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CAPÍTULO II ESPAÇO E PERSPECTIVA NO QUATTROCENTO A perspectiva linear parece-nos hoje um instrumento matemático de fácil manejo. E a idéia de que as linhas paralelas possam se encontrar "no infinito" praticamente dispensa explicações ... Mas não foi sempre assim; muitas etapas foram necessárias para que, pouco a pouco, uma geometrização coerente da representação espacialfosse assegurada, com base em princípios enunciados claramente. Foi em Florença, no início do século XV (o Quattrocento) que pintores e arquitetos formularam a primeira teorização da perspectiva, teorização que teria mais tarde inúmeras repercussões sobre o pensamento cientifico. Ela não só tomava possível a geometria projetiva, como "preparava" o conceito de espaço sobre o qual se apoiaria a mecânica clássica. A geometrização do espaço deve ser compreendida do ponto de vista histórico, em relação a um contexto sócio-cultural extremamente rico. PC-WIN7-SALA-09 Carimbo 58 DE ARQUIMEDES A E!NSTEIN Todas as histórias da arte ocidental parecem concordar quanto -a um ponto: em Florença, nas primeiras décadas do século XV, as técnicas de representação do espaço sofreram uma mutação absolutamente notável. Graças, em particular, aos novos métodos da perspectiva linear, os artistas tomaram-se capazes de dar .. profundidade" a seus afrescos e baixos-relevos. Para defmir a natureza dessa inovação, o historiador da arte Erwin Panofsky utilizou uma comparação que se tomou clássica. As obras tipicamente medievais - explica - nos oferecem um espa- ço-agregado, isto é, um espaço onde os objetos se justapõem sem que suas relações espaciaffi sejam levadas em conta (ilust. p.60). Os floren- tinos do século XV, por sua vez, criaram um espaço-sistema, no qual os objetos se relacionam segundo situações precisas e se organizam de maneira ordenada e unitária. Ainda hoje essa concepção nos é familiar: -o espaço é uma espécie de receptáculo transparente, que se pode carac- terizar como tridimensional, homogêneo, isótropo e infinito. Para repre- sentá-lo corretamente, convém recorrer à .. geometria", ao estudo das .. proporções", ao cálculo das .. dimensões aparentes". É esta, em resumo, a contribuição dos arquitetos e pintores florentinos, contribuição que foi a partir daí detalhada, teorizada e explorada de várias formas, em particular no domínio da ciência. A ARTE COMO PREPARAÇÃO PARA A CIÊNCIA Às vezes nossa memória é curta: para que as brilhantes teorias de Galileus e Newtons pudessem se desenvolver, as noções de tempo e espaço já deviam ter adquirido um certo rigor. Só sob esta condição tomava-se possível uma física ao mesmo tempo matemática e experi- mental. É claro que filósofos e homens de ciência participaram da elaboração desses conceitos fundamentais. Mas a tarefa já lhes fora enormemente facilitada pelos artistas. Como veremos, foram estes que elaboraram-concretamente a noção .. moderna" de espaço, desenvolven- do certas técnicas de representação. Fig .9 Foi por volta de 1425 que Tommaso di Giovanni Guidi, o Masaccio, pintou sobre uma parede da igreja de Santa Maria Novella de Florença a sua Trindade. Obra essencial para a história da perspectiva, pois os historiadores admitem que, pela primeira vez, um pintor renascentista usava de modo consciente e sistemático a perspectiva linear (na escultura, Dona te li o é considerado o iniciador). Nela há um -- ESPAÇO E PERSPECTIVA NO QUATTROCENTO 59 ponto de fuga único, situado no meio da linha do horizonte; esta, conforme os cânonas ideais encontra-se aproximadamente no nível dos olhos de um observa- dor de pé dia~te do afresco. Leon Battista Alberti, uma década depois (1435). explicitará esse método para os pintores.(Giraudon) 60 D E ARQUIMEDES A ErNSTEIN Estudar o nascimento de uma nova organização espacial é, portanto, fazer história da arte; mas é também indagar sobre as origens de uma nova maneira de perceber e de conceber a natureza, ou seja, sobre um momento essencial na pré-história da física clássica. Pintores, esculto- res e arquitetos operaram de fato uma espécie de revolução silenciosa ao imaginar e representar um espaço homogêneo e, depois, ao geome~ trizá-lo. Para Aristóteles, havia o centro absoluto do mundo e ~lugares" diferenciados, para os quais tendiam respectivamente o elemento terra, o elemento fogo etc. O novo espaço, ao contrário, não é mais qualitativo e heterogêneo: ele é sem limites e dotado de unidade; anterior aos Fig.1 O ~sta jlumi~ura,. da Alta Idade Média, é um bom exemplo da concepção de espaço a ~ual o histonador da a~e Erwin Panofsky denominou de espaço agrega- do. Os obj~tos e as pessoas estao justapostos sobre um plano, sem que o artista procure cnar de modo metódico a ilusão de profundidade ou se preocupe em relacionar as grandezas aparentes. Não só "o ar não circula", mas também 0 castelo parece muito pequeno, e esquematizado de maneira bem pouco "realista". o_s tamanhos dos diversos personagens nada devem à perspectiva geométrica: sao determinados pelo status social. Um senhor feudal é, por natureza, maior que um pedrei~o .. . No fim da Idade Média, o desejo de representar o espaço "profundo" e verdadeiramente tridimensional se manifestará gradativamente.(Chantilly, Museu Condé) ESPAÇO E PERSPECTIVA NO QUATTROCENTO 61 objetos que nele encontrarão lugar. Como declara Pomponius Gauricus no início do século XVI, ao tratar da perspectiva: ~a lugar, existindo antes do corpo que nele é colocado, deve ser necessariamente desenha- do primeiro." Trata-se do ponto de vista de um pintor; mas encontramos o equi- valente em Galileu. Pois este, segundo certos testemunhos, teve primei- ro vontade de se dedicar à pintura mais do que à física ... Ele se interessava muito por essa arte e pelo problema da representação da profundidade. Colocando a escultura em lugar secundário, escreveu, por exemplo, o seguinte: ~A imitação mais artística é a que repre- senta a tridimei!Sionalidade em seu oposto, que é a superfície pla- na."1 Hoje, em virtude de uma rígida divisão de trabalho, a história da arte e a história das ciências caminham quase sempre separadas. Mas a geometrização do espaço efetuada do século XIV ao século XVII pertence a ambas. Uma armadilha, contudo, deve ser evitada. A expressão ~geometri zação do espaço", de fato, evoca especialmente a perspectiva, e poderia levar a crer que a nova concepção do espaço se reduzia a uma inovação puramente matemática, à invenção do ~ponto de fuga" (onde as parale- las se unem po infinito). Do ponto de vista da história sócio-cultural, esta é uma interpretação muito estreita. A técnica e a teoria da perspec- tiva linear certamente têm grande importância (e uma parte deste estudo lhes será consagrada). Mas é essencial ver que, por trás dos raciocínios matemáticos, havia alguma coisa mais espontânea e mais intuitiva: uma nova maneira de olhar o mundo, de -sentir" sua organização, de imaginar suas estruturas. Se as questões puramente geométricas se revestiram de tanta importância, foi em função de preocupações extremamente variadas, que iam da estética e da óptica à artilharia e à teologia ... Pierre Francãstel, historiador e sociólogo da arte, assinalou com ênfase: o