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ESTUDO SOBRE O CONTROLE JURISDICIONAL DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS E ATOS NORMATIVOS NO DIREITO COMPARADO E NO BRASIL. Cintia Garabini Lages1 I - AS TRADIÇÕES NORTE-AMERICANA E AUSTRÍACA DO CONTROLE JUDICIAL DE CONSTITUCIONALIDADE Não há como falar em controle judicial de constitucionalidade das leis e dos atos normativos no Direito Constitucional brasileiro sem que antes façamos uma incursão sobre esse tema no Direito Comparado, de forma a buscar a origem e as características de tal controle. Assim, neste capítulo procuraremos mostrar, em linhas gerais, como o controle judicial de constitucionalidade das leis e atos normativos foi criado nos Estados Unidos da América e na Áustria, e como tal criação influenciou ordenamentos jurídicos de vários países do mundo, tornando-se inclusive matéria obrigatória no estudo do Direito Constitucional. Analisaremos, portanto, o controle judicial de constitucionalidade difuso desenvolvido nos Estados Unidos, seu histórico, os precedentes que fixaram o seu conteúdo, extensão e procedimento, bem como a Constituição Austríaca de 1920 e o sistema de controle judicial concentrado de constitucionalidade por ela implantado, sob a inspiração de Hans Kelsen. 1. O modelo americano de controle difuso de constitucionalidade das leis Considerada por James A. C. Grant,2 constitucionalista americano, como “uma contribuição das Américas para a Ciência Política”, o controle judicial de constitucionalidade das leis desenvolvido nos Estados Unidos da América é fruto de uma construção jurisprudencial minuciosa, através da qual se assegurou aos juízes a competência para decidir acerca da constitucionalidade das leis e proclamou-se a 1 Mestre em Direito Processual pela PUC Minas. Professora de Direito Constitucional da PUC MINAS e da Faculdade de Direito da Universidade de Itaúna. Professora de Direito Constitucional e Processo Constitucional do UNIBH. 2 Apud: CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no Direito Comparado. Porto Alegre: Safe, 1992. p. 45-46. supremacia da Constituição em relação às leis ordinárias, passando essa a representar assim “o arquétipo das assim chamadas “Constituições rígidas” (...).”3 A Constituição Federal Norte-Americana, promulgada em 1787, dispôs no seu art. VI, cláusula 2ª que: “this Constitution (...) shall be the supreme Law of the Land and the judges in every State shall be bound thereby (...)”4. Esse dispositivo foi o alicerce de toda a construção jurisprudencial acerca do controle judicial de constitucionalidade das leis nos EUA, tendo em vista que foi com base nesse artigo que o Chief Justice Marshall, ao decidir o caso Marbury vs. Madison, em 1803, fixou o entendimento da supremacia da Constituição em relação às leis ordinárias, ao mesmo tempo em que confiou ao Poder Judiciário tal controle, impondo aos juízes o poder e o dever de negar aplicação às leis contrárias à Constituição. 5 De acordo com o controle de constitucionalidade adotado nos EUA, a apreciação da constitucionalidade realiza-se incidentalmente a um processo judicial concreto. “Nesse caso, o objeto da ação não é a constitucionalidade, senão uma relação jurídica que envolve a aplicação de uma lei cuja validade é contestada, em face da Constituição”6. 1.1. O Caso Marbury v. Madison Pode-se dizer que foi com a decisão do caso Marbury v. Madison que se fixou o princípio da supremacia da Constituição nos Estados Unidos da América. Até então o papel do Poder Judiciário norte-americano limitava-se à decisão de casos concretos, não sendo facultado a esse Poder opinar a respeito de qualquer assunto que não tivesse sido submetido à sua apreciação, muito menos declarar a inconstitucionalidade de um ato do Congresso. O caso Marbury v. Madison foi o precedente da consolidação do referido princípio, tendo sido a sua decisão combatida tanto internamente no Poder Judiciário, quanto pelo Congresso e pelo Poder Executivo, abrindo espaço para calorosos debates. Resume-se o caso no seguinte fato: o Presidente Adams, já no final do seu mandato presidencial, nomeou para o cargo de Juiz de Paz, no Distrito de Columbia, o Sr. William Marbury, entre vários outros. A nomeação foi confirmada pelo Senado, e o ato foi formalmente firmado pelo Secretário de Estado, na época John Marshall, posteriormente nomeado Chief Justice da Suprema Corte. Entretanto, findo o mandato do 3 CAPPELLETTI, Mauro. Op. cit. p. 47. 4 Esta Constituição é a Lei suprema do Estado e os juízes em todos os Estados devem se orientar por ela. 5 CAPPELLETTI, Mauro. Op. cit. p. 47. 