudo aquilo que osjllii famílias adquirissem ingres-
saria no patrimônio da familia proprio iure, do qual era titular o pater [amilias.
Desde cedo, porém, opater jàmílias entregava ao filius famílias pequena quantia ou
alguns bens (peculium - pecúlio), para que este os administrasse, no exercício de uma
profissão, ou no comércio. O domínio desse pequeno patrimônio continuava a ser dopa-
ter familias, que, a qualquer momento e a seu arbítrio, podia tomá-lo do fi/ius familias.
Morto o filho, o pai, automaticamente, recuperava os bens que constituíam esse pecúlio,
a que os autores modernos dão a denominação depeculium profecticium, isto é, profec-
tum a patre (saído do pater famílias).
No início do principado, a incapacidade patrimonial dosfiliifamilias sofre uma ex-
ceção com a admissão do peculium castrense, a partir de Augusto, e que era constituído
com os bens que osfilii familias adquiriram, inicialmente na qualidade de soldados (sol-
do, presa de guerra), e,mais tarde, por ocasião da prestação do serviço militar, ainda que
os bens nada tivessem que ver com esse serviço (como, por exemplo, os que opater fami-
lias doava ao filho que partia para servir no exército romano). 78Com relação aopeculium
castrense - salienta um texto atribuído a Ulpiano (D. XlV, 6, 2) -, o filius famílias faz as
vezes de pater famílias, podendo dispor, em vida, desses bens; ou manumitir escravos
que se tomam libertos dele,filius familias, e não de seu pater familias; ou fazer donatio-
nes mortis causa (doações mortis causa). Porém, se o filho morrer antes que opater fami-
lias, sem fazer testamento com relação aopeculium castrense, opater familias o adquire,
não iure hereditatis (por direito sucessório), mas iure peculii (isto é, por direito próprio,
como se fosse titular desses bens).
No direito pós-clássico, surge outra espécie de Jj.ecúlio- opeculium quasi castren-
se (pecúlio quase castrense), criado por Constantino, 9 que estendeu as regras do pecúlio
castrense aos bens adquiridos pelo filius familias como funcionário da corte; posterior-
mente, essa concepção abrangeu ainda bens adquiridos pelofilius famílias como ocupan-
te de qualquer cargo público, ou como advogado, ou como eclesiástico, bem assim os
obtidos por doações feitas pelo imperador ou pela imperatriz.'"
76 Vide, a propósito, Carlo Longo, Corso di Diritto Romano (Diritto diFamiglia), p. 99 e segs., Milano,
1946. .. .
77 Institutas, lI, 87. V/de, também, Gaio, Institutas, n, 96.
78 Sobre o peculium castrense, vide Fitting, Das Castrense Peculium in seiner geschichtlichen Entwic-
kelung und heutigen Gemeinrechtlichen Geltung, Halle, 1871; e Guarino, L 'oggetto del "castrense
peculium ", in Bulletino dell 'Istituto di Diritto Romano, vol. VII, N. S. (1941), p. 41 e segs.
79 C. Th. VI, 36, 1.
80 A propósito, vide Arem, In tema di peculio quasi castrense, in Studi de Storia e Diritto in onore di
Enrico Besta por il XL anno dei suo insegnamento, I, p.119 e segs., Milano, 1939 .
624 JOSÉ CARLOS MOREIRA AL VES
Graças, ainda, a Constantíno.!' o pater familias, quanto aos bens (bona materna)
que o filho adquire da mãe por sucessão testamentária ou ab intestato, é apenas formal-
mente proprietáriodeles, tanto que não pode dispor desses bens. Esse regime foi estendi-
do, por imperadores posteriores a Constantino, a bens provenientes, a título gratuito
(herança, legado ou doação), dos ascendentes matemos (bona materni generis) do filius
familias, bem como às doações esponsalícias - a todos esses bens dá-se a denominação
bana aduenticia.
No direito justinianeu, a incapacidade patrimonial dofilius familias deixa, em reali-
dade, de existir. Com efeito, com exceção dos bens provenientes do pater familias ou dos
adquiridos com eles - e que são ambos de propriedade do pater familias -, os obtidos
pelo filius familias, por meio de seu trabalho ou de ato de liberalidade de terceiro, lhe per-
tencem, dispondo opater familias, sobre estes bens, apenas de usufruto legal,82e, por ve-
zes - assim, por exemplo, na hipótese de alguém fazer urna doação aofilius familias, com
a cláusula de que o pater fami/ias não terá direito de gozar dos bens doados -, nem mes-
mo disso.
