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DESREGRAMENTO E PUNIÇÃO: uma análise histórica dos sistemas penitenciários clássicos Márcio Eduardo S. Pedrosa Morais

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1 
DESREGRAMENTO E PUNIÇÃO: uma análise histórica dos sistemas 
penitenciários clássicos 
 
 
Márcio Eduardo S. Pedrosa Morais 
 
 
RESUMO 
 
 
Objetiva-se, por intermédio do presente trabalho, discorrer sobre os sistemas 
penitenciários clássicos, sua história, características, iniciando-se pela história da 
prisão, num primeiro estágio, local onde os condenados ficavam esperando o dia de 
sua execução, e num segundo momento, não mais um lugar para se aguardar o 
derradeiro dia, mas sim local para se refletir sobre o crime, penitenciando-se e 
também tendo por base um critério retributivo. Ali, o criminoso irá “pagar à 
sociedade” as conseqüências de seu ato delinqüente, e também preventivo, para 
que toda a sociedade sinta a “justiça” sendo concretizada.Posteriormente, abordar-
se-á, brevemente, a realidade carcerária no Brasil, seus fracassos e as constantes 
violações aos direitos humanos. Após essa abordagem, adentrar-se-á ao estudo em 
si dos sistemas penitenciários clássicos, com a abordagem inicial do primeiro 
sistema de importância para o nosso estudo, o pensilvânico ou da Filadélfia. Após 
isso discorrer-se-á sobre o sistema auburniano, adotado na Penitenciária de Auburn, 
para se chegar ao Sistema Progressivo, adotado primeiramente na Ilha de Norfolk, 
posteriormente sendo adotado na Irlanda e na Espanha pelo Coronel Montesinos. E, 
já nos dias atuais, abordar-se-á o sistema apaqueano, ou Método APAC, este 
surgido no Brasil, tendo como base a dignidade e o respeito efetivo ao recuperando. 
No último capítulo, discorrer-se-á sobre o Panopticum de Jeremy Bentham, modelo 
de penitenciária de cunho filosófico-utilitarista, de onde um único carcereiro tinha 
total controle sobre todas as celas e que inspirou a arquitetura de diversos 
estabelecimentos prisionais no mundo inteiro. 
 
Palavras-chave: JUSTIÇA. PUNIÇÃO. SISTEMAS PENITENCIÁRIOS. 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
 
Desde eras remotas o homem tem convivido com a dualidade da lei da Física que 
reflete em suas relações sociais: a uma ação sempre corresponderá uma reação. 
Assim também se dá na esfera jurídica, presumidamente, ao se cometer um ilícito 
penal o homem sofrerá uma sanção, seja através de sua vida, seja através do 
cerceamento de sua liberdade. Günther Jakobs e Manuel Cancio Meliá afirmam que 
 
 2 
“todo Direito se encontra vinculado à autorização para empregar coação, e a coação 
mais intensa é a do Direito Penal”: (JAKOBS, MELIÁ, 2003, p.26, tradução nossa).1 
Em matéria penal sempre haverá o debate entre os defensores do Direito Penal 
como instrumento do valor justiça, outros defendendo o Direito Penal como 
instrumento a favor do valor utilidade. Nestes moldes afirma Enrique Bacigalupo: 
 
O enfrentamento radical destes pontos de vista deu lugar a partir do último 
quarto do século passado, à chamada "luta de escolas", que não é em 
verdade outra coisa que uma disputa em torno dos princípios legitimadores 
do Direito Penal. Enquanto a chamada Escola Clássica manteve o critério 
legitimador da justiça através das teorias absolutas da pena, a Escola 
Positiva propunha como único critério o da utilidade, expressando-o por 
intermédio das teorias relativas modernas da pena. (BACIGALUPO, 1996, 
p.11 e 12, tradução nossa).2 
 
A pena é instituto jurídico dos mais importantes, a qual tem o condão de limitar a 
liberdade do ser humano: um dos seus direitos naturais por excelência. Deste modo, 
para sua real efetividade, retribuição e prevenção, é necessário um estudo crítico e 
aprofundado, sob pena de não o ocorrendo, termos total desequilíbrio social. A 
criminalidade assola a sociedade, o homem vive atemorizado. Assim, um sistema 
prisional que realmente ressocialize o delinqüente e retribua o mal por ele feito é 
necessário, com vista à própria garantia do Estado Democrático de Direito. 
A prisão como utilização de pena somente surge no século dezoito, antes disso 
temos a prisão como local para o condenado esperar seu derradeiro dia, quando 
então seria morto. Os primeiros sistemas penitenciários surgem nos Estados Unidos 
e podem, via de regra, ser divididos em três espécies: o sistema penitenciário 
pensilvânico (ou da Filadélfia), o sistema penitenciário auburniano e o sistema 
penitenciário progressivo. Apesar de esses primeiros sistemas penitenciários terem 
surgido nos Estados Unidos, não podemos, de acordo com Cezar Roberto 
Bitencourt, afirmar que a prisão tenha surgido nesse país: 
 
Os primeiros sistemas penitenciários surgiram nos Estados Unidos, embora 
não se possa afirmar, como faz Norval Morris, “que a prisão constitui um 
invento norte-americano”. Esses sistemas penitenciários tiveram, além dos 
antecedentes inspirados em concepções mais ou menos religiosas, já 
 
1
 Todo Derecho se halla vinculado a la autorización para emplear coacción, y la coacción más intensa 
es la del Derecho penal. 
2
 El enfrentamiento radical de estos puntos de vista, dio lugar a partir del último cuarto del siglo 
pasado, a la llamada "lucha de escuelas", que no es en verdad otra cosa que una disputa en torno a 
los principios legitimantes del derecho penal. Mientras la llamada Escuela Clásica mantuvo el critério 
legitimante de la justicia a través de las "teorías" absolutas de la pena, la Escuela Positiva proponía 
como único criterio el de la utilidad expresándolo por medio de las "teorías" relativas modernas de la 
pena. 
 
 3 
referidas, um antecedente importantíssimo nos estabelecimentos de 
Amsterdam, nos Bridwells ingleses, e em outras experiências similares 
realizadas na Alemanha e na Suíça. (BITENCOURT, 2008, p.125). 
 
Nos tempos coloniais norte-americanos, o crime era visto como pecado e o simples 
confinamento era previsto para miseráveis, órfãos, loucos. Esses eram 
indiscriminadamente recolhidos às “jaulas”. Cesare Beccaria é um dos responsáveis 
pelo movimento que mudou essa visão sobre a prisão, defendendo critérios justos 
para o confinamento, e não seu uso abusivo, pois do contrário, a sociedade poderia 
ser desestruturada, pois não se previa níveis de desregramento para sua aplicação, 
o que acabaria gerando mais crimes e também reincidência, um dos mais graves 
problemas ao se tratar de punição. 
Importante também para a reforma penitenciária é o pensamento de John Howard, 
apresentado em sua obra “The State of the Prisons in England and Wales”, datada 
de 1777, na qual Howard propõe uma reformulação das prisões, embasada nos 
princípios da humanidade, eqüidade e utilidade. A obra de Howard é fruto da 
pesquisa feita pelo mesmo em suas visitas pela maioria dos cárceres britânicos e 
por inúmeros cárceres na Europa, visitas essas ocorridas entre os anos de 1773 e 
1790. 
O caráter humanizador da obra de Howard prevê condições de higiene e hábitos 
alimentícios que respeitem a saúde do preso, ele também advoga o isolamento 
celular como modo de reflexão acerca da conduta do criminoso e de suas 
conseqüências. Deste modo, o mesmo poderá refletir e se arrependerá do seu ato, o 
qual infringiu a lei. 
Temos propostas magníficas de reformulação, essas apresentadas já no passado. 
Porém, a reincidência demonstra que as mesmas não estão cumprindo o objetivo 
para o qual surgiram, qual o problema, qual a falha? Em relação a essa reincidência, 
sabe-se que a mesma é uma constante em todas as prisões, não só no Brasil, mas 
mundialmente, conforme afirma Piotr Kropotkin: 
 
Quando um homem passa por uma prisão uma vez, volta. É inevitável, as 
estatísticas o demonstram. Os informativos anuais da administração de 
justiça penal da França mostram que a metade daqueles comparecem ante 
os jurados e duas quintas partes dos que comparecem anualmente ante os 
órgãos menores por faltas recebem sua educação nos cárceres. Quase a 
metade dos julgados por assassinato e três quartos dos julgadospor roubo 
são reincidentes. Em relação aos cárceres-modelo, mais de um terço dos 
presos que saem destas instituições supostamente corretivas voltam a ser 
 
 4 
encarcerados em um prazo de doze meses depois de sua liberdade. 
(KROPOTKIN, 1877, site, tradução nossa).3 
 
Este estudo de Kropotkin, apesar de ser do século dezenove, não traz dados 
diferentes do nosso século atual, ao contrário, o nosso século, especialmente no 
Brasil, há, além do problema da reincidência, este em grande escala, o problema da 
superlotação, da saúde entre os recuperando, dentre outros não menos graves, 
como o desrespeito com que são tratados aqueles que ali estão cumprindo uma 
pena, ou esperando seu julgamento. 
Erving Goffman em seu trabalho “Manicômios, prisões e conventos” (1961), nos 
mostra o desrespeito com que são tratados os presos nas cadeias, seja pelos 
próprios colegas, seja pelos membros da equipe dirigente e mantenedora: 
 
[...] pessoas da equipe dirigente ou outros internados dão ao indivíduo 
nomes obscenos, podem xingá-lo, indicar suas qualidades negativas, “gozá-
lo”, ou falar a seu respeito com outros internados como se não estivesse 
presente. (GOFFMAN, 2005, p.30-31). 
 