6 CAVALCANTE, Themístocles Brandão Cavalcante. Do controle de constitucionalidade das leis. Rio: Forense, 1966, p. 65. Presidente Adams, Marbury não havia tomado posse no cargo para o qual havia sido nomeado. Com a mudança de governo, a posse de Marbury foi denegada por ordem do então Secretário de Estado, Madison, razão pela qual Marbury e mais outros três cidadãos na mesma situação impetraram um mandamus perante a Suprema Corte, com a finalidade de obter uma ordem para que Madison efetivasse as investiduras. Madison não chegou nem mesmo a comparecer perante a Suprema Corte, uma vez que não lhe parecia possível que o Poder Judiciário pudesse dar ordens ao Poder Executivo, tendo em vista a igualdade que paira sobre os Poderes formadores do Estado, aplicação aqui do princípio da separação de poderes. Coube, assim, ao Chief Justice Marshall a defesa da tese da supremacia da Constituição e da fixação da competência do Poder Judiciário na realização do controle de constitucionalidade, construindo a doutrina que vigora até hoje em quase todo o mundo ocidental. Segundo Marshall: Si, pois, os tribunaes não devem perder de vista a Constituição, e se a Constituição é superior a qualquer acto ordinário do poder legislativo, a Constituição, e não a lei ordinaria, há de reger o caso, a que ambas dizem respeito. Dest’arte, os que impugnam o principio de que a Constituição se deve observar, em juízo, como lei predominante, hão de ser reduzidos á necessidade de sustentar que os tribunaes devem cerrar olhos à Constituição, e enxergar a lei só. Tal doutrina alluiria os fundamentos de todas as Constituições escriptas. E equivaleria a estabelecer que um acto, de todo em todo invalido segundo os principios e a theoria do nosso governo, é, comtudo, inteiramente obrigatório na realidade. Eqüivaleria a estabelecer que, si a legislatura praticar o ato que lhe está explicitamente vedado, o acto, não obstante a prohibição expressa, será praticamente efficaz”.7 Inobstante a exposição elaborada por Marshall, por mais de uma vez a doutrina da Supremacia da Constituição foi contestada.8 Entretanto, Lançada essa doutrina, cuja lógica os juristas americanos, em sua maioria, consideraram inatingida pela crítica, as circunstâncias especiais do caso levaram o Poder Executivo a acatar o julgamento, ficando, por isso mesmo, definitivamente firmada a orientação.”9 7 BARBOSA, Ruy. A Constituição e os actos inconstitucionaes do Congresso e do Executivo ante a Justiça Federal. Rio de Janeiro: Atlantida Editora, sem data, p. 55. 8 Ex.: Dred Scott Case (1857). 9 BITTENCOURT, Lúcio. O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis. Brasília: Ministério da Justiça, 1997, p. 14 1.2. O aspecto modal de argüição de constitucionalidade e os efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle difuso de constitucionalidade no sistema norte-americano Não obstante o controle judicial de constitucionalidade das leis ter sido atribuído ao Poder Judiciário, este não o pode exercer de forma indiscriminada. Estabeleceu-se, então, que somente no curso de um caso concreto esse controle poderia ser realizado, não podendo o Poder Judiciário atuar a não ser quando provocado. Nesses casos, a lei declarada inconstitucional deixa de ser aplicada somente ao caso sub judice. Assim, os efeitos derivados da sentença que declara a inconstitucionalidade de determinada lei atingem apenas as partes na demanda (efeito “inter partes”) retroagindo para atingir o caso concreto (ex tunc). A sentença que declara a inconstitucionalidade tem, portanto, efeitos restritos ao caso no qual foi decidida a questão. 1.2.1 O princípio do stare decisis O princípio do stare decisis aparece como instituto típico dos países que adotaram o common law e consiste na vinculação das decisões dos juízes às decisões das cortes superiores, atuando de forma a assegurar a observância do precedente. Assim, uma decisão da Suprema Corte passa a ser, a partir do momento em que é proferida, vinculatória em relação a todos os demais órgãos do Poder Judiciário. O princípio do stare decisis atua como agente catalisador responsável pela uniformização da jurisprudência nos países de common law, uma vez que os efeitos inter partes e ex tunc poderiam, não fosse a sua adoção, dar origem a uma situação de incerteza do direito e ausência de segurança jurídica em função da enorme quantidade de decisões contraditórias, considerando-se que “uma mesma lei ou disposição de lei poderia não ser aplicada, porque julgada inconstitucional por alguns juízes, enquanto poderia, ao invés, ser aplicada, porque não julgada em contraste com a Constituição, por outros”10. Desta forma, o princípio do stare decisis acaba por gerar, de acordo com Mauro Cappelletti, uma verdadeira eficácia erga omnes, evitando dessa forma a situação de conflito entre os tribunais e assegurando a certeza do direito. 