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Termodinâmica – histórico e primeiros conceitos; prof. Ourides Página 1 Termodinâmica: breve histórico e conceitos iniciais Notas de aula; Prof. Ourides Santin Filho 1 Matéria e energia: aspectos históricos 1.1 Primeiras ideias Em 1789 Lavoisier, após ter inventado a teoria da combustão pelo oxigênio, publicou sua principal obra, o Tratado Elementar de Química. Nessa obra, o químico francês apresenta uma tabela com uma nova nomenclatura química, visando organizar o caos que reinava na designação das substâncias. Parte dessa tabela está apresentada na figura 1. Figura 1: parte superior da tabela com nomes de substâncias simples, como sugerido por Lavoisier em seu Traité Élémentaire de Chimie (1789), com seus nomes usuais até então adotados. As primeiras duas substâncias renomeadas por Lavoisier são luz (lumière) e calórico (calorique). Na coluna da direita aparecem os nomes pelas quais elas eram conhecidas até então. O simples exame dessa tabela nos permite verificar algo interessante: Lavoisier (e seus contemporâneos) não sabiam distinguir matéria de energia. Embora essa diferenciação nos seja hoje quase que intuitiva, nem sempre foi assim. A história da Ciência mostra que essa distinção levou muito tempo para acontecer e foi um processo do qual participaram dezenas de cientistas que ora concordavam e ora discordavam entre si. Em seus debates novos e importantes conceitos foram desenvolvidos. A termodinâmica é fruto desse debate. Vejamos brevemente alguns de seus episódios. Lavoisier admitiu que quando ocorre a queima de um combustível (óleo, carvão, etc.), há absorção de um gás presente na atmosfera, além do aparecimento do que chamamos hoje de Termodinâmica – histórico e primeiros conceitos; prof. Ourides Página 2 calor. O produto gerado era um gás que, ao se dissolver na água, gerava uma solução de caráter ácido (reconhecemos hoje o gás como o gás carbônico, cujas soluções são ácidas). Como interpretou Lavoisier esses resultados? Para ele, o gás presente na atmosfera e absorvido na combustão era capaz de gerar ácidos (em grego, oxygine). Contudo, esse gás traria consigo dois outros componentes, a luz e o calórico. Desse modo, uma combustão foi interpretada como Combustível + ar vital (princípio oxygine + luz + calórico) ácido + luz + calórico Assim, o princípio oxygine se transferia ao combustível, formando o ácido, deixando como resíduos a luz e o calórico. Durante o século XVIII, o modelo de calórico de Lavoisier, um fluido imponderável (que não pode ser pesado), prevaleceu. Figura 2: Sir Benjamin Thompson, o conde Rumford (1753-1814). Nem todos estavam satisfeitos com a teoria do calórico. Sir Benjamin Thompson, o conde Rumford, era superintendente de fabricação de armas do exército em Munique. Acompanhando o trabalho de perfuração de barras de aço para a fabricação de canhões, ele observou a enorme quantidade de calor gerado pelo atrito das brocas com o aço. A quantidade de calor gerada aumentava se as brocas estivessem mal afiadas. Rumford propôs que o calor seria um tipo de movimento mecânico. Humphry Davy, químico inglês, observou que duas barras de gelo se fundiam ao serem atritadas, sem aumento de temperatura, o que sugere um modelo mecânico para o processo de fusão. Apesar das propostas destes cientistas, os modelos para compreensão dos fenômenos térmicos permaneceram presos ao modelo do calórico, em especial na França. Por conta do desenvolvimento das máquinas a vapor, os cientistas ingleses se ocuparam mais com os aspectos tecnológicos das trocas de calor do que com as teorias que eventualmente o explicassem. Entre os franceses, muitos engenheiros mostraram interesse por estudos sobre o calor. Dentre eles, Fourier, Carnot e Clapeyron deixaram contribuições importantes. Fourier estabeleceu as bases matemáticas da transferência de calor entre os corpos, ainda com base no modelo do calórico. Sadi Carnot (1796-1832) publicou uma análise dos fatores que envolvem a produção de energia mecânica a partir do calor, em sua obra (Réflections sur la puissance motrice du feu; Reflexões sobre o poder motriz do fogo, 1824). O modelo de Carnot para as transferências de calor por diferença de temperatura era, para ele, similar à queda de água em uma cachoeira. A queda de água se dá por diferença de altura e, quanto maior essa diferença, mais trabalho é possível realizar com a água que cai. O trabalho realizado pelo calor trocado entre corpos, por outro lado, será maior quanto maior for a diferença de temperatura entre dois corpos. Os trabalhos de Carnot foram ampliados por Benoit Émile Clapeyron (1799-1864), que os colocou numa forma analítica. 