Goffman enquadra a prisão entre as chamadas instituições totais, ou seja, “um local 
de residência onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, 
separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma 
vida fechada e formalmente administrada” (GOFFMAN, 2005, p.11). Nas chamadas 
instituições totais o indivíduo tem a perda de parte de sua identidade, agindo de 
acordo com as regras da instituição. Deste modo, ao retornar ao convívio fora das 
grades o mesmo não consegue mais viver como pessoa livre, pois a cultura da 
instituição está a lhe “marcar” profundamente. 
Nessa relação há diversos problemas como a dificuldade de se retornar ao convívio 
social de maneira harmônica, a reincidência, por intermédio da qual aquele autor do 
crime estará a praticar, muitas vezes, o ato criminoso por dificuldade de se despir da 
carga de desumanidade e de deformação sofrida na instituição total. Ainda em 
relação à questão da reincidência, o penalista argentino Eugenio Raul Zaffaroni nos 
traz a seguinte afirmação: 
 
3
 Cuando un hombre ha estado en la cárcel una vez, vuelve. Es inevitable, las estadísticas lo 
demuestran. Los informes anuales de la administración de justicia penal de Francia muestran que la 
mitad de los que comparecen ante los jurados y dos quintas partes de los que anualmente 
comparecen ante los órganos menores por faltas reciben su educación en las cárceles. Casi la mitad 
de los juzgados por asesinato, y tres cuartas partes de los juzgados por robo con allanamiento son 
reincidentes. En cuanto a las cárceles modelo, más de un tercio de los presos que salen de estas 
instituciones supuestamente correctivas vuelven a ser encarcelados en un plazo de doce meses 
después de su liberación. 
 
 
 5 
 
É certo que estes dados põem em crise muito mais que o conceito de 
reincidência e indicam a urgência de compatibilizar o discurso jurídico-
penal com dados elementares das ciências sociais, mas particularmente 
neste âmbito da reincidência resultam demolidores de várias teses 
jurídicas, cujo conteúdo, desde a perspectiva das ciências sociais resulta 
tragicamente ingênuo. (ZAFFARONI, 1992, tradução nossa).4 
 
A reincidência é a mais manifesta comprovação da ineficiência da prisão em 
recuperar o criminoso, sendo, atualmente e principalmente no caso brasileiro, uma 
instituição falida, que demonstra o descaso do Poder Público com a recuperação do 
ser humano. Uma segunda falha desse Poder: após não conseguir garantir uma vida 
digna, na qual o homem possa se desenvolver como pessoa, trabalhar em prol do 
desenvolvimento comunitário, ele também falha ao não conseguir ressocializá-lo, ou 
criticamente, tentar ressocializar aquele que nunca foi socializado. E nesse aspecto, 
ressocialização, o Estado, principalmente o brasileiro, é notadamente falho. Não 
consegue cumpri-lo de maneira eficaz, dando-se azo à proliferação de movimentos 
de presos dentro dos presídios, como exemplos, para não apresentar muitos outros, 
o Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital, os quais têm em seus 
quadros um número considerável de detentos, estendendo sua atuação para fora 
dos muros dos presídios. Essas organizações criminosas ocupam um vazio 
institucional deixado pelo Estado, devido à ausência de políticas adequadas. Nesse 
sentido, o Padre Valdir João, coordenador da Pastoral Carcerária da CNBB no 
Estado de São Paulo nos traz: 
 
Os grupos e facções do crime surgiram pela lacuna do Estado. Num 
primeiro momento, para se protegerem contra a violência e a tortura com 
que o Estado agia. Depois, para criar uma ordem entre os presos, pois 
havia extorsão, exploração e violência sexual de preso para com preso, 
então o crime se estruturou para impedir essa desordem toda. (VALDIR 
JOÃO, 2007, p.210). 
 
Ou seja, fica claro o descaso do Governo com a situação carcerária, o que gera a 
legitimidade do líder criminoso em relação, não só, aos colegas, mas também aos 
parentes dos mesmos, os quais são beneficiados por seus favores. Haja vista serem 
seus familiares, via de regras, pessoas de baixo poder aquisitivo, não tendo muitas 
vezes, sequer, um vale-transporte para ir visitá-lo no presídio, o que é fornecido por 
 
4
 Es cierto que estos datos ponen en crisis mucho más que el concepto de reincidencia e indican la 
urgencia de compatibilizar el discurso jurídico-penal con datos elementales de las ciencias sociales, 
pero particularmente en este ámbito de la reincidencia resultan demoledores de varias tesis jurídicas, 
cuyo contenido, desde la perspectiva de las ciencias sociales, resulta trágicamente ingenuo. 
 
 6 
esse líder criminoso, dentre muitos outros favores e produtos prestados ao preso e 
aos seus familiares. Deste modo, o Estado cada vez se distancia mais do homem, 
deixando essa brecha para o crime organizado. Ou seja, apresentando novamente 
as palavras do Padre Valdir João: “o Estado abandonou o presídio”. (VALDIR JOÃO, 
2007, p.210). 
Assim, diversos problemas macros surgem: o Poder Judiciário que devia fiscalizar os 
presídios não o faz; o Poder Legislativo não cria leis para o sistema carcerário; os 
servidores que deveriam trabalhar para a ressocialização do preso não o fazem, 
pior, muitas vezes ele é até inibido, devido à sua origem demográfica e social, 
aquele servidor vive no mesmo bairro dos familiares de muitos presos, ou seja, a 
origem social, geográfica, do preso e do servidor encarregado do trabalho no 
presídio é a mesma. 
Jeremy Bentham nos faz um questionamento interessante no seu pequeno, todavia 
importante e rico substancialmente, livro “El Panopticum”, acerca do verdadeiro 
objetivo da prisão, nos seguintes termos: 
 
O que deve ser uma prisão? A permanência em um lugar onde se priva de 
liberdade indivíduos que abusaram da mesma, para prevenir novos crimes 
de sua parte e para dissuadir os outros mediante o terror do exemplo. É, 
ademais, uma casa de correção onde há que se propor a reforma dos 
hábitos dos indivíduos detidos, com o fim de que o seu retorno à liberdade 
não seja uma desgraça, nem para a sociedade, nem para eles mesmos. 
(BENTHAM, 1791, pp.2-3, tradução nossa).5 
 
E continua expondo que as prisões são lugares infectos, escolas do crime, 
amontoados de todas as mazelas humanas e misérias, onde só se pode visitar com 
terror. (BENTHAM, 1791, p.3). É de se salientar que Bentham está escrevendo ainda 
no século dezoito, ou seja, o problema da desumanidade das prisões não é apenas 
atual, mas também de outrora. 
Assim, resta ao Direito no século vinte e um o encargo dealterar o “status quo”, para 
que a prisão seja um local no qual o recuperando reflita sobre seus atos, transforme-
se num homem novo, homem melhor e volte ao convívio social renovado. Deste 
modo, a beneficiária dos frutos colhidos pela recuperação será toda a sociedade no 
 
5
 ¿Qué debe ser una prisión? La permanencia en um sitio donde se priva de la libertad a individuos 
que han abusado de ella, para prevenir nuevos crímenes de su parte y para disuadir a otros mediante 
el terror del ejemplo. Es, además, una casa de corrección en donde hay que proponerse reformar lãs 
costumbres de los individuos detenidos, a fin de que su regreso a la libertad no sea una desgracia, ni 
para la sociedad ni para ellos mismos. 
 
 7 
qual este indivíduo está inserido, que terá um meliante a menos e um homem a 
mais. 
 
 
 8 
2 A REALIDADE CARCERÁRIA NO BRASIL: CRÍTICA E DESILUSÃO 
 
 
Loïc Wacquant inicia sua obra “As prisões da miséria” com uma frase impactante 
que nos apresenta a verdadeira faceta de nosso sistema penitenciário, nos 
seguintes termos: 
 
A penalidade neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar 
com um “mais Estado” policial e penitenciário o “menos Estado” econômico 
e social que é a própria causa da escalada generalizada da insegurança 
objetiva e subjetiva em todos os países, tanto do Primeiro como do Segundo 
Mundo. (WACQUANT, 2001, p.4). 
 
Uma afirmação pertinente à questão da pena, principalmente em relação ao caso 
brasileiro, que demonstra a fragilidade de nosso ordenamento político, seja em 
relação ao legislativo, ao administrativo ou ao judiciário, em tratar da questão do 
crime e do criminoso, fazendo com que os indicadores do crime aumentem a cada 
ano, e de maneira assustadora. De acordo com o Departamento Penitenciário 
Nacional, havia no ano de 2007 um total de 422.590 presos no Brasil (INFOPEN, 
2007, site), valor bem superior em relação ao ano anterior de 2006, quando havia 
401.236 presos no sistema penitenciário (INFOPEN, 2006, site), o que demonstra 
um aumento de aproximadamente cinco por cento nos índices. 
Isso demonstra claramente, conforme afirmação de Wacquant, que há uma 
alternativa do Estado em se dedicar ao tratamento penal e não ao tratamento social 
da miséria, o que faz com que o Estado regrida em relação à escalada da 
criminalidade (WACQUANT, 2001, p.4). E somado a isso, há o desrespeito aos 
direitos humanos no Brasil, ou seja, além de se punir uma classe social 
desprestigiada, há uma segunda punição, quando estes já dentro de um sistema 
excludente, são vítimas de maus-tratos por parte do Estado. Um texto interessante 
da Anistia Internacional, intitulado “Las Cárceles del Terror”, traz uma passagem 
impressionante, e que ao mesmo tempo faz com que sintamos vergonha de nossa 
realidade: 
 
Em 10 de dezembro de 1998, dia do 50º aniversário da Declaração 
Universal dos Direitos Humanos, 400 reclusos da cadeia municipal de 
Osasco, em São Paulo, foram arrastados para fora de suas celas pela 
polícia e obrigados a correr entre duas filas de policiais que, à medida em 
que passavam, lhes aplicavam golpes e chutes, observados pelo juiz que 
 
 9 
autorizou a “operação. (AMNISTÍA INTERNACIONAL, site, tradução 
nossa).6 
 
A passagem lembra os tempos de barbárie vividos no holocausto nazista, ou o 
período militar no Brasil, onde espancamentos eram comuns, e a tortura era 
empregada como “meio eficaz” de se investigar crimes e descobrir autores, como se 
o corpo humano fosse imune a todo o tipo de humilhação e não resistisse à dor, ou 
seja, uma confissão sob tortura era natural e capaz de se demonstrar o verdadeiro 
criminoso. Coisas que deveriam ter sido apagadas de nossa memória e que teriam 
que ficar apenas gravadas em páginas de livros de História, o que de fato não 
acontece. No Brasil há um paradoxo interessante, este se referindo à situação de 
que: 
 
[...] a insegurança criminal no Brasil tem a particularidade de não ser 
atenuada, mas nitidamente agravada pela intervenção das forças da ordem. 
O uso rotineiro da violência letal pela polícia militar e o recurso habitual à 
tortura por parte da polícia civil (através do uso da “pimentinha” e do “pau-
de-arara” para fazer os suspeitos “confessarem”), as execuções sumárias e 
os “desaparecimentos” inexplicados geram um clima de terror entre as 
classes populares, que são seu alvo, e banalizam a brutalidade no seio do 
Estado. (WACQUANT, 2001, p.5). 
 