Demais, na Nov. cxvm, Capo 1, Justiniano equiparou, para efeito de capacidade
de ter herdeiro legítimo, ofilius familias aopater familias, porquanto determinou que os
bens daquele (e, portanto, integrantes dos pecúlios castrense e quase-castrense, e dos
bana aduenticia) fossem herdados primeiro por seus descendentes, e, Sóna falta destes,
pelos ascendentes (classe a que pertencia opater familias). '
***
Por outro lado, tendo em vista o princípio de que tudo o que os filii famílias e os es-
cravos adquiriam ingressava no patrimônio do pater famílias, este (note-se que, em ge-
ral, não se admitia, em direito romano, a representação direta - vide n° 111, B) se valia de
ambos para adquirir direitos reais e pessoais.
Ora, quanto aos direitos pessoais, os créditos passavam a integrar o patrimônio do
pater familias, mas, segundo o ius civile, este não respondia pelos débitos contraídos pe-
los filii famílias ou pelos escravos. Com isso, tanto os credores quanto o pater famílias
eram prejudicados:
a) aqueles, porque osfilii familias, embora respondessem ciuiliter (civilmente) por
esses débitos, não dispunham, muitas vezes, enquanto estivessem na condição de jilius
familias, de patrimônio para fazer face ao pagamento; e, com relação aos escravos, por-
que estes, nessa hipótese, só se obrigavam naturaliter (isto é, somente surgia para o es-
cravo uma obrigação natural Insuscetível.portanto, de ser cobrada judicialmente); e
81 C.Th.VIII. 18,1.
82 C. VI, 61. 6. Note-se, porém, que esseusufiuto dava ao pater 'familias Poderes maisamplos do que os
decorrentes dô usufiuto convencional. ' I
DIREITO ROMANO 625
b) este, porque, diante desse estado de coisas, os terceiros se recusavam a celebrar
negócios jurídicos onerosos comjiliifamilias ou com escravo, não podendo ele, conse-
qüentemente, utilizá-Ios para esse fim. .
O pretor, porém, pôs termo a essa situação, concedendo aos credores dosfiliifami-
lias e dos escravos certas ações - denominadas pelos juristas medievais actiones adiecti-
ciae qualitatis - contra o próprio pater famílias.
Essas ações - que podiam ser intentadas contra o pater famílias para a cobrança de
débitos contraídos por seus escravos,jilii familias, pessoas in manu ou pessoas in manci-
pio - são as seguintes:
a) a actio de peculio et de in rem verso;
b) a actio tributaria;
c) a actio quod iussu;
d) a actio exercitaria; e
e) a actio institoria.
De origem pretoriana, todas elas eram actiones com transposição de sujeito (vide
n° 13.1, A): na intentio constava o nome da pessoa sob apotestas dopater familias (e, se
se tratasse de escravo, inseria-se na fórmula, ainda, uma ficção de liberdade); e, na con-
demnatio, o dopater familias.
Assim, por exemplo, na actio exercitaria a fórmulat' podia ser a seguinte:
Si paret Titium magistrum Aulo Agerio HS. X M dare oportere, iudex Numerium
Negidium exercitorem Aulo Agerio HS. X M. condemna, si non pare! absolue (Se ficar
provado que o capitão de navio, Tício, deve a Aulo Agério dez mil sestércios, juiz, con-
dena o armador Numério Negídio a pagar a Aulo Agério dez mil sestércios; caso contrá-
rio, absolve-o).
Quando a pessoa sob potestas, com base no pecúlio que recebera dopater familias,
contraía obrigação com terceiro, este podia intentar contra opater famílias a actio de pe-
culio aut de in rem verso,84respondendo Opater familias na proporção do que enriquece-
ra com a operação." ou, se não houvera enriquecimento, ou este fora parcial, até o valor
do ativo do pecúlio. 86 Em virtude disso, embora para a actio depeculio aut de in rem uer-
so.h~uves~e apenas uma fórmula, esta encerrava duas condemnationes, em face das quais
o JUIZ devia condenar opate~ familias pelo enriquecimento decorrente do débito da pes-
soa sob potestas, e, se não tivesse havido enriquecimento, ou se este houvesse sido par-
83
84
Cf. Keller, Der Rõmische Zivilprocess und die actionen; 4" ed., § 32, p. 125, Leipzig, 1871.
Palavras extraídas da frase de peculio deque eo quod in rem domini uersum est(sobre o pecúlio e sobre
aquilo que tiver revertido em proveito do dominus). Cf Du Caurroy, Institutes de Justinien nouvelle-
ment expliquées, 5" ed., n° 1.251, p. 425, Bruxelles, 1834.
Os romanos só consideravam que havia enriquecimento quando o proveito não se agregava ao pecúlio da
pessoa sobpotestas, mas ingressava no restmte do patrimôIiio do pater ftimilias, excluído o pecúlio.