1.2 O equivalente entre calor e trabalho Os trabalhos desses pioneiros não foram muito considerados. O quadro mudou bastante com o surgimento da teoria mecânica do calor, quando se estabeleceu para ele um equivalente Termodinâmica – histórico e primeiros conceitos; prof. Ourides Página 3 mecânico. Ironicamente, muitas das contribuições para compreensão do que seria o calor veio dos biologistas. Já durante seus estudos de combustão dos corpos e respiração, Lavoisier havia constatado que a razão entre a quantidade de calor liberado e o gás carbônico produzido era mais ou menos a mesma, seja na combustão, seja na respiração animal. Para continuar esses estudos, Lavoisier desenvolveu um dispositivo para medir calor (calorímetro) junto com seu amigo e matemático Pierre Simon de Laplace. Figura 3: Julius Robert von Mayer (1814-1878). O alemão Julius Robert von Mayer (1814-1878) era formado em medicina em Tubingen, e participou de uma expedição naval até a ilha de Java. Nos trópicos, ele percebeu que o sangue venoso dos nativos era muito vermelho, parecido com o sangue arterial. Conhecedor da hipótese de Lavoisier de que o calor gerado pelos seres vivos resulta da combustão dos alimentos, Mayer considerou que nos trópicos não havia necessidade de muita combustão dos alimentos para se manter a temperatura do corpo, daí a pequena diferença de cor entre os sangues venoso e arterial. Ele sugeriu então que as forças mecânicas, as forças químicas contidas nos alimentos e o calor pudessem ser convertidas umas nas outras. Mayer chegou a calcular, a partir dos dados disponíveis até então, o equivalente mecânico do calor como sendo 3,6 joules/caloria (em notação moderna). O alemão Hermann von Helmholtz (1821-1894) chegou a conclusões similares às de Mayer, enquanto era médico do exército em Potsdam. Em sua obra Über der Erhaltung der Kraft (1847) ele claramente enunciou o princípio da conservação da energia e formalizou matematicamente o “equivalente-força do calor” e o “equivalente-força dos processos elétricos”. Helmholtz assumiu a hipótese de que havia uma quantidade de energia constante e finita no Universo e sugeriu que havia conservação da energia mecânica, térmica e elétrica. Figura 4: James Prescott Joule (1818-1889). Contudo, o trabalho mais importante da época foi conduzido por um cervejeiro de Manchester, interessado por estudos físicos: James Prescott Joule (1818-1889). No ano de 1840, quando contava com apenas vinte e dois anos, ele constatou que a quantidade de calor produzido pelo fluxo de uma corrente elétrica é proporcional à resistência do condutor e ao quadrado do fluxo da corrente (lei de Joule). Concluiu ele que o calor era produzido pela resistência oferecida pelo condutor ao fluxo de corrente. Então, Joule teve a ideia de determinar o calor a partir da resistência oferecida por uma quantidade determinada de água à rotação de pás em rotação em seu interior (fig. 5). Um conjunto de pás montadas em um eixo repousa no interior de umrecipiente contendo quantidade conhecida de água, cuja temperatura pode ser lida em um termômetro. O eixo das pás é preso por um sistema de polias a um peso também conhecido, que cai, podendo-se calcular o trabalho perdido na queda. Nessa queda há aquecimento da água e, através da Termodinâmica – histórico e primeiros conceitos; prof. Ourides Página 4 medida da variação da temperatura é possível determinar o calor gerado. Com esse dispositivo, Joule obteve o valor de 772 libras-pé/unidade térmica (BTU). Figura 5: o dispositivo usado por Joule na determinação do equivalente mecânico do calor. Seus trabalhos foram recusados pela principal sociedade científica da época, a Royal Society, mas foi reconhecida por Willian Thomson em um encontro da British Association, em 1847. Willian Thomson (1824-1907), mais conhecido como Lorde Kelvin, foi professor de filosofia natural em Glasgow e, desenvolvendo os trabalhos de Joule, da interconvertibilidade entre trabalho e calor, chegou ao conceito de temperatura absoluta, em 1848. Com base nos estudos de Carnot, Kelvin descobriu que a