10 CAPPELLETTI, Mauro. Op. cit, p. 77. É importante ressaltar que, através desse princípio, a norma legal ou ato normativo eivado de inconstitucionalidade deixa de ser aplicada, tornando-se, assim, uma lei morta, ainda que vigente, e não invalidada ou revogada. 2. O critério austríaco de controle de constitucionalidade das leis A Constituição Austríaca de 1920 previa o controle de constitucionalidade não só das leis mas também dos regulamentos. Estes se diferenciam em regulamentos editados pelo Poder Legislativo, como atos normativos que viabilizam a aplicação de outra lei, e os regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas como normas gerais, cujo status era o mesmo atribuído às leis. Ambas as categorias normativas são objeto de controle de constitucionalidade e, portanto, a elas se aplica o presente estudo. 2.1 O controle de constitucionalidade austríaco anterior à Constituição de 1920 - breve histórico Antes da entrada em vigor da Constituição Austríaca de 1920, o controle de constitucionalidade das leis cingia-se ao aspecto formal de sua publicação, consistindo num controle muito restrito. Em relação aos regulamentos, estes também eram objeto de controle concentrado de constitucionalidade. O procedimento do controle, anterior à Constituição de 1920, era realizado por via incidental, na apreciação de um caso concreto. Não existia, porém, um instituto de unificação das decisões em questões constitucionais, como o stare decisis no controle judicial de constitucionalidade norte-americano. A situação era ainda mais grave, tendo em vista que os órgãos da Administração não possuíam a faculdade de analisar a constitucionalidade das leis que aplicavam, razão pela qual não lhes restava alternativa senão a aplicação da lei e, conseqüentemente, o descumprimento da Constituição. Assim, a possibilidade de desobediência à Constituição e da multiplicidade de decisões desencontradas consistiram em fortes motivos para buscar novas alternativas para o controle de constitucionalidade, de forma a assegurar a supremacia da Constituição em todos os casos submetidos ao Poder Judiciário. Tal necessidade teve fim com a promulgação da Constituição de 1920. 2.2 A Constituição Austríaca de 1920 A Constituição Austríaca de 1920 deu origem ao controle judicial concentrado de constitucionalidade das leis. Segundo a nova Constituição, o controle de constitucionalidade era reservado a uma corte especial, o Tribunal de Garantias Constitucionais. Esse podia anular leis contrárias à Constituição através de um procedimento especial, cujos legitimados eram apenas determinados órgãos políticos previstos pela Constituição. Assim, o controle judicial de constitucionalidade era totalmente desvinculado do caso concreto, sendo exercido, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, por via de ação, mediante uma ação especial através de um processo próprio perante a Corte Constitucional. Conforme expõe Cappelletti: No originário sistema austríaco, portanto, não só os juízes - exceção feita exclusivamente para o Verfassungsgerichtshof, quer dizer, exclusivamente para a Corte Constitucional - não tinham qualquer poder de controlar a constitucionalidade das leis, como também não tinham o poder de não aplicar as leis que reputassem inconstitucionais (...), mas os juízes austríacos, além disso, tampouco tinham o poder de pedir à Corte Constitucional que fizesse ela o controle que lhes era vedado. Com efeito, a questão da constitucionalidade das leis podia ser argüida perante a Corte Constitucional somente por aqueles órgãos, não judiciários, mas políticos, que estavam indicados na Constituição, isto é, pelo Governo Federal (Bundesregierung) tratando-se de pedir o controle da legitimidade constitucional das leis dos Länder (Landesgesetze), pelos Governos do Länder (Landesregierungen) tratando-se de controle de leis federais. Nenhum limite de tempo era fixado para o exercício, por parte destes órgãos políticos, do direito de ação, para o qual eles eram únicos legitimados.11 A decisão proferida pelo Tribunal de Garantias Constitucionais poderia anular total ou parcialmente uma lei, neste caso, somente a disposição legal inconstitucional era suprimida do ordenamento jurídico. No entanto, tal controle mostrou-se insuficiente, uma vez que estava atrelado aos interesses dos “Länder” em argüir a inconstitucionalidade de atos normativos do Governo Central e este ao daqueles, de forma a manter um respeito mútuo às competências constitucionais de cada