O'pecúlio era levado ein conta como se encontrava no dia do julgamento; ojuiz avaliava o seu ativo,
deduzindo, para determíná-lo, as dívidas da pessoa sob potestas com relação eopater familias.
85
86
626 JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES
!
I
I
cial, pelo restante até o valor do ativo do pecúlio." Os romanistas discutem se era possí-
vel ao pretor conceder essa fórmula com ambas as condemnationes ou apenas com uma
delas," ou, ao contrário, se somente com as duas condemnationes. A maioria se inclina
pela primeira tese." Demais, quando houvesse vários credores, não se estabelecia con-
curso entre eles, mas vigorava o princípio occupantis est melior condicio, pelo qual o cre-
dor que primeiramente obtém a condenação (ad sententiam iudicis uenit) se satisfaz
integralmente, em detrimento dos outros credores.
Por outro lado, se a pessoa sob potestas, com o conhecimento dopaterfamilias mas
sem ser seu preposto, comerciasse com parte do pecúlio e se tomasse insolvente, o pretor,
a pedido de um dos credores, ordenava ao pater familias, mediante decretum, que distri-
buísse os bens do pecúlio destinados a esse comércio (as coisas necessárias a ele, e os cré-
ditos decorrentes das operações mercantis) entre os credores - inclusive o próprio pater
familias se tivesse qualquer crédito contra a pessoa sob potes tas -, na proporção de seus
créditos, como ocorre na falência moderna. Se opater familias, nessa distribuição, preju-
dicasse um dos credores, este dispunha contra ele da actio tributo ria, para obter o com-
plemento da quota que lhe era devida.
Nas hipóteses em que se podia intentar contra opater familias as ações exercitoria,
institoria e quod iussu, este, porque consentira em que a pessoa sob potestas se obrigasse
com o terceiro, respondia por todo o.débito - sua responsabilidade, portanto, era in soli-
dum.
A ação exercitoria era concedida quando, sendo opater familias armador de navio
(exercito r) e a pessoa sob potes tas capitão do barco (magister nauis), a obrigação era
contraída por esta em virtude de comércio marítimo.
A ação institoria era usada quando opater famílias colocava a pessoa sob potes tas
à frente do comércio terrestre, na qualidade de seu preposto (institor).90
A ação quod iussu - e essa denominação vem das duas primeiras palavras utilizadas
no edito - era intentada contra opater famílias quando este tinha autorizado (iussum, aí,
87 . Esse é o sistema exposto por Gaio ilnstitutas, IV, 74) e por Justiniano (Inst., IV, 7, 4); para o entendi-
mento divergente de Paulo e Ulpiano(D. XV, 3, 19), videOrtolan, Explication historique des Instituts
de /'empereur Justinien, livres III etIV des Instituis, l2a ed., n" 2.212, p. 684, Paris, 1883.
88 Assim, por exemplo, o credor poderia agir apenas de peculio, quando não tivesse havido enriqueci-
mento por parte do pater famílias.
89 Exposição das diferentes teses em Solazzi, Peculio e "in rem uerso" nel diritto romano, in Scritti di
Diritto Romano,!, p. 247 e segs., Napoli, .1955. Os autores mais antigos entendiam que havia duas
ações distintas (a actio de peculioe a actio de in rem uerso), o que entra em choque com QS textos, cita-
dos na nota n087 deste Capítulo, de Gaio e Justiniano (a propósito, vide Du Caurroy, ob. cit.in" 1251,
p.425).
90 Sobre as ações exercitaria e institoria, vide Pugliese, in Tema di "actio exercitoria ", in Scritti Giuri-
dici Seelti, 11 (Diritto Romano), pp. 505 a 542, Camerino, 1985; e Giannetto Longo, "Actio exercito-
ria. Actio institoria. Actio quasi institoria ", in Studi in Onore di Gaetano Seherilo, lI, pp. 581 a 626,
Miíano, s/data.
DIREITO ROMANO 621
significa autorização, consentimento, e não ordem) a pessoa sobpotestas a contrair obri-
gação com terceiro. 91
As ações exercitaria, institoria e quod iussu eram perpétuas; o mesmo ocorre com a
tributo ria e de peculio et de in rem verso, quando se agia de in rem verso, pois, se se agis-
se de peculio, ela prescrevia um ano útil depois do momento em que o pecúlio, sem frau-
de do paterfamilias (assim, por exemplo, quando a pessoa sob potestas falecia) deixara
de existir. '
No tempo de Justiniano." nas hipóteses - com exceção do caso em que se agisse de
peculio - em que se concediam as actiones adiecticiae qualitatis, o credor podia agir di-
retamente contra opater familias, com a condictio, como se a relação obrigacional tives-
se nascido pessoalmente entre ambos.
