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Remédios Constitucionais

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SUMARIO
PREFACIO.. ........,.... 7
I. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS E OS REMEDIOS
CONSTITUCIONAIS.......
l. coNCErruAQAo............
2. NOMENCLATURA..........
3. DrRErros socrArs sAo clAusuLAS pETREAS?..
4, TITULARES
4.1 Estrangeiros residentes e n5o residentes no Brasil....
4.2 Pessoa juridica (pessoas juridicas, pessoas juridicas estrangeiras,
entes despersonalizados e pessoas juridicas de direito pitblico).........
4.3 Embriio.......
4.4 Titularidadepost mortem dos direitos fundamentais
4.5 Direitos dos animais..
s. CLASSIFICAQAO DOS DIREITOS FLrNDAMENTAIS............
6. CARACTERiSTICAS DOS DIREITOS E GARANTIAS
FUNDAMENTAIS............
7. APLICABILIDADE DAS NORMAS DEFINIDORAS DE DIREITOS
E GARANTIAS FUNDAMENTAIS.......
7.1 Efic6cia vertical e horizontal dos direitos fundamentais
8. DIREITOS. GARANTIAS E REMEDIOS CONSTITUCIONAIS...............
2. OHABEASCORPUS
I. MATRIZ CONSTITUCIONAL........
2. ORIGEM HISToRICA
3. CONCEITO.
4. NATUREZA ruRiDICA...
5. ESPECIES...
6. LEGITIMIDADE.............
6.1 Habeas corpus quando desautorizado pelo paciente
6.2 Promotor de justiga......
6.3 Juiz de direito..........
6.4 ImpetragSo por pessoa juridica em favor de pessoa fisica..................
6.5 Habeas corpus em favor de pessoa juridica..............
6.6 Habeas corpus em favor de animais....
6.7 Habeas corpus e analfabetos
6.8 Habeas corpus impetrado por estrangeiro.................
7. LEGITIMIDADEPASSIVA
8. HIPOTESES DECABIMENTO.............
l3
l3
t4
t6
t7
l8
22
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44
44
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47
48
48
l0 RxMEDIoscoNsTrrucroNArs
9. COMPETENCIA................_.................
IO. HABEAS CORPUS E PRISAO DISCPLINAR..................
I I. HABEAS CORPUS EM MATERIA CIVEL.....
12. HABEAS COruPUS NO PROCESSO PENAL QUANDO NAO HA
RISCO DE PRISAO
13. QUEBRA DO STGTLO BANCARTO E FrSCAL....
14. DECISAO QUE INDEFERE LIMINAR EMHABEAS CORPUS
15. EFEITO EXTENSIVO NO HABEAS CORPUS
HABEAS DATA ...............
I. MATRIZCONSTITUCIONAL........
2. CONCEITO.
3. HISTORICO
4. NATUREZA TUNiOICE...
5. NEGATIVA DE SOLICITAQAO NA VIA ADMINISTRATIVA _
coNDrQAo DA AQAO...
6. HIPOTESES DE CABIMENTO.............
7. LEGITIMIDADE ATIVA
8. LEGITIMIDADEPASSIVA..................
9. PROCEDIMENTO..........
10. COMPETENCrA..............
MANDADO DE SEGURANQA...............
I. MATRIZ CONSTITUCIONAL........
2. CONCEITO.
3. NATUREZA runiorca...
4. ESPECIES...
5. HIPOTESES DE CABIMENTO................
6. LEGITIMIDADE ATIVA
7. LEGITIMIDADEPASSIVA..................
7 .1 Legitimidade passiva e litiscons6rcio..................
8. COMPETENCrA.,............
9. MANDADO DE SEGURANQA EM MATERTA PENAL........
MANDADO DE SEGURANQA COLETIVO...............
I. MATRIZ CONSTITUCIONAL........
2. MANDADO DE SEGURANQA E MANDADO DE SEGURANQA
COLETIVO.
3. LEGITIMIDADEATIVA
3.1 Partidos politicos com representag6o no Congresso Naciona1............
3.2 Sindicatos, entidades de classe e associaq6es
LEGITIMIDADE PASSIVA
OBJETO......
56
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4.
).
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88
88
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9l
92
92
Sum6rio l1
1
DIREITOS E GARANTIAS
FUNDAMENTAIS E OS REMEDIOS
CONSTITUCIONAIS
1. CONCETTUACAO
A Constituigdo de 1988 tamb6m 6 conhecida por muitos como "consti-
tuigdo cidadd", alcunha que pode ser atribuida ao ent6o deputado federal Ulis-
ses Guimardes. Um dos fatores que justificam essa nomenclafura 6 a posigSo
de destaque que recebem os direitos e garantias fundamentais. Enquanto em
Constituigdes anteriores os primeiros temas abordados se referiam d estrutura
do Estado, d organizagSo do Poder etc., a Constituigdo de 1988 traz como pri-
meiro grande tema a preocupagdo com a protegdo dos direitos fundamentais.
A nossa Constituigdotraz, em seu Titulo II, os direitos e garantias funda-
mentais. Qual a distingdo entre direitos e garantias fi.rndamentais?
Rui Barbosa diferenciava as disposig6es meramente declarat6rias das
disposigdes assecurat6rias. As primeiras t€m a fung5o de reconhecer a exis-
tOncia legal dos direitos reconhecidos. J6 as riltimas t6m a funglo de assegurar
a exist6ncia e aplicagSo dos direitos.
Como lembra Alexandre de Moraes, ndo 6 raro'Juntar-se, na mesma dis-
posigdo constitucional, ou legal, a fixag6o da garantia com a declaragdo do
direito" (Direito constitucional, p. 28).
Dessa maneira, podemos dizer que as garantias possuem um car6ter de
instrumentalidade perante os direitos. Enquanto algumas norrnas definem
quais sdo os direitos, outras nonnas asseguram a sua efetividade. Como lem-
bra Jorge Miranda, "os direitos representam s6 por si certos bens, as garantias
se destinam a assegurar a fruigdo desses bens" (Direito constitucional, p. 29).
Em outras palavras, como diz Josd Joaquim Gomes Canotilho: "Rigorosa-
mente, as cl5ssicas garantias sio tamb6m direitos, embora muitas vezes se sa-
lientasse nelas o carfiter instrumental de protegdo dos direitos. As garantias
fiaduziam-se quer no direito dos cidadSos a exigir dos poderes priblicos a pro-
tegdo os seus direitos, quer no reconhecimento de meios processuais adequa-
dos a essa finalidade (ex.: direito de acesso aos tribunais para defesa dos
direitos, principio do nullum crimen sine lege e nulla poena sine crimen,
14 REMEDToS coNSTITUcIoNAIS
direito de habeas cofpus, principio non bis in idem)" (Direito constitucional e
teoria da constituigdo, p.394).
2. NOMENCLATURA
Muitas vezes, doutrina e jurisprud€ncia se utilizam de express6es seme-
lhantes, representando o mesmo fen6meno. Expressdes como "direitos natu-
rais", "direitos humanos"o "direitos individuais", "direitos priblicos
subjetivos" etc. sdo utilizadas cotidianamente.
Sobre a polOmica, Ingo Wolfgang Sarlet lembra que, "tanto na doutrina,
quando no direito positivo (constitucional ou internacional), sflo largamente
utilizadas (e atd com maior intensidade) outras expressdes, tais como 'direitos
humanos', 'direitos do homem', 'direitos subjetivos priblicos', 'liberdades pri-
blicas', 'direitos individuais', 'liberdades fundamentais' e 'direitos humanos
fundamentais', apenas para referir algumas das mais importantes" (A eficdcia
dos direitos fundamentais, p. 33).
Fagamos uma breve explanagdo sobre o tema.
"Direitos naturais" sdo aqueles inerentes d alma humana, que nascem
com o ser humano, independentemente de positivagdo. N6o obstante, como
lembra o professor Josd Afonso da Silva, "nio se aceita mais com tanta facili-
dade a tese de que tais direitos sejam naturais, provenientes da razSo humana
ou da natureza das coisas" (Comentdrio contextual d Constituigdo, p. 55).
Concordamos com o professor Ingo Wolfgang Sarlet, no sentido de que as
expressdes "direitos humanos" ou "direitos firndamentais" n6o podem ser
confundidas com a expressio "direitos naturais", isso porque, como diz o pro-
fessor, "a pr6pria positivagdo em normas de direito internacional, de acordo
com a hicida lig6o de Bobbio, j6 revelou, de forma incontest6vel, a dimensdo
hist6rica e relativa dos direitos humanos, que assim se desprenderam 
- 
ao me-
nos em parte (mesmo para os defensores de um jusnatwalismo) 
- 
da id6ia de
um direito natural" (A eficdcia dos direitos fundamentais, p. 36).
"Direitos humanos" 6 uma expressdo cosfumeiramente utilizada em do-
cumentos intemacionais, bem como a expressdo "direitos do homem", Que
tratam da grande maioria dos direitos (que normalmente pertencem d pessoa
humana), em contraposigdo aos direitos referentes ds instituig6es, aos animais
etc.
"Direitos individuais" 6 uma express6o cada vez menos utilizada, pois
baseada no individualismo que fez gerar os primeiros direitos, a partir das de-
claragdes do sdculo XVIII. N6o obstante, a Constituigdo brasilefua, em v6rias
passagens, se utiliza dessa expressio, como no Capitulo I do Titulo II,que diz
I
Direitos e Garantias Fundamentais e os Rem6dios Constitucionais 15
"Dos direitos e deveres individuais e coletivos". Outrossim, no art. 60, $ 4.o, a
Constituigdo determina, como cl6usula p6trea, "os direitos e garantias indivi-
duais".
A expressdo "direito priblico subjetivo" significa que o "direito subjeti-
vo" 6 oponivel contra o Estado. Primeiramente, direito subjetivo consiste nu-
ma posigSo de vantagem conferida pela lei (direito objetivo). Assim, a lei
(podendo ser a Constituigdo) d6 a uma pessoa uma posigdo de vantagem (cre-
dor) em relagdo a outra pessoa (devedor). Se esta riltima "pessoa" 6 o Estado,
podemos chamar o direito de "priblico subjetivo".
As expressdes "liberdades priblicas" e "liberdades fundamentais" s6o ca-
da vez menos utilizadas, j6 que vinculadas d concepgdo individualista do di-
reito, consistente na esfera de inviolabilidade do direito individual exercido
contra o Estado, que nela n6o poder6 interferir.
S5o sin6nimas as expressdes "direitos humanos" e "direitos fundamen-
tais"? Embora parte da doutrina entenda que sim, poder-se-ia fazer a seguinte
distingdo: enquanto os primeiros estSo previstos apenas pelo direito interna-
cional, nos tratados internacionais etc., os segundos estdo positivados na
Constituigdo de cada Estado.
Essa distingdo 6 importante, sobretudo para fins did6ticos, haja vista que
a efic6cia dos "direitos humanos" (previstos no direito internacional, mas n6o
positivados no direito interno) pode ser diferente da dos "direitos fundamen-
tais" (positivados em nossa Constituigdo). Isso porque a incorporagSo desses
direitos depende de ratificagdo por parte do Congtesso Nacional, podendo va-
riar, segundo alguns, a hierarquia normativa, no momento do ingtesso no or-
denamento brasileiro.