Renascimento não descobriu de uma vez por todas o espaço absoluto tal como elf .existe em si e por toda a eternidade ... É melhor dizer que inventou uma certa ordem espacial aproveitando uma série de experiências de caráter social e cultural. Foi ~a própria natureza do espaço humano" que se transformou.2 E, portanto, não se trata simples- mente do surgimento de uma teoria (no sentido intelectual do termo), mas de um episódio do domínio da antropologia cultural. Concretamen- te, isso quer dizer que é preciso tentar entender como um conjunto complexo de tradições e mudanças históricas favoreceuo nascimento de um novo -sentido espacial". Cada civilização, de fato, criou seu 62 DE ARQUIMEDES A EINSTEIN próprio sistema de percepção e de representação; qualquer pessoa que tenha contemplado algumas obras da pintura chinesa clássica, por exemplo, percebe muito bem que o espaço ali é diferente, tributário de uma outra .. visão do mundo". São essas as diferenças, às vezes difíceis de definir com palavras, que seria preciso explicar. Do TRECENTO AO QUATTROCENTO: ALGUMAS PISTAS Examinemos primeiro alguns pontos de referência cronológicos. Os especialistas são quase sempre unânimes em reconhecer que o pintor Giotto (1267-1337) ocupa um lugar importante na pré-história do espa- ço '"moderno". Ele não usou a perspectiva de modo sistemático, mas nas Núpcias de Canaã (1304-1306) o efeito de profundidade é evidente (ilust. p. 63). Contudo, por mais notáveis que sejam os .. precursores" do século XIV, é preciso esperar o início do século XV para que as pesquisas sobre perspectiva se tomem precisas e metódicas. É em 1425, ou logo depois, que se produz em Florença um acontecimento duplo e decisivo. Em primeiro lugar, Brunelleschi (1377-1446) se entrega a verdadei- ras "experiências" ópticas. Ele não era pintor, mas ourives, escultor e arquiteto; um dos seus maiores títulos de glória foi ter construído a catedral de Florença, Santa Maria del Fiore. Querendo mostrar que era possível criar sobre uma superfície plana a ilusão da profundidade, fez dois painéis representando respectivamente o batistério e apiazza delta Signoria, duas paisagens familiares aos florentinos. Essas obras se perderam. Mas houve historiadores que tentaram reconstruí-las; e acre- dita-se que Brunelleschi, para produzir seus efeitos de perspectiva, teria utilizado recursos de desenho arquitetônico. Uma das suas idéias essen- ciais era que o pintor devia manter uma posição fixa em relação aos objetos a serem reproduzidos. Era a partir de um .. ponto de vista" perfeitamente defmido que se poderia construir geometricamente a ilusão da terceira dimensão; e, para observar o quadro assim obtido, devia-se, evidentemente, considerar esse "ponto de vista" privilegiado. Brunelleschi chegou até a utilizar um dispositivo curioso mas não muito complicado: o espectador tinha que olhar por trás do painel pintado, no qual havia um furo, e apreciá-lo por meio de um espelho (ilust. p. 64). Em segundo lugar, sempre por volta de 1425, Masaccio pintou, na igreja de Santa Maria Novella de Florença, um afresco - a Trindade - que é considerado como a primeira aplicação rigorosa do .. ponto de ESPAÇO E PERSPECTIVA NO QUATTROCENTO 63 Fig.11 Giotto (1267-1337) é freqüentemente considerado um dos principais inicia- dores de uma nova concepção do espaço pictórico. Esse afresco da capela Scrovegni, de Pádua; pintado em 1304-1306, representa as Núpcias de Canaã. A mesa e sobretudo a paisagem arquitetônica criqm a nítida impressão de profundi- dade, graças ao desenho e aos efeitos de luz e sombra. Mesmo nesta obra, na qual a busca da ilusao espacial é particularmente nítida, Giotto não seguiu um método geométrico estrito. Torna-se, porém, manifesto que o pintor tem algum "sentido do espaço". (Giraudon.) I , fuga". Por causa mesmo do conteúdo da obra, que representa um nicho bastante profundo; o efeito de relevo é muito acentuado. É bem possível que Masaccio tenha aproveitado os conselhos de Brunelleschi, seu antecessor. Um pouco mais tarde, em um afresco que ornamenta a igreja de Santa Maria della Carmine de Florença, ele utiliza a perspectiva de maneira mais sóbria, mas com menor eficácia (ilust. p. 65). 64 DE ARQUIMEDES A EINSTEIN ALBERTI, PRIMEIRO TEÓRICO DA PERSPECTIVA É bom lembrar que a palavra -perspectiva" designava, na Idade Média, a ciência da óptica (perspectiva communis). Depois, no Quattrocento, acabou servindo para indicar mais precisamente o conjunto de especu- lações e técnicas referentes à representação racional do espaço (pers- pectiva artijicialis). Um homem ocupa lugar central nessa evolução: Leoii Battista Alberti (1404-1472). Há nisso um certo paradoxo, pois não existe, escrita por sua mão, a palavra prospettiva ... Mas, se o termo está ausente, os princípios fundamentais são, por sua vez, claramente definidos e justificados. Brunelleschi e Masaccio, artífices antes de tudo, não deixaram escritos que explicassem seus métodos. Alberti preenche essa. lacuna escrevendo em 1435 seu tratado Sobre a pintura . . Ele era padre e fora sucessivamente secretário de um cardeal e titular de um posto na corte pontifícia. À primeira vista, tal carreira não parece conduzir à prática das artes e da perspectiva ... Mas Alberli, além de ter Fig.12. Este esquema permite apreender o princípio das "experi- mentações ópticas" realizadas por Brunelleschi em Florença, por volta de 1425. Ao mesmo tempo artista e engenheiro, conhecido principalmen- te por suas obras arquitetônicas, ele queria mostrar que era possível pin- tar, ·segundo um método, painéis que davam a ilusão de profundidade es- pacial. l:Jm dos dois painéis que pin- tou (e que hoje não existem mais) representava o batistério de Florença observado a partir da entrada da ca- tedral. Brunelleschi certamente lan- çou mão de recursos do desenho arquitetônico para "racionalizar" a elaboração de suas paisagens expe- rimentais. Para apreciá-las, devia-se utilizar um espelho e, por trás do painel, olhar através de um buraco feito nele. O céu podia também se refletir no espelho, o que aumentava o efeito "realista': (desenho a partir de Samuel Edgerton) ESPAÇO E PERSPECTIVA NO QUATTROCENTO 65 uma vasta cultura, interessava-se por numerosas questões de ordem prática e tinha experiência como artista -engenheiro. Sem ser propriamente um arquiteto ou um mestre-de-obras, dirigiu a construção de diversos edifícios (igrejas e palácios). Pode-se portanto considerá-lo como um personagem articulador, responsável pela ligação entre a prática e a teoria. O tratado Sobre a pintura era essencialmente didático e apresentava aos pintores uma concepção absolutamente genérica sobre sua arte. A perspectiva, contudo, nele ocupava um lugar importante. A exposição Fig.13 O Pagamento do tributo, que Masaccio pintou por volta de 1427 na igreja de Santa Maria della Carmine de Florença, é uma das grandes obras em que se concretiza a nova representação do espaço. A linha do horizonte está colocada no nível dos olhos dos personagens; o ponto de fuga, no afresco, situa-se atrás da cabeça de Cristo. Esta organização não só assegura a coerência da cena, como também reforça sua "mensagem" espiritual. Pois esta geometrização do espaço óptico, de acordo com uma longa tradição, tem um significado religioso. No século XIII, vários teólogos afirmavam o caráter privilegiado da luz: por um lado, ela é uma das mais puras criações de Deus, por outro, evoca a maneira pela qual a Graça divina se propaga no mundo. Mesmo no Renascimento, esta sensibilidade às conotações espirituais da óptica ainda era muito viva.