Resta, enfim, explicar o motivo da denominação actiones adiecticiae qualitatis.
Todas as pessoas sob potes tas obrigavam o pater familias, iure honorario (por força do
direito honorário), a responder pelos débitos anteriormente aludidos; mas, delas, os es-
cravos e as pessoas in mancipio só se obrigavam a si mesmos, com relação ao terceiro,
iure naturali (isto é, a obrigação do escravo ou pessoa inmancipio com terceiro era mera-
mente natural- obligatio naturalis), ao passo que os filii famílias se obrigavam com os
terceiros, iure ciuile (por força do ius ciuilei, embora, muitas vezes, enquanto na condi-
ção de alieni iuris, não dispusessem de patrimônio para fazer face ao pagamento do débi-
to. Ora, com referência às obrigações contraídas pelos filii farnilias, o credor podia es-
colher um dentre dois devedores: ofilius familias, iure ciuili (em virtude do ius ciuile);
ou o pater famílias, iure honorario (em decorrência do ius honorariums. Daí a denomi-
nação actiones adiecticiae qualitatis que os intérpretes do direito romano deram a essas
ações contra o pater familias.
278. Ingresso na família proprio iure pela sujeição à manus - A mulher, pela co-
nuentio in manumi" ingressava na família do marido, sujeitando-se àmanus (poder mari-
tal) deste, ou - se ele fosse alieni iuris - de seu pater familias .94
A conuentio in manum ocorria" por um dos três seguintes modos:
a) ~confarreatio: era uma cerimônia religiosa, com formalidades bastante comple-
xas, reahzada na presença do supremo sacerdote de Júpiter (o Flamen Dialisi, do Sumo
91
92
93
Pouco importava a forma de que se revestisse essa autorização.
Inst., IV, 1, 8.
Sobre a conuentio in manum, vide, entre outros, Kniep, Gai Institutionum Commentarius Primus, p.
174 e segs., Jena, 1911; Chamoun, Manus, p. 15 e segs., Rio de Janeiro, 1950; Bonfante, Corso di Di-
ritto Romano, I (Diritto di Famiglia), ristampa della I edizione, p. 51 e segs., Milano, 1963; e Volter-
ra, Nuove Ricerche sulla "conventum in manum", in Atti della Accademia Nazionale dei Lincei,
Classe di Scienzi Morali - Memorie, vol. XII, série 8a, pp. 251 a 355, Roma, 1966.
Como Bonfante demonstrou cabalmente (ob. cit., p. 67 e segs.), o titular da manus é o marido, se sui
iuris, mas, se alieni iuris, seu pater familias.
Gaio,Institutas, I, II O.
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628 JOSÉ CARLOS MOREIRA AL VES
Pontífice e de 10 testemunhas, na qual- em síntese - os noivos, simbolizando sua vonta-
de de viverem em comum, dividiam e comiam um bolo (opanis farreus - donde derivou
a denominação confarreatio), havendo a prolação de certas palavras solenes, e a obser-
vância de determinados ritos religiosos;
b) a coemptioi" era cerimônia em que, utilizando-se dos ritos da mancipatio, se ce-
lebrava uma venda fictícia, provavelmente (os textos não são claros a respeito )97 da mu-
lher, por si mesma, ao marido;" e
c) o usus: modo de aquisição da manus que se assemelhava ao usucapião (vide n" 154,
lU), pois o marido, pelo usus, adquiria a manus sobre amulher se vivesse em comum com
ela durante um ano inteiro; a mulher, porém, podia evitar a conuentio in manum pelo usus
se, durante o ano, se afastasse da casa do marido três noites consecutivas (era a usurpatio
trinoctii].
Desses modos de aquisição da manus - e os autores divergem, profundamente, so-
bre a ordem em que eles surgiram'" -, o primeiro a cair em desuso foi o usus, que, no tem-
po de Gaio (século 11d.C.),HJO já era simples reminiscência histórica; a confarreatio
persistiu mais tempo, possivelmente até a implantação do cristianismo como religião ofi-
cial do Império Romano; e a coemptio desaparece inteiramente no século IV d.e.
279. Os efeitos da conuentio in manum e a manus - A "conuentio tn manum" -
pela qual se adquiria a manus (poder marital) - produzia efeitos quant~ à pessoa da mu-
lher e quanto aos seus bens.