Diante desse cen6rio, podemos fazer a seguinte distingdo:
DIREITOS HUMANOS DI R EITOS F UNDAUEI{TAIS
Previstos no direito internacional e dependem
de recep€o na ordem iurldica inlerna
Positivados na Conslitui9go de cada pais
De forma diferente, o professor Jos6 Joaquim Gomes Canotilho sustenta:
"Direitos do homem s6o direitos v6lidos para todos os povos e em todos os
tempos (dimensdo jusnaturalista-universalista); direitos fundamentais sdo os
direitos do homem, juridico-institucionalmente garantidos e limitados espa-
cio-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da pr6pria natureza
16 REMEDroscoNsTrrucroNArs
humana e dai o seu car6ter inviol6vel, intemporal e universal; os direitos fun-
damentais seriam os direitos objectivamente vigentes numa ordem juridica
concreta" (Direito constitucional e teoria da constituiqdo, p.391).
3. DIREITOS SOCIAIS SAO CLAUSULAS PETREAS?
O art. 60, $ 4.o, da Constituigdo Federal, ao elencar as cl6usulas p6treas,
arrola os "direitos e garantias individuais". Diante desse cen6rio, deve ser fei-
ta uma pergunta: os "direitos sociais", previstos nos arts. 6.o a 11 da Consti-
tuigdo Federal, nio s6o cl6usulas p6treas? Se a resposta for negativa,
poderiam ser retirados do texto constitucional direitos como Fundo de Garan-
tia do Tempo de Servigo, sal6rio minimo, d6cimo terceiro sal6rio etc.?
Os direitos sociais, sendo a segunda etapa hist6rica dos direitos funda-
mentais, consistem indubitavelmente num corol6rio da dignidade da pessoa
humana. Dessa forma, entendemos que n6o se pode fazer uma interpretagdo
literal do art. 60, $ 4.o, da Constituigdo Federal, reduzindo-se a expressdo
"direitos e garantias individuais" a direitos individuais e coletivos, do Titulo
II da ConstituigSo Federal. A Constituig6o Federal brasileira n6o se referiu,
em nenhum dos outros dispositivos, ii expressdo "direitos e garantias indivi-
duais". A interpretagdo isolada desse dispositivo (art. 60, $ 4.", IV) pode nos
levar a conclusdes equivocadas e que destoam da jurisprud€ncia do Supremo
Tribunal Federal.
Esse assunto 6 evidentemente importante, na medida em que nascem in-
teresses viirios no sentido de se extinguirem direitos sociais, m6xime direitos
dos trabalhadores. Portanto, entendemos que s6o cl6usulas p6treas n6o apenas
os direitos individuais, previstos no art. 5.o da Constituigdo Federal, como
tamb6m os direitos sociais. Ali6s, o Supremo Tribunal Federal, na ADIn
937-7, excluiu a tese de que "direitos e garantias individuais" estariam cir-
cunscritos ao art. 5." da ConstituigSo Federal. O mesmo ocoffeu na ADIn
3685, julgada em 2006, acerca da Emenda Constitucional 52, que alterou o
art. 17 da Constituigdo Federal, entendendo ser inconstitucional parte da
emenda que feria o principio da anterioridade eleitoral.
Outro argumento apto a impedir a revogagdo de direitos sociais presentes
na Constituigio Federal 6 a "proibigdo do retrocesso". Segundo Ingo Wolf-
gang Sarlet, "as normas constifucionais que reconhecem direitos sociais de
carhter positivo implicam uma proibigdo de retrocesso, jii que, 'uma vez dada
satisfagSo ao direito, este transfonna-se, nessa medida, em direito negativo,
ou direito de defesa, isto 6, num direito a que o Estado se abstenha de atentar
contra ele" (A eficdcia dos direitos fundamentals, p. 410).
Direitos e Garantias Fundamentais e os Remddios Constitucionais l7
4. TITULARES
Na primeira edigdo deste livro, o presente subitem tinha a denominagdo
de "destinat6rios" dos direitos fundamentais. Entendiamos, como a maioria da
doutrina, que os termos "titulares" e "destinat6rios" poderiam ser utilizadas
como sindnimos.
N5o obstante, 6 possivel fazer uma distingdo. Titular 6 o "dono" do direi-
to ou garantia fundamental, aquele que pode exerc€-lo. Por sua vez, destinat6-
rio d a pessoa contra a qual aquele direito ou garantia poder6 ser exigido.
como lembra Ingo wolfgang Sarlet: "Titular do direito, notadamente na pers-
pectiva da dimensdo subjetiva dos direitos e garantias fundamentais, 6 quem
figura como sujeito ativo da relagio juridico-subjetiva, ao passo que o desti-
nat6rio 6 a pessoa (fisica, juridica ou mesmo ente despersonalizado) em face
da qual o titular pode exigir o respeito, protegdo ou promogdo do seu direi-
to" (A eficdcia dos direitos fundamentais, p.2II).
De forma distinta, mas mantendo a nomenclatura "destinat6rios", Uadi
Lamm6go Bulos prefere dizer que o destinat6rio imediato dos direitos e ga-
rantias 6 o Poder Priblico, ao passo que o destinat|rio mediato e o povo (cur-
so de direito constitucional, p. 408).
Diante do principio da universalidade, que rege os direitos e garantias
fundamentais, todos sdo titulares desses direitos. Ali6s, o caput do art. 5.o
afirmou que "todos sdo iguais perante a lei, sem distingdo de qualquer nature-
2a..." . Evidentemente, haver6 algumas distingdes feitas pela pr6pria constitui-
g5o, expressamente ou autorizadas pelo principio da igualdade, na sua
acepgdo material.
Primeiramente, a pr6pria constituigdo estabelece algumas disting6es en-
tre brasileiros natos e brasileiros naturalizados. Os brasileiros naturalizados,
por exemplo, n6o poderdo ocupar determinados cargos (como Presidente, vi-
ce-Presidente, Presidente da Cdmara dos Deputados, Presidente do Senado
Federal, Ministro do Supremo Tribunal Federal etc.).
Como lembra Alexandre de Moraes: "A desigualdade na lei se produz
quando a norrna distingue de forma ndo razo|vel ou arbitr6ria um tratamento
especifico a pessoas diversas. Para que as diferenciagOes normativas possam
ser consideradas n6o discriminat6rias, torna-se indispens6vel que exista umajustificativa objetiva e razohvel, de acordo com crit6rios e juizos valorativos
genericamente aceitos, cuja exig6ncia deve aplicar-se em relagdo d finalidade
e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoir-
vel relagdo de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade
18 REMEDIoScoNSTITUCIoNAIS
perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias
constitucionalmente protegidos" (Direito constitucional, p. 32).
No caso acima mencionado, 6 absolutamenterazo|vel diferenciar o bra-
sileiro nato do brasileiro naturalizado, em ruzdo da seguranqa nacional e do
interesse priblico. No mesmo sentido, somente 6 razohvel limitar a idade para
a inscriglo em concurso ptiblico quando justificado pela natureza das atribui-
g6es a serem exercidas. Ali6s, 6 o que diz a Srimula 683 do STF: "O limite de
idade para a inscrigdo em concurso priblico s6 se legitima em face do art. 7.",
XXX, da Constituigdo, quando possa ser justificado pela natttreza das atribui-
g6es do cargo a ser preenchido".
Assim, diante do principio da igualdade material, 6 possivel que a lei ou
o juiz tratem desigualmente as pessoas, de acordo com suas especificidades e
peculiaridades. Tal fato, em vez de contrariar o texto constitucional, na reali-
dade, configura concretizagdo do principio da igualdade material.
4.1 Estrangeiros residentes e niio residentes no Brasil
O art. 5.", caput, da Constituigflo Federal determina que "todos s6o iguais
perante a lei, sem distingdo de qualquer nattxeza, garantindo-se aos brasilei-
ros e aos estrangeiros residentes no Pa[s a inviolabilidade do direito d vida, i
liberdade, i igualdade, d seguranga e d propriedade..." (destacamos).
Se fizermos uma interpretagSo literal do artigo mencionado, chegaremos
d conclusdo de que estrangeiros em tr0nsito pelo tenit6rio nacional, bem co-
mo pessoas juridicas, ndo possuem os direitos ali elencados.
Ndo obstante, tal conclusdo n6o nos parece verdadeira. O estrangeiro que
se encontra regularmente em territ6rio nacional tamb6m 6 detentor dos direi-
tos elencados no art. 5.o da Constituigdo Federal. E o que entende igualmente
Pedro Lenza: "A doutrina e o STF v€m acrescentando, atravds da interpreta-
gdo sistem6tica, os estrangeiros n6o residentes (por exemplo, a turismo), os
ap6tridas e as pessoas juridicas. Nada impediria, portanto, que um estrangei-
ro, de passagem pelo territ6rio nacional, ilegalmente preso, impetrasse habeas
corpus (art. 5.o, LXVIII) para proteger o seu direito de ir e vir. Deve-se obser-
var, 6 claro, se o direito garantido n6o possui algUma especificidade, como
agao popular, que s6 pode ser proposta pelo cidad6o" (Direito constitucional
esquematizado, p.673). Neste mesmo sentido entendem Alexandre de Mo-
raes (Direito constitucional, p. 30) e Uadi Lamm0go Bulos (Curso de direito
constitucional, p. 408).
Nflo obstante, 6 um equivoco afirmar que o estrangeiro (ainda que resi-
dente no Brasil) 6 detentor de todos os direitos destinados aos brasileiros. Hii
Direitos e Garantias Fundamentais e os Remddios Constitucionais 19
direitos elencados na Constituigdo Federal que s6o privativos de brasileiros,
dentre eles os direitos politicos.
Outra distingdo importante entre brasileiros e estrangeiros refere-se d ti-
tularidade de direitos fundamentais de livre iniciativa, sendo negada ao es-
trangeiro a lavra de recursos minerais e aproveitamento dos potenciais de
energia hidr6ulica (art. 176, $ l.', CF), bem como a propriedade de empresa
de radiodifusSo sonora e de sons e imagens (art.222, CF).
Outrossim, deve-se lembrar que h6 direitos especificos dos estrangeiros,
como o direito ao asilo politico e a invocagdo da condigdo de refugiado. Lem-
bremos que a concessSo de asilo politico 6 um dos principios que regem a
Repriblica Federativa do Brasil nas suas relag6es internacionais (art. 4.o, X,
CF).
Diante desse cen6rio, podemos afirmar que 6 criticfvel a redagdo do art.
5.o da Constituigdo, quando fala "garantindo-se aos brasileiros e aos esfran-
geiros residentes no Paiso', inspirada na ConstituigSo de Rui Barbosa (Consti-
tuigdo de 1891).
