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INTRODUÇÃO À ENFERMAGEM O HOSPITAL – ORIGENS E INFLUÊNCIA NA ENFERMAGEM BREVE HISTÓRICO DA INSTITUIÇÃO HOSPITALAR Historicamente, a maioria das instituições Hospitalares foi mantida por cristãos católicos. Durante todo o período medieval (476 a 1453), templos e hospitais acolhiam doentes. A única diferença era que as igrejas, às vezes, dispunham de bancos, e os hospitais, de cama. Por isso, durante muito tempo, os monges foram os únicos depositários da sabedoria médica clássica no Ocidente e aplicaram seus conhecimentos em prol dos doentes que recorriam a seus serviços. No transcorrer de toda a Idade Moderna (1453 a 1789), os hospitais mantiveram seu caráter de entidade promotora de assistência social. Neste período, contudo, uma nova função veio somar-se às atribuições benemerentes dessas instituições. Os hospitais passaram a servir à população tida como perigosa ao convívio comunitário, ou seja, os mendigos, os vadios, os imigrantes, os portadores de doenças repulsivas ou de outras moléstias que já estavam identificadas como transmissíveis. Anteriormente reconhecida como espaço para a realização das vocações piedosas, a instituição hospitalar caminhou para a desordem, com efeitos patológicos e graves conseqüências para a vida urbana. Estas desordens referiam-se aos perigos de contágios, aos corpos misturados nas camas coletivas, à difusão da sarna, à proximidade de feridos e doentes febris, e aos altos índices de mortalidade até no meio dos funcionários do hospital. A partir da Idade Contemporânea (de 1789 em diante), a medicina se direciona de forma integrada para o hospital. Esta convergência refletiu na figura do médico, que foi elevado à posição de maior destaque técnico e administrativo do estabelecimento sanitário. Com isso surge a reorganização dos hospitais, da qual resulta novos regulamentos e rotinas de serviço. A medicina, por sua vez, também passou por reformulações, fazendo com que o saber médico estabelecesse um rígido controle sobre tudo que envolvesse o doente internado: a qualidade do ar, a temperatura ambiente, o regime alimentar, como forma de debelar rapidamente a enfermidade, indo além das aplicações farmacêuticas e cirúrgicas. Para que isso ocorresse, foi necessário que todos os recursos hospitalares fossem destinados às finalidades terapêuticas, ficando submetidos ao comando funcional e administrativo da classe médica. O correto disciplinamento do médico fez surgir a figura do “paciente”, ou seja, aquela pessoa que necessitava tantos dos cuidados médicos imediatos quanto de um local em ambiente adequado, quando portadora de uma doença, e que poderia levá-la à morte. A afirmação do poder do médico significou a medicalização do hospital, ou seja, a instituição hospitalar foi transformada em um local onde as atividades clínicas são dirigidas pelo médico. O HOSPITAL: INTERESSES QUE MODIFICARAM SEU PAPEL Assim, no decorrer dos séculos, ocorreram mudanças na forma de cuidar das pessoas hospitalizadas e, conseqüentemente na instituição hospitalar. Estas mudanças ocorreram por influência de interesses econômicos, políticos, religiosos, científicos e sociais, de cada uma das classes dominantes. Cada fase foi marcada por um tipo de agente cuidador, por finalidades diferenciadas de assistência e por resultados diversos no processo saúde-doença. 2 A instituição hospitalar também acompanhou tais mudanças e, nem sempre, teve a função terapêutica valorizada ou mesmo estimulada em sua estrutura. A princípio serviu de cenário de purificação da alma e via de conquista para salvação eterna. Posteriormente, tornou-se espaço de exclusão e segregação dos desvalidos, loucos, doentes, idosos, entre outros. E, por fim, as instituições hospitalares buscaram o significado físico das doenças e, conseqüentemente, a cura dos processos patológicos, o que vem sendo feito até os dias de hoje. O HOSPITAL DA IDADE MÉDIA: LOCAL DE PURIFICAÇÃO DE ALMAS Durante a Idade Média, especificamente do século X ao século XIV, o hospital era considerado um local de purificação de almas. Nessa época o hospital era submetido ao poder da Igreja Católica, permanecendo sob sua proteção tudo o que envolvia a assistência aos doentes, pobres, idosos e desvalidos. Na ocasião, o modelo econômico era o feudalismo, caracterizado pela centralização do poder nas mãos dos senhores feudais e donos da terra. A economia