Quanto à pessoa da mulher, eram esses efeitos os seguintes:
a) a mulher ingressa na família do marido in loco jiliae (como se fosse filha dele, e
conseqüentemente, com relação aos seus próprios filhos, é considerada como irmã deles
- in loco sororis)/Ol tomando-se, assim, para todos os efeitos, sua parenta agnada; em
96 Como salienta Galo (Institutas, I, 114), havia duas espécies de coemptio: a coemptio matrimonii causa
(que era associada ao casamento) e a coemptio fiduciae causa (que, em virtude de pactumfiduciae, era uti-
lizada para que se atingissem indiretamente fins não permitidos pelo rigor do jus civile, que não estava
mais de acordo com a evolução social). Os fins, a que se visava com a coemptio fiduciae causa, eram:
a) permitir a mulher que mudasse de tutor (a denominada coemptio tutelae euitandae causa) (vide
n" 301);
b) permitirà ingênua que fizesse testamento (coemptio testamentifaciendi causa) (viden° 315, A); e
c) permitir à mulher- herdeira ou legatária-livrar-se do encargo de continuar o culto doméstico (sa-
cra priuata) do de cuius (coemptio sacrorum interimendorum causa).
97 Sobre a Coemptio, vide Düll, Studien zur Manusehe, 'ln Festschriftfiir Leopold Wenger, erster Band,
p. 211 e segs., München, 1944; e Falchi, Osservasioni sulla natura della "coemptio matrimonii cau-
sa" nel diritto preclassico, in Studia et Documenta Historiae et Iuris, voI. 50 (1984), p. 355 a 382.
98 Sobre as diferentes inteIpretações (e reconstitnições de textos) a respeito da. coemptio, vide Bonfante,
ob. cit., p. 62 e segs,
99 Vide,a propósito, Lévy-Brubl, Nouvelles Études sur les TrêsAncien Droit Romain, p. 63 e segs.
100 Cf. Gaio, .ln.mtutas, I, 111.
101 Sobre a condição do filho nascido antes de ocorrer o usus (uma das formas de conventio in manum),
pelo decurso de um ano sem a usurpatio trinoctii, vide Lévy-Bruhl, La condition des enfantes nés
avant Iafonntllion de /e manus, in IVRA, VII (1956), p. 120 e segs. '
DIREITOROMANO 629
virtude disso, ela se desvincula da família de origem, deixando de ser agnada, também
para todos os efeitos, dos membros desta, embora continue cognada deles (e isso porque
o parentesc~ consangüíneo não se extingue com a conuentio in manum);
b)assun sendo, a mulher sofre uma capitis deminutio mínima: se é sui iuris, tor-
na-se alieni iuris; se alieni iuris, continua a sê-lo, porém na família do marido;
c) o marido (ou seu pater famílias) adquire a manus, passando a ter sobre a mulher
poderes semelhantes aos que possui com relação aos seus jilii famílias: 102
1 - ~ ~us uitae et necis (direito de vida e de morte): segundo parece, omarido (ou o
pater famllzas dele) para exercer o ius uitae et necis devia ouvir o tribunal domesticus de
que participavam, também, os parentes cognados da mulher, até o sexto grau; ,
. 2 -~ ius uendendi (direito de vender): como salienta Gaio,103a mulher in manu po-
dia ser objeto de mancipatio (mas, segundo parece, só nas hipóteses de venda fictícia e
não de venda efetiva);I04 e '
3 - o ius noxae dandi: a mulher in manu - e a informação também é de GaiO/05 - podia
sofrer ~ abandono ~oxa1,por parte do marido (ou, se fosse o caso, de seu pater familias).
Ja com relaçao aos bens da mulher, os efeitos eram estes:
a) se a mulher é sui iuris, todos os seus bens - exceto os direitos que se extinguem
com a cap'itis deminutio. m!n~ma de seu titular, como, por exemplo, o usufruto e o uso _
p~s~am a rntegrar o patnT?-0modo seu novopater familias, verificando-se, pois, uma das
hlpo~ese~de .s~cessao umversal inter uiuos; por outro lado, como ocorria com a capitis
demz'!utzo ,,!zmma da mulher, seus débitos, para o ius ciuile, se extinguiam, mas o pretor,
pa:a I:upedir que se~ credores fossem prejudicados, concedia-lhes uma actio utilis (em
cuja formula se contrnha a ficção da não ocorrência da conuentio in manum) contra a mu-
lher, e, se ela fosse condenada, seus bens seriam objeto de execução;
b) se a mulher é alieni iuris, não possui bens, e, conseqüentemente nada transmite
ao novo pater 'familias; é certo, porém, que - como veremos no n° 293 a:'- ela pode trazer
dote para o marido.
