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JORNALISMO POPULAR EM CAMPO GRANDE ELLEN GENARO LEMOS1 GREYCE MARA FRANÇA2 Resumo: O jornalismo popular, com o objetivo de atrair o público, privilegia os escândalos, as curiosidades e as bizarrices entre as notícias. Atualmente, o sensacionalismo tem ocupado cada vez mais os espaços dos veículos, principalmente na televisão. Esse artigo pretende identificar os programas populares de Campo Grande e fazer uma breve revisão bibliográfica sobre o que de conceito e histórico deste gênero. Palavras chaves: a) sensacionalismo b) jornalismo popular c) audiência INTRODUÇÃO O jornalismo é uma atividade prática, confrontada pelo imediatismo, pelas horas curtas para o fechamento de uma edição. Não há muito tempo para pensar. A questão é agir! Ter uma perspicácia profissional e noticiosa. Por isso, o jornalista já tem uma maneira de elaborar as pautas através de alguns hábitos mentais. É quase um funcionamento habitual. A necessidade de aumentar a circulação no caso dos impressos e a audiência quando se refere à televisão, sobrepõe-se muitas vezes à de exercer o papel da imprensa. Para atender às necessidades do público, os jornais precisaram se aproximar do seu leitor/telespectador. Muitos meios de comunicação lançam e investem em programas e jornais populares ou sensacionalistas para como diz o próprio nome, oferecer exatamente o que a massa quer ver e cair no gosto do povo. São reportagens que 1Gerente de Jornalismo da TV MS Record e Mestranda em Comunicação Social da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. 2 Doutora em Comunicação Social pela UMESP. Professora do Mestrado em Comunicação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e coordenadora geral do Núcleo de Jornalismo Científico e do Núcleo de Comunicação em Saúde e Meio Ambiente da UFMS. email: greicymara@hotmail.com.br. precisam revelar emoção, drama, sensações boas, ruins e de indignação, as pautas são voltadas muito mais à vitrine da vida da população. O popular mostra os melodramas, apelos, o grotesco. Numa breve comparação pode-se dizer que se na imprensa tradicional ou de referência “o jornalismo é um modo de conhecimento, no popular é um modo de entretenimento”.3 Notícia que se preza deve trazer o calor do factual. No jornalismo popular percebe-se que algumas vezes, o fato não é nem tão relevante, porém transmitir ao vivo, em tempo real uma perseguição policial ou um acidente de trânsito via televisão ou internet já é o suficiente para prender a atenção do leitor/ telespectador. O barulho da cirene, o grito da vítima, ou a correria que envolve polícia e corpo de bombeiros em algumas ocorrências são os ingredientes que prender o olhar e estimulam as sensações dos espectadores. O mesmo nota-se numa foto de site ou do jornal impresso tirada no exato momento do fato, ou na nova cirurgia plástica da atriz da novela do horário nobre. Ou o novo relacionamento entre famosos. Nos jornais populares, os princípios do jornalismo tradicional caem em conflito porque são destinados a um público de menor escolaridade e que por não buscar meramente informação ou conhecimento precisam ser conquistados diariamente. Para Amaral (p.52, 2006) “é muito mais difícil vender jornal para quem tem baixo poder aquisitivo e pouco hábito de leitura.” A autora defende que o jornal popular está mais voltado para as classes C, D e E. E geralmente esse público está interessado em prestações de serviço, entretenimento ou notícias que tenham características mais dramáticas. O segmento de jornais destinados a população de menor poder aquisitivo e baixa escolaridade existe há mais tempo do que se imagina. Pesquisas mostram que tem raízes desde os primórdios da imprensa. Mas antes de entrar um pouco na história, que veremos no item a seguir, é preciso definir jornalismo popular e sensacionalista. 