Ali6s, 6 o entendimento do Supremo Tribunal Federal. No HC 74.051,
no voto do Min. Marco Aurdlio, consta a seguinte passagem: "A garantia de
inviolabilidade dos direitos fundamentais, salvo as excegdes de ordem consti-
tucional, se estende tamb6m aos estrangeiros nio residentes ou domiciliados
no Brasil. O car6ter universal dos direitos do homem n6o se compatibiliza
com estatutos que os ignorem. A expressdo 'residentes no Brasil' deve ser
interpretada no sentido de que a Carta Federal s6 pode assegurar a validade e
o gozo dos direitos fundamentais dentro do territ6rio brasileiro".
Portanto, segundo essa interpretagSo, a expresslo "residentes no Brasil"
ndo se refere aos estrangeiros, mas sim aos brasileiros e estrangeiros. O obje-
tivo da Constituigflo, portanto, 6 afirmar que a validade e o gozo dos direitos
fundamentais est6o assegurados dentro de nosso territ6rio.
Parece-nos que essa 6 a postura acolhida pela Uni6o, atravds do Poder
Executivo, no momento em que, no ano de 2007, foi editada pelo Minist6rio
do Trabalho um material gr6fico (Brasileiras e brasileiros no exterior: infor-
magdes uteis,Brusilia: MTE 
- 
CGIg, 2007) destinado aos brasileiros residen-
tes no exterior, informando-lhes sobre quais as atividades que o consulado
brasileiro poder6 e nio poderh realizar. Baseado nesse material, fizemos um
breve resumo, que abaixo segue.
20 REMEDToS coNsrITUcIoNAIs
srruAgAo
ESPECIFICA O CO}ISULADO PODE OCO]IISULADO ilAOPODE
Problemas de salde Indicar m6dicos, clinicas ouhospitais na regiSo.
Pagar consultas, rem6dios,
internagao hospitalar ou
tratamento m6dico de brasileiro
no exterior.
Apoio juridico e
problemas policiais
lnformar sobre a exist€ncia de
servigos locais de assistBncia
juridica gratuita. Sugeril
advogados locais que possam
orientar sobre servigos juridicos.
Acompanhar, quando solicitado,
o desenrolar das investigagoes e
apuragSo do crime, indusive junto
ir Justiga local.
Reoresentar o cidaddo brasileiro
em juizo ou responsabilizar-se
por despesas com advogados e
custas judiciais.
Prisdo
Informar, desde que autorizado
pelo brasileiro preso, o fato a
seus familiares no Brasil. Visitar
o brasileiro preso e verificar sua
situagSo pessoal e juridica.
Contratar advogados para a
assistCncia juridica do preso.
Hospedagem e trabalho
Informar. desde que autorizado
pelo brasileiro preso, o fato a seus
familiares no Brasil.
Visitar o brasileiro preso e verificar
sua situagSo pessoal e juridica.
Custear acomodagao e obler
trabalho ou autorizagao de
trabalho.
Contudo, 6 obrigat6rio ressaltar que h6 inrimeros acordos, convengdes e
regras internacionais que tratam dos trabalhadores migrantes e dos membros
de sua familia.
Exemplo disso d a convengAo sobre a protegeo dos direitos de todos os
trabalhadores migrantes e membros de suas familias (ONU, 1990). A referida
convengeo entrou em vigor em 2003. Tem particular significado, sobretudo,
por ser um instrumento intemacional que reconhece e protege a dignidade e
os direitos b6sicos de todos os trabalhadores migrantes, independentemente
de estarem em situageo migrat6ria regular ou nAo. O art. 2." da Convengdo
define que "trabalhador migrante 6 a pessoa que vai exercer, exerce ou exer-
ceu uma atividade remunerada num Estado do qual n6o 6 nacional". E, na
Parte III, estabelece uma s6rie de direitos que sAo assegurados a todos os ta-
balhadores migrantes e membros de suas familias, documentados ou nao, es-
tejam ou nao em situageo regular. Destacam-se, dentre outros: direito d vida,
d dignidade humana, d liberdade, d igualdade entre homens e mulheres, d n6o
discriminagio e submissAo ao trabalho desumano, forgado ou degradante, i
liberdade de expressdo e de religido, d seguranga, d protegdo contra prisdo
Direitos e Garantias Fundamentais e os Remddios Constitucionais 2l
arrbitrfuria, d identidade cultural, d igualdade de direitos perante os tribunais e
ao direito inalien6vel de viver em familia. Assegura, ainda, que os trabalhado-
res migrantes devem beneficiar-se de um tratamento n6o menos favor6vel que
aquele concedido aos trabalhadores nacionais em matdria de retribuigdo e
outras condigdes de trabalho.
Dessa forma, o Brasil, malgrado ndo tenha poderes diretos de assegurar
os direitos dqueles quese encontram no exterior, d signat6rio de acordos in-
ternacionais que exigem reciprocidade de tratamento digno dqueles que se en-
contram em seus respectivos territ6rios.
N6o obstante, esse entendimento de que os estrangeiros n6o residentes
no Brasil sdo detentores dos direitos elencados no texto constitucional (que
defendemos) n6o 6 unissono.
Jos6 Afonso da Silva faz as seguintes ponderagdes: "euando a constitui-
96o assegura tais direitos aos brasileiros e estrangeiros residentes no Pais, in-
dica, concomitantemente, sua positivagdo em relagdo aos sujeitos
(subjetivagflo) a quem os garante. 56 eles, portanto, gozam do direito subjeti-
vo (poder ou permissdo de exigibilidade) relativamente aos enunciados cons-
tifucionais dos direitos e garantias individuais" (comentdrio contextual d
ConstituiEdo, p. 65).
Interpretando o art. 5.", caput, da Constituiglo, Ingo Wolfgang Sarlet
afirma: "Tal distingdo [enhe estrangeiros residentes e n6o residentes], por ter
sido expressamente estabelecida na cF, n6o pode ser pura e simplesmente
desconsiderada, podendo, contudo, ser interpretada de modo mais ou menos
restritivo, ou seja, ampliando a titularidade e, por conseguinte, a protegdo
constitucional dos direitos das pessoas, ou excluindo a significativa parcela
das pessoas da protegdo de direitos fundamentais" (A eficdcia dos direitos
fundamentais,p.232).
Nesse sentido, prega esse autor que o estrangeiro, embora ndo residente
no Brasil, que mant6m com o Pais um vinculo maior, uma certa permanOncia
mais longa aqui (d6 exemplo do eshangeiro que trabalhe no Brasil e resida
com familiares ou o estrangeiro com visto permanente) seria detentor dos di-
reitos fundamentais, em razdo dos principios da dignidade da pessoa humana,
isonomia e universalidade.
Por sua vez,na opiniio desse autor, o estrangeiro de passagem no Brasil
(apenas visitando alguns amigos ou fazendo um passeio de uma semana, por
exemplo) n6o estaria abrangido pelo manto do art. 5.o, caput, da constituigdo,
sendo-lhe reservados apenas os direitos inerentes d dignidade da pessoa hu-
mana e os direitos garantidos pela lei infraconstitucional (A eficdcia dos
22 REMEDIoS coNSTITUCIoNAIS
direitos fundamentais, p.232). Portanto, quanto i extensdo dos direitos fun-
damentais aos estrangeiros ndo residentes no Brasil, podemos fazer o seguinte
esquema:
Equparageo do estrilgelro
re$deile e egtrangdls nfo
resldente no Bra3ll
Distlncao entre os dirdtos do
Ftrangdro rcsidente € nao
rcsldente no Brasll
PosBeo kiemedlfia:
c,tasdfi c€eo de e$trangdms
neo resld,entes no Bragll
Cmseqr6ncia: todos os direitos
reserwados aos e$ran geiros
residontes no Brasil sio
€xtensiv6is aos "€sfangeiros
em tansito' (aplicagio do
princfpio da universalidade)
Cmsequ€ncia: aos estrangeiros
nio residentes no Brasil serio
aplicados os direitos previstos
en normas infraconstifu cionais
Duas situag6es:
a) qando o esbangeiro
nf,o residente tqn um maiq
vinculo de peman&rcia (visio
permanento, por exemPo) 6
detentor de todos os direitos
- 
principio da universalidade
b) quando o s*rangeiro nio tem
maior vlnculo de permandncia
(turista, pa ex6mplo), tem os
dreitos previstos 6m nornas
infr aconstitucionais, bern como
os clireitos relacionados d
clgnidade da pessoa humana
Ouem adota: Pedro Lenza,
Alexandre de Moraes, Fldtvio
Martins
Quem adcta: Jos6Afonso da
Slva
Quern adda: Ingo lAtrolSang
Sarlet
4.2 Pessoa jurfdica (pessoas juridicas, pessoas juridicas estrangeiras'
entes despersonalizados e pessoas iuridicas de direito pniblico)
Embora pequena parte da doutrina entenda que, neo havendo previseo
constitucional expressa, os direitos da pessoa juridica, ainda que reconhecidos
por lei, nAo gozam de status constitucional, podendo ser facilmente alterados
pelo legislador infraconstitucional, concordamos com o professor Jos6 Afon-
so da Silva, que afinna positivamente: "A pesquisa no texto constitucional
mostra que v6rios dos direitos arrolados nos incisos do art. 5.o se estendem ds
pessoas juridicas, tais como o principio da isonomia, o principio da legalida-
de, o direito de resposta, o direito de propriedade, o sigilo da correspondCncia
e das comunicag6es em geral, a inviolabilidade do domicilio, a garantia ao
direito adquirido, ao ato juridico perfeito e d coisa julgada, assim como a pro-
teg6o jurisdicional e o direito de impetrar mandado de seguranqa. Hh atf di-
reito que 6 pr6prio de pessoa juridica, como o direito d propriedade das
marcas, aos nomes de empresa e a outros signos distintivos (logotipos, marcas
de fantasia, por exemplo)" (Comentdrio contextual d ConstituiEdo, p. 65).
Direitos e Garantias Fundamentais e os Rem6dios Constitucionais 23
Evidentemente, h6 direitos fundamentais que ndo sdo e n6o podem ser
aplicados ds pessoas juridicas, pela incompatibilidade conceitual. Por exem-
plo, o habeas corpus, que 6 uma a96o constitucional destinada a tutelar o di-
reito i liberdade de locomogSo, nio pode ser utilizada por pessoa juridica,
mas apenas e tdo-somente pela pessoa fisica.
O mesmo raciocinio se aplica ds pessoas juridicas estrangeiras constitui
das sob as leis prltrias e que tenham sua sede no Brasil. Por exemplo, o art.
222 da CF determina que "a propriedade de empresa jornalistica e de radiodi
fusio sonora e de sons e imagens d privativa de brasileiros natos ou naturali-
zados h6 mais de dez anos, ou de pessoas juridicas constituidas sob as leis
brasileiras e que tenham sede no Pa{s ".
Quanto ds "quase-pessoas juridicas", tamb6m denominadas de entes des-
personalizados (como Senado da Repriblica, Cimara dos Deputados, Cdmaras
dos Vereadores, Assembl6ias Legislativas, Tribunais etc.), afirma parte da
doutrina que possuem direitos fundamentais referentes ds suas respectivas na-
turezas. Por exemplo, ter6o direito, como partes, ao devido processo legal, ao
contradit6rio, d ampla defesa, mas ndo ter6o direito de se valer do habeas cor-
pus, por exemplo.