Po~outro lado, ~ ~emelhan~a.do que o~orria com ofilius famílias, tudo aquilo que a
n:ulher tn ~an~ adqumsse, a~quma para o titular damanus (o marido ou seupater fami-
lzas~; de~als, tinh~ ~la capacidade para obrigar-se pelos delitos que cometesse, mas não
podia obrigar-se CIVIlmente.
Éprovável, enfim, como se verifica de um texto de Plauto, I06 que a mulher in manu
pudesse ter pecúlio.
102 ~ssa é a opinião dominante. Gide (ÉIude sur Ia condition privée de Iafomme,2" ed., p. 118 e segs., Pa-
us, 1885), no entanto, entende que a manus não atribuía direitos sobre a pessoa da mulher, mas apenas
sobre seus bens.
Institutas, I, ll7 e 118.
Cf. :uchta, Cursus der Institutionem, Driuer Band, 4" ed., n° 285, p. 160 e segs., l.eipzig, 1857.
Instiuaas, N, 80.
Casina, Il, 2, 28 e 29 (ed. Lindsay, OxfOId, 1955). Vide, também, Padelletti-Cogliolo, Storia del Dirit-
to Romano, T' ed, p. 175, nota c, Firenze, 1886.
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630 JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES
280. A extinção da patria potestas - O pátrio poder ao contrário do que ocorria na
Grécia e sucede nos tempos modernos, era, por via de regra, potes tas vitalícia do pater
familias. Assim, qualquer que fosse a idade dosfili~familias, esta:am eles sujeitos ao pa-
ter familias: o direito romano não conheceu o instituto da maioridade, .
Em certos casos - além, obviamente, da morte ou da capitis deminutio sofnda pelos
fi/h famílias -, a patria potestas se extinguia. São causas de extinção da patria potestas
'(cujo número foi aumentado no decurso do tempo) as seguintes:
a) a morte do pater famílias: morto opaterfamilias, seus filhose filhas 107se tornam
pessoas sui iuris, sendo que os filhos (as filhas não, poi~,. como salien~amo~no n° 85, elas
não podem ser patres familias) vão formar tantas famílias - das qU~IS serao s~us patres
familias - quantos são eles; 108por outro lado, os netos e netas, .os bisnetos e bIsnet~s do
pater familias morto só se tomarão pessoas sui iuris se seus paiS (ou, no caso dos. bisne-
tos, pais e avôs) já tiverem anteriormente, morrido ou sido excluídos da família (por
emancipação, por exemplo), e isso porque ~a pessoa só .se toma s.ui ~~~is quando não
tem, dentro da família, ascendentes masculinos a que esteja submetida,
b) a perda, pelo pater famílias, da liberdade ou da cidadania: apatria potestas não
pode ser exercida pelo escravo (que não tem sequer pe:so.nalid~de)uridic~), 1l0~em pelo
estrangeiro (é ela ius proprium ciuium romanorum - direito propno dos cidadãos roma-
nos);'!'
c) em certos casos de indignidade cometida pelo pater familias, e taxativamente esta-
belecidos no direito objetivo: nos direitos pós-clássico e justinianeu, perde a patria potestas
(e segundo parece, o filho não sofre capitis deminutio minimai o pai que expõe sua prole,lll, 113" 114
ou que abandona sua filha à prostituição, ou que contrai casamento mcestuoso~
d) o acesso dos filii familias a certas dignidades: no direito clássico, extmgue-se a
patria potes tas sobre os filii famílias que têm acesso à dignidade de Flamen Dialis (sa-
I
107 Conjectura-se que, primitivamente, as filhas, morto o pater familias, continuavam na condição de
pessoas alieni iwis, sob o poder dos agnados, ou (na ausência destes) dos gentiZes. Com o tempo, po-
rém, a mulher, nessa hipótese, passou a ser sui iuris, embora sujeita à tutela legítima de seus agnados,
ou - na falta destes - dos gentiles.
108 Cf. D. L, 16,195,2.
109 Vide,a propó.Gaio,Institutas, 1,127. .
110 Se, porém, opaIlI!1r/amiliasse toma escravo por ter sido aprisionado pelo inimigo (capti~itas): apatna
potestas não seperde, mas se suspende: se o pai recupera a lí?erdade, e reto.m~, rea~quIT~-a IpSOl~re,
em decorrênciampostiiminium. Na hipótese, porém, de o par morrer no cativeiro, discutia-se, na epo-
ca de Gaio (Insfãttls, 1,129), se o filho se tomavasui iuris quando aquele caíra prisioneiro, ou quando
morrera. SeguudiJparece (vide, a propósito, Bonfante, Corso di Diritto Romano, 1- Diritto di Fami-
glia, reimpressiilt, p. 179, Milano, 1963), a solução que prevaleceu foi a primeira. .