(Scala) 66 DE ARQUIMEDES A E!NSTEIN é concebida expressamente dentro de um espírito matemático e se baseia em conhecimentos sólidos de geometria e óptica: é pela análise dos triângulos e outras figuras formadas pelos raios visuais que convém estudar a representação do espaço. Mas Alberti se preocupa em assinalar que se expressa na linguagem dos pintores e não na dos matemáticos. Quando Brunelleschi representou o batistério de Florença, ele se colocou no eixo da porta da catedral, um pouco para dentro dela. As bordas do portal constituíam assim uma espécie de moldura, através da qual observava a paisagem reproduzida. Alberti retoma e elabora esta idéia que será fundamental para a pintura clássica: daqui para diante será preciso conceber o quadro ou o afresco comoa transcrição das formas observadas através de "uma janela aberta". Mais precisamente, essas formas são o objeto de uma projeção sobre o plano ideal definido pelas bordas da "janela". Daí a defmição: "O quadro é uma interseção plana da pirâmide visual." A base dessa pirâmide é a moldura da "janela" e seu vértice é o olho do pintor. A perspectiva lhe ~o~ece, e~ particular, os meios para "geometrizar" corretamente as projeçoes mats importantes das linhas retas (verticais, ortogonais ao plano do quadro etc.). O apelo à construção teórica, na verdade, não é indispensável. Porque, como explica Alberti, é possível recorrer a uma tela muito fina e quadriculada de forma regular ("velo") para reproduzir empiricamente os contornos observados. Basta marcar por leitura direta as posições de alguns pontos fundamentais sobre esse quadriculado que é colocado sobre a "janela". Métodos semelhantes foram utilizados com freqüên- cia. Dürer, em um tratado escrito em 1525, indicou, por exemplo, que é possível utilizar-um fio tensionado e munido de .um visor, uma haste vertical com um óculo na extremidade etc. (ilust. p. 72). Mas esse empirismo não parece suficiente para Alberti. As estruturas espaciais do quadro devem ser controladas, embora muitas vezes seja difícil fazer isso (a simples projeção de um círculo constitui um problema teórico delicado!). Além disso, para representar paisagens e cenas imaginárias, a perspedlva teórica é necessária. Em suma, o ideal é chegar a uma geometrização perfeita. Em seu tratado, Alberti não definiu explicitamente o estatuto do "ponto de fuga" (que ele chama de "'ponto central"). Trata-se de uma ficção matemática, de um ~ponto" que tem realidade fís~ca~ de ~n:! símbolo do infinito? Como observa Samuel Edgerton, Albertr nao o drz. Isso não significa que seja incapaz de abordar o assunto. Mas deve-se notar que a idéia de paralelas "'se encontrando no infinito" não é tão simples. O próprio Leonardo da Vinci, no fmal do século XV, dará um ESPAÇO E PERSPECflVA NO QUATfROCENTO 67 testemunho dessa dificuldade: ~a olho entre duas linhas paralel(l$ não as verá nunca a uma distância bastante grande para que elas se encontrem em um ponto ... "4 Como observa L. Brion-Guerry, ~será preciso esperar Kepler para que a convergência das paralelas em um ponto no infinito seja reconhecida, e mais ainda Descartes, para que isso seja explicitamente analisado':-5 Para os pintores, essas lacunas não constituíam um obstáculo; a prática do ~ponto de fuga", em todo caso, precedeu a teoria! UM PRIMEIRO SISTEMA DE COORDENADAS: O QUADRICULADO Muitos autores, nas décadas seguintes, redigiram tratados de perspecti- va (nos quais propunham às vezes métodos um pouco diferentes da ~costruzione legittima" de Alberti). Mencionemos apenas o de Filareto (composto em 1460-1464), o de Piero della Francesca (cerca de 1474) e o de Pomponius Gauricus (1504), sem falar nos inúmeros textos de Leonardo da Vinci sobre o assunto. Mas. é, antes de mais nada, do nascimento da perspectiva moderna que tratamos aqui. Vale mais, então, apurar o esquema histórico que acaba de ser sumariamente apresentado. Porque talvez ele enfatize demais as descontinuidades da história da perspectiva e do ~sentido do espaço". É importante lembrar que, mesmo antes de Giotto, os mosaicos, os afrescos e os painéis pintados testemunhavam uma certa pesquisa de profundidade. Existem obras, tanto da época bizantina como do período carolíngio, que apre- sentam detalhes muito significativos. As decorações dos tetos, sobretu- do quando acompanhadas de vigas ou de almofadas, se prestam facil- mente a uma geometrização sugestiva. É verdade que esses esboços de representação em perspectiva levariam os teóricos modernos a mergu- lhar em uma grande perplexidade! Pois mostram com freqüência vários pontos de fuga, dispersos um pouco ao acaso ou dispostos sobre uma linha vertical (ilust. p. 73). Este último procedimento, designado como ~do eixo de fuga", tem talvez origem bizantina; embora lhe faltem fundamentos racionais, ele apresenta o que se pode chamar de ~uma quase-perspectiva". 6 A geometrização do espaço podia, portanto, ser mais ou menos completa, mais ou menos coerente. O tabuleiro de xadrez, também tão fácil de estruturar, dava uma outra oportunidade para os efeitos de perspectiva. Assim, Ambrogio Lorenzetti, em sua Anunciação (1344), representou cuidadosamente um tabuleiro, recorrendo a um ponto de fuga único (ilust. p. 75.). O espaço não é totalmente unificado, mas 68 DE ARQUIMEDES A EINSTEIN assim mesmo, como escreve Panofsky, tem "uma escala de valores espaciais". Basta, de fato, contar os quadrados para ter uma medida, no sentido estrito, da profundidade ~objetiva". Para a história do pensa- mento científico, o fato não é desprovido de interesse. "Não é um exagero afirmar que, utilizado desta maneira, esse motivo ( ... ) repre- senta de algum modo o primeiro exemplo de um sistema de coordenadas que, na esfera da concretude artística, toma visível materialmente o 'espaço sistemático' moderno, antes mesmo que o pensamento abstrato matemático o tivesse postulado ". 