Na realidade, a atribuigio de direitos fundamentais ds pessoas juridicas
tem o escopo final de proteger as pessoas fisicas que com elas possuem uma
vinculagio direta ou indireta. Por exemplo: quando o Supremo Tribunal Fede-
ral reconheceu i pessoa juridica o direito de assist€ncia judiciriria gratuita,
garantiu que as pessoas fisicas que integram aquela pessoajuridica tenham a
possibilidade de "bater ds portas" do Judici6rio (STF, Rcl-ED-AgR 1905/SP).
Tema importante 6 se a pessoa juridica de direito priblico tambdm 6 titu-
lar dos direitos fundamentais, m6xime porque, normalmente, 6 ela destinatrl-
ria. Brilhante a explanagdo de Ingo Wolfgang Sarlet: "... considerando,
especialmente em se tratando de um Estado Democr6tico de Direito, tal qual
consagrado pela nossa Constituigdo, que o Estado e a Sociedade nflo sdo seto-
res isolados da exist6ncia sociojuridica, sendo precisamente no amplo espago
do priblico que o individuo logra desenvolver livremente sua personalidade,
designadamente por meio de sua participagdo comunitiria, viabilizada em es-
pecial por meio dos direitos politicos e dos direitos de comunicagio e expres-
sdo, n6o h6 como deixar de reconhecer is pessoas juridicas de direito priblico,
evidentemente consideradas as peculiaridades do caso, a titularidade de deter-
minados direitos fundamentais" (l eficdcia dos direitos fundamentais, p.
240).
24 REMEDIoScoNSTITUCIoNAIS
Ali6s, esse 6 o atual entendimento do STF. No MI 725 (cf. Informativo
466/STF, j. 10.05.2007, DJ 28.05.2007), o Min. Gilmar Ferreira Mendes en-
tendeu que "ndo se deve negar aos municipios, peremptoriamente, a titulari-
dade de direitos fundamentais (...) e a eventual possibilidade das ag6es
constitucionais cabiveis para a sua proteg6o". Assim, destacando que as pes-
soas juridicas de direito priblico podem ser titulares de direitos fundamentais,
"parece ser bastante razoixel a hip6tese em que o municipio, diante da omis-
sao legislativa infraconstitucionalimpeditiva do exercicio desse direito, se ve-
ja compelido a impetrar mandado de injungdo".
4.3 Embriilo
Quando falamos de embrides, devemos verificar a exist€ncia de duas es-
pdcies diversas: (a) os embriOes que se encontram nos laborat6rios, congela-
dos ou n6o, aguardando o destino que lhes ser6 dado; (b) os embrides j6
implantados no ftero.
Quanto aos riltimos (embriOes j6 implantados no titero), 6 cada vez maior
o rol de direitos que lhes d reconhecido. Nio 6 d toa que o art. 2." do C6digo
Civil determina que a personalidade civil da pessoa comega do nascimento
com vida; mas a lei pde a salvo, desde a concepglo, os direito do nascituro.
Primeiramente, 6 ineg6vel o direito d vida dos embrides. Ora, no Brasil,
o aborto 6 considerado crime, encontrado no art. 124 e seguintes do C6digo
Penal. N6o obstante, como sabido e consabido, esse direito n6o 6 absoluto,
haja vista as exceg6es legais (quando a gravidez 6 oriunda de estupro e quan-
do causa risco para a vida da mde). Trata-se de aplicag6o do principio da pro-
porcionalidade, fixado pela legislagSo infraconstitucional, diante de
parimetros preestabelecidos dos crit6rios de necessidade, adequagdo e pro-
porcionalidade em sentido estrito.
Como veremos mais adiante nessa obra, a proporcionalidade consiste na
somat6ria dos seguintes requisitos: (a) necessidade; (b) adequagdo; (c) pro-
porcionalidade em sentido estrito (ou ponderagio de interesses). Isso porque
as restrig6es a um direito fundamental serdo licitas apenas na medida do ne-
cess6rio d harmonizag5o pretendida. A mitigagdo que se faga ao direito deve-
16 ser a menor possivel. Necessidade: quando n6o for possivel outro jeito de
harmonizar os dois direitos (no caso, levar adiante a gravideztrarh danos psi-
col6gicos irreversiveis d gestante; portanto, a intemrpgdo pode ser necess6-
ria). Adequagdo: o meio 6 adequado ao fim a que se destina (por mais gravosa
que seja a medida, ela ser6 adequada para fazer cessar, ou pelo menos ate-
nuar, os males que assolam o equilibrio psicol6gico da gestante). Proporcio-
nalidade em sentido estrito: ponderagdo de interesses em conflito (no caso da
Direitos e Garantias Fundamentais e os Rem6dios Constitucionais 25
gravidez oriunda de estupro, de um lado est6 a vida do feto e de outro o bem-
estar psicol6gico da gestante, fazendo a legislagio infraconstitucional a opg6o
pelo segundo bemjuridico; no caso de a gravidez causar risco para a vida da
gestante, estaremos diante de dois bens juridicos semelhantes 
- 
vida da ges-
tante e vida do feto 
-, sendo que a primeira jri est6 formada, merecendo maior
tutela legal que a segunda).
Exemplo importantissimo de que o embrido jii implantado no ritero 6 ti-
tular de direitos 6 a Lei I 1.804, de 05.1 1.2008, que trata dos "alimentos gravi-
dicos", ou seja, os alimentos devidos pelo suposto pai desde a concepgdo atd
o parto, sendo, depois do parto, convertidos em pensdo alimenticia em favor
do menor. Tais alimentos serio devidos, sendo o feto vi6vel ou invi6vel, en-
quanto durar a gravidez (art. 6.').
Sem drivida, a legislagdo sobre os alimentos gravidicos veio suprir uma
grande lacuna existente no nosso ordenamento juridico: a inexist€ncia de
regulamentag6o legal dos alimentos devidos ao nascituro, e percebidos pela
gestante ao longo da gravidez. Segundo Patricia Donati de Almeida, "a Lei de
Alimentos 
- 
Lei 5.478/68 
- 
era considerada, pela maioria da doutrina, um
6bice d concessdo de alimentos ao nascituro, haja vista a exig6ncia, nela con-
tida, da comprovaglo do vinculo de parentesco ou da obrigagdo alimentar.
(...) A nova legislagdo, entrando em contato com a realidade social, dispensa
tais requisitos, sendo suficientes, para a concessdo dos alimentos ao nascituro,
nos termos do seu art. 6.o, indicios da paternidade. Note-se que os crit6rios
para a fixagdo do valor a ser pago s6o os mesmos hoje previstos para a con-
cessdo dos alimentos convencionais: a) necessidade da autora da agdo,leia-se,
da gestante; b) possibilidade do r6u (suposto pai). H6 que se notar que, em
razdo da pr6pria nabxeza dessa esp6cie de alimentos 
- 
gravidicos 
-, a sua
duragdo se restringe d gravidez. Com o nascimento, com vida, do nascituro,
eles se convertem em pensdo alimenticia. E o que se extrai do art. 6.", par6-
grafo tnico, da nonna em comento" (www.lfg.com.br, acesso em
07.09.2008).
Questdo extremamente pol€mica versa sobre os embriOes que ndo se en-
contram em fase gestacional (com vida extrauterina). E o que ocorre com os
embriOes excedentes que se encontram nos laborat6rios destinados d realiza-
gdo de procedimentos direcionados d fertilizagdo.
Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal se manifestou recentemente,
atrav6s da ADIn 3.510, ajuizada pelo Procurador-Geral da Repriblica contra a
Lei ll.105/2005, conhecida como "Lei de Biosseguranga" (que permite, para
fins de pesquisa e terapia, a utilizagdo de c6lulas-tronco embrion6rias obtidas
26 REMEDIoScoNSTITUCIoNAIS
de embrides humanos produzidos por fertilizagdo in vitro e nio usados no res-
pectivo procedimento, e estabelece condigOes para essa utilizag6o).
Podemos resumir os argumentos utilizados pelo Min. Carlos Britto da
seguinte forma: (a) a lei contribuir6 para a pesquisa, que potencialmente auxi-
liar:|na recuperaglo da saride de muitos; (b) pessoas fisicas sio aquelas que
sobrevivem ao parto; (c) ndo obstante, a "dignidade da pessoa humana", na
sua aplicag6o infraconstitucional, aplica-se aos nascituros; (d) o casal que se
utrliza do procedimento da fertilizagdo in vitro n6o estS obrigado juridicamen-
te a se utilizar de todos os embri6es, pois ndo h6 lei que o determine (art. 5.o,
II), sendo eventual imposig6o contr6ria ao planejamento familiar do casal (art.
226,5 7.", CF); (e) se a vida se enceffa com o fim da atividade enceflllica, ndo
havendo c6rebro, ndo h6 vida.
Lembremos que a decisdo do Supremo Tribunal Federal tem efeito vin-
culante e, portanto, vincula todo o Poder Judici6rio e a Administragdo Priblica
direta e indireta, federal, estadual e municipal. Parece-nos, portanton embora
digna de respeito, n6o mais aplic6vel a posiglo de Maria Helena Diniz no
sentido de que, "embora a vida se inicie com a fecundagdo, e a vida vi6vel,
com a gravidez, que se d6 com a nidag6o, entendemos que o inicio legal da
personalidade juridica 6 o momento da penetragSo do espermatoz6ide no 6vu-
lo, mesmo fora do corpo da mulher, pois os direitos da personalidade, como o
direito d vida, d integridade fisica e d safde, independem do nascimento com
vida" (Curso de direito civil brasileiro,p.296).
4.4 Titularidade post mortem dos direitos fundamentais
Sobre o tema, esclarece o professor Ingo Wolfgang Sarlet: "No direito
constitucional comparado, sempre volta a ser mencionada a assim designada
sentenga Mefisto do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, onde se
estabeleceu que a obrigagdo por parte do Estado de tutelar a dignidade da pes-
soa humana (assim como os direitos de personalidade que lhe sdo inerentes)
ndo cessa com a morte. Nesse contexto, situam-se, por exemplo, os direitos
ao bom nome, d privacidade, d honra, bem como o dever (e direito) de respei-
to ao cad6ver, o direito a um funeral condigno, assim como a discussdo sobre
a possibilidade de disposigdo de 6rg5os, entre outros" (A eficdcia dos direitos
fundamentais, p.236).