1 JORNALISMO POPULAR E SENSACIONALISTA: UMA DEFINIÇÃO A literatura sobre o jornalismo brasileiro se refere a dois tipos de imprensa a de elite (de prestígio, de qualidade, séria) e popular, referindo-se à imprensa alternativa 3 Márcia Franz Amaral (2004) usa essa frase para definir a diferença entre o jornalismo tradicional e o popular. A definição está em sua tese de doutorado Lugares de fala do leitor no Diário Gaúcho (AMARAL, p.69.2004). somente em ensaios recentes que a situam como fenômeno provocado pelas mudanças institucionais ocorridas após o regime político de 1964. Para Pedroso (2001), os jornais da grande imprensa atendem às características empresariais e editoriais. São divididos pelo tipo de público que pretendem atingir. Existem os que produzem mensagens adequadas ao nível cultural das classes alta e média da população e os jornais que produzem mensagens adequadas ao baixo nível cultural e econômico da classe baixa. Parece uma divisão cruel, mas se tratando de público alvo esse entendimento é necessário para se obter bons resultados na produção, veiculação e venda dos jornais. O material produzido para as classes alta e média circulam nas faixas superiores e intermediárias (classes A e B4) da população. São geralmente notícias emolduradas pela sobriedade quando é apresentada com a proposta de efeito de credibilidade junto ao público. “São jornais que tem reconhecimento pelo conceito editorial” (PEDROSO, 2001, p.47). Para Rosa Nívea Pedroso, os jornais de classe baixa são aqueles que buscam a atenção de todas as classes de leitores, principalmente classe C para baixo e desprezam a opinião editorial e a linha de sobriedade e seriedade. Por isso, podem ser rotulados por exibirem mensagens desacreditadas e sensacionalistas, nas quais violência e sexo são sempre os principais temas explorados. A dramatização ou humanização do acontecimento resulta do aproveitamento dos conflitos pessoais e das sensações dos leitores. Os criminosos e os pervertidos agem, matam e morrem no lugar do leitor. Daí vem o nome sensacionalismo, muito presente nos jornais populares. Danilo Angrimani (1995) no seu livro Espreme que Sai Sangue define o sensacionalismo como uma linguagem específica que remete ao inconsciente dos consumidores e atende necessidades psicológicas coletivas. Para Márcia Franz Amaral (2006) o sensacionalismo é o grau mais radical da mercantilização da informação. “Está ligado ao exagero; à intensificação; valorização da emoção; ‘a exploração do extraordinário, à valorização da emoção, à exploração do extraordinário, à troca do essencial pelo supérfluo ou pitoresco” (AMARAL, 2006, p.21). Por isso é tão comum ver nesses jornais páginas sangrentas. Ainda segundo a autora (2006) o conceito de sensacionalismo está ultrapassado. Ela prefere chamar de jornalismo popular por ser menos preconceituosa para compreender sua característica. O popular identifica um tipo 4 Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, existem no Brasil 5 classes sociais. Os dados estão na página http://www.ibge.gov.br/home/ de imprensa que se define pela sua proximidade e empatia com o público-alvo, pelo tipo de serviço que presta. A imprensa popular busca satisfazer os leitores geralmente pessoas que estão inseridas nas classes de baixos níveis de instrução e renda. “Baseia-se no entretenimento e não na informação, mistura gêneros, utiliza fontes populares e trata a informação de um ponto de vista tão particular e individual, que sua relevância se evapora.” (AMARAL, 2006, p.52). Até 1975, os jornais para classe baixa eram só sensacionalistas. Com o processo de liberalização ideológica que começoua se processar no país foram feitas algumas alterações. Assim, esses jornais que assumem características aparentemente populares passaram a oferecer mais informações porque o mundo melhorou tecnologicamente e o grau de informações, interesses, necessidades e exigências aumentou. Hoje, esses jornais tratam também de economia e política. (PEDROSO, 2001). No entanto, ainda precisam recorrer ao escândalo gráfico e visual da primeira página ou à apelação das manchetes5. A autora define sensacionalismo, como forma de comunicação buscada pelos jornais para a classe baixa como “imposição do sistema ideológico para o povão”. (PEDROSO, 2001.p 49) “o povão só gosta de