7 Em seguida, Alberti sintetizou e conceitualizou essas conquistas, e no século XVII a geometria foi mais longe ainda. Esses grandes sucessos, entretanto, só foram possíveis graças a um longo trabalho de preparação, a uma longa série de pesqui- sas preliminares. Os florentinos, como se diria hoje, fizeram uma brilhante jogada. Mas não se pode esquecer que os flamengos igualmente inovaram, com seu estilo propr~o (que em geral se considera mais empírico). O primeiro tratado de perspectiva impresso na Europa (Toul, 1505) está inserido nessa tradição do Norte e seu autor é um francês, Jean Pelérin Viator. Todos esses detalhes nos recordam que, no plano das técnicas, as explorações foram numerosas (mencionemos, por exemplo, o ~método bifocal", utilizando dois pontos de fuga laterais). E que a pesquisa de um espaço homogêneo e unificado correspondia certamente a uma preocupação geral das sociedades ~avançadas" da época. Mais adiante refiro-me às novas atividades que então se desenvolveram nessa cidade dinâmica que era Florença. Mas gostaria antes de evocar uma tradição cuja influência sobre Alberti foi indubitável: a longa série de especula- ções (tanto científicas como teológicas) sobre a óptica. Mais do que à Idade Média, é aos gregos que devemos voltar. A ÓPTICA ANTIGA: EUCLIDES E PTOLOMEU Euclides, por volta do ano 300 a.C., escreveu uma Óptica, essencial- mente geométrica, fundamentada na idéia de que o tamanho aparente dos objetos era determinado pelo ângulo sob o qual eles eram olhados. Mas não se preocupou com o problema da representação do espaço; e não foi, portanto, levado a tratar de questões relativas ao que chamamos ponto de fuga . Ptolomeu, no século 11 d.C., também escreveu uma Óptica, mas com preocupações mais próximas das dos físicos e dos pintores. Deu grande importância à noção de -raio central", o qual serve l ESPAÇO E PERSPECHV A NO QUATTROCENTO 69 de eixo ao cone visual. É esse raio que mais tarde Alberti chamará de ~príncipe dos raios" ... Sobre um ponto essencial, Ptolomeu atenua as idéias de Euclides: em vez de se importar apenas com o ângulo visual, leva em consideração os comprimentos. De acordo com essa concepção, a grandeza aparente do objeto é inversamente proporcional à sua dis- tância do olho. Nos renascentistas, precisamente, a prioridade dos comprimentos sobre os ângulos será firmada claramente. Em termos mais simples, um objeto ~duas vezes maior" será um objeto cuja medida no plano de projeção é duas vezes maior; enquanto que, na concepção angular de Euclides, um objeto duas vezes maior é um objeto que se vê por um ângulo duas vezes maior. Toca-se aqui num problema funda- mental, que diz respeito não só à análisegeométrica, mas também à psicofisiologia da percepção. A propósito da influência exercida pelos gregos, as apreciações variam de acordo com a maneira pela qual se definem as concepções de grandeza aparente. Erwin Panofsky estabeleceu uma oposição radical entre os gregos e os renascentistas. "A óptica dos antigos - escreve - se encontrava, portanto, uma vez colocados os princípios de seu proce- dimento, engajada numa via decididamente oposta à perspectiva pla- na". 8 Se dermos atenção a Ptolomeu, este julgamento merece sem dúvida ser atenuado. De qualquer forma, Ptolomeu não elaborou uma teoria sistemática da perspectiva; se ele influenciou os pintores do Renascimento, como teremos ocasião de ver, foi por outras vias. Parece, aliás, que os pintores da Antiguidade jamais utilizaram a perspectiva de modo absolutamente rigoroso. Mas este é um ponto já bastante discutido. O Ocidente medieval ignorou por muito tempo a herança teórica dos gregos. Apenas no século XII os tratados de Euclides e de Ptolomeu foram traduzidos para o latim a partir de versões árabes anteriores. Os próprios árabes deram importantes contribuições, especialmente graças a Alkindi (século IX), Avicena e Alhazen (séculos X-XI). Todas essas obras influenciaram os< teóricos medievais. Alhazen, entre outras coisas, estabeleceu que os raios visuais emanavam dos objetos e estimulou de modo especial as especulações sobre óptica que se desenvolveram no século XIII (Robert Grosseteste, Roger Bacon, John Pecham). Não é possível esboçar aqui a relação das idéias formuladas durante esse período sobre a natureza e a propagação das imagens. Essa área de estudos, entretanto, era muito ativa; através do que hoje veríamos como passos vacilantes, preparava-se uma síntese cada vez mais ajustada entre a análise geométrica e o estudo da visão dos objetos. 70 DE ARQUIMEDES A ElNSTEIN ÓPTICA E TEOLOGIA NA IDADE MÉDIA De modo direto ou indireto, Alberti e seus contemporâneos conheceram essa tradição medieval. Não só o tratado de John Pecham teve ampla difusão, como Blaise de Parma escrevera, por volta Cle 1390, um tratado de óptica (Quaestiones perspectivae). Mais ainda, na década de 1420 circulara um tratado, Della prospettiva, escrito diretamente em italiano, cujo autor foi, sem dúvida, Paolo Toscanelli. Ele foi muito provavel- mente um dos personagens-chave do século XV; seus conhecimentos abrangiam os domínios mais diversos e muitas idéias novas que lançou influenciaram tanto Cristóvão Colombo como Brunelleschi. Infeliz- mente, a figura de Toscanelli é ainda muito mal conl;lecida, o que dificulta a interpretação de um período no qual se misturam, de maneira às vezes muito sutil, idéias antigas e novas. Mas· as inovações do século XV devem ser compreendidas com relação a um plano de fundo teórico muito rico. É impossível, em todo caso, aceitar-se a lenda (ainda muito difundida) do '"obscurantismo medieval". É certo, em troca, que os autores medievais se interessaram pela óptica dentro de um enquadramento teológico que espantaria os homens de ciência do século XX. Samuel Edgerton sublinha com insistência: o estudo dos raios luminosos tinha motivações religiosas e uma significa-· ção simbólica. Assim, Roger Bacon (1220-1292) explica longamente, em seu Opus majus, por que um conhecimento surgido da estrutura geométrica das formas é necessário no plano religioso. Pois não basta ler a Bíblia para descobrir os princípios espirituais; é preciso também representar literalmente seus relatos. A arca de Noé e o templo de Salomão - afirma Bacon - devem ser percebidos com a intermediação da visão. Analisar as linhas, os ângulos, as superfícies e os volumes, com o auxílio de Euclides, é uma forma de percel:Jer melhor como a sabedoria divina se manifesta no mundo visível. Robert Grosseteste, anterior a Bacon, praticamente integrou a óptica à teologia.9 A luz, de fato, foi cr!ada por Deus no Primeiro Dia; ela se identifica portanto com uma forffia privilegiada da energia divina; mais ainda, ela faz compreen- der por analogia como a Graça se difunde entre os homens. Entrando nos detalhes, essa comparação ia muito longe. Bacon, por exemplo, explicava que o raio luminoso, ao atingir o olho ~direta e perpendicu- larmente", era a imagem perfeita da Graça ... Tais considerações podem parecer estranhas, mas nem por isso deixavam de constituir um encora- jamento para se trabalhar seriamente com a óptica. No Renascimento, esse modo de interpretar os fenômenos ópti- cos, atribuindo-lhes um sentido simbólico, continuará atuante . Pois EsPAÇO E PERSJ;>ECfiV A NO QUA TTROCENTO 71 o ideal da ~imitação da natureza", freqüentemente formulado, não exclui a preocupação com os valores; uma obra de arte, mesmo '"realis- ta", se apresenta como uma mensagem elaborada segundo um determi- nado código que atribui significações especiais às formas, às cores e aos elementos propriamente espaciais. Na pintura religiosa, a representação do espaço se presta, portanto, a mil nuances, graças às quais cada artista exprime sua interpretação de tal ou tal cena do Evangelho. 10 O próprio Alberti, embora tenha sido mais um humanista do que um católico fervoroso, reteve alguma coisa dos ensinamentos do século XIII. Segundo ele, as obras de arte devem contribuir para o equilíbrio moral dos homens. Um afresco tem por fmalidade contar uma história e propor uma mensagem (a noção de istoria é essencial em Alberti); o próprio modo pelo qual a ordem espacial se organiza tem então um valor didático. Por mais ~moderna" que seja a perspectiva em Alberti, ela ainda está associada a preocupações éticas e espirituais. 