É uma situação visível, inclusive para pesquisadores estrangeiros, como é o caso de 
Wacquant. Ou seja, a violência perpetrada pela polícia brasileira não é conhecida 
apenas aqui, é algo que extrapola nossas fronteiras, sendo alvo de críticas de toda a 
comunidade internacional. Wacquant continua discorrendo e nos mostra dados 
assustadores: “durante o ano de 1992, a polícia militar de São Paulo matou 1.470 
civis – contra 24 mortos pela polícia de Nova York e 25 pela de Los Angeles -, o que 
representa um quarto das vítimas de morte violenta da metrópole naquele ano.” 
(WACQUANT, 2001, p.5). 
Deste modo, é comum a privatização da segurança pública, a classe abastada se 
defende como pode, contratando seguranças particulares, com cercas eletrificadas. 
Mas os locais mais suscetíveis à violência sempre estão desprotegidos, como 
exemplo os subúrbios e as favelas. A situação brasileira é de iminente guerra civil! 
A Human Rights Watch, organização internacional de direitos humanos, divulgou no 
ano de 1998 um estudo intitulado “O Brasil atrás das grades”, estudo este fruto de 
 
6
 El 10 de diciembre de 1998, día del 50 aniversario de la Declaración Universal de Derechos 
Humanos, 400 reclusos de la cárcel municipal de Osasco, en São Paulo, fueron arrastrados fuera de 
sus celdas por la policía y obligados a correr entre dos filas de policías que, a medida que pasaban, 
les propinaban golpes y patadas, observados por el juez que autorizó la “operación”. 
 
 10 
uma pesquisa levada a cabo de setembro de 1997 a abril de 1998, quando então 
foram visitados cerca de quarenta presídios, delegacias, cadeias, sendo 
entrevistados presos, juízes, advogados, promotores, membros da Pastoral 
Carcerária. Já no prefácio da obra há a seguinte afirmativa: 
 
Os problemas nas prisões do Brasil representam uma conseqüência lógica 
de duas décadas de elevadas taxas de criminalidade, aumento da pressão 
pública em favor do ‘endurecimento" contra o crime e a contínua negligência 
dos políticos. (HUMAN RIGHTS WATCH, 1998, prefácio). 
 
Todavia, há que se afirmar que não é objetivo principal do presente trabalho 
discorrer sobre a realidade prisional no Brasil, sob pena de se o atrevermos, 
elaborarmos um tratado sobre o tema, mas temos que deixar algumas pinceladas 
sobre a realidade prisional brasileira, preocupante e decepcionante, estando o Brasil 
entre os piores índices em relação aos direitos humanos em relatórios anuais 
apresentados pela Human Rights Watch. 
Entre os problemas mais graves apontados pela organização no Brasil, destacam-se 
a superlotação, execução sumária de presos, condições horríveis de detenção. Com 
o fim do regime militar ditatorial, esperava-se que o país saísse da fase de 
desrespeito aos direitos humanos, principalmente em relação aos presos e 
condenados, mas o que tem sido percebido é uma violência institucionalizada no 
Brasil, sem-terra, negros, pobres, todos são vítimas de um sistema prisional 
excludente e elitista. 
Ainda no prefácio do relatório, há alguns dados comparativos que demonstram a 
escalada do crime no Brasil: 
 
No estado do Rio de Janeiro, onde a onda de crimes no Brasil é mais 
visível, o número de homicídios triplicou durante os anos de recessão e 
estagnação econômica, subindo de 2.826 homicídios em 1980 para8.408 
homicídios em 1994. De forma paralela, o índice de homicídios no estado de 
São Paulo subiu de 14,62 por 100.000 habitantes em 1981 para 44,89 por 
100.000 habitantes em 1995. (HUMAN RIGHTS WATCH, 1998, prefácio). 
 
Interessante notar que o relatório comenta abusos cometidos em cadeias, 
delegacias em diversos Estados do Brasil, em Minas Gerais há relatos de violência 
cometidos na Penitenciária Nelson Hungria e no Departamento de Investigações. 
Um preso do Departamento de Investigações relata: 
 
Quando teve uma tentativa de fuga aqui em outubro a Polícia Civil entrou. A 
cela número sete estava cavando um túnel. Tinha uns trinta de nós em uma 
cela. A polícia levou a gente para o pátio completamente nus. Havia uns 
 
 11 
quinze policiais com uma mangueira. Eles armaram um corredor polonês e 
a gente teve que correr através dele. Eles batiam na gente com paus tipo 
bastões de beisebol. Todos os policiais participaram. A gente teve que 
passar por isto, um por um. (HUMAN RIGHTS WATCH, 1998). 
 
Um jovem preso da penitenciária Nelson Hungria na cidade de Contagem também 
relata: 
 
Eu estava no pátio com os outros presos quando aconteceu. Eles me 
levaram para minha cela e fizeram eu tirar minhas roupas. Havia três deles, 
Juscelino, que é o chefe da segurança, Milton e um outro rapaz, e eles 
começaram a bater em mim e a me chutar. Eles também me deram um 
"telefone". Meus ouvidos ainda estão doendo daquilo. Então eles me 
levaram para o prédio da administração para falar com o diretor. Foi então 
que a minha irmã me viu, porque ela estava lá tentando me visitar e saber 
onde eu estava. Eles não me deixaram ver minha irmã. (HUMAN RIGHTS 
WATCH, 1998). 
 
Esses são apenas alguns relatos sobre a realidade prisional no país: violência física, 
violência moral, péssimas condições de higiene, contágio de doenças, superlotação, 
falta de ocupação, ausência de terapia laboral, dentre outros, são os principais 
problemas apontados pelo relatório, e que são também apenas o retrato de uma 
situação que piora a cada dia. Salientamos ainda que, não irá se discutir aqui o 
Massacre do Carandiru e outros menores, mas não menos importantes, que 
ocorreram nos últimos anos em nosso país, pois do contrário, todo um tratado 
surgiria! 
 
 12 
3 O SISTEMA DA PENSILVÂNIA OU DA FILADÉLFIA 
 
 
O Sistema da Pensilvânia, ou da Filadélfia, também chamado de celular ou de 
isolamento solitário, em inglês (solitary confinement), foi adotado pela primeira vez 
no ano de 1776 em Walnut Street Jail, prisão essa construída pelos quacres, 
inspirados pelas idéias de Beccaria e de Howard. No ano de 1787 foi fundada a 
Philadelphia Society for Alleviating the Miseries of Public Prisons. É de se ressaltar o 
caráter filantrópico de sua instituição, estando insculpido no ato constitutivo da 
sociedade: 
 
Quando nós consideramos que – afirma-se no prefácio – que os deveres de 
caridade que se fundam nos preceitos e nos exemplos do Fundador da 
Cristandade não podem ser apagados pelos pecados e pelos delitos dos 
nossos irmãos criminosos (...) tudo isso nos induz a estender a nossa 
compaixão àquela parte da humanidade que é escrava dessas misérias. 
Mas com humanidade o seu injusto sofrimento deve ser prevenido (...) 
(MELOSSI e PAVARINI, 2006, p.187). 
 
Este sistema previa o isolamento do recuperando durante todo o dia, não havia 
trabalho, ficando o mesmo em total ociosidade, permanecendo confinado em cela 
individual, sendo também proibido o uso de bebidas alcoólicas. Visitas eram 
proibidas, a não ser a do capelão, dos membros da Pennsylvania Prison Society, 
entidade que administrava o presídio, ou do diretor do estabelecimento. Assim, o 
recuperando ficava em oração durante grande parte do dia, com leitura constante da 
Bíblia Sagrada, com o objetivo de que o recuperando refletisse sobre o seu crime, 
para isso, o silêncio era fundamental. Nesses moldes, César Barros Leal nos traz: 
 
O regime, que alguns qualificavam como “morte em vida”, foi usado pela 
primeira vez na Walnut Street Jail, erguida em 1776, e depois na Eastern 
Penitentiary, edificada em 1829, sendo adotado em outras prisões dos 
Estados Unidos e especialmente na Europa. (BARROS LEAL, 2001, p.13). 
 
O mesmo César Barros Leal continua, afirmando que tal sistema existia em alguns 
países até início do século vinte e um, (BARROS LEAL, 2001, p.13). Ou seja, um 
sistema tão severo e improdutivo, no qual não havia trabalho, sendo efetivado em 
alguns países, ferindo assim, a dignidade da pessoa humana, que mesmo estando 
privada de seus direitos políticos, tem o direito de poder exercer atividade laboral, 
não somente para sua auto-estima, como também para seu desenvolvimento 
humano, gerando efeitos benéficos a toda o país, que terá mais um cidadão 
 
 13 
consciente e “recuperado”, e não mais um formando da “faculdade do crime”, na 
expressão de Nelson Hungria. Já Cezar Robert Bitencourt citando Marco del Pont, 
afirma que: 
 
Entre as pessoas que mais influenciaram podem-se citar Benjamin Franklin 
e William Bradford. Benjamin Franklin difundiu as idéias de Howard, 
especialmente no que se refere ao isolamento do preso, que será uma das 
características fundamentais do sistema celular pensilvânico. 
(BITENCOURT, 2008, p.125). 
 