O Superior Tribunal de Justiga, no REsp 268.660/RJ, cujo relator foi o
Min. C6sar Asfor Rocha, j.21.11.2000, afirmou: "Os direitos da personalida-
de, de que o direito d imagem 6 um deles, guardam como principal caracteris-
tica a sua intransmissibilidade. Nem por isso, contudo, deixa de merecer
proteEdo a imagem de quem faleceo como se fosse coisa de ningu6m, porque
Direitos e Garantias Fundamentais e os Rem6dios Constitucionais 27
ela permanece perenemente lembrada nas mem6rias, como bem imortal que
se prolonga para muito al6m da vida, estando at6 acima desta,como senten-
ciou Ariosto. Dai por que ndo se pode subtrair da mde o direito de defender a
imagem de sua falecida filha, pois s6o os pais aqueles que, em linha de nor-
malidade, mais se desvanecem com a exaltagdo feita d mem6ria e d imagem
de falecida filha, como s6o os que mais se abatem e se deprimem por qual-
quer agressSo que possa lhe trazer m6cula. Ademais, a imagem de pessoa fa-
mosa projeta efeitos econOmicos para al6m de sua morte, pelo que os seus
sucessores passam a ter, por direito pr6prio, legitimidade para postularem in-
denizag5o em juizo" (grifamos).
Outrossim, no REsp 625.I6llRJ, cujo relator foi o Min. Aldir Passarinho
Jr., o Superior Tribunal de Justiga aftrmou, dentre outros argumentos, que o
devido funeral dado ao morto resulta de sua dignidade.
Evidentemente, nem todos os direitos sdo aplicados ao falecido (direito d
liberdade de locomogdo, direito d liberdade de expresslo, liberdade de asso-
ciagdo ou reuniSo etc.), por motivos 6bvios. Ndo obstanten outros direitos li-
gados d personalidade e, sobretudo, i dignidade da pessoa humana perduram
ap6s a morte. Como dizMaria Helena Diniz, "ao cad6ver 6 devido respeito.
Certos direitos produzem efeito ap6s a morte, como o direito moral do autor
(...), o direito d imagem e i honra" (Curso de direito civil brasileiro,p.224).
Acreditamos que esse foi o entendimento do atual C6digo Civil, se fizer-
mos uma interpretagdo conjunta dos arts. Il e 12.Isso porque, se os direitos
de personalidade s6o intransmissiveis, em caso de direito i imagem do morto,
por exemplo, ndo se trata de direito dos herdeiros, mas sim direito do faleci-
do, que ser6 pleiteado pelos herdeiros. Ndo se trata, pois, de pleitear em nome
pr6prio direito pr6prio, mas, sim, pleitear em nome pr6prio direito alheio (do
falecido).
4.5 Direitos dos animais
Tradicionalmente, afirmava-se que os animais ndo podem ser titulares de
direitos, e eventuais agress6es a esses seres vivos atingiriam reflexamente o
homem (patrimonialmente, por exemplo). Ndo obstante, com a evolugdo do
direito, tem-se reconhecido valor d dignidade da vida nlo humana, sobretudo
em casos de pr6tica de maus-tratos a animais. Como lembra Sarlet: "... embo-
ra o direito constitucional positivo ndo reconhega direta e expressamente di-
reitos fundamentais como direitos subjetivos aos animais, no sentido de serem
estes tifulares de direitos desta natureza, o reconhecimento de que a vida n6o
humana possui uma dignidade, portanto, um valor intrinseco e n6o meramen-
te instrumental em relagdo ao homem, j6 tem sido objeto de chancela pelo
28 REMEDroscoNsTrrucroNArs
direito, e isto em viirios momentos, seja no que concerne i vedagSo de pr6ti-
cas cru6is e causadoras de desnecessilrio sofrimento aos animais, seja naquilo
em que se vedam pr6ticas que levem d extingdo das espdcies, e nio pura e
simplesmente por estar em risco o equilibrio ecol6gico como um todo, que
constitui outra importante (mas n6o a rinica) razdo para a tutela constitucio-
nal, pelo menos tal qual previu o constituinte brasileiro".
A dfvida recai sobre a seguinte quest6o: existe apenas uma tutela juridi-
co-objetiva da vida n6o humana ou existe uma titularidade subjetiva dos direi-
tos fundamentais por parte dos animais? Ainda que seja adotada a segunda
posig6o, evidentemente, n6o poderiam ser tais direitos pleiteados pelos seus
detentores, mas pelo ser humano indiretamente interessado.
Inclinamo-nos a defender a primeira posigdo, ou seja, existe uma tutela
juridico-objetiva da vida n6o humana, amparada em vfrios dispositivos cons-
tifucionais que versam sobre a protegdo da fauna, a necess6ria protegio dos
animais etc.
Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal analisou caso interessante: o
conflito entre o direito d manifestagdo cultural e a conhecida "farra do boi".
Trata-se do REsp 153.53l/SC, com a seguinte ementa: "Costume 
- 
Manifes-
tag6o cultural 
- 
Estimulo 
- 
Razoabilidade 
- 
Preservag5o da fauna e da flora 
-
Animais 
- 
Crueldade. A obrigaglo de o Estado garantir a todos o pleno exer-
cicio de direitos culturais, incentivando avalorizagio e a difusdo das manifes-
tagdes, n6o prescinde da observdncia da norma do inciso VII do art. 225 da
ConstituiEdo Federal, no que veda prdtica que acabe por submeter os ani-
mais d crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional deno-
minado'farra do boi' " (grifamos).
Nesse mesmo julgamento, um dos argumentos do voto do Min. Francis-
co Rezek 6 extraordin6rio. Afirma ele que a neglig€ncia quanto aos maus-tra-
tos de animais, desrespeitando um dispositivo constitucional, sob o
argumento de que ele ndo 6 tdo relevante quanto os dispositivos constitucio-
nais que tratam da dignidade da pessoa humana, 6 um grande passo em dire-
96o ao ato de negligenciar a realizagdo de direitos humanos. Disse o Ministro:
"Por que, num pais de dramas sociais t6o pungentes, h6 pessoas preocupando-
se com a integridade fisica ou com a sensibilidade dos animais? Esse argu-
mento 6 de uma inconsistdncia que rivaliza com sua impertindncia. A
ningu6m 6 dado o direito de estatuir para outrem qual ser6 sua linha de ag6o,
qual ser6, dentro da Constituigdo da Repriblica, o dispositivo que, parecendo-
lhe ultrajado, deva merecer seu interesse e sua busca de justiga. De resto, com
a neglig€ncia no que se refere d sensibilidade de animais anda-se meio
Direitos e Garantias Fundamentais e os Remddios Constitucionais 29
caminho at6 a indiferenga a quanto se faga a seres humanos. Essas duas for-
mas de desidia slo irmds e quase se refnem, escalonadamente".
5. CLASSTFTCACAO DOS DIRETTOS FUNDAMENTAIS
A doutrina classifica os direitos fundamentais de acordo com uma ordem
cronol6gica, conforme foram surgindo ao longo da hist6ria. Realmente, os di-
reitos fundamentais passaram por v6rias transformagSes, seja quanto d ampli-
tude, efic6cia, titularidade etc. Diante dessas transformag6es ocorridas no
decorrer da hist6ria, os direitos fundamentais foram classificados em geragoes
(direitos de primeira gerag6o, segunda geragdo, terceira geraglo etc.).
N6o obstante, essa nomenclatura (geragdo) 6 cadavez mais criticada pela
doutrina, porque d6 a ideia de substituigSo de uma "antiga" geragdo por uma
mais "moderna". Diante desse cen6Lrio, ao contriirio do que fizemos na 1." edi-
g5o desta obra, passaremos a classificar os direitos em "dimens6es", e ndo
mais em "gerag6es", seguindo doutrina pifiria e alienigena majorit6ria.
Primeiramente, surgiram os direitos individuais, tambdm denominados
"liberdades pfblicas", pois consistem nos chamados direitos civis e politicos,
que, em sua maioria, conespondem d fase inicial do constitucionalismo oci-
dental, embora ainda estejam presentes em praticamente todos os textos cons-
titucionais Esses sdo os chamados direitos de primeira dimensdo. Como diz
Celso de Mello, no MS 22.l64lMS, o'enquanto os direitos de primeira geragdo
(direitos civis e politicos) 
- 
que compreendem as liberdades clSssicas, negati-
vas ou formais 
- 
realgam o principio da liberdade e os direitos de segunda
geragSo (direitos econdmicos, sociais e culturais) 
- 
que se identificam com as
liberdades positivas, reais ou concretas 
- 
acentuam o principio da igualdade,
os direitos de terceira gerugdo, que materializam poderes de titularidade cole-
tiva atribuidos genericamente a todas as formagdes sociais, consagram o prin-
cipio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de
desenvolvimento e expans1o e reconhecimento dos direitos humanos, caracte-
rizados enquanto valores fundamentais indisponiveis, pela nota de uma essen-
cial inexauribilidade".
Como exemplos de direitos de primeira dimensSo temos a vida, a liber-
dade, a propriedade, a igualdade perante a lei etc. Esses direitos foram poste-
riormente complementados por um leque de liberdades, incluindo as assim
denominadas liberdades de expressdo coletiva (comoa liberdade de expres-
s6o, imprensa, manifestagdo, reuni6o, associagdo etc.), pelos direitos de parti-
cipagio politica, como o direito de votar e ser votado, e por algumas garantias
processuais (habeas corpus, direito de petigdo etc.).
30 REN,GDToScoNSTITUCIoNAIS
Atualmente, novos direitos t€m sido elencados pela doutrina, dente eles
o direito de mudanga de sexo, o de morrer dignamente etc. Sobre esse riltimo,
Elisabete Teixeira Vido dos Santos (O principio constitucional da dignidade
da pessoa humana no tratamento de pacientes terminais, p. 137) fez sua dis-
sertaglo de mestrado.Diz a professora: "N6o se justifica, portanto, prolongar
a vida em situagOes inaceitdveis, de tal modo que nflo s6 a vida seja prolonga-
da, mas, principalmente, a agonia do paciente e de todos os seus entes queri-
dos. (...) N6o 6 a morte em si que deve ser evitada, mas a morte prematura, de
tal modo que todas as medidas devem ser utilizadas, se houver a possibilidade
de se devolver o bem-estar d pessoa, mas de maneira nenhuma se pode negar
que a morte faz parte da vida, e, uma vez iniciado o processo irreversivel de
morrer, onde se esgotou toda a possibilidade de cura, tal situagdo ndo pode ser
encarada como um fracasso da medicina, mas sim o reconhecimento de um
momento inevit6vel da vida".
N6o obstante, como dissemos acima, trata-se de direitos de primeira di-
mens6o, vistos sob o aspecto da atualidade, de acordo com os valores contem-
pordneos.
Assim, os direitos de segunda dimensdo sao os direitos sociais, econ6mi-
cos e culturais. O momento hist6rico gerador foi a Revolugdo Industrial euro-
peia, a partir do s6culo XIX.
Uma grande diferenga se nota entre os direitos de primeira e de segunda
dimensflo: enquanto os direitos de primeira dimensdo consistem em "liberda-
des priblicas", numa conotagdo negativa por parte do Estado (o Estado ndo
poder6 invadir nossa esfera de liberdade, intimidade etc.), os direitos de se-
gunda dimensdo possuem uma dimensdo positiva, exigindo uma atuagdo posi-
tiva do Estado, para propiciar a todos o direito de participar do "bem-estar
social". Na Constituiglo brasileira de 1988, tais direitos sdo encontrados em
infmeros dispositivos, sobretudo a partir do art. 6.o, com as chamadas "liber-
dades sociais", como a liberdade de sindicalizagdo, o direito de greve, bem
como o reconhecimento de inrimeros direitos fundamentais dos trabalhadores,
como direito a f6rias, d6cimo terceiro sal6rio, garantia de um sal6rio minimo
etc.