11 Mesmo em Newton encontraremos especulações desse gênero. Em sua Óptica, por exemplo, ele explica que o espaço é o sensorium Dei, modo de dizer que Deus é onipresente e pode, em todos os momentos, agir em todos os lugares. Certamente uma herança das tradições medievais relativas à óptica. Ü NOVO MUNDO DOS ENGENHEIROS E DOS EMPREITEIROS Outros fatores, porém, e muito mais prosaicos, também tiveram influên- cia. É toda uma evolução técnica, econômica e social que se deve ter em mente para compreender por que uma nova concepção do espaço, mais '"racional", acabou se impondo. Tal linguagem, apresso-me a dizer, não significa que o capitalismo dos florentinos seja a '"causa" única e direta da elaboração sistemática da perspectiva! Sob esta forma, o recurso aos '"fatores sociais" se arrisca a ser ilusório. Mas, de modo mais dialético, é certamente indispensável considerar o surgimento de certos esquemas de pensamento estreitamente vinculados a novas práticas industriais, comerciais e políticas. Pois, a partir dos séculos X e XI, o Ocidente conheceu uma expansão muito acentuada das técnicas e um importante movimento de urbarliza- ção. Moinhos d'água, moinhos de vento e máquinas diversas multipli- caram-se; um novo personagem, o engenheiro, fez sua aparição e desempenhou um papel de crescente importância; a produção e o co- mércio tomaram-se mais eficientes; e logo os bancos concretizaram de 72 DE ARQUIMEDES A EINSTEIN modo dinâmico essa grande mutação que conduzia à época moderna. Progressivamente, os empreiteiros afirmaram-se como criadores de um novo mundo, animado pela busca do rendimento e do lucro. E, correla- tivamente, uma nova mentalidade se instaurou, marcada por um ~rea lismo" e um .. racionalismo" totalmente favoráveis ao estudo sistemático Fig.14 Num tratado escrito em 1525, Albrecht Dürer ensina vários métodos que permitem reproduzir fielmente as formas mais complexas. As duas gravuras ilus- tram perfeitamente a concepção de Alberti: os contornos observados são projeta- dos sobre um plano definido pela janela, enquanto o olho do observador se mantém fixo em um ponto determinado. Na figura B, é a extremidade de uma haste que materializa a posiçãodo olho; na ilustração A, o vértice da "pirâmide visual" se concretiza por meio de um aro fixado na parede, através do qual passa um fio estendido. O fio, representando o raio luminoso, permite determinar empiricamente a projeção de cada ponto observado. (Reger Viollet) ESPAÇO E PERSPECTIVA NO QUATTROCENTO 73 Fig.15 Tempos depois, foi possível resgatar nas obras antigas certos elemen- tos que parecem anunciar a perspectiva moderna. O motivo do teto, por exemplo, prestava-se bem a certos efeitos. Na Santa Ceia de Duccio (pintada em 130.1-1308), constata-se uma organização muito nítida do espaço, concre- tizada particularmente no desenho do teto. A perspectiva, estritamente do ponto de vista geométrico, não é rigorosa: vários pontos de fuga irregulares se situam sobre uma vertical central. Essa técnica, denominada "do eixo de fuga", pode ser aplicada de modo mais ou menos sistemático e era conhecida muito antes do século XIV; os especialistas a chamam de "espinha de peixe". Foi utilizada, por exemplo, n~ Bíblia de Alcuíno (Londres, entre 825-850), na representação de um teto. No período carolíngió, esses exemplos tornam-se raros, e não indicam nenhum conhecimento explícito dos princípios da perspec- tiva linear. Mas seu uso confirma que diversos procedimentos técnicos, às vezes muito antigos, preparavam progressivamente as grandes conquistas do século XV.(Duccio, Scala) 74 DE ARQUIMEDES A ErNSTEIN da natureza. Para que esse novo ideal fosse plenamente explicitado, seria preciso esperar pelo século XVll (Descartes: tornar-se .. como um mestre e senhor da natureza"). Parece certo, contudo, que desde o século Xll ou Xlll uma nova orientação fora tomada, e que era mais cômodo defmi-la com a ajuda das noções de secularização e de laicização. Toda uma série de normas e de hábitos adequados ao mundo feudal começava a desmoronar, mesmo se as velhas instituições ainda se mantinham. No domínio da arte, assim como no do saber, essa evolução geral se traduzia pela aparição de novos objetivos e de um novo estilo. O nascimento da perspectiva também deve ser vinculado a esse movimento histórico (ver o capítulo sobre .. Leonardo da Vinci e o nascimento da ciência moderna", além de meu estudo intitulado .. No começo havia a máquina"). Uma objeção preliminar merece contudo atenção: não é paradoxal (ou até contraditório) que eu me refira a um condicionamento sócio- econômico depois de ter admitido a influência de certos temas teológi- cos? De fato, nada há de estranho nisso: para empregar um termo cômodo, digamos que o desenvolvimento da perspectiva pode ter sido sobredeterminado pela conjugação de ~fatores" de ordem religiosa ou filosófica e de ~fatores" mais diretamente ligados à prática. Samuel Edgerton nos previne, a esse respeito, contra a tentação de atribuir aos contemporâneos do Renascimento um .. agnosticismo"' que não lhes é próprio. Havia, de resto, um crescente movimento de "laicização"', mas "o novo capitalismo dos italianos viveu, pelo menos até o final do século XV, em estreita simbiose com a fé religiosa legada pela Idade Média ". 12 É portanto legítimo indagar sobre as implicações das novas atividades técnicas e comerciais. Pode-se, aliás, imaginar que mesmo os teólogos, até na qualidade de opositores, também foram marcados pela nova maneira de viver, pelas novas exigências de ~realismo", pelo novo estilo de pensamento. A abertura dos franciscanos ao estudo da natureza é certamente tributária de uma evolução geral; e o filósofo e teólogo Nicolau de Cusa, quando faz em 1450 o elogio da medida (no sentido mátemático do termo), testemunhará simplesmente a importân- cia alcançada por certas técnicas intelectuais em um mundo de emprei- teiros, artilheiros e banqueiros ... 13 A EXPLOSÃO DAS "MATEMÁTICAS PRÁTICAS" As matemáticas, de fato, mudaram de status social no fim da Idade Média. Antes, a aritmética e a geometria não eram ignoradas, mas era l ESPAÇO E PERSPECTIVA NO QUATTROCENTO 75 essencialmente no quadro de um ensino teórico, na universidade, que se podia empreender um estudo um pouco mais consistente dos números e das formas geométricas. As matemáticas, em outras palavras, não faziam parte da vida cotidiana; e os ideais de rigor e de exatidão que ' ' Fig.16 A partir do século XIV, o motivo geométrico do chão foi usado metodica· mente para organizar o espaço. Segundo Erwin Panofsky, "é principalmente aos irmãos Lorenzetti que devemos esse grande passo para a frente". Na Anunciação, pintada em 1344, Ambrogio Lorenzetti realiza o que é chamado de perspectiva parcial: a parte superior da obra é destituída de profundidade, mas o desenho rigoroso do chão, como um tabuleiro de xadrez e com um ponto de fuga único, oferece "de algum modo o primeiro exemplo de um sistema de coordenadas". Mais tarde, evidentemente, matemáticos e físicos aperfeiçoariam essas primeiras tenta- tivas de geometrização do espaço. (Giraudon) 76 DE ARQUIMEDES