membro do Estado Austríaco. Era, na expressão de Cappelletti, uma garantia “do respeito recíproco de sua repartição constitucional de competências”, além do que o controle era uma faculdade a ser exercida pelos 11 CAPPELLETTI, Mauro. Op. cit. p. 105. legitimados. Assim, vários dispositivos inconstitucionais fugiam ao controle de constitucionalidade tal como formulado.12 2.3 A Reforma Constitucional de 1929 A Reforma Constitucional de 1929 trouxe alterações importantes no que diz respeito ao controle de constitucionalidade delineado pela Constituição de 1920. A competência para a instauração do controle de constitucionalidade passou a abranger dois órgãos do Poder Judiciário, além dos órgãos políticos já mencionados: Oberster Gerichtshof, a Corte Suprema e Verwaltungsgerichtshof, a Corte Administrativa. Tais órgãos passaram a ter legitimidade para argüir perante o Tribunal Constitucional a inconstitucionalidade de leis aplicáveis a casos concretos submetidos a seu julgamento. É importante ressaltar que, conforme afirma Cappelletti, tanto a Corte Suprema quanto a Corte Administrativa tem o dever, e não apenas a faculdade, de não aplicar ao caso concreto leis sobre cuja constitucionalidade houvesse dúvida.13 O controle de constitucionalidade manteve-se, portanto, concentrado no mesmo órgão, o Tribunal Constitucional, limitando-se a Reforma de 1929 a alterar o aspecto “modal” do controle de constitucionalidade: manteve o controle por via de ação, conforme estabelecido na Constituição de 1920 e acrescentou o controle por via incidental, cuja instauração foi deferida a dois órgão do Poder Judiciário, que, não obstante continuavam proibidos de exercer eles mesmos o controle de constitucionalidade, submetendo a questão constitucional à Corte Constitucional. Desta maneira, a reforma de 1929, atenuou, notavelmente, o grave defeito, antes realçado, do originário sistema austríaco de controle das leis: isto é, sua verdadeiramente excessiva limitação sob o aspecto “modal”, em suma, sob o aspecto dos sujeitos a que pertence a legitimação para instaurar o processo de controle perante a Corte Constitucional, em que o poder de controle se concentra.14 No que diz respeito aos demais órgãos do Poder Judiciário, esses continuaram sem legitimidade para argüir a inconstitucionalidade de leis aplicáveis aos casos a eles submetidos. Na ausência de manifestação do Tribunal Constitucional, a lei, ainda que inconstitucional, deveria ser aplicada ao caso concreto, constituindo uma falha 12 CAPPELLETTI, Mauro. Op. cit. p. 107. 13 CAPPELLETTI, Mauro. Op. cit. p. 107. 14 CAPPELLETTI, Mauro. Op. cit. p. 108. do controle de constitucionalidade austríaco no que diz respeito à guarda da supremacia da Constituição, de acordo com o entendimento de Cappelletti. 2.4 Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle judicial de constitucionalidade concentrado austríaco Assim que entrava em vigor a decisão judicial do Tribunal Constitucional, a lei anulada por inconstitucionalidade deixava de existir. “O Tribunal Constitucional não declara uma nulidade, mas anula, cassa uma lei que, até o momento em que o pronunciamento da Corte não seja publicado, é válido e eficaz, posto que inconstitucional”.15 Tal decisão tem, portanto, caráter constitutivo, razão pela qual seus efeitos operam tão-somente “pro futuro”, não retroagindo. Há uma exceção no que diz respeito ao efeito “ex nunc” da decisão do Tribunal Constitucional. Ocorrerá a retroatividade da decisão do Tribunal Constitucional quando a questão acerca da inconstitucionalidade for argüida por via incidental, no curso de um caso concreto, retroagindo seus efeitos apenas em relação ao caso concreto que originou a declaração de inconstitucionalidade. Tal exceção somente opera se a decisão que declarar a inconstitucionalidade da lei entrar em vigência por ocasião de sua publicação, caso contrário, se, por exemplo, a decisão que anula determinada lei entrar em vigência em data posterior à sua publicação, prazo esse que não pode ultrapassar o período de um ano, os efeitos da decisão operam “pro futuro”, não retroagindo. É neste sentido o entendimento de Hans Kelsen, vejamos: A regra pela qual a decisão do Tribunal Constitucional que anula uma lei não tem força retroativa, tem, sem embargo, uma exceção. A lei anulada pelo Tribunal já não deve aplicar-se àquele que motivou o controle constitucional e a subseqüente anulação da lei. Como este caso ocorreu antes da anulação, esta teria, com respeito a este caso, um efeito retroativo. A sentença de anulação se torna efetiva no dia de sua publicação, a menos que o Tribunal preveja uma prorrogação, esta prorrogação não pode exceder de um ano (art. 140, § 3º) e permite ao Parlamento reimplantar a lei questionada por uma nova e constitucional, antes que a anulação seja efetivada. Se o caso que dera ocasião ao controle constitucional da lei foi decidido antes que a anulação entrasse em vigência, a lei anulada teria que ser aplicada a este caso. Então, a anulação não teria efeito retroativo com respeito a este caso.16 15 CAPPELLETTI, Mauro. Op. cit. p 116. 