111 Não sofre capim deminutio minima o filius familias que se liberta da patria potestas em virtude de
morte, perdadeJiberdade ou de cidadania do pater familias.
112 C. VIll, 51 (~2, 1.
113 C. XI, 41 (40)"fí.
114 Nov. XII, Cap.2.
DIREITO ROMANO 631
cerdote de Júpiter), ou à de vestal." no direito justinianeu, essa extinção ocorre com o
acesso dos filii familias ao patriciado, 116à posição de bispo, de cônsul e de outras funções
públicas+'" e
e) a emancipação: é o ato pelo qual o paterfamilias liberta ofilius familias (ou afi-
lia familiasi do seu pátrio poder, tomando-se o emancipado pessoa sui iuris. Anterior-
mente à Lei das XII Tábuas, não se admitia a emancipação; ela só foi possível- como já
salientamos ao tratar da adoção (vide n° 276, B) - graças a expediente imaginado pelos
juristas romanos com base na interpretação do princípio, constante da Lei das XII Tábu-
'as, llX de que, se o pai vendesse o filho três vezes, por ocasião da terceira venda o filho fi-
caria livre do pátrio poder. Esse dispositivo, que se destinava a diminuir os poderes
absolutos do pater familias, foi utilizado pelos jurisconsultos romanos para possibilitar
ao pai a emancipação do filho, por três mancipationes (vendas solenes) fictícias, como
descrevemos no n° 277, B. Quanto às filhas, netos, netas, bisnetos, bisnetas -já que a Lei
das XII Tábuas exigia as três vendas solenes apenas para °filius (filho) -, bastava, para a
emancipação uma só mancipatio. Assim, realizadas as três vendas (ou, se fosse o caso,
apenas uma), o filius famílias ficava livre do pátrio poder, mas se tomava pessoa in man-
cipio (vide n° 86, B) do adquirente. Podia, então, ocorrer uma de duas situações: ou o ad-
quirente, por meio da manumissio uindicta (vide n° 83, D, 1, a), libertava o filho
emancipado, tomando-se, em conseqüência, seu patrono (até com os direitos sucessórios
daí decorrentes); ou o remancipava (o revendia solenemente) ao seu antigo pater famili-
as,que, recebendo o filho emancipado como pessoa in mancipio, o manumitia vindicta,
passando, assim, a ser patrono dele. Esse formalismo somente foi posto de lado pelo im-
perador Anastácio, ao estabelecer, em 502 d.e., que, a pedido do pater familias e com o
consentimento do filius famílias (ou jilia famílias), podia emancipar-se este, embora
não-presente, por rescrito do príncipe, o qual se depositava nos arquivos públicos.l'" a
essa emancipação denomina-se emancipação anastasiana. Ainda no direito pós-clássico,
na parte oriental do Império Romano, se realizava, segundo parece,120 a emancipação
mediante simples declaração escrita do pai diante do magistrado competente: é o que, em
grego, se chama apoceryxis (abdicatio, em latímj.!" No tempo de Justiniano, a antiga
115 Gaio,Institutas, I, 130, e m, 114; Aulo Gélio, Noctes Atticae, I, 12,9.
116 Inst., 1, 12, 4.
117 X C X, 32 (31), 67 (66); e Nov. LXXXI, Capom.
118 Tábua IV, 2 b (ed. Riccobono).
119 C. VIII, 48 (49), 5.
120 Nesse sentido, Cuq. Manuel des Institutions Juridiques des Romains, 23 ed., p. 152, nota 9;Düll, Iudi-
cium domesticum, abdicatio und apoceryxis, in Zeitschrift der Savigny-Stiftungfiir Rechtsgeschichte,
Rômanistische Abteilung, LXII, p. 106 e segs.; e Kaser, Das Rõmisches Privatrecht, fi, §228, p. 151,
München, 1959.