A E!NSTEIN associamos às matemáticas eram muito pouco dignificados. Com a ascensão dos empreiteiros, essa situação evoluiu consideravelmente. A arte de medir e calcular, daí em diante, ganhou uma importância cres- cente. Os homens de negócios deviam determinar corretamente seus estoques e manter as contas em ordem; os banqueiros, manipulando o dinheiro sob formas cada vez mais variadas e mais ~abstratas", precisa- vam de diversas técnicas de cálculo; quanto aos engenheiros, eles eram levados a utilizar concretamente as matemáticas para tomar suas ativi- dades mais "racionais" (e portanto mais eficazes). Não há dúvida de que nos arsenais, nos ateliês de mecânica e entre os artilheiros o emprego das medidas e o sentido de quantidade se desenvolveram sensivelmente. Assim é explicada a criação de escolas especiais (escolas de ábaco) onde os futuros comerciantes, em particular, podiam se instruir. Este ensino era laico e prático; dava uma certa cultura literária, mas (como provam os manuais que nos chegaram) dava ênfase sobretudo às matemáticas. A regra de três, especialmente, era objeto de repetidos exercícios. Não é por acaso que merecia o nome de ~regra de ouro" ou de ~chave do comerciante"! Graças a ela, podia-se distribuir lucros, repartir heran- ças, converter os valores em função das taxas de câmbio etc. Mas a geometria não era menos útil. Não só se tomou comum medir as alturas ou as distâncias graças a métodos baseados em triângulos semelhantes, como, numa época em que os pesos e os volumes não eram padroniza- dos, era essencial dispor de boas técnicas de medição. Graças a instru- ções precisas, o negociante italiano era capaz de determinar, por exem- plo, o volume de um barril. Piero della Francesca, pintor e autor de um tratado sobre perspectiva, escreveu no século XV um manual para comerciantes (De abaco), onde tais problemas eram explicados. Como mostra Michael Baxandall, a análise das formas geométricas tomou-se uma preocupação comum aos comerciantes, aos engenhei- ros e aos artistas (que eram freqüentemente engenheiros também)Y Esse des-envolvimento das matemáticas práticas, na Itália dos sécu- los XIV e XV, ajuda a compreender por que e como o ~olhar" dirigido às coisas se transformou, e de algum modo se ~geometrizou". Des- cobrir as proporções, identificar os triângulos, os cones ou os cilin- dros passou então a ser uma espécie de ~hábito cultural" amplamente difundido. Parece que Brunelleschi, artista e engenheiro, foi aluno de uma escola de ábaco. Alberti, embora tenha recebido uma educação mais clássica, estava bastante próximo do universo dos práticos. Como ob- EsPAÇO E PERSPECfiVA NO QUATTROCENTO i? serva Joan Gadol, ele escreveu um livro sobre jogos matemáticos (Ludi mathematici), que divulgava para as ~classes médias" um certo número de receitas matemáticas.1s Não há muito exagero em dizer que a pers- pectiva,muito mais do que uma ciência especulativa, era a expressão de uma ~filosofia prática", uma espécie de ~projeto" visando a reorga- nizar "ao mesmo tempo o espaço real e a representação desse espaço". Alguns detalhes são muito significativos a esse respeito. Mesmo o campo florentino, por exemplo, foi "posto em ordem" ... Refiro-me ao novo sistema (mezzadria) que permitiu que as terras cultiváveis fossem melhoradas e exploradas de modo mais eficaz. Em 1434, quando Alberti voltou a Florença, de onde sua família fora banida, ficou sem dúvida impressionado - escreve Edgerton - com a disposição regular das plataformas que flanqueiam as colinas toscanas, onde cresciam oliveiras em fileiras perfeitamente alinhadas e paralelas às vinhas. -os intelectuais e os negociantes do tempo de Alberti apre- ciavam essa geometrização do solo, não apenas porque era bela, mas porque estavam convencidos de que esse tipo de ordem matemática traria mais lucros ." 16 Um outro fato confirma essa sensível evolução do "sentido do espaço": na d~ada de 1420, após um conflito entre Florença e Milão, uma fronteira retilínea, totalmente "abstrata", foi estabelecida entre os dois estados. ~Foi talvez a primeira vez na história que uma linha matemática imaginária -em lugar de um ponto de referência físico- foi reconhecida como limite territorial." 17 Giovanni Cavalcanti, exaltando esse aconteci- mento num texto de 1440, estava consciente de sua originalidade: o olho, ele constata, tomou-se "a régua e o compasso", graças aos quais as terras são divididas; "tudo se submete à doutrina geométrica ... " Leonardo da Vinci retomará também o elogio da visão, decretando que o olho possui uma ~nobreza" superior. ~o olho - diz - é a principal via pela qual · nosso intelecto püde apreciar plenamente e magnificamente a obra da natureza." Compreendemos com isso que, pelo sentido da visão, uma nova ciência do espaç9 se tomou possível. Porque a perspectiva, sempre segundo Leonardo, se fundamenta em ~demonstrações naturais". ESPAÇO TÁTIL CONTRA ESPAÇO MANUAL W.M. Ivins, mesmo dando à sua tese um caráter um pouco rígido, opõe judiciosamente o universo dos gregos, ~tátil e muscular", ao dos renas- centistas, essencialmente "visual". No primeiro, cada objeto é conside- 78 DE ARQUIMEDES A E.!NSTEIN rado isoladamente, como se a sua forma individual só fosse conhecida pelo toque; isso praticamente impede que se conceba um espaço unitá- rio. Os objetos representados podem estar justapostos, mas não relacio- nados uns aos outros por meio de um entrelaçamento matemático ao mesmo tempo abstrato e onipresente. No segundo caso, ao contrário, os objetos situam-se e se organizam uns em relação aos outros em um espaço homogêneo que se prolonga indefinidamente em todas as dire- ções. Segundo lvins, o espaço -tátil-muscular"' dos gregos impunha estreitos limites à sua geometria. Esta, com efeito, era métrica e baseada antes de tudo em noções de congmência e paralelismo. Somente nesse espaço -visual" inventado pelo Renascimento a geometria projetiva pode- ria se constituir e seria então possível (usando um atalho) considerar a parábola como uma elipse cujo segundo foco se encontra no infmito. 18 Existe, entretanto, um notável traço de união entre a Grécia antiga e o Renascimento, como mostraram brilhantemente Joan Gado! e, depois, Samuel Edgerton: a cartografia ptolomaica. 