informação superficial, grosseria primaria, desvinculada da estrutura social, política e econômica da sociedade”. Uma diferença apontada por Amaral (2006) entre o jornalismo popular e o sensacionalista é que no caso por exemplo dos impressos, esses continuam sendo vendidos com capas chamativas e a violência é um dos assuntos mais abordados. No entanto, os cadáveres são cada vez mais raros. “No lugar de linguagem chula, da escatologia e das matérias inventadas, os jornais buscam a linguagem simples, o didatismo, a prestação de serviços e pasmem, a credibilidade” (AMARAL, 2006, p.10) As práticas abrangidas pela caracterização sensacionalistas tanto podem significar o uso de artifícios inaceitáveis para a ética jornalística, como também podem configurar-se numa estratégia de comunicabilidade. Assim, o sensacionalismo abrange diversas estratégias, e é pouco produtivo circunscrevê-las num único conceito. Por isso é mais adequado caracterizar esse segmento da grande imprensa como “popular” e não sensacionalista. (AMARAL, 2006 p.24) 5 A primeira comunicação entre o jornal e o leitor é estabelecida a partir da manchete, definição por Rosa Nívea Pedroso (2001). A construção do discurso de sedução em um jornal sensacionalista. O termo popular vem do povo por isso os jornais populares mostram um jornalismo do cotidiano. Essa é uma das principais definições da autora Cecília Peruzzo (2004). Ela explica que a comunicação popular tende a despertar o interesse por parte da audiência, pelo fato de o conteúdo e os personagens terem relação mais direta com as pessoas. A autora acredita que “os programas vão além de serem meros espetáculos, mas sim programas em que os telespectadores participam”. Quando se fala em comunicação popular, parece claro, à primeira vista, que se trata de comunicação do povo. Mas o adjetivo “popular” abrange uma multiplicidade de significados diferentes, sendo consensual apenas que tem a ver com o “povo”. Assim, é da definição de “povo” que se parte para explicitar o que é “popular”, embora essa categoria encerre a mesma problemática, podendo ser compreendida de várias maneiras. (PERUZZO, 2004 p.114). Já para Marialva Barbosa e Ana Lucia Silva Enne (2005), o popular muitas vezes é incompreensível aos olhos, que interditam os valores, os entendimentos, as preferências de um público pertencente a um dado universo cultural. O popular apela ao grotesco e se nutre também dos gostos, dos apelos, dos desejos de outros grupos. Já o sensacionalismo é um tipo de notícia que apela às sensações, que provoca emoção, que indica uma relação de proximidade com o fato reconstruído exatamente a partir de uma memória dessas sensações. (BARBOSA e ENNE, 2005 p. 67) 2. HISTÓRIA DO JORNALISMO POPULAR Para abordar melhor esse assunto é preciso resgatar a história desse jornalismo no mundo. Em 1690, na Alemanha, o autor Tobias Peucer, um dos progenitores da teoria do jornalismo, escreveu sobre a Imprensa do século XVII. Segundo Jorge Pedro Souza, na época, havia vários tipos de publicações. Eram relatos de notícias sobre os acontecimentos relevantes. As primeiras eram anuais, passando em sequência a mensais, semanais até chegarem ao diário. O desenvolvimento da imprensa nessa época se deu pelas questões mercadológicas, o desenvolvimento da tipografia e a indústria do papel e tinham ainda o objetivo de saciar a curiosidade humana. O papel de informar já se conceituava como notícia, era tratada em assuntos comerciais e econômicos da época. Outras notícias chegavam até ser descartadas por conta do moralismo e controle da Igreja. Mesmo assim, eram produzidas para atender às questões do ser humano e não por apelo informativo. Entende-se que já havia jornalismo sensacionalista desde essa época. As folhas volantes do segundo tipo falavam dos mesmos assuntos que as relações de notícias reis, rainhas e outras celebridades, assassinos e assassinatos, catástrofes, batalhas, trocas comerciais, milagres, feitiçaria, bizarrices da natureza e outros assuntos insólitos (SOUSA, 2004, p. 3). Era preciso saber os pormenores da realeza, as “fofocas” e tudo