O isolamento em celas individuais foi previsto apenas para os presos de maior 
periculosidade, os outros foram mantidos em celas comuns, onde então oravam e 
trabalhavam durante o dia, com o intuito de se “salvar tantas criaturas infelizes”. 
(MELOSSI e PAVARINI, 2006, p.168). 
A experiência em Walnut Street com o passar do tempo, foi fracassando, a causa 
principal, de acordo com BITENCOURT, foi o aumento excessivo da população 
penal que lá se encontrava recolhida. (BITENCOURT, 2008, p.126). 
Com a pressão ocasionada por esse fracasso, foram construídos mais dois 
estabelecimentos prisionais, nos quais os prisioneiros seriam encarcerados 
separadamente: a Western Penitentiary, situada em Pittsburg, terminada em 1818, e 
a Eastern Penitentiary, esta terminada em 1829. Na Western Penitentiary (prisão 
ocidental), o isolamento era absoluto, não era admitido o trabalho, já na Eastern 
Penitentiary, o trabalho era permitido, o que não aliviava a questão do isolamento, 
visto serem os trabalhos insossos. 
MELOSSI e PAVARINI, citados por BITENCOURT, afirmam que o sistema 
pensilvânico, pelo fato do isolamento e silêncio absolutos, satisfaz as exigências de 
instituições que requeiram a presença de pessoas sob uma vigilância única, o que 
se aplica também a fábricas, hospitais, escolas. Tal sistema não tem o desiderato de 
recuperar o preso, mas sim de mantê-los como eficiente meio de dominação. 
(BITENCOURT, 2008, p.127). Há, notadamente, um caráter místico e religioso nesse 
sistema, tendo caráter punitivo e retributivo, não se preocupando com a recuperação 
do homem. 
 
 14 
4 O SISTEMA AUBURNIANO 
 
 
O sistema auburniano, ou “silent system”, tem como características o trabalho em 
comum durante o dia, esse no mais absoluto silêncio e o recolhimento isolado no 
período da noite. Os detentos não podem conversar entre si, apenas com os 
carcereiros e com a direção do estabelecimento. Michel Foucault vê nesse sistema 
uma relação de poder, no qual poucos podem controlar muitos, não percebendo 
nenhum caráter pedagógico no mesmo. (FOUCAULT, 1995). 
BITENCOURT registra, historicamente, o ambiente americano antes da construção 
da prisão de Auburn nos seguintes termos: 
 
Em 1796 o governador Jhon Jay, de Nova Iorque, enviou uma comissão à 
Pensilvânia para estudar o sistema celular. Nesse mesmo ano ocorreram 
mudanças importantes nas sanções penais, substituindo-se a pena de 
morte e os castigos corporais pela pena de prisão, conseqüência direta das 
informações colhidas pela comissão anteriormente referida. Em 1797 foiinaugurada a prisão de Newgate. Como referido estabelecimento era muito 
pequeno, foi impossível desenvolver o sistema de confinamento solitário. E, 
diante dos resultados insatisfatórios, em 1809 foi proposta a construção de 
outra prisão no interior do Estado para absorver o número crescente de 
delinqüentes. (BITENCOURT, 2008, p.127). 
 
Newgate, a primeira prisão nova-iorquina, não é lembrada nos dias atuais, não tendo 
gerado frutos para o sistema correcional do futuro, além de não ter durado por muito 
tempo, tendo sido fechada trinta e um anos depois de construída. Essa foi 
construída como esperança para o crime, e em pouco tempo demonstrou suas 
mazelas, já estando fadada ao fracasso. 
Como Newgate não conseguiu absorver todos os delinqüentes, estes em número 
crescente nos Estados Unidos de então, foi autorizada, no ano de 1816, a 
construção da prisão de Auburn, a qual havia sido solicitada ainda no ano de 1809. 
Parte do edifício era destinada ao isolamento, Bitencourt nos conta que: “De acordo 
com uma ordem em 1821, os prisioneiros de Auburn foram divididos em três 
categorias [...]”. (BITENCOURT, 2008, p.127). A primeira das categorias era a dos 
delinqüentes contumazes, os quais ficariam em celas individuais continuamente; a 
segunda era a dos menos contumazes, os quais ficariam isolados por três dias e 
teriam autorização para o trabalho; e a terceira era a daqueles presos que tinham 
um comportamento razoável, os quais poderiam ser integrados à sociedade de 
maneira mais fácil, esses últimos ficavam isolados apenas no período noturno, 
 
 15 
podendo trabalhar em conjunto durante o dia. Mas, diante de um sistema tão severo 
e brutal, percebe-se o fracasso do mesmo, Bitencourt nos traz: 
 
Essa experiência de estrito confinamento solitário resultou em grande 
fracasso: de oitenta prisioneiros em isolamento total contínuo, com duas 
exceções, os demais resultaram mortos, enlouqueceram ou alcançaram o 
perdão. (BITENCOURT, 2008, p.128). 
 
Após a investigação do problema por uma comissão, o sistema de confinamento foi 
abolido no ano de 1824. Mas foram mantidos o trabalho em comum durante o dia, 
sob o mais absoluto silêncio e o recolhimento solitário à noite. 
O sistema auburniano surge como tentativa de se corrigir as mazelas e erros 
peculiares ao sistema da Pensilvânia, o qual como exposto, não tinha o objetivo 
primário de recuperar o preso, mas somente manter a ordem sob vigilância única. O 
homem não era o fim, o sujeito do sistema, mas sim seu objeto. Auburn ganhou 
notoriedade internacional, sendo denominada pela influente Boston Prison Discipline 
Society como “provavelmente a melhor prisão no mundo… um modelo valioso para 
ser copiado”. O sistema auburniano foi estudado por autores do quilate de Alexis de 
Tocqueville e Gustave de Beaumont, os quais iriam levar o modelo para a França. 
É de se salientar que o trabalho no sistema auburniano, posteriormente, em 
decorrência dos movimentos sindicais contrários aos trabalhos nas cadeias, entra 
em estágio de falência. O trabalho em presídios não é bem visto pelo fato de o 
mesmo prejudicar os empresários asseclas do trabalho livre, pois o trabalho do 
preso é mais barato do que o trabalho na iniciativa livre, o que faz com que o mesmo 
perca espaço de comércio para o trabalho gerado pelos encarcerados. Esse é 
inclusive um dos fatores da própria crise do sistema auburniano, somada à 
característica eminentemente militar do sistema, o que fazia com que castigos 
desumanos e desnecessários fossem corriqueiramente praticados, não gerando 
nenhum resultado benéfico, apenas sendo fator demonstrador do ódio humano, e o 
desejo de estabelecer uma relação de poder egoísta, trazendo novamente a filosofia 
de Foucault. (FOUCAULT, 1995). 
Pode-se afirmar, de acordo com Bitencourt, traçando um paralelo entre os sistemas 
celular e auburniano, que o sistema pensilvânico (ou celular) tem inspiração mística 
e religiosa, enquanto que o sistema auburniano visa atender interesses econômicos. 
Todavia, ambos têm em comum o aspecto de se instituir um conceito punitivo e 
retributivo de pena, não se preocupando com a reinserção social do apenado. 
 
 16 
(BITENCOURT, 2008, p.129). E vai além ao explicar esse caráter punitivo dos dois 
sistemas: 
 
As concepções variam de propósitos de acordo com o desenvolvimento 
histórico-social. Para os homens do século XIX, o castigo dentro de certas 
condições era considerado como um meio apropriado para a correção do 
delinqüente. Não negavam a necessidade do castigo e consideravam que 
este podia conseguir a reforma e o arrependimento do delinqüente. Essa 
concepção nasce a partir do momento em que a pena privativa de liberdade 
converteu-se em sanção penal propriamente dita. (BITENCOURT, 2008, 
p.129). 
 
A finalidade ressocializadora se dava através do isolamento, a prática cristã, 
orações, trabalho. Há de se salientar que a Europa preferiu adotar o sistema 
pensilvânico, pois não precisava, à época, de trabalho prisional, havendo bastantes 
forças produtivas, estando interessada em um sistema que primasse pelo caráter 
punitivo. De outro lado, os Estados Unidos aderiram ao sistema auburniano. Há de 
se salientar que o sistema auburniano, o qual é uma das bases do sistema 
progressivo, traz mais vantagens ao Estado em comparação com o sistema 
pensilvânico. 
 
 17 
5 O SISTEMA PROGRESSIVO 
 
 
Antes de apresentar a definição de sistema progressivo, deve-se salientar que na 
verdade não há somente um sistema progressivo, mas sim sistemas progressivos, 
ou seja, sendo todos espécies do gênero sistema progressivo. O sistema 
progressivo é decorrência do período de humanização do Direito Penal ocorrido no 
século dezoito, abandonando-se a pena de morte e sendo consolidada a pena 
privativa de liberdade, por intermédio da qual o recuperando poderá progredir de 
regime. Busca-se novamente os ensinamentos de Cezar Roberto Bitencourt: 
 
A essência deste regime consiste em distribuir o tempo de duração da 
condenação em períodos, ampliando-se em cada um os privilégios que o 
recluso pode desfrutar de acordo com sua boa conduta e o aproveitamento 
demonstrado do tratamento reformador. (BITENCOURT, 2008, p.130). 
 
É de curial importância salientar que, por intermédio do sistema progressivo, o 
recuperando poderá retornar ao convívio social antes mesmo do término da sua 
pena, o que traz ao mesmo um sentimento de valorização, ao contrário do que 
ocorre em sistemas desumanos, nos quais o recuperando perde a esperança de um 
dia poder voltar ao convívio em sociedade, não sobrando a ele nada mais que viver 
o momento atual de sua expiação, com essa valorização humana, o recuperando 
sentirá tentado a ter boa conduta carcerária e assim poder esperar o grande dia, o 
dia de sua volta ao convívio social fora dos muros, quando então toda sua família 
estará por ele esperando, e ele se imagina saindo da penitenciária levando de volta 
para casa sua sacola com os pertences e olhando para trás e despedindo dos 
companheiros de cadeia. São espécies do sistema progressivo: o sistema 
progressivo inglês ou “mark system”, o sistema progressivo irlandês e o sistema de 
Montesinos, ambos importantes para a solidificação do modelo progressivo. Dentre 
um sistema progressivo atual destacamos o Método APAC, à frente estudado. 
 