121 A apoceryxis (abdicatio) era o ato pelo qual o pai expulsava da família o filho indigno de pertencer a
ela. Instituto do direito grego, sempre foi repudiado pelo direito romano. A propósito, vide, para por-
menores, Perozzi, Istituzioni di Diritto Romano, I, 23 ed. - reintegrazione 1949 -, § 54, p.455, nota 2;
Emilio Costa, Storia del Diritto Romano Privato, 2" ed., p. 99 e segs., TOMO, 1925; eDüll, Iudicium
domesticum, abdicatio und apoceryxis in Zeitschrift der Savigny-Stifungfúr Rechtsgeschichte, Rõma-
nistische Abteilung, LXII, p. 71 e segs. Consulte-se, também, o C. VIll,45 (46),6,
632 JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES
fonua de emancipar foi abolida, mas, além da emancipação anastasiana, que subsiste,
permitiu-se que opater familias emancipasse ojilius familias (ou ajiliafamilias), com o
consentimento deste, mediante declaração ao magistrado competente, devidamente re-
gistrada nos arquivos públicos. Note-se, ainda, que, nas duas formas de emancipar exis-
tentes no direito justinianeu, o pater familias, embora não mais seja patrono do
emancipado (pois não há mais mancipationes, nem manumissão), conserva o direito de
ser seu tutor, e de lhe herdar os bens; por outro lado - e, ao contrário do que ocorria ante-
riormente, quando o emancipado saía de sua família de origem, perdendo todos os seus
direitos nela, inclusive o sucessório -, no direito justinianeu, a emancipação apenas liber-
ta o jilius familias da patria potestas, não acarretando para o emancipado a perda dos
seus direitos sucessórios com relação ao antigo pater familias ou aos outros membros da
família de origem, razão por que, em certos casos, o pater famílias pode ser obrigado a
emancipar o filho, no interesse deste.
281. A extinção da manus - A manus podia extinguir-se por modos:
a} diretos - por meio da remancipatio ou da difarreatio; e
b) indiretos - em virtude da morte, da capitis deminutio maxima ou da capitis demi-
nutio media do marido (se fosse sui iuris) ou da mulher.
Como salientamos adiante (yide n" 286), a manus é independente .do casamento.
Portanto, embora nos textos romanos não haja referência direta a essa conseqüência, é de
supor-se que o divórcio dissolvesse o matrimônio, mas não extinguisse a manus, o que só
ocorria quando se verificasse um desses modos direitos ou indiretos:
Analisemo-Ios,
A)Modos diretos de extinção da "manus"
A remancipatio, segundo tudo indica, 122 apenas extinguia a manus que fora obtida
pela coemptio ou pelo usus. Assim corno a emancipação, a remancipatio resultou do pre-
ceito da Lei das XII Tábuas segundo o qual o pai que vendesse solenemente o filho três
vezes perdia apatria potestas. Ora, como a mulher in manu estava in loco jiliae do mari-
do, este (se fosse sui iuris; se alieni iuris, seupater familias) mancipavaproforma, uma
vez - o que, como já acentuamos anteriormente, era o bastante para libertar a filha do po-
der paterno -, a mulher a um amigo, libertando-se ela, assim, da manus, passando a ser
pessoa inmancipio do adquirente, que, por sua vez, e isso em virtude de umpactum fidu-
ciae prévio, ou amanumitia vindicta (caso em que se tomava patrono da mulher), ou a re-
mancipava - o que geralmente devia suceder, como o demonstra a expressão reman-
cipatio - ao marido (ou a seu pater familias, se ele fosse alieni iuris), com o que ela não
recaía sob suamanus mas se tomava pessoa in mancipio; em seguida, o marido (ou, se
fosse o caso, seu pater familias) a manumitia vindicta, passando a ser, assim, patrono da
mulher.
122 A respeito, vide Rem, Das Rõmisches Privatrechtund derZivilprozess, Ia ed., p. 210, Leipzig, 1836.
DIREITO ROMANO 633
A difarreatio era o modo direto de extinção da manus obtida pela confarreatior"
Tendo em vista que, por meio da confarreatio, a manus se adquiria mediante cerimônia
religiosa pela qual a mulher ingressava no culto da família do marido, era preciso que,
por cerimônia inversa (por isso, a denominação difarreatio), ela daí fosse excluída, ex-
tinguindo-se dessa forma a manus.
B) Modos indiretos de extinção da "manus "
Por via indireta, a morte do marido (se sui iuris) ou da mulher, além de dissolver o
casamento, extingue a manus. Se, no entanto, o marido fosse alieni iuris, sua morte rom-
pia o matrimônio, mas a mulher continuava in manu do pater familias dele.
Demais, e ainda por modo indireto, a manus se extinguia quando o marido (se sui
iuris), ou a mulher, sofresse capitis deminutio maxima ou media. Entretanto, se o marido
fosse alieni iuris, a mulher continuava sob amanus dopater familias dele. Além disso, se
a capitis deminutio maxima ocorresse por captura do marido (se sui iuris) pelo inimigo, o
casamento se dissolvia, mas a manus ficava em suspenso, readquirindo-a o esposo, em
virtude dopostiliminium, se conseguisse escapar e retomar.
123 Sobre a controvérsia acerca do texto de Dionisio de Halicarnasso (Romanarum Antiquiiatum quae su-
persunt, n, 25) que dá a entender que a confarreatia em indisso1úvel, vide Chamoun, Manus, p. 59 e
segs., Rio de Janeiro, 1950.

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