que acontecia. No entanto, os primeiros impressos populares do século XVI, editados por pequenas tipografias a para serem vendidos em feiras e praças, ainda não constituíam a cultura de massa como é hoje. Outro relato do jornalismo sensacionalista, no passado, é da imagem do corpo morto, em primeira página, estirado ao chão, coberto de sangue, vítima da violência urbana no jornal New York Sun, fundado em 1833.. Foi ícone da imprensa do século XIX, nos Estados Unidos e ficou conhecida como penny press. Custava apenas 1 centavo, por isso o nome penny, e era dirigido a classes populares. No slogan era chamado de um jornal que “brilha para todos” destinado “aos mecânicos e ‘as massas em geral”. (O jornal) continha anúncios publicitários e atendia um público leitor que buscava informações ligadas ao seu cotidiano, relacionadas a dramas de pessoas comuns, polícia e o dia-a-dia nos parlamentos. Não se utilizava do folhetim, mas buscava o relato detalhado de feitos reais, crimes, dramas de família e narrações de interesse humano. Relatava extensamente os episódios sensacionais para assegurar a fidelidade do público (AMARAL, 2004, p. 101). A Penny press superou os paradigmas dos jornais como instrumentos políticos. Essa imprensa passou a oferecer aos leitores uma informação mais atraente, a narrativa assumia a característica sensacionalista. As manchetes e os títulos nas capas não só se colocaram como um novo sentido, mas funcionava como uma fascinação para atrair o público. Suicídios, incêndios, brigas de rua, assassinatos deram lugar ao “tédio dos jornais tradicionais” (AMARAL, p.17, 2006). O Sun passou a atender um público que buscava notícias sobre seu cotidiano, por isso todos os episódios sensacionais eram registrados. Esses mesmos surgiram posteriormente, em todas as partes do mundo. Registros indicam que o sensacionalismo é uma prática utilizada antes mesmo do surgimento dos jornais, no século XVIII. Na França no século XV, entre os anos 1560 e 1631 com o Nouvelles Ordinaries e o Gazette de France; e nos Estados Unidos em 1690 com a criação do jornal Publick Ocurrences. Nos Estados Unidos, nota-se que o primeiro jornal tinha características sensacionalistas. O Publick Occurrences teve apenas uma edição. Foi publicada em 25 de setembro de 1690. Informava aos leitores sobre uma epidemia de sarampo que atingia Boston e ainda chamava os índios de selvagens miseráveis (ANGRIMANI, 1995). Entretanto, o marco do jornalismo sensacionalista foi nos Estados Unidos, em 1883. Data da criação do jornal New York World, editado por Joseph Pulitzer, um inovador do jornalismo impresso e o MorningJournal, de William Randolph Hearst, filho de um milionário da época. Os jornais sensacionalistas funcionaram como um dispositivo de socialização para agregar a sociedade norte-americana tanto os negros libertos quanto os migrantes europeus. A imprensa investiu em estratégias de comunicação que fascinaram o publico de baixo nível de alfabetização. Pulitzer e outros barões da imprensa popular fizeram dos imigrantes seu público básico. O estilo de escrever era muito simples, de forma que os imigrantes pudessem entender tudo. As páginas editoriais os ensinavam a ser cidadãos. Os novos americanos se reuniam todas as noites, depois do trabalho, para conversar sobre o que haviam lido nos jornais, ou ler para outros amigos e discutir os fatos relevantes do dia (AGUIAR apud KOVACH e ROSENSTIEL, 2004, p. 252). Palestra da Semana de Estudos da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), ocorrida em 1969 foi o primeiro encontro onde o tema começou a ser discutido. Palestrantes desse evento partiam do pressuposto de que todo o processo de comunicação é sensacionalista, pois instiga o espectador a ter sensações físicas e psíquicas. 