encontrava-se estagnada, pois o dinheiro não circulava, mantendo-se nas mãos de minorias. A política era manipulada para atender aos interesses dos poderosos senhores de terras. O aumento dos impostos dificultava a subsistência do povo, cada vez mais sob a dependência dos senhores feudais e do Estado. A religião era o instrumento de controle dos anseios da sociedade, uma vez que o clero e os latifundiários trabalhavam em parceria para acumularem mais riquezas. Aliada à nobreza, a igreja detinha o monopólio moral, intelectual e financeiro e, enquanto precursora da lei, da caridade e da bondade, difundia o dogmatismo cristão (que prega sua doutrina como verdade absoluta) – era a hegemonia eclesiástica. Numa aliança velada com a Igreja Católica, os senhores feudais continham a insatisfação social, sob a justificativa de que o importante era a conquista da vida eterna através de ações caritativas aos necessitados. Esta ideologia era estimulada pelo Cristianismo, que tinha como pano de fundo a resignação e a virtude como condutores das pessoas à vida sublime, para alcançarem a salvação de suas almas. As pessoas interessadas em conquistar a vida eterna procuravam as casas de assistência aos enfermos e desvalidos para prestarem caridade e se purificarem. A grande preocupação daqueles que prestavam cuidados aos necessitados era aproximá-los de Deus e também conquistar um lugar especial para eles mesmos junto ao Divino. Nesse contexto, a oração, a humildade e a resignação eram qualidades importantíssimas. Neste período, surgiu então uma enfermagem rudimentar, ainda delineando-se como ofício mas, principalmente, com a forma de benevolência e caridade. Os alicerces da formação de enfermagem na época baseavam-se nos códigos de tolerância, submissão, conformismo e alienação, devendo ser respeitados os princípios de humildade, simplicidade e caridade. O trabalho caritativo e religioso foi muito importante e dominou a ideologia e o trabalho da enfermagem por um longo período após o advento do cristianismo. Sua influência foi tão grande que até hoje o trabalho em enfermagem é visto como parte da assistência caritativa e, os profissionais, como exemplo de abnegação, de vida ascendente e de dedicação aos pobres desvalidos e necessitados de ajuda. Os ideais de fraternidade e amor ao próximo que serviram de base para a atual prática de enfermagem, muitas vezes ainda influenciam a formação dos futuros profissionais de enfermagem. 3 O HOSPITAL DA IDADE MODERNA: LOCAL DOS EXCLUÍDOS No período da Idade Moderna, do Século XV até aproximadamente ao final do Século XVIII, o hospital era considerado um local de excluídos. Mudanças nos cenários sócio-político, econômico e religioso da época, alteraram os interesses dos grupos hegemônicos. Enquanto o modo de produção feudal se deteriorava, fortaleciam-se as pré-condições para o desencadeamento da revolução industrial, que consolidaria o modo de produção capitalista. Verificou-se, então, nessa época, a liberação da mão de obra do poder dos senhores feudais, o aperfeiçoamento das técnicas, a ampliação dos mercados e a acumulação de capital, o que provocou desemprego, mendicância, fome e ócio. Ao mesmo tempo observou-se o aumento da população urbana e um movimento portuário incrementado. Isto permitiu a aproximação de povos e doenças, obrigando aos países a adoção de medidas sanitárias e repressivasque impedissem a disseminação das doenças endêmicas. Leis foram criadas para disciplinar os espaços urbanos, no sentido de saneá-lo; e os hospitais gerais foram usados para excluir e segregar não só as pessoas doentes, mas sobretudo, pobres, velhos, loucos e toda a população marginalizada, servindo como um espaço de controle social. Neste período, o hospital apresentava um caráter ambíguo, pois era configurado pela caridade e pela segregação. Isso porque o pensamento dominante era que os pobres, como pessoas desfavorecidas, tinham direito à assistência caritativa, social e religiosa. Ao mesmo tempo, como pessoas doentes, possíveis fontes de contágios e epidemias, tornavam-se uma ameaça ao processo produtivo e, por isso, deveriam ser segregados no espaço hospitalar e excluídos da sociedade. A prática de internação nos hospitais gerais surgiu como uma fórmula mágica para conter a miséria, os distúrbios sociais e, ao mesmo tempo, assistir os necessitados. Desta forma, observa-se que o hospital, até o Século XVIII, desempenhou