5.1 O sistema progressivo inglês – “mark system” 
 
 
O sistema progressivo inglês, ou também chamado de “mark system”, foi instituído 
no ano de 1840 pelo capitão Alexander Maconochie na Ilha Norfolk na Austrália, 
 
 18 
colônia inglesa à época de sua criação. A Austrália foi durante muito tempo local de 
encaminhamento dos condenados ingleses, antes disso, o destino de muitos era os 
Estados Unidos da América. Porém, com a Independência Norte-Americana no 
século dezoito, o destino passou a ser a Austrália. 
O primeirodesembarque de apenados se deu no ano de 1788, quando então foram 
fundadas duas colônias, uma no local posteriormente conhecido como Sidney e 
outra na Ilha de Norfolk, conforme afirma Beatriz Tébar Vilches em sua tese de 
doutoramento pela Universidade Autônoma de Barcela: “El modelo de libertad 
condicional español”. (VILCHES, 2004, p.27). 
É de se ressaltar que outras colônias penais são instituídas posteriormente em 
outras localidades da Austrália, mas é na Ilha de Norfolk onde Maconochie institui 
seu sistema progressivo. De acordo com Vilches 
 
Maconochie ocupa seu primeiro posto na administração penitenciária em 
Van Diemen´s Land, colônia fundada no ano de 1803, à qual Maconochie 
chega no ano de 1837. A partir de sua observação sobre o funcionamento 
desta colônia penitenciária, Maconochie começa a refletir sobre a 
organização, disciplina, cuidado dos presos, elaborando um sistema 
penitenciário que divulga em diversos escritos. Em 1839, o governo 
britânico oferece a Maconochie a oportunidade de colocar em prática o seu 
sistema em Norfolk. Em 6 de março de 1840, Maconochie chega a Norfolk 
como governador da referida colônia penitenciária. Inicialmente, se 
encarrega de aplicar seu sistema unicamente aos novos deportados não 
reincidentes, mas finalmente Maconochie aplica suas idéias em toda a 
colônia penitenciária. (VILCHES, 2004, pp.32-33, tradução nossa).7 
 
O sistema de Maconochie dividia-se em três períodos: o primeiro o isolamento 
celular diurno e noturno, durante o qual o apenado iria refletir sobre o seu crime, 
chamado período de provas. Durante esse período o apenado podia ser submetido a 
trabalho obrigatório e receber comida escassa; após essa primeira fase, o apenado 
era recolhido às public workhouses, onde havia o trabalho comum em silêncio 
absoluto e o recolhimento durante o período noturno de modo isolado. Essa fase era 
dividida em “marcas”, daí o nome mark system, o condenado ia recebendo marcas, 
após receber a terceira marca, ele então era encaminhado à terceira fase do 
 
7
 Maconochie ocupa su primer puesto en la administración penitenciaria em Van Diemen´s Land, 
colonia fundada en el año de 1803, a la que Maconochie llega en 1837. A partir de su observación del 
funcionamiento de esta colonia penitenciaria, Maconochie empieza a reflexionar sobre la 
organización, disciplina y cuidado de los presos, elaborando un sistema penitenciaria que divulga en 
diversos escritos. En 1839 el gobierno británico ofrece a Maconochie la oportunidad de poner en 
práctica su sistema en Norfolk. El 6 de marzo de 1840 Maconochie llega a Norfolk como gobernador 
de dicha colonia penitenciaria. En principio se le encarga que aplique su sistema únicamente a los 
nuevos deportados no reincidentes, pero finalmente Maconochie aplica sus ideas en toda la colonia 
penitenciaria. 
 
 19 
sistema, a liberdade condicional, quando então o condenado era agraciado com uma 
liberdade condicional, respeitando as condições, ele após certo tempo, recebia a 
liberdade definitiva. 
 
 
5.2 O sistema progressivo irlandês 
 
 
O sistema progressivo inglês de Maconochie alcançou relativo sucesso. Porém, mais 
do que isso, é necessário preparar o recluso para a vida após a liberdade. Esse foi o 
grande mérito de Walter Crofton, o diretor das prisões na Irlanda, de acordo com 
Bitencourt “tido por alguns como o verdadeiro criador do sistema progressivo.”. 
(BITENCOURT, 2008, p.132). Crofton aperfeiçoou o sistema de Maconochie, criando 
o estabelecimento das “prisões intermediárias”, as quais são um período 
intermediário entre as prisões e a liberdade condicional, como meio de prova de 
aptidão do recluso para retornar à vida livre. O sistema de Crofton se divide em 
quatro fases: na primeira fase havia a reclusão celular diurna e noturna, ficando os 
reclusos incomunicáveis, recebendo alimentação reduzida; na segunda fase com a 
reclusão celular noturna e trabalho diurno em comum, assim como no sistema 
auburniano, havendo a obrigação do silêncio absoluto. Nesta fase há a divisão dos 
reclusos em classes e a progressão através de marcas. Após superar essa fase, o 
recluso evoluía para uma fase mais liberal, de acordo com Bitencourt: 
 
A passagem de uma classe para outra, aqui como no sistema inglês, 
significava uma evolução do isolamento celular absoluto para um estágio 
mais liberal, propiciando a aquisição gradual de privilégios e recompensas 
materiais, maior confiança e liberdade. (BITENCOURT, 2008, p.133). 
 
A terceira fase consistia no período intermediário, a novidade de Crofton, sendo o 
intermédio entre a prisão comum fechada e a liberdade condicional. A pena aqui era 
cumprida em prisões especiais, exercendo o recluso trabalho ao ar livre, fora do 
estabelecimento, preferencialmente trabalho agrícola. O trabalho era cumprido “em 
prisões sem muro nem ferrolhos, mais parecidas com um asilo de beneficência do 
que com uma prisão”. (NEUMAN apud BITENCOURT, 2008, p.133). Os reclusos 
dormiam em barracas desmontáveis, como verdadeiros trabalhadores itinerantes. 
 
 20 
Após cumprida essa fase, o condenado entrava na fase da liberdade condicional, 
aqui nos mesmos moldes do sistema inglês, tendo inicialmente algumas restrições, 
sendo as mesmas diminuídas progressivamente, até que o condenado receba a 
liberdade plena. 
É de se ressaltar, de acordo com Bitencourt, que o sistema obteve grande sucesso, 
sendo adotado em diversos países. (BITENCOURT, 2008, p.133). Porém, o sistema 
progressivo começou a ser questionado no século vinte: 
 
Apesar da difusão e do predomínio que o sistema progressivo alcançou, nas 
últimas décadas (especialmente a partir do Congresso de Berlim em 1933), 
sua efetividade tem sido questionada e sofreu modificações substanciais. 
Por exemplo, na ordenança alemã de 22 de julho de 1940, prescindiu-se 
desse regime de execução penal. Também na Suécia foi abandonado, 
especialmente a partir da Lei de Execução Penal, de 21 de dezembro de 
1945, embora sem suprimir o conceito de progressividade no tratamento 
dos reclusos. Também na Dinamarca, a partir de 1947, o regime 
progressivo foi simplificado e recebeu maior flexibilidade. (BITENCOURT, 
2008, p.133). 
 
O sistema irlandês alcançou sucesso considerável, tal sucesso foi ocasionado pela 
inteligência de Walter Crofton e pelas freqüentes melhorias introduzidas por ele na 
prática do sistema inglês. (RIBOT apud BITENCOURT, 2008, p.133), tendo sido 
marcante em sua época, mas com algumas falhas, incompletudes, como por 
exemplo, a omissão em relação à educação dos condenados. Não há como mudar 
um homem sem prepará-lo educacionalmente e culturalmente, aqui um dos trunfos 
do Método APAC, o qual será estudado no próximo capítulo. 
 
 
5.3 O sistema de Montesinos 
 
 
A experiência do coronel Manoel Montesinos y Molina data de 1835 a 1850 como 
diretor do presídio de Sán Agustín de Valencia na Espanha. Seu sistema impõe 
como última fase a liberação dos detentos que tenham dado mostras de trabalho e 
boa conduta, sendo seu trabalho precursor de vários dos princípios penitenciários 
contemporâneos. O sistema de Montesinos tem como postulados básicos os 
seguintes: em primeiro lugar, o objetivo principal da pena deve ser a reforma, 
ressocialização do condenado, sendo este o sustentáculo de seu sistema. 
Montesinos também admite como objetivo da pena a prevenção geral negativa. Em 
 
 21 
segundo lugar, o trabalho deve ser ponto chave no processo de ressocialização do 
preso, não um trabalho qualquer, mas um trabalho que o mesmo possa exercer ao 
deixar o presídio; por último, o respeito à dignidade do preso e o tratamento 
igualitário ao mesmo. O preso voltará à convivência social, afirma Montesinos, por 
isso não deve ser incutido no mesmo, raiva e ódio, gerando no mesmo sentimento 
devingança, o qual será manifestado quando o mesmo sair, prejudicando mais a 
ordem social. 
Conforme afirma Beatriz Tébar Vilches em sua tese de doutoramento pela 
Universidade Autônoma de Barcela: El modelo de libertad condicional español: 
 
Com o tratamento digno e igualitário aos condenados Montesinos pretende 
três finalidades. Por uma parte ser conseqüente com o fim reformador da 
pena e facilita-lo. Por outra, legitimar-se ante os condenados, pois esses 
vêem que são tratados como pessoas e que não existem favoritismos, o 
qual gera sua confiança ante o sistema. Finalmente esta confiança ajuda a 
manter a disciplina no centro penitenciário. (VILCHES, 2004, p.27, tradução 
nossa).8 
 
Montesinos não teve nenhuma experiência penitenciária antes de trabalhar como 
diretor do presídio de Sán Agustín de Valencia, como ele mesmo escreve em suas 
memórias: 
 
Sem modelo algum na Espanha para imitar, e também sem antecedentes 
onde me instruir de um ramo da administração desconhecido entre nós, 
qualquer um compreenderá os obstáculos que vão rodear meu empenho 
de aprender a teoria pela prática, e de inventar (por assim dizer) um 
sistema, que sem ser o mais acertado, foi ao menos conveniente para que 
o governo o aceitasse como tolerável. (MONTESINOS, 1846, p.250, 
tradução nossa).9 
 
Montesinos estuda o livro “Descripción de los más célebres establecimientos de 
Europa y Estados Unidos” de autoria de Marcial Antonio López, por intermédio da 
mesma, Montesinos toma conhecimento da realidade carcerária da Europa e dos 
Estados Unidos, seus acertos e fracassos. A obra serve como referencial para que o 
mesmo formule o seu sistema penitenciário. 
O sistema de Montesinos se divide em três fases: a fase dos ferros, a fase do 
trabalho e a fase da liberdade intermediária. Durante a primeira fase, o preso deve 
 
8
 
9
 Sin modelo alguno en España que imitar, y sin antecedentes tampoco, donde instruirme de un ramo 
de administración, desconocido entre nosotros, cualquiera comprenderá los obstáculos que iban á 
rodear mi enpeño de aprender la teoria por la práctica, y de inventar (por decírlo así) un sistema, que 
sino el más acertado, fuera al menos bastante conveniente, para que lo aceptase el gobierno como 
tolerable. 
 