2.1 JORNALISMO POPULAR NO BRASIL Em 1945, ano do início do processo de industrialização nacional e de expansão do modelo capitalista refletiram na imprensa brasileira. Consolidou-se um modelo de jornal como qualquer outra empresa, também com o foco no capital. Foi então necessário mudar a linguagem. “O jornalismo antes opinativo, político, doutrinário, partidário, polêmico, panfletário, se tornou apolítico, objetivo, informativo, atomizado, descomprometido, desarticulado, não-reflexivo, despolitizador e uniderecional” (PEDROSO, 2001, p.18). Esse jornalismo então manifesta-se, conforme José Marques de Melo, através de duas características: “ Sensacionalismo, para vender notícia é preciso despertar emoções do público consumidor e atomização o que chama-se também de imprensa tradicional, o rela é percebido não em sua totalidade, mas em seus segmentos: política, economia, esportes, ciência etc.( (In comunicação e Sociedade, 1982:19). No entanto a sobriedade, seriedade e a objetividade são características de jornais que não precisam se preocupar com o fator financeiro como método de sobrevivência. “Os jornais que ainda não alcançaram a estabilidade econômica desejada, ainda precisam recorrer ao sensacionalismo, à pornografia, ao escândalo, ao sexo, ao crime, como meios de chamar compradores.” (PEDROSO, 2001.p 20). O autor se referia à situação econômica da década de 50. O jornal sensacionalista Notícias Populares, fundado em 1963 e fechado em 2001, é o mais conhecido no Brasil. Utilizava amplamente notícias sobre crimes, assassinatos, acontecimentos atípicos, além de quaisquer notícias que caracterizassem curiosidade, fugissem da normalidade do cotidiano ou envolvessem mortes bizarras e sempre com um estilo exagerado e sensacional. Baseava sua venda nas manchetes. Entre as inovações, estavam a cobertura da vida de famosos e a economia popular. Outros vários jornais brasileiros marcaram a história da imprensa no Brasil pela relação com o setor popular. Entre os principais estão: Folha da Noite (São Paulo, 1921-1960), O Dia (Rio de Janeiro, 1951 até hoje), Última Hora (Rio de Janeiro, 1954- 1979). Além do Notícias Populares citado no primeiro parágrafo, é importante destacar o Última Hora. Esses dois últimos nasceram para defender a posição política de seus donos. O UH era favorável a Getúlio Vargas. Já o NP foi fundado por líderes da União Democrática Nacional. O UH chegou a ser definido como tribuna de Getúlio Vargas, “do povo para o governo” era o lema. No primeiro número, o jornal anunciou a instalação de urnas em diferentes pontos da cidade para receber reclamações, sugestões e denúncias dos leitores. Posteriormente, chegou a criar uma tendinha de reclamações para ouvir o povo na praça e até júris populares para julgar crimes contra a economia do povo. Com o golpe militar, o UH precisou ser vendido. Foi então o NP assumiu os leitores do UH com a cobertura do cotidiano paulista até ser vendido para o mesmo grupo do UH: A Folha da Manhã. Desse momento em diante, o Notícias Populares adquiriu uma cara popular. Muitas matérias de polícia, esporte, mulheres e sexo. Em 1971, ganhou um tom debochado e cômico. Doses de crime e sexo ficaram exageradas para que o jornal tivesse boa tiragem. Foi o período em que mais teve notícias policiais, foi então que criou-se o bordão “espreme que sai sangue”. Mesma época que surgiu o caso do bebê-diabo, um romance interativo. Na década de 90, o jornal começou a ter caráter duvidoso, reportagens inventadas chegaram a ser proibidas. O leitor começou então a renegar os exageros do sensacionalismo do jornal. Em 1998, as Organizações Globo lançam o Extra no Rio de Janeiro. O grupo Folha decide também criar um jornal mais com a cara do povo, o Agora São Paulo. Muitos outros impressos, Brasil afora surgiram após esses dois: Folha de Pernambuco (PE), Primeira Hora (MS), Notícia Agora (ES), Expresso Popular (SP). Diário Gaúcho (RS). Tem os mais tradicionais, muitos no mercado ate hoje, é o caso do O Dia (RJ – 1951 até hoje), a A Tribuna do Paraná (PR-1956 até hoje), Jornal da Tarde (SP- fundado em 1966) e Diário do Litoral (SC-1979 até hoje). Diário de São Paulo substituiu o Diário Popular. Belo Horizonte tem dois jornais com esse perfil: Super Notícia e o Aqui, lançado em 2005 para as classes Ce D a um preço de venda muito baixo, R$ 0,25. Desde 1980, a imprensa vem passando por transformações, muitos desses impressos hoje estão na internet também. E essas mudanças todas foram essenciais, muitas vieram da estratégia de marketing para baixar custos com equipamentos. Percebeu-se a necessidade do leitor ser tratado como consumidor. Se no impresso foi assim, imagina o processo do jornalismo popular ou mesmo a popularização dos programas na TV. É o que veremos no item subseqüente. 