transferência de energia entre gases sob certas condições independe da natureza do gás e propôs uma nova escala de temperatura em que a mesma quantidade de trabalho é gerada nos gases para o mesmo incremento de temperatura (mesma quantidade de calor transferido). O uso do termo “energia” viria a se consolidar na metade do século XIX. 1.3 Ideias acerca do movimento molecular Em paralelo ao desenvolvimento das ideias de calor como movimento, houve aprofundamento da noção de que um gás fosse constituído por partículas em movimento. Essa noção, no entanto, demorou para se consolidar, face às dificuldades de se demonstrá-la experimentalmente (não conseguimos ver as partículas de um gás se movimentarem). Isaac Newton e Robert Boyle investigaram o problema, mas tiveram dificuldade em propor modelos matemáticos para suas ideias. Antes desses pensadores, em 1649, Pierre Gassendi sugeriu que a pressão exercida por um gás era devido às colisões de suas partículas com o recipiente que o continha. Embora bastante atuais, as ideias anteriores só viriam a ganhar algum desenvolvimento matemático com o trabalho de Daniel Bernoulli, em 1738. Ele propôs que a pressão de um gás obedecia à seguinte relação, � = 1 3 �� �� �� Termodinâmica – histórico e primeiros conceitos; prof. Ourides Página 5 Na expressão acima, n é o número de partículas do gás, de massa m, v é a velocidade média das mesmas e s é o tamanho da aresta do recipiente que contém o gás, tal que s3=V, então, �� = 1 3 ���� A expressão anterior concorda com a observação de Boyle de que pV = constante. Bernoulli tinha a noção de que a velocidade média das moléculas só aumentava se houvesse aumento de temperatura, e não apenas contração de volume do gás, mas não conseguiu desenvolver suas ideias com mais profundidade. Tal desenvolvimento só viria com os trabalhos de Joule, Carnot e Thomson, já citados, além de Clausius, Maxwell e Boltzmann. Desse modo, o calor passou a ser visto como uma forma de energia associada ao movimento das moléculas, tal que mais movimento corresponde a mais energia. O gás, considerado como um conjunto de partículas em movimento incessante, podia ganhar ou perder energia facilmente na forma de calor, e esse ganho ou perda era facilmente monitorado pelo aumento da pressão ou da temperatura. Assim, nada mais conveniente do que estudar as trocas de calor a partir de amostras gasosas. Por essa e outras razões, a Termodinâmica desenvolveu seus conceitos a partir do estudo dos gases. 2 Conceitos fundamentais 2.1 Universo, sistema e vizinhanças Ao estudar algum fenômeno, temos que circunscrevê-lo, isto é, estabelecer os limites físicos no qual o fenômeno será estudado. Por exemplo, ao se dissolver uma reação química que ocorre num béquer, não nos interessa a atmosfera do laboratório. Chamamos o béquer e seu conteúdo de sistema. A todo o resto designamos de vizinhanças ou de resto do universo. O sistema se separa das vizinhanças por uma fronteira. Dizemos que um sistema é aberto quando ele permite troca de matéria e de energia com as vizinhanças. Se ele permitir apenas troca de energia ele é classificado como fechado. Por outro lado, se suas fronteiras não permitirem passagem nem de matéria nem de energia, dizemos que o sistema é isolado. 2.2 Trabalho, calor e energia O trabalho é um conceito vinculado ao deslocamento organizado da matéria. Em Mecânica, o trabalho é determinado pelo produto de uma força pelo deslocamento produzido por ela sobre um corpo. Há realização de trabalho quando, por exemplo, um gás se expande e desloca um pistão do motor de um automóvel. Uma reação química pode gerar corrente elétrica. A corrente elétrica se constitui no deslocamento dos elétrons no interior de um condutor e é, também, uma forma de trabalho. Todos os movimentos acima podem ser aproveitados (tornados úteis). O trabalho pode se manifestar segundo diversas formas, conforme visto acima. A tabela I abaixo apresenta quatro das formas de manifestação de trabalho que interessa aos químicos. As expressões matemáticas são dadas na sua forma diferencial e serão explicadas ao longo das Termodinâmica – histórico e primeiros conceitos; prof. Ourides Página 6 diversas disciplinas de físico-química do curso. Nessa disciplina abordaremos a primeira equação. Tabela I: formas de manifestação de trabalho e suas equações diferenciam. Fonte: Atkins, P.W. Físico-química; v.1, 