um incipiente papel assistencial, predominando o caráter repressor e segregativo. O caráter opressor e excludente dos hospitais pode ser reafirmado ao analisarmos a forma como eles eram administrados e quem os gerenciava. Os diretores, com nomeações vitalícias, tinham todos os poderes de autoridade, direção, administração, jurisdição, correção e punição. Eles dispunham inclusive de postes, barras de ferro, prisões e celas nas dependências do hospital, a fim de exercerem seu poder de forma repressiva, se assim fosse necessário. Como conseqüência de tantas transformações, o cuidado nos hospitais sofreu mudanças radicais, uma vez que, em decorrência de conflitos políticos, a Igreja Católica retira-se desse cenário. Neste momento, o controle das instituições hospitalares passou para homens da justiça ou do parlamento, e o interesse deixou de ser a caridade e salvação da alma, deslocando-se para o controle dos corpos doentes ou socialmente excluídos. Com a saída das ordens religiosas dos hospitais estes se transformaram em depósitos humanos, e o cuidado passou a ser prestado por pessoas de moral duvidosa, bêbados, prostitutas e vagabundos, os substitutos das religiosas no cuidado ao enfermo ou desvalido. O cuidado com o enfermo tornava-se então o meio de vida de mulheres carentes, sem lar, que em sua maioria viviam nos hospitais num processo de alienação e degradação social, sendo fortemente discriminadas e ditas de moral duvidosa; um ser ignorante, sem ideal. Além disso, o pessoal de enfermagem era terrivelmente mal pago e explorado. Por exemplo, no London Hospital, fundado em 1740: 4 – Os salários variavam entre 6 e 9 libras por ano; – Os horários de trabalho eram extenuantes: o dia da enfermeira começava às 6 h da manhã no verão (e às 7h, no inverno) e só terminava depois da ceia (às 22h); – O alojamento e a alimentação eram péssimos; – Não havia férias, dias de descanso, nem pensões de reforma. O jornal londrino “The Times”, de 15 de Abril de 1857, assim retratava a enfermagem da época (três anos antes de ter sido fundada a Escola de Enfermagem no Hospital Saint Thomas): “As enfermeiras dos hospitais têm sido muito maltratadas. É certo que elas também cometem erros, mas a maior parte deles são devidos ao desejo de prestar cuidados adequados. Instruídas pelas comissões administrativas, catequizadas pelos capelães, mal vistas pelos tesoureiros e mordomos, descompostas pelas governantas, odiadas pelos médicos, ameaçadas pelos criados, censuradas e desfeiteadas pelos doentes, insultadas quando velhas e feias, tratadas com arrogância quando de meia idade, assediadas e seduzidas quando jovens e bonitas, elas são o que qualquer mulher podia ser em semelhantes circunstâncias”. Caracterizava-se então um período obscuro na assistência de enfermagem àqueles que se encontravam no espaço hospitalar, e que durou cerca de 300 anos (1550-1850). Este período, conhecido como o Período Crítico ou Período Negro da Enfermagem, marcou tão profundamente a sua história que podem-se verificar suas repercussões até hoje em nossa sociedade. Algumas representações sobre a profissão de enfermagem ainda se baseiam na moral e no caráter daqueles que forneciam os cuidados de enfermagem naquela época. Essas representações só foram parcialmente confrontadas no Século XIX, com o surgimento da Enfermagem Moderna, desencadeada por Florence Nightingale. O HOSPITAL NO PERÍODO CAPITALISTA: LOCAL DE CURA DE DOENÇAS No final do século XVIII, que compreende o Período Capitalista, o hospital passou a se configurar como cenário de cura, influenciado pelas fortes mudanças ocorridas no mundo em decorrência da Revolução Francesa, que aboliu a servidão e os direitos feudais e proclamou os princípios universais de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. A Revolução Francesa foi apontada como marco divisório da história, juntamente com o processo de industrialização iniciado na Inglaterra, solidificando o modelo de produção capitalista no mundo. Com o capitalismo vimos a valorização do aumento da produtividade, a diminuição de gastos e conseqüentemente o crescimento da lucratividade. Neste período, o Estado viveu uma prosperidade econômica, fruto do aumento da crescente industrialização. Observou-se uma acentuada melhoria nas condições de vida, levando a avanços tecnológicos e científicos. O trabalhador passou a ser encarado como bem de serviço e, doente, causaria