3- O ESPETÁCULO DO JORNALISMO POPULAR NA TV O fascínio pela aberração é evidente nos programas de TV de variedades e passaram a compor a cultura de massa brasileira. “A estrutura do mau-gosto, o grotesco parece ser a categoria estética mais apropriada para a apreensão desse ethos escatológico da cultura de massa racional” (SODRÉ, 1978, p.38). Afinal, tudo que é definido com fealdade e aspereza é grotesco. O acordo estrutural dos programas de televisão, a sua dominância afetiva está no grotesco. Uma categoria que está na vizinhança do caricultural (SODRÉ; PAIVA, 2002). Na história da televisão brasileira, o espetáculo foi descoberto por alguns programas que exploravam essas características do feio. Entre os anos de 1969 e 1972, a TV brasileira cativou o público com programas que exploravam aberrações da condição humana. Sílvio Santos, Jacinto Figueiras Júnior, Dercy Gonçalves, Raul Longras, Chacrinha abusavam da infelicidade alheia, da mendicância, das deformidades físicas, etc. Silvio Santos promovia o desfile de mulheres miseráveis, que contavam suas penas. A mais infeliz era proclamada pelo público de “rainha por um dia”. Em 1954, o programa da TV Tupi de São Paulo intitulado “Tribunal do Coração” encenava histórias dos telespectadores, julgados nos moldes de um júri de verdade. “O povo na TV” começou na TV Excelsior, passou pela TV Tupi, Bandeirantes e SBT, abordava a vida privada dos participantes. Em 1966 surgiuum dos primeiros programas policiais da televisão. “O Homem do Sapato Branco” passou pelas emissoras Globo e Record. Na virada do milênio, “emergente” era a palavra carioca para designar uma classe recente de novos ricos, a maioria residente da Barra da Tijuca. Em 1999, a emergente Vera Loyola comemorou o aniversário da cachorrinha de estimação, “a Pepezinha”, com uma rica festa divulgada pela reportagem da revista Isto É, de 27 de outubro de 1999, n. 1569. Segundo Sodré (1988, p. 72-73), O acordo estrutural dos programas de televisão de uma forma geral e sua dominância afetiva está se apoia no grotesco. Segundo ele, o ethos dos programas ao vivo da tevê brasileira, identifica-se com o grosseiro. É uma categoria que circunda o cômico, o caricultural e o monstruoso. O autor ainda acrescenta que o valor estético desses programas é de “puro mau gosto” (SODRÉ, 1988, p. 73). Justamente porque o valor estético de crítica e distanciamento é anulado por uma máscara construída com falsa organicidade contextual. O grotesco em todos os seus significados como feio, portador de aberração, o deformado, o marginal, é apresentado como signo do excepcional. A intenção do apresentador, do comunicador, mesmo de um programa jornalístico é se colocar diante de algo que está entre nós, mas que ao mesmo tempo é exótico, sensacional. Como os autores afirmam, o horrível e o grotesco se exemplificariam pela “disparidade chocante entre a realidade pobre do país e a festa suntuosa para cãezinhos de estimação, em meio a fezes e à ridícula antropomorfização dos animais” (SODRÉ; PAIVA, 2002, p. 16). Dezenas de cachorros compareceram, eram saudados por humanos que tentavam “latir” um “parabéns-pra-você” Vera, depois de tanta fama, ganhou um programa de TV. No Domingão do Faustão, atores da Rede Globo saboreavam comida japonesa servida sobre o corpo de uma mulher nua; o Programa do Ratinho ganhou muita audiência mostrando as brigas e palavrões entre família. 