7ª edição, Rio de Janeiro: LTC, 2006. Forma de trabalho dw Comentários Unidades Expansão de volume - pextdV Pressão externa X variação de volume Pa.m3 Expansão de superfície dA Tensão superficial X variação de área N.m-1.m2 Expansão linear Fdl Tensão X variação de comprimento N.m Elétrico dq Potencial elétrico X variação de carga elétrica V.C A energia é um conceito mais difícil de ser compreendido. Ela é uma espécie de capacidade (potencial) que um sistema tem de realizar trabalho sobre outro. Dizer que um sistema (por exemplo, um gás) contém energia significa dizer que ele tem certo potencial para realizar trabalho. Se ele realizar trabalho, essa capacidade diminui, isto é, ele perde energia. O sistema pode perder energia de outra forma que não realizando trabalho. Lembremos que o trabalho implica em movimento organizado da matéria. A transferência de energia pode se dar também pelo movimento desorganizado da matéria. Quando isso se dá, dizemos que a transferência de energia ocorreu via calor. Consideremos uma caneca cheia de água, que colocamos sobre a chama de um fogão. Haverá transferência de energia para a água e, como resultado, haverá aumento do movimento caótico, desorganizado, de suas moléculas. Sempre que estudamos um fenômeno físico ou químico que ocorrem em um sistema, nós obtemos informações sobre a partir dos efeitos que ele causa nas vizinhanças. Essas vizinhanças podem ser, por exemplo, nossa mão ou boca, ao testar se um copo de leite está quente. Pode ser um termômetro, um amperímetro, um voltímetro, um detector de luz, de campo magnético, um telescópio, etc. Podemos distinguir calor e trabalho do mesmo modo, pelos efeitos que observamos nas vizinhanças. Como podemos distinguir calor e trabalho? Essa distinção se dá nas vizinhanças. Nós vemos um peso se movimentar ou vemos uma coluna de mercúrio se deslocar se há aumento ou diminuição de energia num sistema. 2.3 Processos endotérmicos e exotérmicos As fronteiras entre um sistema e as vizinhanças podem ou não permitir a passagem de energia. Caso haja passagem de energia dizemos que as fronteiras são diatérmicas.Esse é o caso, por exemplo, do alumínio das panelas. Por outro lado, se as fronteiras não permitem passagem de energia, elas são ditas adiabáticas. As paredes de uma garrafa térmica se aproximam um pouco de fronteiras adiabáticas. Por outro lado, um processo que perde energia é dito exotérmico, enquanto um processo que absorve energia é dito endotérmico. Esses processos podem ocorrer em sistemas com fronteiras diatérmicas ou adiabáticas. Voltemos à caneca de alumínio contendo água a dada temperatura. Vamos supor que vá ocorrer vaporização da água. Para tanto, ela precisa de energia (o processo é endotérmico). Se a água retirar energia de si própria, na fase líquida, haverá entrada de energia pelas paredes da caneca, pois suas paredes são diatérmicas Desse modo, a energia perdida pela água líquida será Termodinâmica – histórico e primeiros conceitos; prof. Ourides Página 7 reposta, de modo que sua temperatura será constante durante a vaporização. Por outro lado, se as paredes forem adiabáticas a energia virá da água e não será reposta. Consequentemente, ela irá se esfriar. Essa situação é muito comum nos antigos recipientes de barro utilizados para manter a água fresca (moringas). O mesmo tipo de análise pode ser feito para processos que perdem energia (exotérmicos). A água, ao se condensar, perde energia. Se a energia escapar pelas paredes o processo se dará a temperatura constante. Por outro lado, se a energia ficar confinada no interior do sistema haverá aumento de sua temperatura. 3 As leis da termodinâmica 3.1 Introdução As leis da termodinâmica não podem ser demonstradas. Elas são regularidades que veem sendo observadas na natureza e que jamais foram refutadas, isto é, até hoje jamais se observou um fenômeno que negassem uma outra das leis da termodinâmica. Em função disso, elas não podem ser deduzidas a partir de inferências mais elementares do que elas próprias; são leis empíricas e consolidadas a partir de um número muito grande de observações. Usualmente fala-se na primeira, segunda e terceira lei da termodinâmica. No entanto, seu estudo deve ser precedido de comentários acerca do que se chama lei zero da termodinâmica, associada à possibilidade de se medir a temperatura dos corpos. Vejamos como isso ocorre. Vimos