19 O primeiro portu- lano conhecido (1275) vem possivelmente da Toscana; e desde o início do século XV Florença teve um papel de primeiro plano no desenvolvi- Fig. 17 É bem provável que a Geografia de Ptolomeu, que os florentinos conhece- ram no início do século XV, tenha estimulado as pesquisas sobre a representação do espaço. Este esquema permite compreender um dos métodos propostos por Ptolomeu (e que ele próprio não chegou a utilizar). Um observador ideal se coloca diante da esfera terrestre, cuja parte em cinza quer reproduzir. Seu olho está no mesmo plano que uma paralela criteriosamente escolhida numa posição "central"; a partir dessa posição bem determinada, é possível desenhar sobre um plano, por projeção, as formas observadas. A perspectiva linear do Renascimento pode ser considerada como uma aplicação particular desse método. (Desenho a partir de Samuel Edgerton .) ESPAÇO E PERSPECTIVA NO QUATTROCENTO 79 mento da geografia e da cartografia. Entre essas ciências e a perspec- tiva a relação é estreita. O próprio Ptolomeu já fizera a aproximação entre a arte da pintura e a da cartografia. Nos dois casos, trata-se de construir a imagem de um determinado conjunto, respeitadas as pro- porções dos elementos. Num certo sentido, a topografia, a cartografia e a perspectiva se parecem com os ramos de uma ciência geral da representação espacial. f ' Fig. 18 A gravura de Brueghel, o Velho (século XVI), intitulada Primavera, nos lembra que, através de su.as atividades agrícolas, os homens podem modificar e "racionalizar" a natureza. E significativo ver os toscanos, no in ício do Renascimen- to, desenvolvendo um sistema de cultivo que, graças a seus alinhamentos rigoro- s~s, geometrizava a paisagem rural. Esse fato, evidentemente, não explica por si so o gosto dos florentinos pela perspectiva ... Mas é inegável que uma certa mudança de mentalidade operou-se no final da Idade Média, mudança que condu- zia à valorização das noções de proporção, de medida e de ordem matemática em todos os domínios.(Bibl. Nationale, J. L. Charme!.) 80 DE ARQUIMEDES A El:NSTEIN Em 1400, uma cópia da Geografia de Ptolomeu chegou a Florença e logo foi traduzida. Tudo leva a crer que essa obra, compreendendo um texto teórico e um atlas, foi muito estudada. Brunelleschi (talvez por intermédio de Toscanelli) e Alberti se beneficiaram com isso. A idéia de utilizar sistematicamente um .. quadriculado" para decompor, medir e representar o espaço já estava praticamente expressa naquela obra (para- lelas e meridianos); ela correspondia perfeitamente a certas técnicas já utilizadas e à nova sensibilidade da qual falei anteriormente. Em duas palavras, a redescoberta da Geografia ptolomaica tomava possível o aperfei- çoamento ou a invenção de diversos processos .. racionais" de representação. Ptolomeu propunha vários modelos de projeção cartográfica. O terceiro e último, que ele próprio não havia utilizado, se apresentava como uma construção perspectiva bem caracterizada. Suponhamos um observador ideal colocado a uma determinada distância do globo terres- tre, cujo olho estivesse no plano de uma paralela judiciosamente esco- lhida. O procedimento de Ptolomeu consistia em representar sobre um plano a superfície terrestre observada desta forma, graças a uma proje- ção comparável àquela que seria mais tarde preconizada por Alberti (ilust. p. 78). Era a primeira vez, declara Edgerton, que se formulavam instruções precisas com o objetivo de construir uma imagem desse tipo a partir de um ponto fixo, representativo do olho do observador.20 Ptolomeu queria representar o "mundo habitado" familiar aos gregos. Mas bastava extrapolar esse método para que novas possibilidades se abrissem aos pintores. Olhando para trás, as análises cartográficas de Ptolomeu parecem conduzir diretamente às noções fundamentais da perspectiva clássica. . A tentação de atribuir uma importância decisiva à Geografia de Ptolomeu é maior ainda quando se sabe que Leon Battista Alberti se interessou muito pela cartografia. Durante sua permanência em Roma, entre 1432 e 1434, ele fez um mapa da cidade. Este mapa se perdeu, mas num texto (Descriptio urbis Romae), datado da década de 1440, ele nos informa sobre sua técnica, que certamente devia muito a Ptolomeu. O princípio geométrico é límpido: Alberti, tomando como ponto central o alto da colina do Capitólio, mirava os diferentes monumentos de Roma e determinava sua direção com relaçãoao Norte; depois, media a distância entre cada monumento e o ponto central; bastava-lhe então transportar para uma folha de papel essas indicações, depois de escolher uma ~escala", para obter um mapa fiel. Alberti utilizava, portanto, o que chamamos atualmente de sistema de coordenadas polares; a partir çlos dados que reuniu, seu mapa pôde ser reconstituído (ilust. p. 82). Conhe- ESPAÇO E PERSPECfiVA NO QUATTROCENTO 81 cemos igualmente o tipo de instrumento com o qual fazia suas medições. Era um "horizonte", composto de um disco horizontal graduado (48 graus, cada um dividido em quatro '"'minutos") e um .. raio" móvel, igualmente graduado, que concretizava a linha de mirada. As MIRADAS DOS ARTILHEIROS E DOS MARUJOS As duas grandes idéias que servem de base a esse sistema são, por um lado, a de analogia, que implica o respeito absoluto às proporções, por outro, a de mirada, que acompanha uma "geometrização óptica" do espaço. É extremamente interessante que, nos Jogos matemáticos, Al- berti tenha afirmado o parentesco entre seu "horizonte" e os instrumen- tos empregados pelos artilheiros e pelos especialistas em cartografia marítima. De fato, ele tinha utilizado um astrolábio, isto é, o instru- mento que permitia aos astrônomos e aos navegadores medir a ele- vação do sol ou das estrelas. Para adaptá-lo à cartografia terrestre, bastou fixá-lo horizontalmente e usar a régua móvel como "raio". (O "raio" do círçulo, menciono de passagem, deve seu nome ao raio luminoso cuja direção era determinada.) Desta forma se operava, bem concretamente, uma unificaç~o geral dos diversos "espaços": espaço dos cartógrafos, espaço dos artilheiros, espaço dos marujos, espaço dos astrônomos ... Idéia de grande futuro, pois abria as portas a uma "mecâ- nica geral" válida tanto para as balas de canhão como para os corpos celestes! A influência da navegação merece ser assinalada; Alberti indiCa expressamente que a mirada é uma operação familiar aos marinheiros. Em seus Jogos matemáticos, aliás, ele explica como se pode montar um mapa usando quase que somente miradas e recorrendo apenas a algumas medidas diretas. O maravilhoso instrumento que é o teodolito, tão útil não só aos astrônomos mas também aos topógrafos, nascerá da combi- nação de um "círculo;, ·. horizontal e um "círculo" vertical. Quanto à gênese da concepção albertiana da perspectiva, é indiscutível que a geometria prática dos cartógrafos exerceu um papel importante. Em suma, como mostrou Joan Gado!, Alberti operou a síntese entre a "janela" de Brunelleschi e as técnicas .. geográficas" de Ptolomeu. No tratado Sobre a pintura, a perspectiva é às vezes explicada com a ajuda das noções cartográficas de "paralelas", "longitude", '"'latitude", e é ao pé da letra que esse vocabulário deve ser lido.21 Bem entendido, não se 82 DE ARQUIMEDES A EINSTEIN deve subestimar a importância de outras tradições pictóricas ou especu- lativas, que contribuíram para ~amadurecer" o sistema da representação perspectiva. Não é a redescoberta de um texto antigo que, por si só, pode ~explicar" a evolução que vai de Giotto a Alberti. Mas parece incontes- tável que Ptolomeu, freqüentemente visto como o símbolo da ~ciência ultrapassada", tenha participado (ainda que a despeito de si mesmo) da racionalização do novo espaço ... / · ···· i·; . • "'·· .•... ~, Fig.19 Alberti, a quem devemos a primeira exposição sobre a perspectiva "clássi- ca" (1435), interessou-se muito pela cartografia. Antes de escrever aquela obra, morou algum tempo em Roma e fez um mapa da cidade utilizando o que chamamos hoje de coordenadas polares. O princípio desse método era simples: depois de escolher como "centro" do mapa a colina do Capitólio, ele determinou a direção de cada ponto importante graças a um instrumento de mirada; para definir a posição exata desses pontos, bastava medir a distância entre cada um deles e o centro. O mapa original não existe mais, porém D. Gnoli e Capannari o reconstituíram a partir dos dados que foram conservados. Os trabalhos de cartografia certamente ajuda- ram Alberti a elaborar seu sistema de perspectiva.