3.1 PROGRAMAS DE JORNALISMO POPULAR TELEVISIVO Seguindo essa lógica dos programas de entretenimento, os programas populares de jornalismo descobriram que por esse viés do lado grotesco, feio, deformado, miserável também se ganhava audiência frente aos telejornais tradicionais. O sensacionalismo configurou-se como uma das mais eficientes estratégias de comunicação para fascinar e seduzir o público visto ter elevada potencialidade para o entretenimento (AGUIAR, 2008). Mas entre os programas jornalísticos destinados ao “povo” predominaram os de cobertura policial. Para Amaral (2006) o precursor na década de 80 foi o Cadeia, criado em 1979, em Londrina, no Paraná. Em 1982 já havia sido expandido para todo o estado do Paraná. O apresentador Luiz Carlos Alborguetti usava uma toalha no pescoço e um pedaço de pau na mão. Em 1992, foi transmitido em rede nacional, voltando a ser veiculado somente no estado do Paraná em 1993. Carlos Massa, o Ratinho, foi um dos repórteres do programa. Em 1994, Alborguetti apresenta outra versão: o Cadeia Neles. Ficou conhecido pelo comentário que fez ao comando vermelho, traficantes do Rio de Janeiro, chamando o grupo de “um bando de bichas”. O programa ficou no ar até 1998. O marco da década de 1990 foi o Aqui Agora (1991-1997), transmitido pelo SBT, que prometia tratar dos interesses do povo e mostrar a vida como ela é. Era composto por reportagens sobre casos policiais, sobrenaturais. O programa chegou a mostrar ao vivo, em 1993, um caso de suicídio. Um repórter que marcou o programa foi o radialista e candidato a justiceiro Gil Gomes. Posteriormente, a programação desse estilo cresceu. Destaque para Ratinho Livre e o Programa do Ratinho. Carlos Massa, o Ratinho, começou com a apresentação do programa 190 Urgente na CNT/ Gazeta em 1996, inspirado nos programas de Luiz Carlos Alborghetti. Em 1997, foi para Record com o programam Ratinho Livre. A audiência chegou a atingir 50 pontos. Em 1998, Ratinho foi para o SBT e conseguiu bater a audiência da novela das oito da Globo com casos de pessoas com aberrações físicas, brigas por reconhecimento de paternidade e muitos espetáculos gerados a partir de baixarias. Essa audiência é justificável na opinião de Marcondes Filho (2000). Para o autor, o consumidor do jornalismo popular tem uma formação cultural precária, portanto, estariam mais perto da necessidade de sentir seus instintos. Ao contrário, as pessoas mais cultas teriam seus instintos mais sob controle, por isso a opção é pelos jornais mais tradicionais (MARCONDES FILHO, 2000). Guy Debord (2003) vai pouco além na sua opinião sobre o gosto popular. Para ele, classes sociais e culturais são indiferentes no gosto pelo espetáculo. No popular, o entretenimento, o pitoresco e a morte são palavras chaves para as notícias a que se quer ver. Esse seria um posto de vista simples, porém a morte como espetáculo atrai a todas as idades e classes sociais e culturais. O assassinato, o suicídio, o estupro, a briga ganham destaque sempre. Tornam-se um espetáculo. “A forma e o conteúdo do espetáculo são a justificação total das condições e dos fins do sistema existente” (DEBORD, 2003, p. 15). Debord afirma ainda, que o espetáculo é simultaneamente o resultado e o projeto do modo de produção existente. Ele não é um complemento ao mundo real, um adereço decorativo. “É o coração da irrealidade da sociedade real” (2003, p. 15). O telejornalismo popular nada mais é do que um grande espetáculo apresentado pela televisão, na maior parte com características de entretenimento. Já faz mais de uma década que o telejornalismo popular marca o horário do fim da tarde. Ficaram bastante conhecidos “Repórter Cidadão” (Rede TV!), “Cidade Alerta” (Rede Record) e o Brasil Urgente (Rede bandeirantes) que segue até hoje com o apresentador José Luiz Datena. O jornalista Marcelo Rezende é um profissional de destaque no jornalismo de denúncia e agora no popular. Rezende entrevistou em 1998 o criminoso Francisco de Assis Pereira, conhecido como maníaco do arque por assassinar e estuprar mulheres em São Paulo. Nessa época, a entrevista exibida no Fantástico alcançou 40 pontos no Ibope6 e tornou-se a origem do projeto do programa Linha Direta7 veiculado a partir de 1999. A entrevista foi até criticada por misturar jornalismo com ficção, tornando a violência como um grande espetáculo. Hoje, Marcelo Rezendo continua fazendo jus a seu perfil das reportagens policiais. Faz sucesso nas tardes da 6 Ibope é a maior empresa privada de pesquisa da América Latina. No Brasil, adquiriu grande notoriedade pela medição de audiência de TV e pelas pesquisas eleitorais e de opinião pública. Rede Record, no programa Cidade Alerta. A apresentação do programa tem uma pitada de humor e dramaturgia frente aos casos policiais. 