Os direitos de terceira dimensdo s6o os direitos mais "globais", como o
preservacionismo ambiental, a proteg6o dos consumidores, corol6rios, pois,
da solidariedade. A maior diferenga entre esses direitos e os anteriores 6 a
amplitude da titularidade, mais difusa, indefinida, indetermin6vel, como se
verifica na protegdo ao meio ambiente.
Direitos e Garantias Fundamentais e os Rem6dios Constitucionais 3l
Por sua vez, parte da doutrina j6 elenca os direitos de quarta dimensdo,
que seriam decorrentes da evolugdo no campo da engenharia gen6tica. Segun-
do o professor italiano Norberto Bobbio, "j6 se apresentam novas exig€ncias
que s6 poderiam chamar-se de direitos de quarta gerag6o, referentes aos efei-
tos cada vez mais traumdticos da pesquisa biol6gica, que permitir6 manipula-
g6es do patrim6nio gendtico de cada individuo" (apud Pedro Lenza, Direito
constitucional esquematizado, p. 695). Essa definigdo de direitos de quarta
dimensSo n6o est6 imune a criticas, haja vista que, segundo parte da doutrina,
nio se trata de uma nova fase qualitativamente diversa, mas apenas de uma
nova roupagem dada aos hadicionais direitos individuais ligados d liberdade.
Por esse motivo, definigSo diversa 6 adotada por Paulo Bonavides, segui-
da por Ingo Wolfgang Sarlet. Para os ilustres constitucionalistas, a quarta di-
mensdo seria composta pelos direitos d democracia direta e ao pluralismo.
6. CARACTERiSTICAS DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
Podemos elencar as seguintes caracteristicas dos direitos fundamentais:
a) historicidade: os direitos e garantias fundamentais possuem um car6-
ter hist6rico, na medida em que nasceram no Cristianismo e foram evoluindo
no decorrer da hist6ria;
b) universalidade: destinam-se, de modo indistinto, a todos os seres hu-
manos. Por esse motivo, a interpretagdo restritiva do art. 5.", caput, da CF,
que exclui o estrangeiro de passagem pelo territ6rio brasileiro, n6o nos parece
acertada. N6o obstante, como lembra Ingo Wolfgang Sarlet, "de acordo com
o principio da universalidade, todas as pessoas, pelo fato de serem pessoas,
s6o titulares de direitos e deveres fi.rndamentais, o que, por sua vez, ndo signi-
fica que ndo possa haver diferengas a serem consideradas, inclusive, em al-
guns casos, por forga do pr6prio principio da igualdade, al6m de exceg6es
expressamente estabelecidas pela Constituigio, como dii conta a distingSo en-
tre brasileiro nato e natttralizado, algumas distingdes relativas aos estrangei-
ros, entre outras" (A eficdcia dos direitos fundamentais, p.229).
c) Iimitabilidade ou relatividade: nenhum direito fundamental 6 absolu-
to. Se existisse direito absoluto, todos os direitos a ele contrapostos seriam
inexistentes. Por esse motivo, deve ser feita uma ponderagdo de interesses
(proporcionalidade), verificando-se qual direito fundamental deve prosperar.
N6o obstante, parte da doutrina reconhece, em nossa Constifuigdo, a
exist€ncia de um direito fundamental absoluto: a proibigdo de tortura e de tra-
tamento desumano ou degradante.
32 REMEDroscoNsTrrucroNArs
Diz Uadi Lamm6go Bulos: "Aqui ndo existe relatividade alguma. O mar-
ginal, assaltante, sequestrador, meliante, comrpto ou 'monstro' da pior estirpe
ndo pode ser torturado com o uso de expedientes psiquicos ou materiais. Aqui
o inciso III do art. 5." da Carta Maior consagra, sim, uma garantia ilimitada e
absoluta. Do contr6rio, fulminar-se-ia o Estado Democriitico de Direito (CF,
art. 1."), fomentando-se a cultura do'olho por olho, dente por dente'. (...)
Assim, salvo hip6teses especificas, como a da proibigdo i tortura, as liberda-
des priblicas possuem limites, ndo servindo de substrato para a salvaguarda de
pr6ticas ilicitas" (Curso de direito constitucional, p. 424).
Esse argumento, embora sedutor e garantista, encontra excegdes fora do
Brasil, sobrefudo quando confrontado com situagdes absolutamente extremas,
como a prhtica do terrorismo. Jorge Marmelstein (www.direitosfundamen-
tais.net, acesso em 0I.12.2008) lembra que o Presidente dos Estados Unidos
George Walker Bush defendeu abertamente a utllizagdo, em caso de terroris-
mo, da t6cnica de interrogat6rio chamadawaterboarding, que consiste basica-
mente em pendurar o prisioneiro de cabega para baixo e desc6-lo at6 o
pescogo em um recipiente com 6gua, causando a sensagdo de sufocamento,
sob o argumento de que ndo se trata de tortura (mas sim uma t6cnica para
obtengdo da verdade, no intuito de salvar vidas humanas). No mesmo cen6rio,
a Alta Corte de Justiga de Israel decidiu que ndo constitui tortura a colocaglo
de sacos na cabega durante o interrogat6rio de presos acusados de terrorismo.
A Corte Europdia de Direitos Humanos (CEDH) tambdm julgou no mesmo
sentido, considerando vrilidas algumas t6cnicas bastante rigidas utilizadas pe-
la policia britdnica para interrogar pessoas suspeitas de envolvimento com o
IRA:
d) concorrAncia: podem ser exercidos simultaneamente (ao mesmo tem-
po que o jornalista transmite uma noticia 
- 
colocando em pr6tica o direito de
informagSo 
-, emite sua opinido, colocando em pr6tica o direito de opinido).
Canotilho exemplifica a concorr€ncia de direitos, que ele chama de "acu-
mulagSo de direitos": 'oOutro modo de concorr€ncia de direitos verifica-se
com a acumulagdo de v6rios direitos que se entrecruzam entre si; um determi-
nado 'bem juridico' leva d acumulagdo, na mesma pessoa, de viirios direitos
fundamentais. Assim, por exemplo,a 'participagdo na vida priblica' 6 erigida
pela CRP em 'instrumento de consolidagdo do regime democr5tico'. Para se
obter uma efrcaz protegSo deste 'bem constitucional' 6 necess6rio acumular
no cidadlo v6rios direitos, que vdo desde o direito geral de 'tomar parte na
vida priblica e na diregio dos assuntos politicos do pais' (art. a8) atd ao direi-
to de sufrrigio (art.49), passando pela liberdade partiddria (art. 5l), o direito
de esclarecimento e informagSo sobre os atos do Estado e gestSo de assuntos
Direitos e Garantias Fundamentais e os r.r.:mddios Constitucionais 33
priblicos, o direito de petigdo e agao popular (art. 52\ e o direito de reunido e
manifestag5o (art. 45)" (Direito constitucional e teoria da constituiEdo, p.
r25r-1252);
e) inalienabilidade: os direitos fundamentais sdo indisponiveis, n6o pos-
suindo conterido econOmico-patrimonial. Assim, os seus tifulares ndo podem
vend6-los, alien6-los, comercializ5-los etc. Exemplo: a fungdo social da pro-
priedade ndo pode ser vendida porque ndo corresponde a um bem disponivel
(art. 5.o, XXIII);
f) imprescritibilidade: o passar do tempo ndo retira a possibilidade de
exercicio do direito frrndamental.
7. APLICABILIDADE DAS NORMAS DEFINIDORAS DE DIREITOS E
GARANTIAS FUNDAMENTAIS
De regra, as nornas constitucionais definidoras dos direitos e garantias
fundamentais tdm aplicagSo imediata. E o que diz o pr6prio art. 5.o, $ 1.o, da
constituigdo Federal: "As normas definidoras dos direitos e garantias funda-
mentais t6m aplicagdo imediata".
Isso significa que as nofinas constitucionais definidoras de direitos e ga-
rantias s6o de eficilcia plena. Elas, por si s6s, j6 produzem todos os seus efei-
tos. N6o obstante, h6 excegoes previstas no pr6prio texto constitucional
origin6rio, como no caso do art. 5.o, XIII, da CF, que diz:"E livre o exercicio
de qualquer trabalho, oficio ou profissdo, atendidas as qualificagdes profissio-
nais que a lei estabelecer". Trata-se de uma norrna constitucional de efic6cia
contida, na medida em que lei infraconstitucional pode restringir os efeitos
dessa norma constitucional (6 o que acontece com o Estatuto da ordem dos
Advogados do Brasil, que restringe o acesso d advocacia somente dqueles que
forem aprovados no Exame de Ordem). Outro exemplo d o art. 7.", XXVII, da
cF, que afirma ser direito dos trabalhadores a "protegdo em face de automa-
96o, na forma da lei". Trata-se de uma norrna constitucional de efic6cia limi-
tada, na medida em que depende de lei infraconstitucional para gerar todos os
seus efeitos.
7.1 Eficfcia vertical e horizontal dos direitos fundamentais
Historicamente, os direitos fundamentais foram aplicados verticalmente,
seja quando o texto constitucional impunha ao Estado uma obrigagdo de ndo
fazer (de ndo interferir na esfera da individualidade das pessoas), seja quando
impunha uma obrigagdo de fazer (como nos direitos sociais, atrav6s dos quais
o Estado tem o dever de garantir moradia, educagdo etc.).
34 REMEDIoS coNSTITUcIoNAIS
Assim, em um processo judicial, o Estado tem o dever de garantir o con-
tradit6rio e ampla defesa, nos termos do art. 5.o, LV, da CF. Indaga-se: os
direitos fundamentais tambdm devem ser aplicados nas relagdes entre particu-
lares? Com outras palavras, indaga Canotilho: "As normas constitucionais
consagradoras de direitos, liberdades e garantias devem ou ndo ser obrigato-
riamente observadas e cumpridas pelas pessoas privadas (individuais ou cole-
tivas), quando estabelecem relagdes juridicas com outros sujeitos juridicos
privados?" (Direito constitucional e teoria da constituiQdo, P. 1268).
Vririos nomes s6o atribuidos a esse fenOmeno: (a) efic6cia privada dos
direitos fundamentais; (b) efic6cia externa dos direitos fundamentais; (c) efi-
c6cia horizontal dos direitos fundamentais etc.
Para uma teoria mais conservadora (teoria do state action), somente h6
eficfcia vertical dos direitos fundamentais.