16 “La regla por la cual la decisión del Tribunal Constitucional que anula una ley no tiene fuerza retroactiva, tiene sin embargo, una excepción. La ley anulada por el Tribunal ya no debe aplicarse a aquello que motivó el control constitucional y la subsiguiente anulación de la ley. Como este caso ocurrió antes de la anulación, ésta tenía con respecto a este caso, un efecto retroactivo. Outro efeito do pronunciamento judicial do controle concentrado de constitucionalidade austríaco diz respeito às pessoas afetadas pela decisão. Assim, além do caráter constitutivo, não retroativo da decisão proferida em sede de controle de constitucionalidade austríaco, ele também tem efeitos erga omnes. Torna-se, portanto, ineficaz para todos. “A decisão do Tribunal Constitucional pela qual uma lei é anulada, tem o mesmo caráter de uma lei que ab-roga outra lei. É um ato de legislação negativa.”17 La sentencia de anulación se torna efectiva el día de su publicación, a menos que el Tribunal prevea una prórroga. Esta prórroga no podrá exceder de un año. (art. 140, pár. 3) y le permite al Parlamento reemplazar la ley cuestionada por una nueva y constitucional, antes que la anulación sea efectiva. Sindicatos el caso que diera ocasión al control constitucional de la ley fuera decidido antes que la anulación entrara en vigencia, la ley anulada tendría que ser aplicada a este caso. Entonces, la anulación no tendría efecto retroactivo con respecto a este caso tampoco.” KELSEN, Hans. El control de la constitucionalidad de las leyes. Em : Ius et Veritas - Revista editada por estudiantes da la Facultad de Derecho de la Pontificia Universidade Catolica del Peru. Año IV, n.º 6, página 84. 17 “La decisión del Tribunal Constitucional por la cual una ley es anulada, tiene el mismo carácter que una ley que abroga outra ley. Es un acto de legislación negativa.” KELSEN, Hans. Op. cit. p. 84. II - O CONTROLE JUDICIAL DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS NO BRASIL - QUADRO HISTÓRICO-COMPARATIVO 1. A Constituição Federal de 1824 O controle de constitucionalidade das leis e atos normativos nem sempre foi de competência do Poder Judiciário. Através de um processo muito menos desgastante e combatido do que o ocorrido nos EUA, o controle de constitucionalidade das leis passou, a partir da Constituição Federal de 1891, a ser de competência exclusiva do Poder Judiciário. Antes, porém, a Constituição de 1824, no seu art. 15, incisos 8º e 9º, atribuía ao Poder Legislativo competência para “velar na guarda da Constituição”, “fazer leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las”, ao mesmo tempo em que atribuía ao Poder Moderador a condição de “chave de toda a organização Política” do Império. O Poder Moderador, de acordo com a sistemática da Constituição de 1.824, consistia num autêntico poder controlador dos demais poderes, responsável “sobre a manutenção da Independência, equilíbrio e harmonia dos demais Poderes Políticos” (art. 98), razão pela qual o papel do Poder Judiciário resumiu-se na aplicação da lei aos casos concretos a ele submetidos, sem que para tanto a constitucionalidade de tais leis e demais atos normativos pudesse ser discutida jurisdicionalmente. Nesse contexto, onde os papéis de guardião da Constituição e de poder controlador dos demais poderes estavam tão bem definidos como de competência dos Poderes Legislativo e Moderador, não restava ao Poder Judiciário nenhuma prerrogativa no sentido de exercer um controle jurisdicional de constitucionalidade de leis e atos normativos, conforme esclarece Bittencourt: o Estatuto de 1824 não dava qualquer margem a tentativas de expansionismo. Em primeiro lugar, a defesa dos princípios constitucionais não fôra confiada ao Poder Judicial, mas, precisamente, ao Poder Legislativo, ao qual incumbia não só “interpretar” as leis que elaborasse - fazer leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las” (art. 15, n.º 8º), - mas, ainda, “velar na guarda da Constituição”(art. 15, n.