(J.-L. Charme!.) EsPAÇO E PERSPECTfV A NO QUATTROCENTO 83 Concluo com duas observações. A primeira diz respeito a esta questão: qual é o ~valor objetivo" da perspectiva albertiana enquanto representação do espaço visual? Que esse sistema tem uma racionalida- de própria e permite organizar a percepção, está fora de dúvida. Mas certamente convém não identificar pura e simplesmente essa reconstru- ção com o .. espaço real". Porque se trata precisamente de uma recons- trução, fundada em pressupostos que, no máximo, chegam a umá sim- plificação de nossos processos perceptivos. As análises são conduzidas como se o observador fosse cego de um olho, e como se esse olho único fosse imóvel... Esses dois postulados, em geral, não ocorrem na prática, e de saída surgem diversos problemas que deram lugar a múltiplas discussões. A esfericidade da imagem retiniana, que seria preciso levar em conta num estudo sério da psicofisiologia da visão, complica ainda mais as coisas. Observemos apenas que a visão espacial é um fenômeno muito complexo, que envolve a aprendizagem, a memória, os processos de "compensação", as relações com as informações táteis etc. A pers- pectiva linear clássica, a despeito de seu interesse, não pode ser consi- derada como dotada de valor absoluto. Ela é cômoda, ela dá uma certa satisfação ao intelecto; mas outros sistemas são possíveis (como a pe<rspectiva d\ta "curva" ou "curvilinear", cujo princípio é conhecido desde muito tempo). HISTÓRIA DA ARTE E HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS Tradicionalmente são os historiadores da arte, sobretudo, que estudam o nascimento da perspectiva. Daía minha segunda observação: será grandemente desejável que os historiadores da ciência, ao abordarem o problema do espaço na aurora da ciência moderna, abram, eles também, um lugar para as contribuições dos '"artistas". Erwin Panofs- ky e Samuel Edgerton assinalavam com justa causa o que deveria ser evidente: a elaboração da perspectiva linear constitui um episódio importante na históri~ do pensamento científico. No momento preci- so em que arquitetos e pintores descobriam uma "espacialidade infinitamente extensa", escreveu Panofsky em 1927, ~o pensamento abstrato consumava publicamente e de maneira decisiva a ruptura, até então velada, com a visão aristotélica do mundo, abandonando a noção de um cosmos edificado em tomo do centro da Terra, consi- derado como um centro absoluto, e encerrado na esfera do céu, que era o limite absoluto".22 84 DE ARQUIMEDES A ErNSTEIN Fig.20 Foi rio século XIV que a artilharia começou a ganhar importância no Ocidente. Seu início foi modesto e mais barulhento que mortffero. Mas a partir do século XV essa situação evoluiu, e logo os engenheiros responsáveis pelas fortificações precisaram levar em conta os progressos realizados pelos metalúrgi- cos e pelos químicos. Para a balística, essa inovação militar constituiu um estímulo poderoso; e os artilheiros, para começar, foram obrigados a dominar de modo cada vez mais preciso todas as técnicas relativas à medida do espaço. De fato, para melhorar os tiros, era necessário saber medir com exatidão os ângulos e as distâncias. De um modo praticamente espontâneo, o artilheiro é levado a utilizar as coordenadas polares, isto é, a definir a posição do seu alvo por meio de uma ESPAÇO E PERSPECTIVA NO QUA TTROCENTO 85 Alexandre Koyré, em uma obra escrita precisamente sobre esse assunto, negligencia quase totalmente o vasto trabalho de .. racionaliza- ção" empreendido pelos artistas, engenheiros, cartógrafos e outros práticos.23 No índice de seu livro não figuram sequer os nomes de Brunelleschi, Masaccio e Alberti. Este preconceito puritano pode ser compreendido quando parte de um filósofoidealista, mas do ponto de vista da história das idéias e da antropologia cultural é de uma pobreza extrema. Filósofos e homens de ciência certamente conceitualizaram e refinaram as descobertas dos iniciadores da perspectiva, mas essa ini- ciativa, justamente, teve efeitos decisivos para a geometrização do espaço. Seria uma ingratidão esquecê-lo. BIDLIOGRAFIA E. Panofsky, La perspective com me forme symbolique, trad. francesa, Ed. de Minuit ( ed. original: 1927). E. Panofsky, L'oeuvre d'art et ses significations, trad. f rancesa, Gallimard, 1969 (ver especialmente o ensaio ~ Artiste, savant, génie .. , 1962). J. Gadol, Leon Battista Alberti, universalman ofthe early Renaissance, University of Chicago Press, 1969. · L. Brion-Guerry, Jean Pélerin-Viator, Les Belles Lettres, 1962. S. Y. Edgerton Jr., The Renaissance discovery of linear perspective, Basic Books, 1975. E. Cassirer, Jndividu et cosmos dans la philosophie de la Renaissance, trad. francesa, Ed. de Minuit, 1983 (ed. original: 1927). W.M. Ivins Jr., Art and geometry. A study in space intuitions, Dover, 1964 (11 ed.: Harvard University Press, 1946). M. Baxandall, Painting and experience in fifteenth century ltaly, Clarendon Press, 1972 . . R. Klein, La forme et l'intelligible, Gallimard, 1970. A. Blunt, La théorie des arts en Italie de 1450 à 1600, trad. francesa, Gallimard, 1966 (ed. original: 1940; revista+em 1956). P. Francastel, La figure et le li eu. L'ordre visuel du Quattrocento, Gallimard, 1967. P. Francastel, Études de $oCiologie de l'art, Denoel, 1970. R. Arnheim, Visual thinking, University of Califomia Press, 1969. direção e de um "alcance". Essa geometrização do espaço era concretamente operada (como pelos marinheiros) graças a instrumentos de mirada cada vez mais aperfeiçoados. A técnica da perspectiva contribuiu, a seu modo, para essa tarefa de racionalização espacial. (Gravura alemã, Rogar Viollet) 86 'i:~,-., - · ~ -- "'\'r---.:,· p, ....... -·· c , ,., ·.; ; D E ARQUIMEDES A EINSTEIN • - - ·~~:,..r.:. :~~ - ,1) ~:,;A _ • J ~·~ 7? () Fig.21 A Uma vez constituída a perspectiva linear, diversas realizações tornaram- se possíveis, tanto no domínio da arte como no da matemática. Esta gravura, tirada de um tratado do desenhista francês Georges Huret (1606-1670) , evoca algumas aplicações da perspectiva e, especialmente, apresenta esquemas de anamorfoses. Estas consistem em deformações geométricas das figuras, de forma tal que, vistas ESPAÇO E PERSPECTIVA NO QUATTROCENTO 87 E. H. Gombrich, L 'art et l'illusion, trad. francesa, Ga!limard, 1971 (ed. original: 1959). L.B. Alberti, On painting, tradução, introdução e notas de J.R. Spencer, Yale University Press, 1966 . sob um determinado ângulo, ofereçam o aspecto normal. Em matemática, Gérard Desargues (1593-1662) merece menção especial. Engenheiro e arquiteto (como Brunelleschi), ele procedeu a uma racionalização muito avançada da perspec- tiva e formulou em 1639 as noções fundamentais da geometria projetiva (que estuda as propriedades das figuras mantidas por transformação homográfica). (J.-L.Charmet.)
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