a queda da produção e dos lucros. Com isso, o Estado começou a valorizar a saúde, e, principalmente, as medidas de prevenção e recuperação rápida dos que se encontravam doentes. A intervenção do Estado para a preservação da saúde coletiva contou com medidas de higienização dos espaços urbanos, de saneamento básico, de vacinação, de práticas de medicalização, controle de doenças infecto-contagiosas e dos cuidados de saúde gratuitos. Influenciadas pelas alterações sócio-econômicas, científicas e políticas do momento, as modificações no cenário hospitalar refletiram-se na enfermagem, onde: O cuidado ao enfermo fundamentou-se numa metodologia que valorizava a observação sistemática do doente, os registros constantes de sua evolução frente ao cuidado prestado, assim como as avaliações metódicas da saúde daquele que estava sob seus cuidados. 5 Nesse momento surgiu Florence Nightingale, como a principal figura das transformações positivas para a profissão de enfermagem. Mulher de visão futurista, Florence soube como adotar mudanças positivas na forma de cuidar dos enfermos, valorizando a higiene ambiental e física, a ventilação e a iluminação, como fatores importantes na recuperação dos doentes. Também instituiu medidas que impediam a propagação da infecção hospitalar, como a lavagem das mãos, mostrando ter noções de epidemiologia. Em 1860, criou a primeira Escola de Enfermagem da Inglaterra, onde as alunas recebiam ensino com base técnico-científica, após passarem por rigorosa seleção. Além disso, escreveu livros sobre a forma de cuidar do outro, preocupada em construir uma profissão com base científica. A Enfermagem idealizada por Florence Nightingale difundiu-se por todo mundo ocidental, influenciando decisivamente a estruturação da profissão. Nascia então uma nova Enfermagem, após um longo período de obscuridade e de degradação social e profissional. Esta Enfermagem baseava-se na rígida divisão hierárquica, rigorosa disciplina e severo controle moral de quem a praticava. Nasceu integrada ao modelo médico da burguesia, e se propunha a organizar e a administrar o espaço hospitalar, cenário do poder e do domínio médico. A MODERNIZAÇÃO DO HOSPITAL O Hospital Moderno tem uma base jurídica e material que lhe é dada pelo Estado. É legitimado pelo poder público e pelo jogo dasrelações sociais existentes em cada época, que impõem determinadas missões ou finalidades, valores, regras e normas. Por exemplo, no caso de um Hospital Geral, suas estruturas e processos não podem ser reduzidas à medicina e ao poder médico, à resposta da doença e ao seu tratamento. Por esta razão, nem tudo o que diz respeito à vida do hospital participa da pretensa sacralidade com que durante muito tempo se cercou o ato médico, ou seja, limitado à atividade dos médicos ou, simplesmente, resultante do progresso das ciências e técnicas biomédicas. O hospital moderno é uma instituição de saúde que desempenha tanto funções estritamente técnicas (por exemplo tratamento, cura e reabilitação da doença; formação médica e de outros profissionais) quanto um papel social, econômico, ideológico, científico e político. Sob sua ótica, a saúde pode ser um conjunto de idéias, crenças, valores e normas de comportamento propostos ao indivíduo numa dada sociedade, e a formação pode ser uma representação mais tecnocêntrica ou mais antropocêntrica da prática clínica, um modelo mais biomédico ou mais psicosocial da saúde/doença. A modernização do hospital tornou-se mais um processo de diferenciação de funções antigas do que o surgimento de novas. O que é nova é a organização hospitalar, não propriamente a função hospitalar de acolhimento e cuidado de doentes, de diagnóstico e tratamento da doença, de prática e ensino da medicina, da enfermagem e de outras ciências adquiridas e aplicadas à cabeceira do doente. No entanto, a função do hospital hoje não é estritamente técnica. O que diferencia o hospital moderno da Antiguidade é, sobretudo, a ruptura dos conceitos expressa na passagem do “social” (prestação da assistência) para o “sanitário” (produção de cuidados de saúde), na evolução do conceito primordial de hospitalidade e caridade para com “os pobres, como irmãos de Cristo”, para outro conceito oposto, o de prestação de serviços tanto para os pobres quanto para os ricos. Disciplina: Introdução à Enfermagem Prof. Marilia J. Pereira
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