º 9º). Em relação ao Poder Moderador: Num sistema em que existia sôbre os três poderes normais tal “suprema inspeção”, é evidente que não seria possível delegar ao Judiciário o controle dos atos do Congresso. Esse controle só poderia caber - se se pudesse atribuir a outro departamento do governo - ao Poder Moderador”.18 Com o advento da primeira Constituição Republicana em 1891 e, conseqüentemente, com a extinção do Poder Moderador, incorporou-se ao nosso ordenamento jurídico o controle jurisdicional difuso de constitucionalidade das leis e demais atos normativos, adaptando-se a doutrina norte-americana ao ordenamento brasileiro com algumas particularidades. 2. A Constituição Federal de 1891 A Constituição Federal de 1891 marca o início do controle de constitucionalidade de competência do Poder Judiciário, adotando o critério difuso de controle, nos moldes idealizados pela doutrina americana, tendo a Constituição Federal atribuído aos juízes e tribunais federais a competência para julgar as causas em que alguma das partes fundasse a ação, ou a defesa, em disposição da Constituição Federal (art. 60, “a”). Ao Supremo Tribunal Federal atribuiu-se a análise da constitucionalidade das decisões proferidas pelas justiças dos Estados, quando, através de recurso, fosse questionada a validade ou a aplicação de tratados e leis federais e a decisão fosse contrária a tais disposições, bem como quando se contestava a validade de leis ou de atos dos governos dos Estados em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado considerasse válidos esses atos ou essas leis impugnadas (art. 59 § 1º). Dispunha a Constituição Federal: Das sentenças das justiças dos Estados em ultima instancia haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal, quando se questionar sobre a validade de tractados e leis federaes, e a decisão do tribunal do estado fôr contra ella.(art. 59, § 1º). E ainda, Compete aos juízes ou tribunaes federaes processar e julgar as causas, em que alguma das partes fundar a acção, ou a defesa, em disposição da Constituição Federa (art. 60, a). 18 BITTENCOURT, Carlos Alberto Lúcio. O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis.. Série Arquivos do Ministério da Justiça:1997, p. 28 e ss. Assim sendo, a Constituição Federal de 1891 não deixou dúvidas no que diz respeito à competência do Poder Judiciário para exercer o controle judicial de constitucionalidade. Conforme Ruy Barbosa: A redacção é clarissima. Nella se reconhece, não só a competência das justiças da União, como a das justiças dos Estados para conhecer da legitimidade das leis perante a Constituição. Sómente se estabelece, a favor das leis federaes, a garantia de que, sendo contraria á subsistencia dellas a decisão do tribunal do Estado, o feito pode passar, por via de recurso, para o Supremo Tribunal Federal. Este ou revogará a sentença, por não procederem as razões de nullidade, ou a confirmará pelo motivo opposto. Mas, numa ou noutra hypothese, o principio fundamental é a auctoridade, reconhecida expressamente no texto constitucional, a todos os tribuanes, federaes ou locaes, de discutir a constitucionalidade das leis da União, e applical-as, ou desapplical-as, segundo esse criterio.19 Com o advento da Lei n.º 221, de 20 de novembro de 1894, aperfeiçoou-se o sistema de controle de constitucionalidade por via de exceção, ao dispor no seu art. 13, § 10º que “os juízes e tribunais apreciarão a validade das leis e regulamentos e deixarão de aplicar aos casos ocorrentes as leis manifestamente inconstitucionais e os regulamentos manifestamente incompatíveis com as leis ou com a Constituição”. Com a reforma constitucional de 1926, o controle difuso de constitucionalidade foi mantido, consolidando de forma definitiva o controle difuso de constitucionalidade das leis adotado desde então. 3. A Constituição Federal de 1934 A Constituição Federal de 1934 conservou o controle difuso de constitucionalidade das leis e atos normativos, bem como o recurso extraordinário criado pela Constituição de 1891, nos termos da reforma de 1926. Entretanto, três importantes alterações foram introduzidas pela nova Constituição. Uma das alterações diz respeito à declaração de inconstitucionalidade por parte dos tribunais inferiores, que somente por maioria absoluta dos votos dos seus membros poderiam declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Público (art. 179 da CF/1934). 