 22 
carregar grilhões de ferro, esses de acordo com o tempo de condenação. Com o seu 
desenvolvimento, o peso dos ferros vão sendo diminuídos, tudo em decorrência do 
trabalho. O trabalho desempenhado pelos condenados será de acordo com suas 
aptidões e talentos, os mesmos desempenharão ofícios pertinentes à sua vida 
profissional, ou dentro daquilo que mais lhes atraem. É importante que o sistema de 
Montesinos fez com que os índices de reincidência fossem diminuídos em todos os 
países onde o mesmo foi adotado. 
Bitencourt afirma que “entre suas qualidades mais marcantes encontram-se a 
poderosa força de vontade e sua capacidade para influir eficazmente no espírito dos 
reclusos.” (BITENCOURT, 2008, p.133). Montesinos conseguiu o respeito dos 
encarcerados não pelo castigo, o que é comum nos dias atuais, mas sim pelo seu 
valor moral, sendo um líder autêntico entre os mesmos. 
As relações entre os reclusos se davam pelo respeito e confiança mútuos, criando 
sentimentos de cordialidade entre os recuperandos, os quais então percebiam que 
todos estavam com um mesmo objetivo, a ressocialização. 
 
 
 23 
6 O MÉTODO APAC 
 
 
O método apaqueano, tradicionalmente conhecido por Método APAC – Associação 
de Proteção e Assistência aos Condenados – genuinamente brasileiro, nasceu na 
cidade paulista de São José dos Campos, no ano de 1972, tendo como fundador o 
advogado Mário Ottoboni. É “um método de valorização humana, portanto de 
evangelização, para oferecer ao condenado condições de recuperar-se, logrando, 
dessa forma, o propósito de proteger a sociedade e promover a justiça”. 
(OTTOBONI, 2004, p.23). Quando surgiu, o objetivo se restringia ao trabalho com os 
recuperandos da cadeia pública de São José dos Campos, não tendo a pretensão 
de ser difundido mundialmente, como hoje o é verdade, conforme afirma o próprio 
Ottoboni. 
 
Naquela oportunidade, pensamos em desenvolver um trabalho com a 
população prisional da única cadeia existente na mencionada cidade, com 
o objetivo único de amenizar as aflições de uma população sempre 
sobressaltada com as constantes rebeliões e atos de inconformismo dos 
presos que viviam amontoados no estabelecimento situado na região 
central da cidade. (OTTOBONI, 2004 p.23). 
 
O Método APAC com o passar do tempo, ganhando dimensão e legitimidade devido 
a seus empolgantes índices, começou a se expandir para outros Estados da 
federação e até para o exterior, sempre tendo a experiência do próprio recuperando 
como exemplo principal do trabalho, o qual busca através do respeito ao mesmo seu 
retorno paulatino, sua volta ao convívio social. Inicialmente a sigla APAC tinha outro 
significado: “Amando o Próximo, Amarás a Cristo”, demonstrando o caráter religioso 
do método, o qual tem como bases a fé cristã e o conhecimento pelo homem do 
amor de Deus. 
É de se ressaltar que o Método APAC tem uma característica bastante semelhante 
aos postulados defendidos por Alessandro Baratta, que, dentre outros, defende a 
abolição da prisão, sugerindo novas formas de autogestão social em relação à 
delinqüência. Conforme leciona Bitencourt: 
 
A abolição da prisão supõe o desenvolvimento de formas alternativas de 
autogestão da sociedade no campo de controle da delinqüência. Tais 
formas autogestionárias de controle da delinqüência exigiriam a 
colaboração das entidades locais e das associações obreiras, a fim de evitar 
o isolamento social que sofre o infrator quando é recolhido a uma instituição 
 
 24 
penitenciária. Essa transformação implicaria a abolição da instituição 
penitenciária fechada e a utilização da prisão aberta. (BITENCOURT, 2008, 
p.119). 
 
Bitencourt não acredita que essa possibilidade seja alcançada num futuro próximo, 
mas sim num futuro distante, arrolando empecilhos à sua rápida efetivação, dentre 
os quais o mesmo cita: em primeiro lugar, a prisão não pode ser suprimida, deve 
haver a sua reforma, mas como meio de controle social é imprescindível à 
sociedade; em segundo lugar, os obreiros e as associações comuns não estariam 
dispostos a assumir o controle da delinqüência; por último, afirma que a pena 
privativa de liberdade não pode ter sua execução aberta, haja vista existirem presos 
com índole mais perigosa que outros. Deste modo, não há como dar tratamento 
igual a todos os tipos de atos criminosos. 
Em relação ao segundo argumento de Bitencourt, é de se concordar com o mesmo. 
Realmente e, infelizmente, a APAC não é bem recebida por algumas camadas da 
sociedade. Em localidades onde a APAC está instalada, muitas pessoas afirmam 
que a mesma serve para defender criminosos, e os voluntários são vistos pela 
comunidade de maneira negativa, a qual não entende a filosofia do método. 
A APAC defende a participação da sociedade no cuidado com seus recuperandos, 
gerando assim a possibilidade efetiva de ressocialização dos mesmos, os quais 
perceberão o zelo e interesse social pelo seu retorno ao convívio social. E considera 
a apatia e o distanciamento da população em relações às questões prisionais como 
elemento perturbador de tal ressocialização, principalmente, nos dias atuais em que 
a população se encontra aterrorizada com os altíssimos índices de violência, 
mormente no Brasil, muitas vezes defendendo a efetivação da pena de morte e o 
uso da tortura como condicionantes da paz social, da diminuição da criminalidade. 
Obviamente que de maneira ingênua e até mesmo como modo de retirar de si a 
parcela, mesmo que seja mínima, de responsabilidade com os problemas sociais. 
Dentre os nomes do método apaqueanoestá o do advogado Franz de Castro 
Holzwarth, morto metralhado pela polícia em 1981, quando era refém de presos 
rebelados. Existindo, inclusive, proposta de canonização do mesmo, tornando-se 
patrono dos presos e condenados da justiça, conforme entrevista com a participação 
de Mário Ottoboni, Mário Celso Candelária Bernardes Ottoboni, e Padre Dimas de 
Paula Inácio e da Irmã Célia Cardorin da Congregação Irmãzinhas da Imaculada 
 
 25 
Conceição, realizada na capital paulista no dia 5 de maio de 2008, conforme 
noticiado na Gazeta Apaqueana de junho de 2008. 
Estruturalmente, o Método APAC se baseia no sistema progressivo, com o intuito de 
devolver o recuperando realmente recuperado à sociedade. Tendo como elementos 
principais a participação da comunidade, aqui a semelhança mais uma vez com a 
teoria de Baratta, a comunidade deve despertar para o fato de que o Estado não 
conseguiu tomar conta da função essencial da pena. Dentro do método, os 
voluntários (pessoas da comunidade, familiares dos recuperandos, médicos, 
psicólogos, advogados, pedreiros, etc) têm função primordial, auxiliando na 
manutenção estrutural do estabelecimento prisional. 
O método prima também pelo lado espiritual. Nesses moldes, há diversos retiros 
espirituais, com a participação dos recuperandos e de suas famílias, as famílias 
participam ativamente do processo de recuperação, inexistindo aquela angústia de 
outros estabelecimentos prisionais, nos quais há distância efetiva entre os presos e 
seus familiares, fazendo aumentar os índices de fuga e reincidência, gerando nos 
presos o sentimento de vingança. 
Um segundo item importante é o fato de o próprio recuperando ajudar ao outro, os 
mais saudáveis ajudam os doentes, assim como os mais novos os mais velhos. Nos 
dizeres de Ottoboni: 
 
É fundamental ensinar o recuperando a viver em comunidade, a acudir o 
irmão que está doente, a ajudar os mais idosos e, quando for o caso, a 
prestar atendimento no corredor do presídio, na copa, na cantina, na 
farmácia, na secretaria etc. (OTTOBONI, 2004, P.67). 
 
Ao se entrar num estabelecimento com o método implantado, já de início será 
notada a administração desse pelos próprios recuperandos, com um recuperando 
responsável pela portaria. Não há polícia, mas sim a vigilância pelos próprios 
recuperandos. A cozinha é de responsabilidade dos mesmos, assim como o auxílio 
em assuntos burocráticos e administrativos. 
Para efetivar esse quesito, foram criados diversos alguns órgãos internos, dentre os 
quais a Representação de Cela que tem o objetivo de manter a harmonia entre os 
recuperandos, manter a higiene das celas, treinando líderes, havendo o rompimento 
dos tradicionais “códigos de honra”. 
Há também o Conselho de Sinceridade e Solidariedade, órgão opinativo, cujo 
representante é escolhido pela diretoria da APAC por prazo indeterminado. O 
 
 26 
Conselho tem como funções principais opinar sobre a disciplina, segurança, 
distribuição de tarefas, realização de reformas, promoção de festas, celebrações, 
etc. Outro item fundamental do método é o trabalho. Mas, nos dizeres de Ottoboni, 
ele não é o único elemento recuperador do ser humano. 
 
Existem muitas pessoas que pensam, de forma equivocada, que tão-
somente o trabalho recupera o ser humano. Mas isso não é verdade. Se o 
fosse, muitos países do primeiro mundo, sobretudo aqueles que instituíram 
as prisões privadas, teriam encontrado a solução para o problema. 
(OTTOBONI, 2004, p.69). 
 