3.2 JORNALISMO POPULAR NA TV EM MS Hoje em Campo Grande, são 3 programas populares transmitidos no mesmo horário em emissoras concorrentes. As 11 da manhã, como o programa o Povo da Tv com apresentação de Tata Marques caracterizado como programa jornalístico policial de Audiência consolidada desde 1980. Sucesso entre a população de baixa renda. A programação é de duas horas. Junto com a égua, um boneco de entretenimento, o apresentador tem uma linguagem bem próxima do seu público, sendo até vezes até “chula”, com palavriados mais que coloquiais. Na TV Guanandi, o programa começa às 11 da manhã. Chama-se Giro Popular. O apresentador é Francisco Jose, conhecido como Chicao. Estreiou no dia19 de maio deste ano. Em 1984, assume o programa O Povo na TV, no SBT MS o atual deputado estadual Maurício Picarelli. Foi sucesso desde o início atendendo os problemas da população. Segundo o próprio deputado, ele foi pioneiro nesse gênero de Jornalismo no Brasil. Isso há quase 30 anos. “No começo era programa de auditório. As pessoas iam lá pedir soluções para suas dificuldades. Pouco tempo depois, já havia câmeras nas ruas, cobrindo os fatos policiais.” afirma Picarelli. Em 2009, o apresentador muda-se para TVMS Record onde da início ao programa Picarelli com você, também voltado ao jornalismo popular. O programa começa às 11 da manhã e termina 12h30. Na sua programação muito entretenimento, notícias policiais, assistencialismo e solidariedade. O resultado em números veio já nos primeiros meses. Hoje, Picarelli apresenta também o Balanço Geral na mesma emissora. CONSIDERAÇÕES FINAIS O jornal popular cumpre uma função socializadora ao atingir a massa. Justifica- se pelo envolvimento do público, o emocionar-se, o aterrorizar-se, escandalizar-se diante da notícia faz com que ele tenha acesso à informação. Para Aguiar, o 7 O programa Linha Direta começou a ser exibido em 1999 pela Rede Globo para fazer frente à audiência do Programa do Ratinho no SBT. Restituía com enquetes e trilhas sonoras crimes, especialmente mortes chocante e sequetros e promovia um disque-denúncia para os telespectadores denunciarem os foragidos. O programa foi extinto em 2008. (Memória Globo, 2015). Disponível em: http://memoriaglobo.globo.com/programas/jornalismo/programas- jornalisticos/linha-direta/evolucao.htm. sensacionalismo cumpre também uma função educativa, pois desperta o público para assuntos da comunidade a partir de um produto informativo que ainda assume uma função de lazer, pela sua potencialidade de entretenimento (AGUIAR, 2008). Tudo que prende e atrai o olhar, seja uma cena escandalosa, ridícula ou insólita tem potencial para ser notícia. As regras de um bom show passaram a valer no jornalismo. Esse conceito está intimamente vinculado ao da sensação e da emoção. É frequente que temáticas do entretenimento tornem-se notícias: o infoteinament8. Existem pelos menos quatro categorias que compõem a capacidade de entretenimento de uma notícia: histórias de pessoas comuns em situações insólitas ou histórias de homens públicos surpreendidos no dia-a-dia da sua vida privada; histórias de uma inversão de papéis; histórias de interesse humano; histórias de feitos excepcionais e heróicos (AMARAL, 2008). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGUIAR, Leonel Azevedo. O jornalismo sensacionalista e a lógica da sensação. VI Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo, SBPJor. São Paulo, 2008. Disponível em: <http://sbpjor.kamotini.kinghost.net/sbpjor/admjor/arquivos/individual56leonelazevedo deaguiar.pdf>. Acesso em: 14 dez. 2014. AMARAL, Márcia Franz. Lugares de Fala do leitor no Diário Gaúcho. Tese de Doutorado. 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