19 BARBOSA, Ruy. A Constituição e os actos inconstitucionaes do Congresso e do Executivo. Rio de Janeiro: Atlantida, 1893. p 60. A segunda inovação atribuiu ao Senado Federal a competência para suspender a execução, no todo ou em parte, de lei do ato declarado inconstitucional em decisão definitiva. A última inovação da Constituição Federal de 1934 diz respeito à introdução da representação interventiva, instrumento de provocação direta do Supremo Tribunal Federal por meio de representação do Procurador-Geral da República, a fim de se obter uma declaração acerca da constitucionalidade de lei autorizativa de intervenção federal. A representação interventiva fundava-se na inobservância dos princípios constitucionais insculpidos no art. 12, incisos I a VII da Constituição Federal, os chamados princípios sensíveis. A lei que autorizava a intervenção federal era de competência exclusiva do Senado Federal (art. 41 § 3º)20. De acordo com Cavalcante: A Constituição Federal de 1934, depois de enumerar esses princípios (art. 7º) atribuía ao Congresso competência para decretar a intervenção quando verificasse sua violação pelos Estados. Dava ao Procurador-Geral da República, porém, competência para submeter à apreciação do Supremo Tribunal Federal não o ato estadual, mas a lei federal de intervenção, cuja constitucionalidade deveria ser examinada pelo Supremo Tribunal Federal21 (grifos nossos). Tal ação, inobstante ser confundida por grande parte da doutrina como um instrumento de controle de constitucionalidade das leis, tem seu papel restrito à solução de conflitos federativos, não havendo apreciação acerca da constitucionalidade de lei ou ato normativo, uma vez que a apreciação judicial atribuída ao Supremo Tribunal Federal restringia-se, conforme citado acima, a uma análise formal da lei que decreta a intervenção, não discutindo o seu aspecto constitucional. Trata-se, in casu, de apreciação de conflito federativo apenas. A evolução deste dispositivo consiste no fato de que até então a intervenção federal não era passível de qualquer controle jurisdicional, nem mesmo um controle formal. Assim, as alterações advindas com a Constituição Federal de 1934 não alteraram a essência do controle judicial de constitucionalidade desenvolvido até então, o qual se cingia ao controle difuso de constitucionalidade por excelência. 4. A Constituição Federal de 1937 20 Dispõe o § 3º do art. 41: “Compete exclusivamente ao Senado Federal a iniciativa das leis sobre a intervenção federal, e, em geral das que interessem determinadamente a um ou mais Estados.” 21 CAVALCANTE, Themístocles Brandão. Op. cit. p. 102. A Constituição Federal de 1937, promulgada sob a égide da ditadura inaugurada com o “Estado Novo”, manteve as disposições da Carta Constitucional anterior, como a exigência da maioria absoluta dos membros do Tribunal quando se tratar de inconstitucionalidade de lei e ato do Presidente da República (art. 96) e manteve o recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, nos casos de decisões que afrontassem o texto constitucional. Manteve, dessa forma, o controle difuso de constitucionalidade das leis. Entretanto, retrocedeu ao dispor que No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem estar do povo, à promoção ou defesa do interesse nacional de alta monta, poderá o Presidente da República submetê-la novamente ao exame do Parlamento; se esta a confirma por dois terços de votos em cada uma das Câmara, ficará sem efeito a decisão do Tribunal. Tal dispositivo, que representou um retrocesso no sistema de controle difuso de constitucionalidade das leis adotado em 1891, foi posteriormente revogado pela Lei Constitucional n.º 18, de 11 de dezembro de 1945. 5. A Constituição Federal de 1946 Com o fim do Estado Novo e a restauração do regime democrático,22 resgatou-se o modelo de controle de constitucionalidade adotado pela Constituição Federal de 1891 com as alterações introduzidas pela Constituição Federal de 1934, inclusive com a previsão da representação interventiva, cujo objeto não mais consistia na análise formal da lei federal ensejadora da intervenção, mas na análise do ato argüido de inconstitucionalidade. De acordo com Clève: Já na de 1946, o procedimento era diferente. O Procurador- Geral da República submeteria ao exame do Supremo Tribunal Federal o ato argüido de inconstitucional, em virtude de petição de terceiro, com o seu pronunciamento, pró ou contra; e se aquele órgão judicante declarasse a inconstitucionalidade do ato impugnado, o Congresso Nacional decretaria a intervenção federal. (Grifos nossos). 23 22 Diz o preâmbulo da Constituição Federal de 1946: Nós, os representantes do povo brasileiro, reunidos, sob a proteção de Deus, em Assembléia Constituinte para organizar um regime democrático, decretamos e promulgamos a seguinte CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. 23 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no Direito brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995. p.70. Ainda nesse caso, a representação interventiva não consiste num instrumento de controle de constitucionalidade, tal qual a ação direta de inconstitucionalidade, restringindo-se à apreciação de conflitos federativos, conforme já afirmamos. Com o advento da Emenda Constitucional n.