Admitindo-se a teoria da efic6cia horizontal (aplicando-se ds relagOes
privadas), teremos duas posigdes:
a) para uma teoria intermedi6ria (teoria da efic6cia indireta e mediata dos
direitos fundamentais na esfera privada), "os direitos fundamentais s6o apli-
cados de maneira reflexa, tanto em uma dimensio proibitiva e voltada para o
legislador, que n6o poder6 editar lei que viole direitos fundamentais, comoo
ainda, positiva, voltada para que o legislador implemente os direitos funda-
mentais, ponderando quais devam aplicar-se ds relagdes privadas" (Pedro
Lenza, Direito constitucional esquematizado, p. 593);
b) n6o obstante, cada vez mais no direito brasileiro se verifica a teoria da
efic6cia direta ou imediata dos direitos fundamentais na esfera privada. Al-
guns exemplos importantes podem ser vistos na jurisprud€ncia brasileira:
. exclusdo de associado da associaglo e ampla defesa (STF, RE
20 1 .8 I 9/RI, Informativo 405, STF) : "A doutrina tradicional dominante
do s6culo XIX e mesmo ao tempo da Repriblica de Weimar sustenta
orientag6o segundo a qual os direitos fundamentais destinam-se a pro-
teger o individuo contra eventuais ag6es do Estado, ndo assumindo
maior relevdncia para as relag6es de car6ter privado. (...) Afirmou-se
ainda que a efrcilcia imediata dos direitos fundamentais sobre as rela-
gdes privadas acabaria por suprimir o principio da autonomia privada,
alterando profundamente o pr6prio significado do direito privado co-
mo um todo. (...) Segundo esse entendimento, compete, em primeira
linha, ao legislador atarefa de realizar ou concretizar os direitos fun-
damentais no dmbito das relagOes privadas. Cabe a este garantir as di-
versas posig6es fundamentais relevantes mediante fixag6o de
Direitos e Garantias Furdamentais e os Remddios Constitucionais 35
limitag6es diversas. (...) Seo legitimas as decisdes de um empregador
que selecionasse seus empregados com utilizagdo de referenciais rela-
cionados com a confissdo religiosa ou a convicgdo politica? (...)
Assim, entende Hesse que cabe ao legislador e, se este se revelar omis-
so ou indiferente, ao pr6prio juiz interpretar o direito privado d luz dos
direitos fundamentais, exercendo o dever de proteglo que se imp6e ao
Estado. (...) Um dos direitos fundamentais que se apontam como de
incid€ncia no dmbito dos relacionamentos privados 6 o direito de am-
pla defesa. Esse direito 6 tido como de observdncia obrigat6ria, em se
tratando de exclusio de s6cio ou de membro de sociedade particular";
. revista intima em filbrica de lingeries e direito i intimidade (STF, RE
I60.222tR1, rel. Min. Seprilveda Pertence): "Submissio das operiirias
de indristria de vestu6rio a revista intima, sob ameaga de dispensa 
-
Sentenga condenat6ria de primeiro grau fundada na garantia constitu-
cional da intimidade":
. expulsdo de cooperativa e devido processo legal (STF, RE 158215-4/
RS, rel. Min. Marco Aurdlio): "Cooperativa 
- 
Exclusio de associado 
-
Carilter punitivo 
- 
Devido processo legal. Na hip6tese de exclusdo de
associado decorrente de conduta contr6ria aos estatutos, imp6e-se a
observdncia do devido processo legal, viabilizado o exercicio amplo
da defesa";
. igualdade de tratamento de funcioni{rios de empresa a6rea (STF, RE
161.243/DF, rel. Min. Carlos Veloso): "Principio da igualdade. Ao re-
corrente, por ndo ser franc€s, n6o obstante trabalhar para empresa fran-
cesa no Brasil, ndo foi aplicado o Estafuto do Pessoal da Empresa, que
concede vantagens aos empregados, cuja aplicabilidade seria restrita
ao empregado de nacionalidade francesa. Ofensa ao principio da igual-
dade".
8. DIREITOS, GARANTIAS E REMEDIOS CONSTITUCIONAIS
Como vimos acima, garantias fundamentais consistem em dispositivos
instrumentais, assecurat6rios dos direitos (normas declarativas). Como lembra
Ingo Wolfgang Sarlet: "... a doutrina ainda hoje busca inspiragdo na obra de
Ruy Barbosa, para quem 
- 
em coment6rio dirigido d Constituigdo de 1891 
- 
6
possiveldistinguir as disposig6es constitucionais meramente declarat6rias,
que positivam os direitos e a estes reconhecem exist€ncia legal, das de nature-
za assecurat6rias, que protegem os direitos e limitam o poder, ressaltando,
ainda, que ambas podem estar contidas no mesmo dispositivo constitucional.
36 REMEDroscoNSTrrucroNAIS
Neste sentido, as garantias 
- 
de acordo com a formulagdo de Ruy 
- 
podem ser
consideradas como as formalidades que cercam os direitos com a finalidade
de protegO-los contra os abusos do poder. Sob a 6gide da Constituigdo de
1988, esta lig6o continua encontrando ampla receptividade no seio da doutri-
na" (A eficdcia dos direitos fundamentals, p. 198).
Muitas vezes, a pr6pria nonna que assegrra um direito j6 prev6 uma ga-
rantia, como, por exemplo, a norrna que prev€ o juiz natural (direito) e veda a
criagdo de juizo ou tribunal de excegdo. Outro exemplo 6 dado por Pedro
Lenza: "E inviol6vel a liberdade de consciCncia e de crenga, sendo assegura-
do o livre exercicio dos cultos religiosos 
- 
art. 5.o, VI (direito) 
-, 
garantindo-
se na forma da lei, a proteglo aos locais de culto e suas garantias
(garantia)" (Direito cons titucional es quematizado, p. 696).
J6 os rem6dios constitucionais, tema principal deste livro, sdo uma esp6-
cie de garantias fundamentais. Slo nornas de conterido assecurat6rio dos di-
reitos fundamentais e que possuem estrutura procedimental de ag6o. Como
diz Ingo Wolfgang Sarlet, sdo "procedimentos de matriz constitucional (e,
neste sentidoo ag6es constitucionais), que outorgam ao individuo, inclusive na
condigdo de integrante de uma coletividade, a possibilidade de se defender de
inger6ncias indevidas em sua esfera privada, protegendo-se contra abusos de
poder, agressdes aos seus direitos, al6m de viabilizarem a efetivagdo dos di-
reitos e garantias fundamentais em geral" (A eficdcia dos direitos fundamen-
tais,p.199).
Ser6o estudados a partir do pr6ximo capitulo os seguintes rem6dios
constitucionais: (a) habeas corpus; (b) habeas data; (c) mandado de seguran-
9a; (d) mandado de seguranga coletivo; (e) mandado de injungao; (f) ag6o po-
pular.
2
O HABEAS CORPUS
1. MATRIZ CONSTITUCIONAL
"Art. 5.o (...)
(...)
LXVIII 
- 
conceder-se-6 habeas corpus sempre que algu6m sofrer ou se
achar ameagado de sofrer viol€ncia ou coagdo em sua liberdade de locomo-
gdo, por ilegalidade ou abuso de poder;
(...)
LXXVII 
- 
sdo gratuitas as ag6es de habeas corpus e habeas data, e, na
forma da lei, os atos necess6rios ao exercicio da cidadania;
(...)."
2. ORIGEM HISTORICA
O habeas corpus foi o primeiro rem6dio a integrar as conquistas liberais.
No dizer de Jos6 Afonso da Silva, o'denota-se sua presenga na inglaterra antes
mesmo da Magna carta de 1215, mas foi esta que lhe deu a primeira formula-
96o escrita" (Curso de direito constitucional positivo,p. aa\.
Em outras palavras, podemos dizer que o instituto do habeas corpus
existe, historicamente, desde a primeira Constituiglo de que se tem noticia,
ou seja, aCarta de Jo6o Sem-Terra, da Inglaterra, de 19.06.1215, que assegu-
rava ao cidaddo o sublime direito da liberdade: ningu6m h6 de ser preso e
processado "a n6o ser em virtude de um julgamento legal por seus pares e na
forma da lei do pais".
Assim sendo, o habeas corpus d um instituto originiirio do direito ingl€s.
Os bardes ingleses, em 15 de junho de 1215, impuseram ao rei Joio Sem-Ter-
ra a Magna Charta Libertatum, e os principios do writ of habeas corpus se
catalogaram em seu capitulo xxx. o ato assegurava o direito i liberdade.
Para efetivar esse direito, a jurisprud€ncia entendeu pela expedigio de manda-
dos (writs) de apresentagio.
Essa carta n6o foi respeitada por completo pelos monarcas ingleses. por
isso, o Parlamento, em 1628, redigiu a Petition of Rights, criando o restabele-
cimento irrecus6vel do rem6dio de habeas corpus. Mesmo assim, era
38 REMEDIoScoNSTITUCIoNAIS
necessfria a regulamentagdo legislativa do processo; Habeas Corpus Act, de
1,679.
Posteriormente, houve o Habeas Corpus Act de 1816, para suprir as fa-
lhas do Habeas Corpus Act de 16Tg,principalmente o seguinte: deixou de ser
um instituto s6 para rdus criminais, podendo ser aplicado a qualquer pris6o.
Da mesma forma, o direito canOnico salvaguardou o direito individual,
garantindo ao homem a liberdade em supremo gtau, e nio se h6 de restringi-
la a ndo ser quando for necess6rio.
As legislagdes portuguesas (Ordenagdes Afonsinas, Manuelinas e Filipi-
nas), embora posteriores d Magna Charta de 1215, ndo cuidaram do habeas
corpus.
O germe do habeas corpus no Brasil foi o Decreto de 23.05.1821, de D.
Pedro I, enquanto principe regente. Previa o direito d liberdade, mas n6o fazia
mengdo ao habeas corpus.
A ConstituigSo de 1824 n6o faziamengdo ao habeas corpus, mas previa
o direito d liberdade (art. 179, inciso 8.'). Esta Carta, outorgada por D. Pedro
I, proibia a prisdo de algu6m sem culpa formada, mas sua regulamentagdo foi
feita somente pelo C6digo de Processo Criminal de 1832, que regulou esse
instituto como rem6dio repressivo, pordm privativo dos brasileiros, em face
de constrangimentos abusivos e legais.
Dizia a Constituigdo de 1824: *Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos
Civis, e Politicos dos Cidaddos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a
seguranga individual, e a propriedade,6 garantida pela Constituigio do Impe-
rio, pela maneira seguinte: (...) VIII. Ninguem poder6 ser preso sem culpa for-
mada, excepto nos casos declarados na Lei; e nestes dentro de vinte e quatro
horas contadas da entrada na prisdo, sendo em Cidades, Villas, ou outras Po-
voagdes proximas aos logares da residencia do Juiz; e nos logares remotos
dentro de um prazo razoavel, que a Lei marcar6, attenta a extensSo do territo-
rio, o Juiz por uma Nota, por elle assignada, far6 constar ao R6o o motivo da
pris6o, os nomes do seu accusador, e os das testemunhas, havendo-as".
A Lei 2.033, de 20.09.1871, deu-lhe ainda car6ter preventivo, estenden-
do-o at6 para os estrangeiros.
Em 1890, no decreto 848, ficou autorizado o recurso d Suprema Corte
em todos os casos em que a ordem de habeas corpus fosse negada.