O trabalho deve começar no regime fechado, sendo recomendados os trabalhos 
laborterápicos (artesanais) para esse regime. Deste modo, existe uma oficina 
laborterápica dentro do estabelecimento. No regime semi-aberto haverá o trabalho 
através de oficinas, aqui já inicializando a fase da especialização. É de se ressaltar 
que é frutífero o trabalho dentre do Método que diversas entidades industriais 
possuem convênio dentro dos estabelecimentos, inclusive ministrando cursos 
profissionalizantes. Já no regime aberto, os recuperandos, já preparados para o 
mercado de trabalho, exercem diversas tarefas em estabelecimentos dentro da 
própria sociedade. 
A assistência jurídica é outro trunfo do método. Nele todos os recuperandos 
cumprem seu prazo de maneira correta, chegando o dia do término de sua 
condenação, estão livres, inexistindo a possibilidade de já tendo cumprido suas 
penas, continuarem presos, como é comum no sistema comum. No método, o 
departamento jurídico acompanha de perto, um por um, o cumprimento da pena. 
Sabemos que quase a totalidade da população carcerária não possui condições 
financeiras para contratar um advogado, isso faz com que a situação acima narrada 
continue ocorrendo. 
Além da assistência jurídica, é prestado aos recuperandos assistência médica, 
odontológica e psicológica dentro do próprio estabelecimento, todos esses serviços 
são prestados voluntariamente pelos voluntários, os quais passam por um curso 
dentro da própria APAC 
O ponto alto da metodologia é a Jornada de Libertação com Cristo, a qual se 
compõe de três dias de reflexão entre os recuperandos, familiares, voluntários. 
Durante a jornada são apresentados testemunhos, palestras, músicas, mensagens, 
tais atos têm por objetivo apresentar e repensar o verdadeiro sentido da vida, sendo 
 
 27 
de extrema importância para a recuperação daqueles que transgrediram as regras 
da sociedade. Ottoboni explica o procedimento da Jornada: 
 
A Jornada se divide em duas etapas: a primeira preocupa-se em revelar 
Jesus Cristo aos jornadeiros. Sua bondade, autoridade, misericórdia, 
humildade, senso de justiça e igualdade. Para Deus todos são iguais e 
titulares dos mesmos direitos. A parábola do filho pródigo é o fio condutor da 
Jornada, culminando com o retorno ao seio da família, num encontro 
emocionante do jornadeiro com seus parentes. (OTTOBONI, 2004, p.69). 
 
Deste modo, percebe-se a preocupação do método com a dignidade do 
recuperando, o que reflete nos altos índices de recuperação, muito superiores aos 
do sistema comum, atingindo os motivantes índices de noventa e dois por cento na 
APAC da cidade mineira de Itaúna, uma das APAC’s modelo em todo o mundo, 
ensejando assim a implantação do método em várias outras comarcas do Brasil e 
até mesmo em outros países. O que anima toda a sociedade a trabalhar e acreditar 
que há solução, basta matar o criminoso e fazer nascer o homem que existe dentro 
de cada um! 
 
 28 
7 O PANOPTICUM DE JEREMY BENTHAM 
 
 
O modelo “Panopticum” foi desenvolvido no século dezoito pelo filósofo inglês 
Jeremy Bentham com o objetivo de ser uma reforma não só do sistema prisional, 
como também de outros tipos de estabelecimentos, como os educacionais, de 
assistência e de trabalho, facilitando, por intermédio da diminuição de custos e de 
trabalho, a observação constante e integral de todos os integrados à instituição onde 
o mesmo fosse adotado. 
Originariamente, o modelo é apresentado por Bentham, através de uma carta, no 
ano de 1791 ao Sr. J. Ph. Garran, então deputado da Assembléia Nacional da 
França. Bentham intencionava que o livro fosse lido na Assembléia e que, se os 
interessassem, fosse adotado. A França era o país para onde todos os olhares se 
dirigiam, visto estar em época revolucionária, de transição de regime, a Revolução 
Francesa contagiara todo o mundo e fora aplaudida de maneira unânime. Bentham 
em uma passagem inicial da carta afirma: 
 
Permita-me construir uma prisão com esse modelo, e eu serei o carcereiro 
da mesma. Verás que este carcereiro não pedirá nenhum salário e nada 
custará à nação. Quanto mais penso nele, mais me parece que este projeto 
é daqueles cuja primeira execução deveria estar nas mãos de seu inventor. 
(BENTHAM, 1791, p.1, tradução nossa).10 
 
Assim, ao concluir a apresentação da carta, Bentham começa a traçar a definição e 
as instruçõessobre o funcionamento do seu “Panopticum”. O modelo de Bentham 
tem o objetivo de fiscalizar integralmente o estabelecimento prisional, os movimentos 
dos presos, as reações, todas as circunstâncias de suas vidas, por meio de uma 
estrutura, em tese, muito simples, um edifício circular, ou vários edifícios encaixados 
uns aos outros, com uma altura de seis pavimentos, tendo ao meio uma torre onde 
ficam os inspetores, sendo por fora coberta por uma treliça que permite que os 
mesmos vigiem integralmente os reclusos, mas impede que os mesmos vejam os 
inspetores. 
Deste modo, como nos afirma o próprio Bentham, “o inspetor sem nenhum esforço 
da voz, sem se mover, pode avisar aos presos, dirigir seus trabalhos e faze-los sentir 
 
10
 Permítaseme construir una prisión con ese modelo, y yo seré carcelero de ella. Vereis en dicha 
memoria que este carcelero no pide ningún salario y nada costará a la nación. Cuando más pienso en 
ello, más me parece que tal proyecto es de aquellos cuya primera ejecución deberia estar en manos 
de su inventor. 
 
 29 
sua vigilância.” (BENTHAM, 1791, p.3, tradução nossa).11 Dentre as vantagens do 
modelo, há a possibilidade de se colocar todos os inspetores e os presos sob a 
vigilância de uma só e mesma pessoa, haja vista que em outros modelos não há a 
possibilidade de se recorrer, em casos de rebeliões, solicitações dos presos, ao 
pessoal da administração do estabelecimento, havendo brigas entre presos no 
interior das celas sem que os carcereiros tomem conhecimento imediato, chegando 
o mesmo a essa cela após o preso já ter sido assassinado pelos outros 
companheiros, o que é freqüente em nossa realidade atual. 
Também não há possibilidade de os presos insultarem os carcereiros e vice-versa, 
visto os mesmos não terem nenhum tipo de contato, nem mesmo o visual, a não ser 
dos carcereiros em relação aos presos. As tentativas de rebelião também serão 
imediatamente abortadas, além de se abordar a segurança do próprio 
estabelecimento, o qual não terá, de acordo com o projeto de Bentham, nenhuma 
parte feita de madeira, somente ferro em todas as partes onde o possa utilizar, o 
piso, geralmente de pedra ou de ladrilho, será coberto de gesso para se impedir que 
acumule sujeira, evitando males à saúde dos presos. 
Apesar da dificuldade em se estabelecer um consenso acerca de qual seja o 
objetivo de uma penitenciária, muitos acreditam ser um local para se castigar, 
retribuir o mal feito por um criminoso, outros concordam que deve ser um local para 
ressocialização, Bentham expõe claramente os objetivos de uma prisão do modelo 
do “Panopticum”: 
 
Desviar a imitação dos crimes pelo exemplo do castigo; prevenir as ofensas 
dos presos durante sua reclusão; manter a decência entre eles, conservar 
sua saúde e limpeza que é parte dela; impedir sua fuga; provê-los de meios 
de subsistência para quando ganharem a liberdade; dá-lhes a instruções 
necessárias, faze-los adquirir hábitos virtuosos, preserva-los de todos maus-
tratos ilegítimos; procurar o bem estar que valha seu estado, sem ir contra a 
finalidade do castigo; e, em suma, obter tudo isso como meios econômicos, 
com uma administração que busque o êxito, com normas de subordinação 
interna, que ponham todos os empregados sob a direção de um chefe e 
este mesmo chefe sob os olhos do público. (BENTHAM, 1791, pp.6-7, 
tradução nossa).12 
 
11
 [...] el inspetor sin ningún esfuerzo de la voz, sin moverse, puede avisar a los presos, dirigir sus 
trabajos y hacerles sentir su vigilância. 
12
 Desviar la imitación de los crímenes por el ejemplo del castigo; prevenir las ofensas de los presos 
durante su cautiverio; mantener la decencia entre elllos, conservar su salud y la limpieza que es parte 
de ella; impedir su evasión; proveerlos de medios de subsistencia para cuando salgan libres; darles 
las instrucciones necesarias, hacerles adquirir hábitos virtuosos, preservalos de todo maltratamiento 
ilegítimo; procurarles el bienestar que amerita su estado, sin ir contra la finalidad del castigo; y, en 
suma, obtener todo esto con medios económicos, con una administración que busque el êxito, con 
 
 30 
O “Panopticum” terá o modelo de administração econômica baseado na confiança, o 
Estado arcará com valores inferiores ao gasto com prisões tradicionais, e o 
“Panopticum” retribuirá ao Estado o produto do trabalho dos encarcerados. Porém, é 
de se ressaltar que sua administração não será confiada a um empresário, que, para 
Bentham, sempre buscando auferir lucros, transformaria os encarcerados em 
escravos do lucro e poderia sujeitá-los a várias horas diárias de trabalho de maneira 
desumana e capitalista, vendo-os como meros instrumentos do lucro, lembrando os 
tempos da Revolução Industrial no século dezoito. 
Haverá uma divisão para homens e para mulheres, como celas separadas, uma em 
cada lado do prédio, não há que se construir um prédio para homens e outro para 
mulheres, visto haver uma desproporção em relação à quantidade de homens e 
mulheres detidos. Assim, haveria um prédio com vários encarcerados, enquanto o 
outro teria poucos. Outra questão colocada por Bentham se refere à separação entre 
os presos. Tradicionalmente há o encarceramento de presos com diferentes 
características e crimes, jovens com anciãos, ladrões com assassinos, devedores 
com estupradores, fazendo com que aqueles que estão pouco corrompidos fiquem 
totalmente corrompidos, “onde a fetidez do ar é para sua saúde menos nociva que a 
periculosidade da infecção moral para sua alma” (BENTHAM, 1791, p.10, tradução 
nossa). 13 
O interior de uma prisão é um local de barulho, fétido, onde não é possível se 
alcançar um dos objetivos básicos de sua criação: a reflexão acerca da conduta 
criminosa, suas conseqüências e a posterior ressocialização do condenado. Ao 
contrário, estando expostos a várias mazelas, como violência física, moral, doenças 
infecciosas, maus-tratos, os encarcerados tornam-se pessoas revoltadas com sua 
situação, muitas vezes tendo condutas parecidas com a de animais irracionais, 
digladiando-se pela sobrevivência. Deste modo, os criminosos tornam-se unidos 
contra o Estado opressor, Estado que lhes retirou todos os predicados para serem 
reintegrados ao convívio social, gerando nos mesmos o sentimento não de 
malfeitores, mas sim de vítimas. 
 
normas de subordinación interna, que pongan a todos los empleados bajo la dirección de un jefe y a 
este mismo jefe bajos los ojos del público. 
13
 [...] donde la fetidez dela ire es para su salud menos nociva que la peligrosidad de la infección 
moral para su alma. 
 