º16, de 26 de novembro de 1965, foi introduzida a ação direta de inconstitucionalidade, segundo a qual competia ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar originariamente a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador-Geral da República. A legitimação conferida ao Procurador-Geral da República era exclusiva, razão pela qual passou o mesmo a ser considerado como advogado da Constituição.24 Também dispôs a referida Emenda que a lei poderia estabelecer processo de competência originária dos Tribunais de Justiça dos Estados, para declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato municipal contrários à Constituição dos Estados. Criou-se, dessa forma, com o advento da Emenda 16/65, o controle abstrato de constitucionalidade de normas federais e estaduais como forma de controle especial ao lado do controle de constitucionalidade por via de exceção. A nova ação de controle abstrato de constitucionalidade diferenciava-se da então já existente no ordenamento jurídico pátrio, a representação interventiva, tendo em vista que esta, como afirma Mendes25, pressupunha uma alegação de ofensa (efetiva ou aparente) a um princípio sensível, e ação direta de inconstitucionalidade destinava-se, bem como destina-se, à defesa geral da Constituição contra as leis inconstitucionais. 6. A Constituição Federal de 1967 Com o advento da Carta Constitucional de 1967, manteve-se o controle difuso de constitucionalidade das leis, bem como o controle de constitucionalidade concentrado, com a manutenção da ação direta de inconstitucionalidade (art. 114, inciso I, “l”). A ação direta interventiva também foi prevista no novo texto constitucional, com algumas modificações em relação ao texto anterior. Assim, intervenção a depender do provimento do Supremo Tribunal Federal e também no caso de intervenção com a finalidade de “prover à execução de lei federal, ordem ou decisão judiciária”, art. 11 § 1º, “c”. Tal requisito já era previsto em relação aos demais casos na Constituição Federal de 1946. Inobstante a evolução em relação à ação direta interventiva, o processo de competência originária dos Tribunais de Justiça dos Estados, para declaração de 24 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 65. 25 MENDES, Gilmar Ferreira. Op. cit. Loc.cit. inconstitucionalidade de lei ou ato municipal contrários à Constituição dos Estados, não foi acolhido pela nova ordem constitucional. 7. As Emendas à Constituição Federal de 1967. A modificação trazida pela Emenda Constitucional n.º 1, de 1969, diz respeito sobretudo à intervenção dos Estados nos Municípios para a defesa de princípios da Constituição Estadual (§ 3º do art. 15: “A intervenção nos municípios será regulada na Constituição do Estado...”). Também dispôs a referida Emenda acerca competência do Tribunal de Justiça do Estado para dar provimento a representação formulada pelo Ministério Público, nos casos de intervenção no Município. A Emenda Constitucional 7/77 alterou a competência do Supremo Tribunal Federal no que diz respeito ao controle de constitucionalidade, estabelecendo a competência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar a “representação do Procurador-Geral da República por inconstitucionalidade ou para interpretação de lei ou do ato normativo federal ou estadual”, bem como o pedido de medida cautelar nas representações oferecidas pelo Procurador-Geral da República;” (art. 119. I, “l” e “p”)26. De acordo com Clève, a representação para fins de interpretação foi abolida pela Constituição Federal de 1.988. 27 8. Dos aspectos gerais do controle de constitucionalidade das leis e atos normativos no Direito Constitucional brasileiro Como procuramos demonstrar, a tradição do Direito Constitucional brasileiro consolidou o controle difuso de constitucionalidade das leis como forma genérica de controle. O controle de constitucionalidade concentrado aparece como forma especial de controle, cuja finalidade consiste na unificação do entendimento jurisprudencial acerca da constitucionalidade das normas objeto de tal controle. 26 Art. 119 Compete ao Supremo Tribunal Federal: I - processar e julgar originariamente: l) a representação do Procurador-Geral da República, por inconstitucionalidade ou para interpretação de lei ou ato normativo federal ou estadual; p) o pedido de medida cautelar nas representações oferecidas pelo Procurador-Geral da República; 27 Clève, Clèmerson Merlin. ,1995. p. 71 et seq.
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