A Constituigdo Nacional de 1891, redigida praticamente na integra por
Ruy Barbosa, elevou o habeas corpus a valor de garantia constitucional, esta-
belecendo um preceito no seu art.72, $ 22, que admitiu a extensSo do habeas
Habeas Corpus 39
corpus ao amparo dos direitos pessoais, e ndo s6 d liberdade fisica. Essa foi a
chamada interpretagdo brasileira do habeas corpus. Deu uma interpretagdo
ampliativa ao instituto, inclusive para a protegdo de direitos pessoais, e ndo s6
a liberdade fisica. Em contraposigdo, Pedro Lessa entendia que o habeas cor-
pels, respeitando sua origem anglo-saxOnica, deveria se limitar a tutelar a
liberdade de locomogdo. N6o obstante, prevaleceu a teoria de Ruy Barbosa
(teoria brasileira do habeas corpus).
No entanto, o habeas corpus foi limitado, na reforma constitucional de
1926, somente para proteger a liberdade de locomogio e o abuso confa a pri-
s6o ilegal, ficando sem amparo os direitos pessoais, protegidos em outros pai-
ses pelos wrlls especiais, hoje amparados pelo mandado de seguranga.
Mesmo assim, parte da doutrina entendia que o habeos corpus continuava tu-
telando qualquer direito, al6m da liberdade de locomogSo.
Na constituigdo de 1934 encontramos a definigdo no art. 113, n. 23, e na
constituigdo de 1937 no art. 122, n. 16: "Dar-se-6 habeas corpus sempre que
algudm sofrer, ou se achar ameagado de sofrer viol€ncia ou coagdo em sua
liberdade, por ilegalidade ou abuso de poder. Nas transgressdes disciplinares
ndo cabe o habeas corpus".
A Constituigdo de 1937, conhecida como "A Polaca", outorgada por Ge-
tulio Vargas, suprimiu o mandado de seguranga (criado na Constituigdo de
1934), mas previu o habeas corpus, com a seguinte redag6o: "Dar-se-f ha-
beas corpus sempreque algudm sofrer ou se achar na imin€ncia de sofrer vio-
lOncia ou coagdo ilegal, na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de
punigdo disciplinar".
A Constituigdo Federal de 1946 regulou o instituto em seu art. 141, $ 23:
"Dar-se-6 habeas corpus sempre que algu6m sofrer ou se achar ameagado de
sofrer viol€ncia ou coagdo em sua liberdade de locomog5o, por ilegalidade ou
abuso de poder. Nas transgressdes disciplinares n6o cabe habeas corpus".
A Constituigdo de 1967 previa o habeas corpus no seu art. 150, $ 20, e a
Emenda Constitucional 1, de 1969, em seu art. 153, $ 20: "Conceder-se-6 ha-
beas corpus sempre que algu6m sofrer ou se achar ameagado de sofrer viol6n-
cia ou coagdo em sua liberdade de locomogdo, por ilegalidade ou abuso de
poder".
O Ato Institucional 5, de 13.12.1968, dizia em seu art. 10: "Fica suspen-
sa a garantia de habeas corpus nos casos de crimes politicos, contra a segu-
ranga nacional, a ordem econdmica e social e a economia popular". A
Emenda Constitucional l. de 17.10.1969. manteve. em seu arl.182. o AI 5.
40 REMEDroscoNsrrrucroNArs
A atual Constituigdo Federal dispde sobre o habeas corpus no art. 5.o,
inciso LXVIII: "Conceder-se-6 habeas corpus sempre que algu6m sofrer ou
se achar ameagado de sofrer violOncia ou coagdo em sua liberdade de locomo-
96o, por ilegalidade ou abuso de poder".
3. CONCEITO
Trata-se de "rem6dio judicial que tem por finalidade evitar ou fazer ces-
sar a violdncia ou a coagdo a liberdade de locomogdo decorrente de ilegalida-
de ou abuso de poder" (Fernando Capez, Curso de direito processual penal,
p, s23).
Segundo Guilherme de Souza Nucci, "trata-se de aglo de natureza cons-
titucional, destinada a coibir qualquer ilegalidade ou abuso de poder voltado d
constrigdo da liberdade de locomogio" (C6digo de Processo Penal comenta-
do,p.1017).
Examinemos todos os principais elementos do art. 5.', LXVII, da Cons-
tituigdo Federal: sofrer 
- 
est6 acontecendo; ameagado de sofrer 
- 
h6 indicios
de que acontecer6; viol€ncia 
- 
vis corporalis; coaEdo 
- 
vis compulsiva; liber-
dade de locomogdo 
- 
o habeas corpus, desde a Constituigdo de 1934, destina-
se a tutelar o direito d liberdade de locomogdo (ir, vir e ficar); para outros
direitos liquidos e certos, poder6 ser impetrado habeas data (para acesso ou
correg5o de dados pessoais) ou mandado de seguranga (para quaisquer outros
direitos liquidos e certos); ilegalidade 
- 
contrariedade d lei; abuso de poder 
-
excesso de poder e desvio de poder (desvio de finalidade).
4. NATUREZAJURiDICA
Tem natureza de agdo constitucional penal, e, no dizer de Jos6 Afonso da
Silva, 6 um "rem6dio constitucional destinado a tutelar o direito de liberdade
de locomogdo, liberdade de ir, vir, parar e ficar" (Curso de direito constitu-
cional positivo, p. 444-445).
Poder-se-ia questionar se o habeas corpus 6 recurso, m6xime porque est6
previsto no C6digo de Processo Penal, dentre os recursos. Bem, esse argu-
mento 6 de astenia insuperiivel. O simples fato de estar previsto na lei como
recurso nlo muda sua natureza. Certa vez assisti a uma palestra do grande
penalista Eugenio Raul Zaffaroni. Disse ele uma frase: "Vaca 6 vaca, cachor-
ro 6 cachorro. A lei pode at6 chamar avaca de cachorro, mas a vaca continua-
16 sendo uma vaca". Ou seja, a lei pode atd chamar o habeas corpus de
recurso, mas ele continuarii sendo uma a96o constitucional.
Habeas Corpus 4l
Outrossim, se em algumas hip6teses o habeas corpus aparenta ser um
mecanismo recursal (quando se ataca uma decisSo jurisdicional nula, quando
se questiona uma ordem de prisdo sem justa causa etc.), em outras hip6teses
n6o h6 essa conotagdo recursal (exemplo, no habeas corpus preventivo, quan-
do h6 apenas uma ameaga de constrangimento d liberdade da pessoa).
5. ESPECIES
O habeas corpus pode ser preventivo, quando o paciente demonstra justo
receio de sofrer violagSo em seu direito de locomogio, em sua liberdade de ir
e vir, hip6tese em que o Estado conceder6 um salvo-conduto para evitar que
sofra os efeitos da coagdo ilegal.
Recentemente, essa esp6cie de habeas corpus foi largamente utilizada
por pessoas que iriam prestar depoimento nas Comiss6es Parlamentares de
Inqu6rito (CPI dos Correios, dos bingos e tantas outras), visando impedir que
fossem presas durante as oitivas no Congresso Nacional.
" Habeas corpus preventivo, impetrado em favor de pacientes que dizem
estar sofrendo constrangimento ilegal, vez que h6 falta justa causa para o indi-
ciamento de todos, com tamb6m restou patente atipicidade da conduta de ca-
da um deles. Com as informag6es, manifestou-se a douta Procuradoria de
Justiga pela ndo concessdo. O Tribunal concedeu parcialmente a ordem para
sustar o indiciamento dos pacientes, at6 que se individualize a suposta condu-
ta penalmente reprov6vel de cada um deles" (HC 252.224-3/SP, rel. Marcon-
des D'Angelo, 06.04.1998, v.u.).
"Pris6o civil 
- 
Alimentos 
- 
Habeas corpus preventivo 
- 
Constrangimen-
to ilegal 
- 
Determinagdo judicial para que o devedor de pensio fixada com
fundamento em indenizagSo por reparagSo de dano ocorrido em acidente au-
tomobilistico deposite valor em aberto, sob pena de prislo 
- 
Obrigagio que
n6o 6 alimentar stricto senslt 
- 
Determinagdo ilegal 
- 
Ordem concedida" (HC
1.092.435-0/1/IVIonte Azul Paulista,32." Cdmara de Direito Privado, rel. Ruy
Coppola, 29.03.2007, v.u.).
Em caso interessante o STF assim decidiu: "l 
- 
Habeas corpus: cabi-
mento, em car6ter preventivo, quando se questiona da legitimidade da intima-
gdo para depor em comissSes parlamentares de inqu6rito 
- 
Precedentes (...). II
- 
STF 
- 
Compet€ncia origin6ria 
- 
Habeas corpus contra ameaga imputada a
Senador ou Deputado Federal (CF, art. 102,I, a e c), incluida a que decorra
de ato praticado pelo congressista na qualidade de Presidente de Comissdo
Parlamentar de Inqu6rito 
- 
Precedentes. III 
- 
Comissdo Parlamentar de Inqu6-
rito: conforme o art. 58, $ 3.o, da Constituigdo, as comissdes parlamentares de
42 REMEDroscoNsrrrucroNArs
inqu6rito det€m o poder instrut6rio das autoridades judiciais 
- 
e n6o maior
que o dessas 
-, de modo que a elas se poderdo opor os mesmos limites for-
mais e substanciais oponiveis aos juizes, dentre os quais os derivados de di-
reitos e garantias constitucionais. IV 
- 
Comissdo Parlamentar de Inqudrito:
intimagdo de indigena para prestar depoimento na condigdo de testemunha,
fora do seu habitat: violagdo irs normas constitucionais que conferem prote-
gdo especifica aos povos indigenas (CF, arts. 215,216 e 231). 1. A convoca-
96o de um fndio para prestar depoimento em local diverso de suas terras
constrange a sua liberdade de locomogdo, na medida em que 6 vedada pela
Constituigdo da Repriblica a remogdo dos grupos indigenas de suas terras, sal-
vo exceg6es nela previstas (CF, art. 231, $ 5.").2. A tutela constitucional do
grupo indigena, que visa a proteger, aldm da posse e usufruto das terras origi-
nariamente dos indios, a respectiva identidade cultural, se estende ao indivi-
duo que o compde, quanto d remogSo de suas terras, que 6 sempre ato de
opgdo, de vontade pr6pria, n6o podendo se apresentar como imposigio, salvo
hip6teses excepcionais. 3. Ademais, o depoimento do indio, que n6o incorpo-
rou ou compreende as pr6ticas e modos de exist6ncia comuns ao "homem
branco", pode ocasionar o cometimento pelo silvicola de ato ilicito, passivel
de comprometimento do seu status libertatis.4. Donde a necessidade de ado-
96o de cautelas tendentes a assegurar que ndo haja agressdo aos seus usos,
costumes e tradigdes. V 
- 
Deferimento do habeas corpus, para tornar sem
efeito a intimagdo, sem prejuizo da audiOncia do paciente com as cautelas in-
dicadas na impetragSo" (STF, HC 80240/RR, rel. Min. Seprilveda Pertence,
DJ 14.10.2005, p. 8).
O habeas corpus tamb6m

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