 31 
A omissão do Estado dentro das prisões faz com que grupos internos tomem a 
liderança das mesmas, tirando do Estado sua autoridade. Bentham observa a 
tentativa de Howard em separar os presos de maneira absoluta, afirmando que: 
 
 [...] pude comprovar como a solidão absoluta, ainda que a princípio produza 
um efeito saudável, perde rapidamente sua eficácia e faz cair o infeliz preso 
em desespero, loucura ou insensibilidade. Em efeito, que outro resultado se 
pode esperar quando deixamos que uma alma vazia se atormente sozinha 
durante meses e anos? (BENTHAM, 1791, pp.10,11, tradução nossa).14 
 
O castigo pode ser útil durante um curto espaço de tempo, todavia, em pouco tempo 
perderá sua eficácia. Ademais, Bentham continua e afirma que o isolamento 
absoluto fere o sentido da justiça e os direitos humanos, e por razões econômicas é 
prejudicial ao Estado que terá que construir diversos outros estabelecimentos, visto 
precisar de inúmeras outras celas. (BENTHAM, 1791, p.11). Pela própria estrutura 
física do “Panopticum”,o inspetor em pouco tempo conhecerá pessoalmente todos 
os reclusos, além de poder fiscalizar de perto todos os seus atos, fazendo com que 
atitudes suspeitas, tentativas de fuga, complôs, sejam, de pronto, abortados. 
Bentham nos mostra que o “Panopticum” tem uma preocupação séria com a 
personalidade, moral, e integridade do encarcerado, prevenindo desgastes morais 
no encarcerado, evitando que reclusos que possuem vida libertina fiquem juntos com 
os que ainda não foram corrompidos, estimulando laços internos de amizade, 
estimulando o trabalho para o aperfeiçoamento da pessoa humana, para que 
possam sair dali pessoas melhores ao termo de suas penas. 
Em relação ao trabalho, Bentham defende um trabalho que haja recompensas, e 
não o trabalho forçado, o qual só produz no encarcerado o sentimento de raiva. O 
trabalho deverá durar por toda a jornada, havendo intervalo para as refeições e 
também alternância entre as atividades, em um turno haverá trabalho sedentário, em 
outro atividade em que será necessário o exercício físico. Pois, de acordo com 
Bentham: 
 
[...] uma ocupação sempre sedentária ou constantemente laboral, sobretudo 
em um estado de encarceramento, produziria uma surda melancolia, ou 
arruinaria a saúde; de outro modo, alternativamente, um após o outro, 
atinge o duplo objetivo da recreação e do exercício. A mistura de ocupações 
 
14
 [...] pudo comprobar cómo la soledad absoluta, aunque al principio produce un efecto saludable, 
pierde rápidamente su eficacia y hace caer al infeliz cautivo en la desesperación, la locura o la 
insensibilidad. En efecto, qué ótro resultado se puede esperar cuando dejamos que un alma vacía se 
atormente sola durante meses y años? 
 
 32 
é, pois, uma feliz idéia para a economia das penitenciárias. (BENTHAM, 
1791, p.12, tradução nossa).15 
 
Em relação ao trabalho, Bentham defende um trabalho em que haja recompensas, e 
não o trabalho forçado, o qual só produz no encarcerado o sentimento de raiva. O 
trabalho deverá durar por toda a jornada, havendo intervalo para as refeições, 
havendo alternância entre as atividades, em um turno haverá trabalho sedentário, 
em outro, atividade em que será necessário o exercício físico. 
A alimentação dos encarcerados no “Panopticum” deverá ser proporcional ao seu 
apetite, pois a medida de se dar a cada recluso uma quantidade igual de alimento 
fere a própria noção de justiça, visto haver reclusos com apetite maior que outros. O 
pão, por ser um alimento barato, saudável e que satisfaz o apetite de modo eficaz, 
deverá ser adotado durante as refeições nos intervalos. Os reclusos também 
poderão comprar alimentos com o dinheiro que auferirem com o seu trabalho. Deste 
modo, a auto-estima dos mesmos melhorará ainda mais. Bentham salienta que deve 
ser proibidos os licores, em uma referência às modernas bebidas alcoólicas. 
O vestuário deve ter alguma marca de humilhação, as mangas da camisa devem ter 
uma longitude desigual para ambos os braços, com isso, evitar-se-á fugas, e será 
um meio de se reconhecer um homem que tenha se evadido. A limpeza deve ser 
impecável, o preso ao entrar para a cadeia deverá ter seus cabelos cortados de 
modo curto, os banhos devem ser regulares, e os presos não podem dormir mais 
que sete ou oito horas por dia, pois do contrário, ficam preguiçosos, afirma Bentham. 
A educação é um dos aspectos mais interessantes do projeto benthamiano, o estudo 
será fator de transformação do homem condenado, fazendo com que o mesmo 
esteja apto a retornar ao convívio social após sair do cárcere. Homens 
aparentemente irrecuperáveis podem, por intermédio da educação, se transformar 
em membros úteis à sociedade. Dentre as atividades educacionais previstas, 
Bentham cita o desenho como uma atividade artística e laboral financeiramente 
rentável, podendo trazer dividendos àquele encarcerado que a praticar. Durante os 
domingos, dia de descanso, não haverá trabalho, mas é um dia especial para a 
educação dos presos, quando então os mesmos praticarão atividades religiosas e 
artísticas. 
 
15
 [...] una ocupación siempre sedentaria o constantemente laboriosa, sobre todo en un estado de 
encarcelamiento, produciría una sorda melancolía, o arruinaría la salud; en cambio, alternativamente, 
uno tras outro, llena el doble objetivo del recreo y el ejercicio. La mezcla de ocupaciones es, pues, 
una feliz idea para la economía de las penitenciarías. 
 
 33 
Obviamente não são todos os encarcerados que aceitam a educação, muitos outros 
cometem faltas internas, para isso Bentham sugere castigos, havendo falta haverá 
castigo. Mas esses não podem ser agravados em qualidade, mas sim em 
quantidade, ou seja, se um encarcerado começar a cometer faltas reiteradas, terá 
mais castigos, e os castigos devem ter as mesmas características da falta cometida. 
Por exemplo, em caso de negativa de trabalho de um encarcerado, ser-lhe-á negada 
comida; violência física será punida com camisa-de-força. Bentham ressalta a 
responsabilidade mútua, nos seguintes termos: “Encerrada nos limites de uma cela, 
não pode nunca ultrapassar os limites da mais estrita justiça: denuncia o mal, ou 
sofre como cúmplice.” (BENTHAM, 1791, p.15, tradução nossa).16 A 
responsabilidade mútua estava em voga na Inglaterra de então, os grupos eram 
integrados por dez pessoas cada, se um cometesse uma falta, os outros nove 
sofreriam as conseqüências, havendo o ferimento do moderno princípio da 
individualização/personalidade da pena, que prevê que nenhuma pena passará da 
pessoa do condenado. 
Um outro item bastante interessante na obra de Bentham se refere ao momento em 
que o preso ganha a liberdade, isso após algum tempo em um regime com bastante 
disciplina, de educação, Bentham afirma que o homem estará bem preparado para o 
retorno à vida em sociedade. Nesse aspecto há uma idéia republicana bastante 
interessante, Bentham nos traz: 
 
Não se deve por em liberdade um preso sem que antes possa cumprir com 
uma ou outra destas condições: primeiro, se os prejulgamentos não se 
opõem, deve entrar para o serviço de terra ou de mar; está tão acostumado 
à obediência, que chegará a ser, sem esforço, um excelente soldado. 
(BENTHAM, 1791, p.12, tradução nossa).17 
 
Por fim, Bentham ressalta, novamente, algumas vantagens do “Panopticum” e 
elenca outras novas, afirmando que o modelo traz a certeza de uma boa conduta 
atual e a reforma futura dos presos, aumentando a segurança pública, trazendo 
economia ao Estado. Novamente ressaltando o fato de o modelo poder ser bem 
instituído em todos os estabelecimentos em que deve haver a conjugação de 
inspeção e economia: fábricas, onde um só poderá fiscalizar o trabalho de todos os 
 
16
 Encerrada en los limites de cada celda, no puede nunca sobrepasar los limites de la más estricta 
justicia: denuncia el mal, o sufre como complice. 
17
 No se debe poner en libertad a un preso, antes que pueda cumplir con una u otra de estas 
condiciones: primero, si los prejuicios no se oponen, puede entrar al servicio de tierra o de mar; está 
tan acostumbrado a la obediencia, que llegará a ser sin esfuerzo un excelente soldado. 
 
 34 
empregados; hospitais, nos quais a negligência na prescrição de medicamentos, a 
limpeza, teriam melhor resultados. Isso tudo obviamente dentro de um modelo que 
prima pela economia e pelo pragmatismo. (BENTHAM, 1791, p.17). 
 
 35 
CONCLUSÃO 
 
 
Com as passagens anteriores, explorando os sistemas penitenciários, dos clássicos 
ao método brasileiro APAC, viu-se, de maneira sucinta, a realidade carcerária ao 
longo da história. Com uma reflexão, a qual não necessariamente tem que ser 
profunda, dá-se para concluir pela falência da prisão, a qual não ressocializa

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