que, pela teoria cinética molecular, a energia contida em um corpo está associada à intensidade de seu movimento, de modo que quanto maior sua energia cinética média, maior sua energia. A energia de uma partícula, ou de um conjunto delas, pode ser transferida a outra partícula ou conjunto delas (corpo) se eles forem colocados em contato. A temperatura é uma medida dessa energia cinética média. Então, se dois corpos estão à mesma temperatura, suas partículas têm a mesma energia cinética média. Dizemos que eles estão em equilíbrio térmico. Se dois corpos em diferentes temperaturas forem colocados em contato e suas fronteiras forem diatérmicas, então haverá transferência de energia do mais quente para o mais frio, até que eles entrem em equilíbrio (suas temperaturas se igualem). Com base nesse princípio, é possível afirmar que, se um corpo A está em equilíbrio térmico com um corpo B e este, por sua vez, está em equilíbrio com um corpo C, então os corpos A e C também estão em equilíbrio. Essa afirmação parece tola, mas é exatamente essa possibilidade que faz com que possamos medir a temperatura de dois corpos usando um terceiro, no caso, um termômetro. 3.2 A primeira lei da termodinâmica Conforme dissemos, as leis da termodinâmica não podem ser demonstradas. Elas são produto de centenas de milhares de observações acerca do comportamento dos sistemas reais. Em particular, a primeira lei da termodinâmica foi formulada a partir das tentativas de se melhorar o desempenho das máquinas térmicas – primeiras máquinas a vapor, desenvolvidas na Inglaterra ainda no século XVIII, utilizadas para operar os teares mecânicos da nascente Revolução Industrial. No entanto, como todas as leis da termodinâmica, ele é aplicável a qualquer sistema, inclusive em fase condensada (sólidos e líquidos). A compreensão dessa lei envolve a noção de que as trocas de energia entre um sistema e as vizinhanças ocorrem somente via calor e trabalho. Termodinâmica – histórico e primeiros conceitos; prof. Ourides Página 8 3.2.1 Energia Interna (U) de um sistema Qualquer porção de matéria possui, dentro de si, alguma quantidade de energia. Essa energia pode ser térmica, cinética ou potencial, pode ser energia armazenada nas suas ligações químicas, ou ainda devido à estrutura de suas partículas (núcleo, elétrons, etc.). Essa energia é conhecida como energia interna (U) do sistema. Não podemos determinar o valor absoluto da energia interna (ou seja, quanto o sistema tem de energia), mas podemos determinar as variações energia que nele ocorrem, isto é, a quantidade perdida ou ganha de energia pelo sistema. Consideremos, por exemplo, um gás. Suas partículas estão em constante movimento, logo, elas têm energia mecânica. Se forem átomos isolados, há energia armazenada nos núcleos e nas suas nuvens eletrônicas. Se forem moléculas, há ainda energia armazenada nas ligações químicas (que podem ser usadas em outros processos), há energia de rotação e de vibração molecular. De qualquer modo, não conseguimos somar essas energias e avaliar qual é o total de energia contida no sistema, mas podemos fornecer ou retirar parte dessa energia, de modo que podemos medir essa variação. 3.2.2 A conservação da energia Podemos modificar a energia de um sistema de duas formas: por transferência de energia na forma de calor ou na forma de trabalho. A resposta do sistema é indiferente a essas formas de transferência – como foi dito anteriormente, as modificações no sistema são avaliadas observando-se suas vizinhanças. Podemos formular a ideia acima com a seguinte equação matemática, Δ� = � + � (1) Na equação acima, o primeiro termo representa a variação da energia interna, tal que U = Uf Ui, sendo Uf,i os estados de energia final e inicial, respectivamente. A equação mostra que a variação de energia interna de um sistema é igual à energia que passa para dentro de suas fronteiras, seja na forma de calor, seja na forma de trabalho que executamos sobre ele. Nesse texto, estamos adotando a chamada “notação aquisitiva”, isto é, estamos olhando para o sistema e considerando como positivo (+) o trabalho que entra nele (que nós, de fora, executamos sobre ele). Outros textos (p. ex., o Atkins) adotam a mesma notação, enquanto o Castellan adota a convenção dita “histórica”, que considera positivo o trabalho realizado pelo sistema sobre as vizinhanças. Essa mudança inverte o sinal de + para – na equação, mas conceitualmente nada muda. Uma das maneiras de se expressar a primeira lei da termodinâmica é a seguinte: se um sistema está isolado, então sua energia interna é constante, pois em sistemas isolados não há trocas de energia com as vizinhanças. Podemos demonstrar isso pela eq. (1). Se não há passagem de energia nem na forma de calor nem na forma de trabalho, então, q=0 e w=0, consequentemente, U=0. Uma importante consequência da primeira lei é que a variação da energia interna depende apenas dos estados inicial e final do sistema, e não depende de ele ter trocado energia somente na forma de calor, ou somente na forma de trabalho ou com frações de uma e de outra forma. Dito de outra forma, a diferença de energia não depende do caminho pelo qual a troca foi feita. Vejamos um exemplo. Podemos aumentar o conteúdo de energia de um gás de duas maneiras: Termodinâmica – histórico e primeiros conceitos; prof. Ourides Página 9 fornecendo-lhe calor (aquecimento)mantendo seu volume constante, ou ainda mantendo sua temperatura constante, podemos comprimi-lo. Nos dois casos o sistema ganhou energia. Não sabemos exatamente como essa energia extra está armazenada no gás, mas sabemos que ela veio por caminhos diferentes, e seu ganho de energia independeu do caminho, se a quantidade de energia fornecida foi a mesma. O processo acima é análogo ao que ocorre com a energia potencial de um individuo que sobe uma montanha. Ele pode fazê-lo por diversos caminhos diferentes, mais longos ou mais curtos, mas, ao final, seu ganho de energia potencial será o mesmo, qualquer que seja o caminho que ele tenha executado. Vejamos agora como podemos tratar matematicamente as ideais que foram apresentadas acima, estudando o processo de expansão de um gás. 3.3 O trabalho de expansão de um gás Consideremos um cilindro contendo um gás e fechado por um pistão móvel, conforme mostrado no lado esquerdo da figura 6. Fig. 6: esq.: gás confinado num cilindro, submetido a pressão externa constante (pext). Dir: o gás sofreu expansão contra a pressão externa constante e o êmbolo se deslocou de dz. Vamos supor que a pressão do gás seja maior do que a pressão externa que vale, por exemplo, uma atmosfera (pext=1 atm). Inicialmente o pistão está preso e, ao soltá-lo, o gás se expande aumentado o seu volume. Esse aumento de volume desloca a atmosfera para a direita. Na média, as moléculas de ar se deslocam em um único sentido. Como vimos, deslocamento organizado de matéria corresponde a trabalho. Dito de outra forma, o gás realizou trabalho sobre a atmosfera. Como podemos calcular o trabalho realizado? Do ponto de vista mecânico, o trabalho (w) para deslocar um corpo é dado pelo produto de uma força (F) que se opõe ao deslocamento pela distância (z) que ele se desloca. Considerando um infinitésimo de trabalho (dw), haverá um infinitésimo de deslocamento (dx), então, Termodinâmica – histórico e primeiros conceitos; prof. Ourides Página 10 �� = −��� (2) O sinal negativo surge pois a força se opõe ao deslocamento. O gás sofreu um acréscimo de volume dado pelo produto do deslocamento vezes a área do êmbolo (ver figura 6) �� = ��� (3) Isolando dz e substituindo na equação (2) �� = −� �� � (4) Contudo, a razão Força/Área corresponde à pressão (p), que se opõe ao deslocamento, então, F/A=pext, logo, �� = −������ (5) Qual será o trabalho efetuado pelo gás em sua expansão? Temos duas situações aqui: i)o gás se expande contra uma pressão externa constante (pext=constante) ou ii)a pressão externa varia de acordo com alguma função matemática, conforme o gás se expande. Vejamos cada um desses casos. Considerando que a pressão externa se mantém constante, podemos calcular o trabalho de expansão do gás como a integral da equação acima, desde o volume inicial até o volume final do gás, � = ∫ −������ �� �� = −���� ∫ �� = �� �� − ������� − ��� (6) � = −����Δ� (a pressão externa constante) (7) Um digrama pxV da expansão (também chamado de digrama indicador) tem o aspecto dado ao lado. Figura 7: trabalho de expansão de um gás contra uma pressão externa constante. O trabalho realizado pelo gás corresponde à área pextV no diagrama indicador. No próximo texto veremos como calcular o trabalho se a pressão externa varia, e vamos comparar as duas quantidades de trabalho que o sistema pode executar.
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